Processo nº 510/2011 Data: 13.10.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “publicidade e calúnia”.
Erro notório na apreciação da prova.
Reenvio.
SUMÁRIO
1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
2. Padece de erro notório – por violação das regras de experiência – a decisão que depois de dar (nomeadamente) como provado que o arguido, simulando uma entrevista, e em tons sarcásticos e irónicos imputa ao ofendido qualidades de pessoa pouco inteligente, sem capacidade de decisão e não cumpridora da sua palavra, dá (nomeadamente) como não provado que o arguido tenha querido atingir a honra e consideração do ofendido.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 510/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se absolver o arguido A (XXX) da imputada prática, em autoria material e na forma consumada e continuada de 1 crime de “publicidade e calúnia agravado” p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 , art. 177°, n.° 1 e 2 e art. 178° do C.P.M.; (cfr., fls. 383-v a 384-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado vem B, assistente, recorrer.
Motivou para a final produzir as conclusões seguintes:
“1) A apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal recorrido viola as regras de experiência pois que os Factos n°s. 3 a 5, 7 e 8 dados por não provados no douto acórdão recorrido, deveriam, à luz de tais regras, ter sido dados por provados.
2) Com efeito, resulta claro da factualidade provada, que ao tempo dos factos, o Recorrido estava desempregado há cerca de um ano e que estava profundamente insatisfeito com o Recorrente (Factos 1, 2, 4 e 5 atinentes à acusação).
3) E que, por isso, inventou a entrevista constante de fls. S, 6, 36, 37, 78 a 83, 85, 88, 89, 178, 179, 180 (Facto n° 7 atinente à acusação), tendo por alvo o Recorrente.
4) Provado ficou, que, nesta entrevista, o Recorrente é ridicularizado e provocado através de palavras vulgares e piadas rudes (Facto n° 9 atinente à acusação; o Facto n° 10 ilustra em concreto com exemplos) .
5) Provado ficou, que esta entrevista foi publicada pelo Recorrido em dois websites que são frequente e assiduamente visitados pelos trabalhadores do sector do jogo e publicada no próprio website da associação a cuja Direcção presidia, ao tempo, o Recorrente, a qual representa esses mesmos trabalhadores (Factos n°s. 1 e 3 atinentes ao pedido cível e Facto n° 4 atinente à acusação) .
6) Apesar de não admitido pelo Recorrido, ensinam-nos as regras da experiência que face a este quadro factual, o Recorrido não pode ter deixado de querer prejudicar a imagem do Recorrente, ainda que refugiado sob a capa do motejo, da piada rude, da ironia alarve.
7) A entrevista em causa foi publicada no princípio e no fim de Agosto de 2005, em plena campanha eleitoral para a 3ª Assembleia Legislativa da RAEM, sendo que o Recorrente encabeçava uma das listas que iam a sufrágio universal e cujo nicho de votantes era, precisamente, o dos trabalhadores do sector do jogo.
8) E que, atenta i) a altura que escolheu para actuar, ii) o universo de votantes que sabia apoiarem o Recorrente e frequentarem aqueles websites, e, iii) a repetição sistemática da publicação, por certo que o Recorrido, pelo menos, não afastou a representação da possibilidade de tal entrevista produzir efeitos negativos nas possibilidades de reeleição do Recorrente como deputado da Assembleia
Legislativa.
9) Acresce que, foi na sequência desta entrevista provadamente falsa e inventada pelo Recorrido que o 2° arguido publicou também nos mesmos websites o artigo que lhe valeu a condenação pela prática de um crime de publicidade e calúnia e de um crime de difamação nos presentes autos.
10) E que este artigo pretendeu dizer de forma directa aquilo que a entrevista publicada pelo Recorrido lhe inculcou na sua (do 2° arguido) mente.
11) Com efeito, ficou provado que o artigo publicado pelo 2° arguido com intenção de ofender a honra e consideração do Recorrente, começa por se referir à dita entrevista afirmando que, “não é preciso estar com rodeios quando expressamos as nossas opiniões na internet” (Factos 15 e 18 atinentes à acusação) .
