Processo nº 641/2011 Data: 27.10.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “burla”.
Atenuação especial.
Medida da pena.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. No art. 65° do C.P.M. adoptou o legislador de Macau a «Teoria da margem da liberdade», segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 641/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (XXX), com os sinais dos autos, respondeu, à revelia, no T.J.B., vindo a ser condenado numa pena única de 4 anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas pela sua prática, como autor, de 9 crimes de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 503 a 504 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, após detido, e porque inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“A. Por acórdão de 27 de Maio de 2011, proferido nos autos supra referenciados, o Tribunal a quo condenou o Arguido, ora Recorrente, pela prática, em co-autoria, na forma consumada, de dois (2) crimes de burla, p. e p. pelo n.° 1 do artigo 211.° do Código Penal de Macau e em autoria material na forma consumada de sete 7 crimes de burla, p.e p. pelo mesmo artigo.
B. As penas aplicadas foram de 1 ano de prisão por cada crime; em cúmulo, vem o ora Recorrente condenado numa pena única de 4 anos de prisão efectiva, para além da indemnização dos danos pecuniários causados aos Ofendidos.
C. Entende o Recorrente que as penas decididas pelo Tribunal a quo, salvo o muito e devido respeito violam o disposto nos artigos 40.° 64.° e 65.° do Código Penal de Macau, por serem manifestamente pesadas, e como tal, de acordo com o estipulado no n.° 1 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, é-lhe legítimo recorrer da decisão do Tribunal a quo.
D. Está consagrado no art. 65°, n°s 1 e 2 do Código Penal, a enumeração exemplicativa das circunstâncias a que o tribunal deve atender para determinar a medida da pena, no entanto, o douto Tribunal recorrido não atendeu a todas as circunstâncias que poderiam ser valoradas com vista à determinação de uma pena adequada.
E. Para além disso, em harmonia com o preceituado no n.° 1 do artigo 71.°, na determinação da pena única são considerados, "em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
F. O Tribunal a quo não teve em consideração estes factores, violando também tal disposição legal ao condenar o Arguido numa pena de prisão efectiva de 4 anos resultante do cúmulo jurídico.
G. O ora Recorrente entende que reúne as circunstâncias de atenuação geral e especial, pelo que se mostram mais adequadas e equilibradas penas parcelares não superiores a 6 meses de prisão.
H. Ponderando no assim exposto, o Recorrente considera que as penas parcelares em que foi condenado pecam por excessiva severidade e inadequação dentro da moldura penal abstracta, uma vez que estas deveriam ter sido atenuadas, pelo que, solicita-se que condene o Recorrente na pena única de prisão não superior a 2 anos, por esta se afigura mais justa, face a tais factores e aos limites mínimo e máximo da pena a aplicar em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas”; (cfr., fls. 544 a 550-v).
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Respondendo é o Exmo. Magistrado do Ministério Público de opinião que motivos não existem para não se confirmar a decisão recorrida; (cfr., fls. 556 a 558).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, emitiu o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer opinando também no sentido da confirmação do julgado; (cfr., fls. 568 a 569).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Dão se aqui como integralmente reproduzidos os factos dados como provados no Acórdão recorrido e que constam a fls. 493-v a 501 dos presentes autos.
Do direito
3. Vem o arguido A recorrer da decisão que o condenou numa pena única de 4 anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares fixadas pela sua prática, como autor, de 9 crimes de “burla” p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M..
Resulta da motivação e conclusões do seu recurso que o seu inconformismo assenta tão só na “medida da pena” que lhe foi aplicada, pedindo a sua “atenuação especial” ou “redução”.
Cremos porém que nenhuma censura merece a decisão recorrida, apresentando-se-nos o presente recurso manifestamente improcedente, e, assim, de rejeitar, (como já se deixou consignado em sede de exame preliminar).
Certo sendo que não discute o arguido a qualificação jurídica da sua conduta, que também não merece censura, vejamos.
–– Quanto à “atenuação especial”.
Sobre a matéria, constitui entendimento firme e unânime que tal atenuação “só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 30.06.2011, Proc. n° 383/2011).
No caso, alega o ora recorrente que confessou os factos, que demonstrou arrependimento, que a quantia em questão não é elevada, invocando também a sua idade: 57 anos.
Porém, como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, analisados os autos, verifica-se que:
“- Durante o interrogatório no M.°P.° (cfr., fls. 128 a 129), o recorrente confessou parcialmente os factos, e não mostrou arrependimento”; e que,
- “Não se encontra indício algum de o recorrente tentou indemnizar as vítimas na medida do que lhe era financeiramente possível”.
Ora, sendo de confirmar tal apreciação, e atento o que se consignou evidente é que nenhum motivo existe para se proceder à peticionada atenuação especial da pena.
De facto, nada da matéria de facto provada permite considerar a situação dos autos como um “caso extraordinário” ou “excepcional” para que se pudesse avançar para a dita atenuação especial.
–– Quanto à pretendida redução.
Pois bem, é sabido que em matéria de determinação da pena deve ter-se em conta o prescrito no art. 40° do C.P.M. quanto aos “fins das penas” e ao preceituado no art. 65° do mesmo Código quanto aos critérios para a sua determinação.
Em relação ao estatuído no art. 65° do C.P.M. tem este T.S.I. entendido que com o aí preceituado, “adoptou o legislador de Macau a «Teoria da margem da liberdade», segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 29.09.2011, Proc. n° 483/2011).
No caso dos autos, e perante o “notável” C.R.C. do ora recorrente – cfr., fls. 179 a 195, com anteriores condenações em pena suspensa, posteriores revogações, outras condenações em penas efectivas, e concessão de liberdade condicional – prementes são, nomeadamente, as necessidades de prevenção especial, nenhuma censura merecendo a pena parcelar de 1 ano de prisão para cada 1 dos nove crimes de “burla” cometidos pelo ora recorrente.
Por sua vez, em sede de cúmulo jurídico, e atento os critérios do art. 71°, n.° 1 e 2 do C.P.M., afigura-se-nos também que adequada é a pena única de 4 anos de prisão pelo Tribunal a quo fixada.
De facto, a par das necessidades de prevenção especial e geral, não se pode esquecer que determina o dito art. 71° que na fixação da pena única se deve considerar “em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E, in casu, evidente é que o ora recorrente demonstra ter uma personalidade com tendência para a delinquência, sendo, também de notar que a “idade de 57 anos”, em nossa opinião, em nada abona a seu favor.
Com efeito, para além de não nos parecer de considerar como uma “idade avançada”, constitui antes um elemento a ter em conta para se constatar que o recorrente insiste em não olhar a meios para atingir os seus fins, em vez de emendar caminho e levar uma vida honesta e útil para a sociedade.
Tudo visto, e sendo o recurso manifestamente improcedente, imperativa é a sua rejeição.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam rejeitar o recurso; (cfr., art. 409°, n.° 2, al. a) e 410, n.° 1 do C.P.P.M.).
Pagará o recorrente 5 UCs de taxa de justiça, e como sanção pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 4 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exm° Defensor no montante de MOP$1.000,00.
Macau, aos 27 de Outubro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 641/2011 Pág. 12
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