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Processo nº 414/2011 Data: 29.09.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “fuga à responsabilidade”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” só ocorre quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto de processo.

2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.


O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 414/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. foi A, arguido com os sinais dos autos, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “fuga à responsabilidade” p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, (Lei do Trânsito Rodoviário), na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de MOP$150.00, perfazendo o total de MOP$13.500,00, convertível em 60 dias de prisão subsidiária, condenando-se o mesmo arguido na inibição de condução por 6 meses, pena esta suspensa na sua execução por 18 meses e no pagamento de uma indemnização ao ofendido B no montante de MOP$1.300,00; (cfr., fls. 98-v a 99 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com o assim decidido, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:

“(i) O recorrente entende que se o espelho retrovisor esquerdo do automóvel conduzido pelo ofendido foi danificado ou não no acidente de viação em causa, isto deve ser provado com base nos elementos constantes dos autos.
(ii) As fotos relativas ao veículo de matrícula MM-53-XX a fls. 21 dos autos demonstram que o espelho retrovisor direito do referido automóvel encontrava-se aberto enquanto o espelho retrovisor esquerdo encontrava-se dobrado.
(iii) O recorrente entende que o facto de referido espelho retrovisor ficar dobrado não foi causado pelo embate.
(iv) Em primeiro lugar, o espelho retrovisor é um dos componentes do automóvel que pode ser aberto e dobrado e tem função flexível, de forma que o condutor possa abrir ou dobrá-lo conforme a sua própria necessidade.
(v) Não se encontra nos autos qualquer relatório feito pela polícia ou pela DSAT que referiu os danos no espelho retrovisor esquerdo do automóvel de matrícula MM-53-XX.
(vi) Nos autos também não se encontra qualquer recibo ou documento relativo à reparação do espelho retrovisor esquerdo do automóvel de matrícula MM-53-XX que pode provar os danos no referido espelho retrovisor.
(vii) Caso o espelho retrovisor esquerdo do automóvel de matrícula MM-53-XX ficasse dobrado devido ao embate, deveria, pelo menos, ter amolgadelas ou riscos na sua superfície, porém, as fotos constantes dos autos não revelam quaisquer amolgadelas nem riscos na superfície do referido espelho retrovisor.
(viii) O referido espelho retrovisor do veículo automóvel de matrícula MM-53-XX ficava dobrado sem ter quaisquer amolgadelas ou riscos na sua superfície, isto contraria às regras gerais da vida ou às regras físicas.
(ix) Caso não se encontrem quaisquer amolgadelas ou riscos nos espelhos retrovisores ou nas zonas perto dos referidos espelhos retrovisores dos dois automóveis, é impossível que o espelho retrovisor esquerdo de matrícula MM-53-XX ficava dobrado devido ao embate.
(x) Pelo que, ao provar tal facto, o Tribunal Judicial de Base incorreu em erro notório na apreciação da prova, e qualquer cidadão comum também tem a mesma dúvida levantada pelo recorrente.
(xi) Segundo os elementos constantes dos autos, o resultado do exame laboratorial verificou que o guarda-lamas do automóvel de matrícula MM-53-XX tinha vestígios de tinta vermelha pertencente à publicidade colocada no táxi de matrícula MC-72-XX, o que assim provou a ocorrência do acidente de viação entre os dois automóveis (as letras de cores preta e vermelha no vinil autocolante da publicidade colocada na parte lateral direita do táxi de matrícula MC-72-XX fundiram-se e ficaram riscadas enquanto o guarda-lamas frontal esquerdo do automóvel de matrícula MM-53-XX ficou com riscos), contudo, não se conseguiu provar que o espelho retrovisor esquerdo do automóvel foi danificado em consequência do embate.
(xii) Em física, conforme as leis sobre a relação entre a velocidade de um objecto e a mecânica, caso dois automóveis circulem simultaneamente em alta velocidade, um embate leve basta causar-lhes amolgadelas ou danificações.
(xiii) No acidente de viação em causa, os dois automóveis não sofreram qualquer amolgadela mas sim só ficaram com riscos ligeiros, por isso, o recorrente entende que não é como entendido pelo Tribunal Judicial de Base que existiu uma certa força no embate.
(xiv) Além disso, quer na esfera jurídica, quer no âmbito das regras de experiência comum ou sensos comuns, o recorrente entende que conforme os elementos constantes dos autos, é difícil para o Tribunal Judicial de Base concluir que sendo motorista de profissão, o arguido deve ter mais sensibilidade do que os condutores comuns quanto aos problemas ocorridos com o automóvel.
(xv) Na esfera jurídica, as condições para a obtenção da carteira profissional, tal como as para a obtenção da carta de condução geral, os candidatos, para além de provas teórica e prática, devem também aprovar a prova técnica.
(xvi) Nos termos do artigo 68.º do Regulamento do Trânsito Rodoviário, a prova técnica exige que os candidatos do exame para a obtenção de carteira profissional conheçam os funcionamentos mecânicos, a manutenção, a afinação e a reparação corrente do automóvel.
(xvii) Pelo que, a mais sensibilidade do motorista profissional aos problemas ocorridos com o automóvel só se limita aos conhecimentos mecânicos do automóvel, não devendo incluir a sensibilidade quando ocorre embate entre automóveis.
(xviii) O Tribunal Judicial de Base entendeu que conforme as regras de experiência comum e os sensos comuns, o motorista profissional deve ter mais sensibilidade do que os condutores comuns quanto aos problemas ocorridos com o automóvel, porém, o tribunal entendeu que o recorrente tem mais sensibilidade do que os condutores comuns só com base no facto de que o recorrente é motorista profissional, sem apurar há quanto tempo é que o recorrente trabalha como motorista profissional
(xix) O Tribunal Judicial de Base deve apurar há quanto tempo é que o recorrente já trabalha como motorista profissional, de forma a proceder objectivamente à análise ou à ponderação.
(xx) Caso o motorista profissional seja apenas recém-recrutado sem nenhuma experiência profissional ou só trabalhe neste ramo de actividade há pouco tempo, a sua sensibilidade aos problemas ocorridos com o automóvel é quase igual à dos condutores comuns.