12) Ora, dizem-nos as regras da experiência que o modelo instigador tem tanta ou mais responsabilidade do que o seguidor. Com efeito, se existe um texto escrito em tom galhofeiro ridicularizando uma pessoa e um dos leitores desse texto resolve escrever um outro texto dizendo que não é necessário estar com rodeios para se dizer o que se pensa e nesse outro texto difama de forma directa a pessoa que foi ridicularizada no primeiro texto, é porque quem leu este primeiro texto percebeu perfeitamente quais eram os factos ali imputados à pessoa que era o alvo comum de ambos os textos e decidiu expô-los da forma mais clara e directa possível.
13) o próprio Acórdão na sua fundamentação admite que “o alvo da entrevista é indubitavelmente o assistente nos autos, B, e o seu conteúdo, objectivamente, causa efeitos de comentários negativos sobre o assistente” (sic - pág. 15 do acórdão).
14) O douto acórdão recorrido condenou, ainda, o Recorrido no pagamento de uma indemnização ao Recorrente.
15) E é de notar que provado está, que o Recorrido completou o ensino secundário (vd. Factos provados em audiência de julgamento) sendo dotado de um mínimo de cultura. Assim, como refere o douto Acórdão do STJ, de 31/05/1989, “Os réus dotados de um mínimo de cultura, não podiam deixar de ter-se apercebido do carácter ofensivo daquela imputação.”
16) Mais: o Recorrido divulgou a entrevista repetidamente e através da Internet. Isto manifesta a vontade de que a entrevista fosse difundida o mais possível, por um universo ilimitado de pessoas e, para além disso, ficando a entrevista disponível para no futuro poder ser recorrentemente utilizada, pelo que, como o refere o douto Acórdão do STJ, de 21/10/2009 Proc. n° 1/08.0TRLSB.Sl, “aí, deve-se ser especialmente exigente!”.
17) Outros elementos de prova acrescem aos anteriormente referidos, designadamente, a prova referente aos autos de declarações constantes dos autos e a prova produzida em julgamento, derivada da gravação do mesmo.
18) Desde logo, das declarações prestadas perante as autoridades policiais no âmbito dos presentes autos por: XXX (fls. 93, 94, 124, 202 e 203 dos autos), XXX (fls. 193 e 194), XXX (fls. 196 e 197) e XXX (fls. 199 e 200), resulta claramente que a entrevista prejudicou mesmo, e fortemente, a imagem do Recorrente, destruindo a sua boa reputação.
19) Todos os declarantes são unânimes em afirmar que:
- A entrevista difama o Recorrente;
- O conteúdo da entrevista é vulgar e descreve o
Recorrente como uma pessoa com muito mau carácter;
- A entrevista difunde uma muito má imagem do Recorrente, e, que
- A entrevista destruiu a imagem e reputação do Recorrente.
20) Em contraponto, todos estes declarantes são taxativos em afirmarem que o Recorrente é uma boa pessoa, é íntegro, justo, imparcial e gosta de ajudar os outros.
21) No mesmo sentido e sem margem para dúvidas, foram os depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência de julgamento, designadamente:
- XXX, aos 09m:22segs., aos 09m: 52segs. e a o s 10m: lOsegs., a instâncias do Ministério Público, e aos 06m: 56segs. a 07m: 57segs, a instâncias do Mandatário do Assistente e Demandante Cível;
- XXX, dos 9m36s aos 11m41s e dos 00.00 aos 1.00 minutos da faixa (O)HN)-)W028XXXXX, a instâncias do Mandatário do Assistente e Demandante Cível.
(Nota: Os depoimentos estão transcritos na fundamentação)
22) No que diz respeito à questão de decidir se a entrevista em causa seria objectivamente susceptível de ofender a honra e consideração do Recorrente e se foi difundida entre a sociedade (crime de difamação), bem como, se da dita entrevista constam factos falsos e torpes atribuídos ao Recorrente (crime de publicidade e calúnia), nenhum elemento probatório existe nos autos que indicie resposta negativa.
