Processo nº 544/2011 Data: 13.10.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “tráfico ilícito de estupefaciente”.
Busca.
Nulidade.
Caso julgado formal.
SUMÁRIO
1. O despacho judicial que declara válida e legal uma busca efectuada, transita em julgado, constituindo caso julgado formal, se após notificados de tal decisão nada disserem os intervenientes processuais no prazo legal para o efeito.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 544/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar os (1° e 2°) arguidos, A e B, pela prática, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 14° da mesma Lei, e 1 outro crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art. 15° do mencionado diploma legal, fixando-lhes o Colectivo a pena única e individual de 4 anos e 7 meses de prisão; (cfr., fls. 472-v a 474 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Desgostosos com o assim decidido, os arguidos recorrem.
Nas suas motivações, assim concluem os arguidos:
“1.a O acórdão recorrido fundamentou a decisão condenatória em violação ao disposto nos artigos 162° n.os 1 e 2 e 159.° n° 5 do Código de Processo Penal, sendo por isso nula a busca domiciliária e toda a prova carreada para os autos em virtude dessa mesma diligência.
2.a De acordo com o disposto nos artigos 159° n.° 5; 234° n.° 2 e finalmente o 251° n.° 1, a) todos do Código de Processo Penal “1. Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar:
a) Buscas domiciliárias, nos termos e com os limites dos artigos 162.° e 234.°”
3.a Só o Juiz de Instrução, poderia validar a prova recolhida através de busca domiciliária compreendida antes do nascer e depois do pôr-do-sol!
4.a Como refere o Professor GERMANO MARQUES DA SILVA, “O Código não considera a busca da verdade como um valor absoluto, e por isso não admite que a verdade seja procurada através de quaisquer meios, mas só através de meios justos, ou seja de meios legalmente admissíveis. A verdade não é um valor absoluto e, por isso, não tem de ser investigada a qualquer preço, mormente quando esse preço é o sacrifício dos direitos das pessoas.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser o Recorrente absolvido dos crimes de tráfico de estupefacientes e detenção indevida de utensílio ou equipamento por manifesta violação da LEI relativamente aos requisitos legais que validam uma busca domiciliária e não se encontram reunidos na Decisão que ora se Recorre; (cfr., fls. 487 a 501 e 502 a 516).
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Em resposta, diz o Exmo. Magistrado do Ministério Público:
“Neste processo foi o arguido condenado na pena única de quatro anos e sete meses de prisão efectiva pela prática de crime de tráfico ilícito de estupefacientes, consumo ilícito e detenção indevida de utensílios, p. e p. nos art.° n.° 1, 14.° e 15.° da Lei n.° 17/2009.
O arguido vem interpôr o recurso da sentença, alegando agora, em sede do julgamento que a busco efectuada em sue casa (onde. foi apreendido o produto ilícito) enferma do vício da nulidade absoluta, por aquela diligência de recolha de prova não ser sido regularmente consentido.
Para tanto, e em súmula, invoca o facto de ser menor de idade pelo que o consentimento que prestou a fls. 24 em 19/07/2010 não é válida.
Por isso, pugna pela nulidade da busco domiciliária realizada pelas autoridades policiais, pretendendo ver ser decretada a sua absolvição dos crimes por que foi condenado, com base na recolha da prova que entende ser nula.
Ao analisarmos os autos verificamos que o arguido, à data, com 17 anos de idade, prestou consentimento para a busca domiciliária, no decurso da qual se, veio a apreender os produtos estupefacientes e utensílios que determinaram sua condenação.
Verificamos ainda que este arguido ouvido no T.I.C. em 20/07/2010, e assistido pela sua ilustre defensora constituída, a 13/08/2010, em fase de inquérito, e em 17/01/2011, já na fase de debate instrutória, nunca suscitou a questão da nulidade da recolha da prova.
Nem mesmo aquando da apresentação da sua contestação, após marcação do dia para o julgamento.
Nesta sua peça processual constatamos ainda que, no momento da realização da busca efectuada no domicílio do arguido, este reconhece que se encontravam no interior da residência também a sua irmã e seus pais, os quais Se encontravam a dormir quando “a polícia entrou dentro da casa”.