(xxi) Pelo que, para julgar o grau de sensibilidade de um motorista profissional aos problemas ocorridos com o automóvel, deve também ter em conta há quanto tempo é que o referido motorista profissional já trabalha.
(xxii) Nos autos não há elementos que revelam que o recorrente já trabalha como motorista profissional há muitos anos e tem rica experiência profissional ou só trabalha como motorista profissional há pouco tempo.
(xxiii) Pelos acima expostos, o Tribunal Judicial de Base entendeu que o recorrente tem mais sensibilidade do que os condutores comuns só com base no facto de que o recorrente é motorista profissional, sem apurar há quanto tempo é que o recorrente trabalha como motorista profissional, juízo esse não corresponde às regras de experiência comum e aos sensos comuns.
(xxiv) Além disso, nos autos também não se encontram outras provas que revelam que na altura o recorrente se apercebeu subjectivamente da ocorrência do referido acidente de viação. O recorrente entende que nos autos só se pode provar os factos objectivos de que ocorreu uma fricção leve entre os dois automóveis e o recorrente é motorista profissional, por isso, os factos provados não são suficientes para a decisão em causa”; (cfr., fls. 106 s 115).

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Respondendo, afirma o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 117 a 121-v).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Cremos não fazer qualquer sentido o alegado pelo recorrente em qualquer das vertentes adiantadas, seja a pretensa ocorrência de erro notório na apreciação da prova, ao terem-se como comprovados como consequência do embate os danos registados no retrovisor esquerdo da viatura conduzida pelo ofendido, seja pela pretensa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por, supostamente, inexistirem dados comprovativos válidos e bastantes que permitissem concluir que o recorrente se teria apercebido do acidente.
Não se pondo em causa (nem o próprio o faz) a ocorrência desse embate, com intervenção do recorrente, mal se percebe que, tendo-se o mesmo registado na parte lateral esquerda do automóvel conduzido pelo ofendido, com os danos comprovadamente registados nessa zona da viatura, como possa vir-se pôr em crise a prova sobre os estragos causados nesse retrovisor, quando toda a normalidade, a lógica, o senso comum, apontam nesse sentido.
E, face a esses e restantes danos, revela-se natural, normal e lógico concluir que um condutor, sobretudo um profissional, motorista de táxi, não pudesse deixar de aperceber-se do embate registado, continuando, não obstante, a sua marcha, assim se furtando à responsabilidade, convicção que ainda mais arreigada se demonstrou face ao comportamento posterior do recorrente após ter sido chamado à atenção, por mais de uma vez, por parte do ofendido, razão por que se não vislumbra a pretensa insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, designadamente relativamente ao elemento subjectivo da infracção.
Tudo razões por que, sem necessidade de maiores considerações ou alongamentos, se nos afigura ser de manter o decidido, negando-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 183 e 184).