23) Efectivamente, nem o próprio Recorrido negou os factos, antes tendo-os confessado integralmente em audiência de julgamento, apenas ressalvando que não tinha intenção de prejudicar o Recorrente.
(Nota: As declarações do Recorrido encontram-se integralmente transcritas na fundamentação)
24) Deste modo, salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Distinto Tribunal a quo não levou a efeito uma correcta avaliação global da prova carreada nos autos, tendo o seu juízo crítico de tal prova, violado as regras da experiência, devendo ser-lhe assacado o vício de “erro notório na apreciação da prova”, com a consequente nulidade do acórdão recorrido.
25) Se, por hipótese, esse Venerando Tribunal assim não entender, então, face a todo o exposto, não podem haver dúvidas de que, pelo menos, laborou em “erro de direito” por deficiente enquadramento jurídico-penal dos factos, o Distinto Tribunal a quo.
26) Com efeito de todo o anteriormente exposto resultam preenchidos os tipos legais do crime de difamação e de publicidade e calúnia, perpetrados pelo Recorrido.
Acresce que,
27) O douto acórdão o admite que a entrevista imputa uma conduta injusta do Recorrente enquanto Presidente da Direcção da XXX.
28) Trata-se, sem dúvida, da imputação de um facto ofensivo da honra e consideração do Recorrente e de um facto que o Recorrido não provou. Tanto bastaria para a sua condenação na prática do crime de difamação, posto que, como confessado, ele divulgou este facto pela Internet.
29) o Acórdão também admite que a entrevista é susceptível de provocar comentários negativos sobre o Recorrente, pelo que, também por esta via se encontra preenchido o tipo legal do crime de difamação.
30) É que o crime de difamação é um crime de perigo. A teoria sufragada pelo Distinto Tribunal a quo de que um texto escrito em tom de brincadeira não preenche o tipo legal do crime de difamação está hoje completamente ultrapassada, defendendo-se doutrinária e jurisprudencialmente que basta a simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a honra e consideração de uma pessoa, considerando o meio social e cultural e a “sã opinião da generalidade das pessoas de bem" (Ac. STJ, de 21/10/2009, Proc. n° 1/08.0TRLSB.S1).
31) Analisando de perto alguns excertos da entrevista em causa constata-se que o Recorrente é retratado como uma pessoa vulgar e ordinária, sem respeito pela sua exentidade patronal e que o seu trabalho para a mesma consistia em prejudicar os colegas.
32) A entrevista em causa faz os leitores pensarem que os cargos públicos do Recorrente foram atingidos através de manobras delatoras e mentirosas, por um lado e, por outro lado, dá a imagem de que ele é pouco inteligente nas respostas tendo de ser corrigido pela sua esposa.
33) Transmite a ideia de que o recorrente não tem um programa político.
34) Utiliza várias vezes o tom irónico para transmitir intencionalmente aos leitores a ideia oposta às respostas, nomeadamente, a de que o Recorrente foi um incapaz em ajudar os associados nos seus litígios com a sua entidade patronal e que mente na sua resposta, colocando-o a responder ansiosamente e de forma evasiva, e aceitando imediatamente a explicação adiantada pelo entrevistador .
35) A parte final da entrevista constitui um feroz ataque à probidade e rectidão do Recorrente e da sua esposa, apresentando-os como pessoas que tratam os associados de forma desigual, favorecendo os que os apoiam e prejudicando os outros.
36) Acresce que nesta parte é o próprio jornalista fictício (o Recorrido) que afirma conhecer um caso concreto em que tal comportamento por parte do Recorrente e esposa se verificou.
37) Tal, equivale a imputar-lhes directamente um facto ofensivo da sua honra e consideração não o tendo provado. Chama-lhes, igualmente, mentirosos nas respostas quando diz que “a verdade virá à tona”. Tanto basta para a sua condenação.