Pretendemos com esta súmula salientar que em parte alguma do processo, com excepção da audiência em julgamento, o arguido, seus pais ou mesmo a sua ilustre defensora invocaram qualquer nulidade nomeadamente a da busca efectuada, podendo, contudo, tê-lo feito.
Na realidade, há que dar razão (parcialmente, como veremos) ao arguido.
O mesmo era menor à data da realização da busca e foi o próprio que prestou o consentimento para a realização da busca policial à sua residência.
Temos como adquirido que em Macau, o ordenamento jurídico limita a capacidade judiciária dos menores nomeadamente impedindo-os de celebrar negócios jurídicos, nomeadamente de celebrar matrimónio, de requisita, bilhete de identidade ou passaporte ou mesmo de frequentar casinos.
Daí que também entendamos que não pode validamente consentir a realização de buscas policiais no seu domicílio.
Assim, não temos dúvida em considerar que o consentimento prestado pelo arguido menor às autoridades policiais para procederem à referida diligência está ferido de nulidade.
Resta, agora saber perante que tipo de nulidade nos deparamos e quais as suas consequências.
O tribunal confrontado com esta questão, na audiência de julgamento reconheceu que a referida diligência padecia de nulidade, mas considerou também que este Vício não se enquadrava no elenco das nulidades insanáveis, taxativamente elencadas no art.° 106.° do CPPM.
Pelo contrário, entendeu estar perante a denominada nulidade sanável, referida no art.° 107.° do CPPM. Por isso, considerou que tal vício poderia e deveria ter sido invocado no momento em que o mesmo se produziu, ou seja aquando da realização da busca à qual - como o próprio arguido reconhece - assistiram os seus pais, os pessoas com legitimidade para à mesma se opôr.
O Tribunal assentou esta sua decisão, e que agora é posta em crise, estribando-se não só na interpretação que faz da lei, como também na Jurisprudência.
O Ministério Público, efectivamente, concorda inteiramente com a posição assumida no douto acórdão recorrido, entendendo que há muito que passou o prazo para ser suscitada a questão da nulidade em causa.
Na realidade, por não se integrar na previsão do art. 106 CPPM, o vício processual que analisamos, tem forçosamente de se enquadrar no conceito das nulidades sanáveis, também estas taxativas mas dependentes de arguição. (só assim se compreende que o Tribunal, apesar de estar perante uma nulidade processual, oficiosamente, relativamente a ela não tenha tomado posição oficiosamente, situação reservada exclusivamente às nulidades insanáveis; as demais dependem de arguição do interessado com legitimidade para a arguir).
E o prazo para a sua arguição, seja pelo arguido menor, seja por seus pais, há muito que decorreu, já que ambos assistiram á realização do acto viciado.
E se por mera hipótese académica se se entendesse que o vicio a que nos vimos a referindo se pode considerar como uma nulidade respeitante ao inquérito, a sua arguição deveria ter ocorrido, no caso, até ao encerramento do debate instrutório.
Ora como vimos atrás, nenhuma nulidade foi então arguida pela ilustre defensora do arguido. Em defesa da posição assumidci pelo Tribunal e reforçando-a, permitimo-nos ainda citar jurisprudência moi do STJ de Portugal, que sendo mais recente que a citada no douto acordão, analisa de modo muito claro a questão suscitada:
- I - A busca realizada com “autorização” de quem não seja titular do direito à inviolabilidade do domicílio fere A CRP, designadamente o seu art. 34
- II - Porém, tem de considerar-se que as provas com ela obtidas não são meios
- absolutamente proibidos, mas antes como meios relativamente proibidos; na realidade não é absolutamente proibida a entrada em casa alheia.
- III - Como não se trata de um meio de prova absolutamente proibido - a intromissão no domicílio é legítima se consentida, mesmo sem autorização judicial - embora as provas obtidas sejam nulas, é a nulidade sanável, mostrando-se sanável se não for arguida pelo interessado; (AC, STJ de 18 de Outubro de 2001, proc n. 2371/2001 ).