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Nada obstando, e em conformidade com o despacho exarado em sede de exame preliminar, vieram os autos à conferência.

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:

“Em 19 de Janeiro de 2008, cerca das 19h00, o ofendido B conduzia o automóvel ligeiro, de matrícula MM-53-XX, circulando pela faixa de rodagem direita da Ponte de Amizade enquanto A conduzia o automóvel ligeiro (táxi amarelo), de matrícula MC-72-XX, circulando pela faixa de rodagem esquerda da Ponte de Amizade, ambos em direcção a Macau.
Quando os dois automóveis aproximaram-se ao primeiro ponto mais alto da ponte, o arguido subitamente mudou para a faixa de rodagem direita, o que fez com que a parte lateral direita do automóvel de matrícula MC-72-XX embatesse na parte lateral esquerda do automóvel de matrícula MM-53-XX e no espelho retrovisor esquerdo deste e a parte lateral esquerda do automóvel de matrícula MM-53-XX tivesse vestígios de tinta vermelha pertencente à publicidade colocada no automóvel de matrícula MM-72-XX.
Bem sabendo que embateu noutro automóvel quando efectuou a manobra da mudança de faixa de rodagem, o arguido ainda não parou o seu automóvel para tratar a responsabilidade daí emergente e continuou sua marcha em direcção a Macau.
Pelo que, B moveu-lhe a perseguição atrás do automóvel conduzido pelo arguido para interceptá-lo. Quando chegou ao viaduto em frente do Terminal Marítimo do Porto Exterior, B conseguiu alcançar o táxi conduzido pelo arguido devido ao engarrafamento, parou o automóvel por si conduzido paralelamente ao referido táxi e veio a interceptar o táxi de matrícula MC-72-XX em frente do Hotel Casa Real sito na Rua de Malaca e chamar a polícia.
Em consequência do acidente, a parte lateral esquerda do automóvel ligeiro de matrícula MM-53-XX ficou riscada, a parte lateral direita do automóvel de matrícula MC-72-XX tinha vestígios do embate e a parte lateral esquerda do automóvel ligeiro de matrícula MM-53-XX onde ficou riscada tinha vestígios de tinta pertencente à publicidade colocada no automóvel de matrícula MC-72-XX. Após um exame dos referidos riscos realizado pelo chefe dos assuntos de veículos da companhia rádio-táxis, Chan Peng Kuong, verificou-se que aqueles são riscos deixados há pouco tempo.
Segundo o relatório laboratorial elaborado pela Polícia Judiciária, os vestígios de tinta vermelha deixados na parte lateral esquerda do automóvel ligeiro de matrícula MM-53-XX são semelhantes à tinta de cor vermelha pertencente à publicidade colocada no táxi de matrícula MC-72-XX, quer a cor, quer o espectrograma nos raios infravermelhos, sendo idêntica a sua composição dos elementos.
O aludido acidente de viação causou danos na parte lateral esquerda do automóvel ligeiro de matrícula MM-53-XX e no espelho retrovisor esquerdo deste, não se apurando as despesas de reparação.
Bem sabendo que embateu noutro automóvel aquando da condução, o arguido, que agiu de forma livre, voluntária e consciente, ainda não parou imediatamente o automóvel após o acidente de viação para tratar a responsabilidade cível ou criminal daí emergente, vindo a sair do local dolosamente, tentando furtar-se à responsabilidade civil ou criminal em que eventualmente tenha incorrido.
O arguido bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Mais se provou:
O ofendido B pediu a condenação do arguido no pagamento das despesas de reparação do automóvel, no montante de cerca de MOP$1.300,00 a 1.800,00.
O arguido é taxista, auferindo mensalmente por volta de MOP$10.000,00.
O arguido tem a seu cargo os pais e um filho menor.
O arguido tem como habilitações académicas o ensino secundário completo.
O arguido negou os factos imputados.
Conforme o CRC, o arguido é primário; (cfr., fls. 95 a 95-v e 135 a 138).