38) Finalmente, o estado emocional (vergonha, gritos) imputado como subjacente às respostas da esposa do Recorrente no seu lugar (“ele”) e também em nome de ambos (“nós”), bem como, de novo, a imputação do uso de expressões ordinárias nas respostas, pretende e transmite a imagem de estarem a responder mentirosamente e de serem pessoas ordinárias, vulgares, vingativas e arrogantes.
(Nota: A análise, trecho a trecho, consta da fundamentação do presente) .
39) Da análise efectuada resulta claro que a entrevista imputa diversos factos e comportamentos falsos, bem como, juízos negativos denegrindo a imagem do Recorrente, que nada têm que ver com uma crítica objectiva à prestação ou obra do Recorrente.
40) Apesar da tentativa de imputar tais factos e formular tais juizos “a brincar”, o texto atinge, a sério, a honra e consideração do Recorrente e denigre fortemente a sua imagem pública. É que há que distinguir entre as brincadeiras por bem e as brincadeiras que são meras capas para fazer o mal.
41) Por outro lado, Uma vez lida a referida entrevista, não podem restar dúvidas de que qualquer pessoa razoável e de bem, fica com uma impressão do Recorrente bastante má.
Desde logo:
- Pelas suas constantes hesitações em dar respostas óbvias e mui to simples, a ideia veiculada é a de que o Recorrente ou tem uma inteligência e memória abaixo da média, ou está a mentir;
- Pelo uso de palavras e expressões em calão, com significados fortemente ordinários, a imagem com que se fica do Recorrente é a de que ele é uma pessoa malcriada, vulgar e ordinária, com todas as letras destes adjectivos;
- Finalmente; a intromissão da sua esposa, interrompendo-o quando ele vai dar uma resposta que o pode prejudicar e respondendo no seu lugar com uma resposta mais inteligente e a sua dócil submissão a este comportamento da esposa, retratam-no como uma pessoa pouco inteligente, sem ideias próprias e como um “pau-mandado” da mulher.
42) O douto acórdão recorrido labora num erro de direito ao não considerar que os factos apurados no âmbito dos presentes autos configuram um crime de publicidade e calúnia ou, pelo menos, um crime de difamação, nos termos do previsto nos artigos 177°/1 e 2, com referência ao artigos 178° e 174°/1, ambos do Código Penal.
43) É que, não podem restar dúvidas de que a entrevista em causa encerra “um comportamento com objectivo eticamente reprovável” e “viola o mínimo ético necessário à sal vaguarda da dignidade sócio-moral” do Recorrente (Ac. TSI, de 03/04/2003, Proc. n° 31/2003).
44) Os factos provados atinentes ao pedido cível expressamente constantes do Acórdão indicam que o Recorrente se sentiu profundamente ofendido, injustiçado e animado de um forte sentimento de ingratidão.
45) Ficou igualmente provado de forma expressa que o Recorrente experimentou fortes insónias durante largo período, só conseguindo dormir medicado.
46) Não expressamente, mas porque não em oposição com os factos provados e assim o determina o douto acórdão recorrido, deverá entender-se que os factos vertidos nos artigos 58°, 61° e 63° do pedido cível ficaram provados.
47) Assim, provado fica que o Recorrente sofreu um grande desgosto emocional, ficou deprimido, entristecido, perdeu o seu dinamismo e sofreu um forte abalo psicológico.
48) Deste modo, considera-se que um quantum indemnizatório justo e não miserabilista, fruto de um prudente arbítrio, será o de MOP$150.000,OO a cargo do Recorrido.
Disposições violadas: Artigos 177°/1 e 2, com referência ao artigo 178 0, 174 ° /1 e 183°, todos do Código Penal e artigo 4890 do Código Civil”; (cfr., fls. 508 a 566).
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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso, afirmando o arguido A que se devia confirmar o Acórdão recorrido; (cfr., fls. 570 a 581-v e 584 a 589).
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Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Representante do Ministério Público douto Parecer, opinando no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 647 a 649).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos seguintes:
“1. Antigamente, o arguido A exerceu função de croupier na Sociedade de Turismo e Diversões de Macau.