Nestes termos, na nossa modesta opinião entendemos que Justiça será feita com a confirmação do douto acórdão recorrido.
(…); (cfr. fls. 519 a 523).
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Neste T.S.I. e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Subscrevendo as judiciosas considerações explanadas pelo nosso Colega na sua resposta à motivação do recurso, entendemos não assistir razão aos recorrentes.
Salvo o devido respeito por opinião diferente, afigura-se-nos que a busca efectuada em casa do recorrente A não enferme do vício da nulidade insanável, tal como alegam os recorrentes, mas sim nulidade relativa.
Nos termos do art° 113° n° 3 do CPPM, ressalvados os casos previstos na lei, são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas comunicações sem o consentimento do respectivo titular.
E face ao disposto nos n° 1 e 2 do art° 162° do CPPM, a busca domiciliária pode ser efectuada nas seguintes situações: em regra, ordenada ou autorizada pelo juiz; e em casos excepcionais previstos nas alíneas a) e b) do n° 4 do art° 159°, ordenada pelo MP ou efectuada por órgão de polícia criminal.
E a busca não pode ser efectuada antes do nascer nem depois do pôr-do-sol, salvo no caso previsto na al. b) do n° 4 do art° 159°.
A al. b) do n° 4 do art° 159 prevê casos em que os visados consintam a busca, exigindo que o consentimento prestado fique documentado por qualquer forma.
Por outras palavras, a busca domiciliária pode ser efectuada por órgão de polícia criminal, antes do nascer ou depois do pôr-do-sol, desde que haja consentimento do visado.
No caso sub judice, a busca domiciliária foi efectuada por órgão de polícia criminal, com consentimento do recorrente A, que tinha apenas 17 anos de idade.
Ora, mesmo admitindo a invalidade do consentimento dado pelo recorrente A por ser menor de 17 anos, certo é que a busca domiciliária efectuada pela Polícia Judiciária não deixa de ser considerada como válida uma vez que, tratando-se apenas de nulidade relativa, o vício verificado na diligência já se encontra sanada por não ter sido arguido no prazo legal.
A nulidade ora em causa não é nenhuma das elencadas no art° 106° do CPPM nem cominada como insanável noutras disposições legai.
Na realidade e nos termos do arte 113° n°s 1 a 3 do CPPM, as proibições de prova dão lugar a provas nulas.
No entanto, a nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável, consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana (nos 1 e 2 do art° 113°) ou a privacidade da pessoa humana (n° 3 do art° 113°). No primeiro caso a nulidade é insanável e no segundo é sanável (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3 s edição, pág. 319).
Tratando-se da nulidade sanável, o vício há que ser arguido pelos interessados no prazo legal, ficando sujeito à disciplina dos art°s 107° e 108° do CPPM.
Repare-se nos presentes autos que, tal como salienta o nosso Colega, há muito já passou o prazo para suscitar a questão de nulidade, pelo que se deve concluir pela intempestividade da sua arguição.
Daí que fica sanado o vício.
Acrescentando, não se pode esquecer que a busca efectuada já foi validada e declarada legal por despacho proferido pela Mma. Juiz de Instrução Criminal após o primeiro interrogatório judicial (fls. 112 dos autos).
Os recorrentes tomaram na altura conhecimento desse despacho e não fizeram nenhuma impugnação, pelo que a decisão transitou em julgado, constituindo assim “caso julgado formal” (cfr. Ac. deste TSI, de 26-5-2011, proc. n° 268/2011).
Pelo exposto, entendemos que se deve julgar improcedentes os presentes recursos”; (cfr., fls. 542 e 543).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“No dia 18 de Julho de 2010, por volta das 22H30, junto à entrada do Restaurante McDonald' s, sito em Macau, na Rua de Lei Pau Chon, agentes da PJ interceptaram o arguido C e a menor D (de alcunha XXX, nascida em 12 de Maio de 1995).
Neste momento, D deitou no chão um pequeno saco de pano de cor castanha que trazia, dentro do qual os agentes encontraram dois pacotes de substância cristalizada de cor branca embrulhada com saco de plástico transparente.