Do direito

3. Vem o arguido A recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que o condenou como autor da prática em autoria material e na forma consumada de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de MOP$150.00, perfazendo o total de MOP$13.500,00, convertível em 60 dias de prisão subsidiária, condenando-se o mesmo arguido na inibição de condução por 6 meses, pena esta suspensa na sua execução por 18 meses e no pagamento de uma indemnização ao ofendido B no montante de MOP$1.300,00.

Como se colhe de alegado em sede de motivação e conclusões do ora recorrente, é o mesmo de opinião que a decisão recorrido padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”.

Como se consignou em sede de exame preliminar, é manifesta a improcedência do recurso, sendo pois o mesmo de rejeitar.

Eis o porque deste entendimento.

Quanto ao vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” tem este T.S.I. repetidamente afirmado que o mesmo só ocorre “quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto de processo”; (cfr., v.g. o Acórdão de 09.06.2011, Processo n.° 275/2011).

Por sua vez, e também repetidamente, tem esta Instância entendido que:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

No que toca à “insuficiência”, e em síntese, diz o recorrente que nos autos não existem provas que revelam que o mesmo se apercebeu do acidente.

Ora, é patente que nenhuma razão lhe assiste.

Com efeito, há que afirmar desde já que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre toda a matéria do processo; (cfr., fls. 94 a 96), pois que, atenta a matéria constante da acusação deduzida, (e note-se que não ofereceu o recorrente contestação), elencou a matéria que resultou provada, indicando a que ficou não provada, fundamentando também adequadamente tal decisão.

Por sua vez, importa não olvidar que provado ficou que:

“Bem sabendo que embateu noutro automóvel quando efectuou a manobra da mudança de faixa de rodagem, o arguido ainda não parou o seu automóvel para tratar a responsabilidade daí emergente e continuou sua marcha em direcção a Macau”,

“O aludido acidente de viação causou danos na parte lateral esquerda do automóvel ligeiro de matrícula MM-53-XX e no espelho retrovisor esquerdo deste, não se apurando as despesas de reparação”;

“Bem sabendo que embateu noutro automóvel aquando da condução, o arguido, que agiu de forma livre, voluntária e consciente, ainda não parou imediatamente o automóvel após o acidente de viação para tratar a responsabilidade cível ou criminal daí emergente, vindo a sair do local dolosamente, tentando furtar-se à responsabilidade civil ou criminal em que eventualmente tenha incorrido”, e
“bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

Nesta conformidade, o que poderia haver era o vício de “erro notório na apreciação da prova” (que, de seguida se conhecerá), e não o de “insuficiência”, como alegado vem.

Dito isto, e exposto que assim ficam dos motivos da não ocorrência do vício de “insuficiência”, passemos então para o restante vício de “erro notório”.

Pois bem, também aqui é patente que inexiste a maleita em causa e que se limita o recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova” plasmado no art. 114° do C.P.P.M..

Vejamos.

Não discutindo o embate, e os danos causados no lado esquerdo do veículo do ofendido, vem o recorrente afirmar a sua discordância quanto aos “danos causados ao espelho retrovisor” aí situado.

Argumenta que o mesmo devia apresentar “riscos” ou “amolgadelas”, e que assim não sucedendo, incorreu o Tribunal a quo em “erro”.

Labora em equívoco.

Desde já há a dizer que em lado algum da decisão recorrida – nem nos factos não provados – se faz referência a “riscos” ou “amolgadelas” no dito espelho retrovisor.

Diz-se sim, que ficou “danificado”, e “dobrado”, e tal, não exclui, por si, a eventual existência dos “aspectos” pelo recorrente considerados inexistentes.