2. Em Julho de 2004, o arguido A não admitiu a proposta de compensação de trabalho apresentada pela Sociedade de Jogos de Macau (doravante designada por SJM), razão pela qual a dita Sociedade não renovou o contrato com A.
3. Quanto aos conflitos de trabalho entre a SJM e os empregados da SJM, alguns desses foram discutidos pela União dos Trabalhadores da Indústria de Jogos de Fortuna e Azar de Macau, em representação dos empregados da SJM, com a SJM.
4. O ofendido B (XXX) é presidente da Associação dos Trabalhadores da Indústria de Jogos de Fortuna e Azar de Macau, e, ainda, deputado da 2.ª Legislatura da Assembleia Legislativa da RAEM (mandato terminou em 25 de Setembro de 2005).
5. Após a desligação do serviço, o arguido A pediu, por várias vezes, na qualidade de membro, ajudas à União dos Trabalhadores da Indústria de Jogos de Fortuna e Azar de Macau no fim de arranjar emprego, mas não teve nenhuma resposta.
6. Nesse sentido, o A entendeu que a União dos Trabalhadores da Indústria de Jogos de Fortuna e Azar de Macau não se esforçou em ajudar os membros que desliguem do serviço a arranjarem novos empregos, violando o objectivo desta associação: prestar ajuda aos membros e aos trabalhadores da SJM; por outro lado, nem tratava os trabalhadores que precisassem de ser ajuda de forma igual, não correspondeu à promessa feita pelo B aos trabalhadores da SJM na eleição de deputado da Assembleia Legislativa, pelo que se sentia insatisfeito.
7. Como o arguido A não tinha emprego naquela altura, passou sempre o tempo no sótão do Banco da China situado no Edf. Comercial XX da Avenida de Almeida Ribeiro para procurar informação sobre as acções e comprar ou vender acções mediante a rede de uso público.
8. Às 14h27 de 8 de Agosto de 2005 e às 10h28 de 12 de Agosto, o arguido A utilizou os computadores de uso público no sótão do banco em causa para publicar, por duas vezes, nos websites: http://www.macauXXX.com e http://www.2XXs.com, uma entrevista falsa de jornalista cujo entrevistado foi Sr. Deputado B e que nela foi tratado sempre por “Sr. Deputado B”, o título do texto foi “Não teme do poder absoluto, tem confiança em si próprio -Diálogos sinceros com o Sr. Deputado B (“無畏強權,肯定自我 – X議員真誠對話”) (uma entrevista exclusiva inédita Jornalista do Diário Gongmin (‘公民日報’), XX(XX), 2005/8/6”, o teor global deste está constante das fls. 5 a 6, 36 a 37 e 178 a 180 dos autos.
9. Os chamados diálogos da entrevista acima mencionados constituem obviamente baixo calão e palavra sarcástica no intuito de ironizar e gozar o Sr. Deputado B.
10. Por exemplo, eis aqui alguns dos diálogos daquela entrevista falsas: “Jornalista: Sr. Deputado B, quantos anos é que trabalha no sector do jogo? B: Por 30 anos. Jornalista: o senhor lembra-se do nome da sociedade? B: Não, já não me lembro bem do nome, parece que foi a tal Sociedade de Turismo e Diversões, ou tal Sociedade de Jogos de Cú…”.
“Jornalista: O que fez no seu trabalho quotidiano? B: Ora, já não me lembro, parece que foi matar, matar, matar! Jornalista: Matar? Deixe lá! Ora, como é que o senhor passou a ser presidente da Associação? B: Também já não me lembro, parece que foi sobrar, sobrar, sobrar! Jornalista: Sobrar? O senhor está a dizer Gabar? B: Sim, gabar mesmo. Jornalista: (perguntou em breve) Como? B: …”.