Após exame laboratorial, apurou-se que os dois pacotes de substância cristalizada de cor branca, com peso líquido total de 1,233g, continham substâncias de “Ketamina” enumerada na Tabela II - C da Lei n.° 17/2009 (após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Ketamina” de um deles era 84,84%, no peso de 0,579g, e a do outro pacote era 83,87%, no peso de 0,461g).
O arguido C tinha adquirido o estupefaciente acima referido junto do arguido A, e depois entregou à D para trazer consigo, de modo a vender a terceiros.
O arguido C sabia perfeitamente que D era menor a 16 anos.
No dia 19 de Julho de 2010, pelas 02HOO, conforme as informações fornecidas pelo arguido C, os agentes da PJ deslocaram-se à residência do arguido A, sita em Macau, no Bairro do Patane, Rua da Palmeira, Travessa de Mak Loi (Nota da tradutora: não existe nenhuma rua com este nome, talvez quererá dizer a Travessa do Enleio, em chinês Kua Loi Hong), n.° XX, Edifício XXX, 4° andar D, para proceder à busca, tendo interceptado o arguido A na entrada do edifício.
Pelas 02H15 da mesma data, os agentes conduziram o arguido A até à sua residência. Naquele momento, o arguido B encontrava-se dentro do quarto de dormir, e ao constatar através do sistema de circuito fechado de TV que o arguido A estava a ser escoltado pelos agentes até à casa, atirou imediatamente alguns objectos para cima do toldo da janela.
Posteriormente, os agentes apanharam em cima do toldo da janela os objectos que o arguido B tinha atirado, incluindo uma embalagem para telemóvel de cor branca (da marca Sony Ericsson), dentro da qual existiam dois pacotes de substância cristalizada de cor branca e um pacote de substância cristalizada transparente, seis comprimidos de cor verde embrulhados com embalagem de cor vermelha, um saco de plástico transparente, dois sacos grandes de plástico transparentes que continham respectivamente doze e oitenta e seis saquinhos de plástico transparentes; uma caixa de papel Maypro de cor dourada, dentro da qual existia uma caixa metálica do aparelho de selecção audio-visual (audio video selector) que continha um pacote de substância cristalizada de cor branca embrulhada com saco de plástico transparente, um saco grande de plástico transparente que continha dois pacotes de substância cristalizada transparente embrulhada com saco de plástico transparente, oitenta e um saquinhos de plástico transparentes, quarenta comprimidos de cor verde embrulhados com embalagem de cor vermelha.
Ao mesmo tempo, no quarto de dormir do arguido A, os agentes encontraram em cima da mesa para computador uma balança electrónica de cor prateada, duas caixas metálicas de cor preta do aparelho de selecção audio-visual “VSW41”. E dentro do saco para lixo que estava fora do quarto, foi encontrada uma garrafa de plástico que continha líquido, encontrando-se duas palhinhas na tampa, uma delas cujo cabo estava ligado ao papel de estanho.
Após exame laboratorial, apurou-se que os dois pacotes de substância cristalizada de cor branca, com peso líquido total de 8,157g, continham substâncias de “Ketamina” enumerada na Tabela II-C da Lei n.° 17/2009 (após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Ketamina” de um deles era 84,78%, no peso de 6,514g, e a do outro pacote era 85,30%, no peso de 0,403g); o pacote de substância cristalizada transparente, com peso líquido de 0,292g, continha substâncias de “Metanfetamina” enumerada na Tabela II - B (após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” era 88,37%, no peso de 0,258g); os seis comprimidos de cor verde, com peso líquido total de 1,152g, continham substâncias de “Nimetazepam” enumerada na Tabela IV; os sacos grandes e saquinhos de plástico transparentes continham vestígios de “Ketamina” enumerada na Tabela II-C; o pacote de substância cristalizada de cor branca, com peso líquido de 41,721g, continha substâncias de “Ketamina” enumerada na Tabela II-C (após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Ketamina” era 80,90%, no peso de 33,752g); os dois pacotes de substância cristalizada transparente, com peso líquido total de 2,008g, continham substâncias de “Metanfetamina” enumerada na Tabela II-B (após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” era 90,49%, no peso de l,817g); os quarenta comprimidos de cor verde, com peso líquido total de 7,616g, continham substâncias de “Nimetazepam” enumerada na Tabela IV; o líquido que se encontrava dentro da garrafa de plástico, no volume de 25ml, continha substâncias de “Metanfetamina” enumerada na Tabela II-B e de “Ketamina” enumerada na Tabela II - C.