Por sua vez, importa atentar que em sede de fundamentação da sua convicção consignou o Tribunal a quo o que segue:

“Convicção dos factos:
O arguido prestou declaração na audiência de julgamento, negando os factos imputados. O arguido alegou não se ter apercebido do embate com o automóvel conduzido pelo ofendido quando efectuou a manobra da mudança de faixa de rodagem na Ponte de Amizade, o qual causou que a parte lateral direita do táxi embateu de raspão na parte lateral esquerda do automóvel ligeiro conduzido pelo ofendido e no espelho retrovisor esquerdo deste. O arguido mais referiu ter-se apercebido de que o ofendido moveu perseguição ao seu automóvel e lhe assinalou parar o automóvel no Terminal Marítimo do Porto Exterior, contudo, o arguido pensou que o ofendido lhe pediu para parar o automóvel devido às diferentes maneiras de condução das ambas as partes, por isso, a pedido do passageiro do táxi, o arguido não parou o seu automóvel.
Na audiência de julgamento, foram ouvidas 4 testemunhas, entre as quais, o ofendido B declarou que não era o proprietário do referido automóvel, o acidente de viação causou danos na parte lateral esquerda do automóvel por si conduzido, de matrícula MM-53-XX e no espelho retrovisor esquerdo deste. O ofendido pediu a condenação do arguido no pagamento das despesas de reparação do referido automóvel, no montante de cerca de MOP$1.300,00 a 1.800,00.
Analisando sinteticamente as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas na audiência de julgamento e as provas examinadas na audiência de julgamento, incluindo os documentos constantes dos autos, as provas são suficientes para provar os aludidos factos.
Apesar de o arguido negar que se apercebeu do embate entre os dois automóveis, conforme os danos sofridos pelos dois automóveis, nomeadamente os riscos na parte lateral esquerda do automóvel conduzido pelo ofendido e o facto de que o espelho retrovisor esquerdo ficava dobrado em consequência do acidente, pode-se saber que existiu um certo nível de força no embate. Conforme as regras de experiência comum e os sensos comuns, este Tribunal entende que sendo motorista de profissão, o arguido deve ter mais sensibilidade do que os condutores comuns quanto aos problemas ocorridos com o automóvel.
Pelo acima exposto, este Tribunal entende que o arguido bem sabia a ocorrência do embate e fugiu intencionalmente da perseguição e da intercepção do ofendido, a fim de furtar-se à responsabilidade civil ou criminal em que eventualmente tenha incorrido no acidente de viação”; (cfr., fls. 138 a 140).

Ora, basta uma leitura a tal segmento da decisão recorrida para se ficar a saber que o Tribunal não incorreu em nenhum “erro”, muito menos, notório, pois que não violou nenhuma regra sobre as provas de valor tarifado, as regras de experiência ou legis artis, e isto, quanto a qualquer facto que deu como provado, quer seja quanto ao embate, sua causa e efeitos, (inclusive, quanto ao retrovisor, pois que se o embate se deu no lado esquerdo do veículo do ofendido, lógico nos parece que possa ter danificado o espelho retrovisor instalado neste mesmo lado), quanto à fuga do ora recorrente, o mesmo sucedendo quanto à presença do elemento subjectivo do crime em questão, (já que se o embate ocorre com o lado direito do veículo do ora recorrente, que é o lugar do condutor, pouco lógico é que não se tenha apercebido).

Por fim, também não merece censura a consideração quanto à “sensibilidade” do recorrente pelo facto de ser condutor profissional.

É que embora na decisão recorrida não conste efectivamente o tempo de exercício da profissão de taxista por parte do recorrente, tal não exclui que se tenha referido tal facto em audiência, e não se pode olvidar que o próprio recorrente juntou documento onde afirma que iniciou tal profissão em Agosto de 2007; (cfr., fls. 105).

Certo sendo que o acidente ocorreu em 19.01.2008, e sabendo-se que em tal profissão se conduz cerca de 8 a 12 horas por dia, razoável nos parece de considerar o recorrente um “condutor com experiência na condução”.

Tudo visto, e constatando-se que mais não faz o recorrente do que tentar sindicar, sem razão, a livre convicção do Tribunal, impõe-se a rejeição do presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.200,00.

Macau, aos 29 de Setembro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

Proc. 414/2011 Pág. 26

Proc. 414/2011 Pág. 1