No dia 19 de Julho de 2010, pelas 03H30, na directoria da PJ, os agentes apreenderam na posse do arguido A $600,00 patacas e $900,00 dólares de Hong Kong em numerário, assim como um conjunto de sistema de circuito fechado de TV (incluindo o monitor da marca “SUPER” e a câmara da marca “JIANGE”).
Todos os estupefacientes encontrados na residência do arguido A tinham sido adquiridos e detidos em conjunto pelos arguidos A e B, com intenção de vender ou fornecer a terceiros, e, às vezes, consumiam uma pequena parte.
O dinheiro acima referido era proveniente das actividades de tráfico de estupefaciente pelos arguidos A e B.
A garrafa de água, palhinhas, papel de estanho, sacos de plástico, balança electrónica de cor prateada trataram-se de instrumentos que os arguidos A e B usaram para consumir, embalar e pesar estupefaciente, enquanto que o sistema de circuito fechado de TV e o aparelho de selecção audio-visual eram destinados à vigilância dos agentes policiais por parte dos arguidos A e B.
Os arguidos A, B e C agiram livre, voluntária, consciente e dolosamente.
Sabiam perfeitamente da natureza dos aludidos estupefacientes. As suas condutas não eram permitidas por qualquer lei.
Bem sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
O l°arguido está desempregado. Tem como habilitações académicas o 2° ano do ensino secundário e não tem ninguém a seu cargo.
O 2° arguido é estudante. Tem como habilitações académicas o 1° ano ensino secundário e não tem ninguém a seu cargo.
(…)”; (cfr., fls. 467-v a 469-v).
Do direito
3. Vem os arguidos A e B recorrer da decisão que os condenou pela prática em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas” p. e p. pelo art. 14° da mesma Lei e 1 crime de “detenção indevida de utensílio ou equipamento” p. e p. pelo art. 15° do mesmo diploma legal, fixando-lhes a pena única de 4 anos e 7 meses de prisão.
Em síntese, afirmam que: “o acórdão recorrido fundamentou a decisão condenatória em violação ao disposto nos artigos 162° n.os 1 e 2 e 159° n.° 5 do Código de Processo Penal, sendo por isso nula a busca domiciliária e toda a prova carreada para os autos em virtude dessa mesma deligiência”.
Cremos que não lhes assiste razão.
Vejamos.
Em sede de exposição dos motivos que levou o Colectivo a quo a decidir como decidiu em relação à matéria de facto provada consignou-se no Acórdão recorrido o que segue:
“A convicção do Tribunal fundamenta-se na apreciação crítica e comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações do 3° arguido prestadas em audiência de julgamento, e nos depoimentos das testemunhas, e ainda no exame dos documentos juntos aos autos, nomeadamente o relatório elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica e no exame do apreendido.
Importa nesta sede, e porque contende com a valoração da prova com vista à formação da convicção do colectivo, conhecer, desde já, a nulidade arguida pela ilustre defensora dos 1° e 2° arguidos, e em relação à busca realizada no quarto de dormir do 1° arguido, com fundamento de o arguido, na data dos factos, ser menor e a autorização dada por este não dever relevar para a realização da dita busca, pelo que toda a prova recolhida pelos agentes policiais no domicílio deste e de sua família sem que a sua entrada tenha sido autorizada pelos pais do referido menor não pode ser utilizada por resultar de método proibido para a obtenção da prova.
Cumpre decidir.
A ilustre defensora dos 1° e 2° arguidos vem arguir a nulidade da prova obtida através da busca realizada por agentes da Polícia Judiciária no passado dia 19 de Julho de 2010.
Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou medida de segurança aplicável – art° 111° n°1 do CPP.
São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa. - art°113° n° 1 do CPP.
E o seu n°3: «Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular».
Pelo que, deverá ser nula toda a prova obtida mediante intromissão no domicílio quando não autorizada pelo respectivo titular.
Antes de debruçar sobre a questão da validade ou não da autorização do arguido enquanto menor mas que já atingiu a idade da imputabilidade para a realização da busca no seu quarto de dormir, afigura-se-nos pertinente conhecer desde já a seguinte questão.
A nulidade arguida pela defesa não é nenhuma das nulidades elencadas no artigo 106° do CPP em análise mas consta no citado artigo 113°.
Sendo que, determina o artigo 107° do CPP que qualquer nulidade diversa das referidas no artigo anterior deve ser arguida pelos interessados e fica sujeita à disciplina prevista neste artigo (a ora em análise) e no artigo seguinte. – (n° 1).
E a alínea a) e seu n°3 deste artigo determina: «As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas, tratando-se de nulidade de acto a que o interessado assista, antes que o acto esteja terminado.»
Nesta conformidade, somos de concluir que, não tendo sido arguido atempadamente a nulidade do acto, ou qualquer outro configurável nas diversas alíneas do n°3 do acima aludido artigo 107° do CPP, esta nulidade, a existir, já está sanada por decurso do tempo.
A propósito e apenas para referência em direito comparado, o Ac. Do STJ português de 8 de Fevereiro de 1995, Proc. 047084, Rel. Vaz dos Santos, conclui o seguinte: «I- As provas recolhidas através da busca domiciliária levada a cabo autorização da competente autoridade judiciária, nem com o consentimento do visado, serão nulas (o consentimento tem que ser dado por quem seja visado com a diligência e seja titular do direito à inviolabilidade do domicílio, não bastando a mera disponibilidade do lugar da habitação).
II – Porém, tal nulidade, porque sanável, fica sujeita à disciplina dos artigos 120° e 121° do C.P. Penal, (que correspondem ipsis verbis aos artigos 107° e 108° CPP de Macau por razões por todos já conhecidas), dependendo, assim, da arguição do interessado.»
Pelo exposto, improcede a nulidade arguida pelos arguidos por a mesma se encontrar já sanada por decurso do tempo”.
E atento o assim exposto, (e independentemente do demais), cremos que de nada vale estarem os arguidos a insistir com a questão.
Efectivamente, a invocada “nulidade” da busca efectuada não constitui uma “nulidade insanável”, como as previstas no art. 106° do C.P.P.M..
Como tal, validada que foi a busca efectuada em sede de despacho pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal proferido após interrogatório dos arguidos ora recorrentes, (cfr., fls. 112) e nada tendo sido então (oportunamente) arguido, sanada está qualquer (eventual) irregularidade cometida com a busca efectuada.
Aliás, neste sentido, e de forma clara, fundamentada e acertada, veja-se o que se expôs em sede de Resposta e Parecer do Ministério Público que atrás se deixaram transcritos, e que, aqui, por uma questão de economia processual, se dá por integralmente reproduzido.
Com efeito, ainda recentemente, e perante situação análoga, pronunciou-se este T.S.I. no seu Acórdão de 26.06.2011, Processo n.° 268/2011, onde se consignou que “não se pode esquecer que tal busca já foi validada e declarada legal por despacho do Mmo J.I.C., do qual o arguido teve conhecimento e que por falta de impugnação, transitou em julgado, (constituindo, nos autos, “caso julgado formal”)”.
Nesta conformidade, ociosas nos parecendo outras considerações sobre a questão, improcedem os recursos.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, acordam negar provimento aos recursos.
Custas pelos recorrentes com taxa de 6 UCS.
Macau, aos 13 de Outubro de 2011
José Maria Dias Azedo [Não obstante ter relatado o presente acórdão, mantenho o entendimento que expus na declaração de voto que anexei no Acórdão de 31.03.2011, Processo n.° 81/2011].
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 544/2011 Pág. 26
Proc. 544/2011 Pág. 1