“Jornalista: Alguém referiu que o Sr. Deputado B tinha angariado os antigos membros dos casinos diferentes, oferecendo-lhes $17.000,00 por mês pela prestação de ensino por 4 dias semanal na Associação, certo? Tai: Quanto a isso… Jornalista: Sr. Deputado B, o senhor disse isso? B: Disse sim… Jornalista: Exactamente! Alguém queixou que o senhor era injusto, dizendo que o senhor usava todas as maneiras para angariar as pessoas que gostava, mas não dava nenhuma importância àquelas que não gostava, mesmo que fossem seguidores.” etc.
11. Na verdade, o ofendido B nunca recebeu a entrevista em causa, todo o teor daquele texto é falso e inventado.
12. Por outro lado, o arguido A voltou a emitir o tal texto na website http://www.mgXXX.org.mo, às 24h17 de 30 de Agosto de 2005, às 3h19 de 31 de Agosto do mesmo ano, às 3h20m13s e 3h20m47s -Vd. as fls. 78 a 83 e, fls. 85 a 86 e fls. 88 a 89 dos autos.
13. A entrevista falsa publicada pelo arguido A em 8 de Agosto de 2005 chamou a atenção ao arguido XXX.
14. Como o XXX também exerceu função de croupier na Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, portanto, troca sempre ideias com os colegas antigos da SJM. Por outro lado, o XXX entende que, durante o seu mandato do deputado da Assembleia Legislativa, o B não concretizou as suas promessas feitas na altura de eleição, não se esforçou em lutar pelos direitos para os trabalhadores da SJM, pelo que fez a resposta ao dito texto às 22h24 do mesmo dia, no website em que os empregados da SJM publiquem sempre opiniões (www.macauXXX.com), eis a seguir o respectivo teor da resposta:
15. “Não se precisa de rodear caminhos ao deixar recado na internet. Todos já sabem que “XX (XX)” e a “concubina” dele, “XXX (XXX)” fazem tudo o que quiserem na Associação. Ainda lembro-me das palavras exageradas do “XX” na eleição, agora as opiniões dos trabalhadores do sector do jogo já não podem chegar à Assembleia Legislativa. Se não fossem tão exageras as condutas dele, não deixaria que os amigos e familiares abandoná-lo! E a Associação também não passaria a ser assim, não necessitaria a aprovação da inscrição na Associação e não precisaria de pagar as quotizações em atraso da Associação. Agora, a taxa de ganho que os membros antigos propõem que “XX” ser eleito é de 1:7! É de saber qual é a probabilidade de sucesso do “XX”. (Vd. a parte média da fls. 109 dos autos).
16. Os empregados da SJM tratam o B por “XX”, razão pela qual o arguido XXX também usou “XX” para tratar o B ao deixar resposta no website, destinado a imputar-lhe, com má fé, factos desfavoráveis.
17. Os dois arguidos praticaram os tais actos de forma livre e consciente.
18. O arguido XXX tinha intenção a ofender a honra e a consideração do ofendido B, que era o então deputado da 2.ª legislatura da Assembleia Legislativa, além disso, quando o ofendido B estava na eleição do deputado da 3.ª legislatura da Assembleia Legislativa, dirigiu palavras que ofendem a honra e a consideração do B mediante o meio de comunicação social tais como internet e website, bem sabiam que as tais palavras eram falsificadas e estavam cientes de que o ofendido era deputado da 2.ª legislatura da Assembleia Legislativa de Macau naquela altura.
19. O arguido XXX sabia perfeitamente que as tais condutas eram proibidas e punidas pela legislação de Macau.
*
A par disso, ficaram provados ainda os seguintes factos:
O arguido A planejou usar o computador para publicar na internet a entrevista falsa feita por jornalista, no intuito de expressar a sua insatisfação sobre o ofendido B.
Os registos criminais revelam que os dois arguidos A e XXX são delinquentes primários.
O arguido XXX alega que é desempregado na presente altura, possui como habilitações literárias o 5.º ano do ensino secundário, não tem encargo familiar.
O arguido A alega que exerce função de croupier, possui como habilitações literárias o 5.º ano do ensino secundário, auferindo mensalmente MOP$20.000,00, tem no seu cargo os pais, esposa e filho.
(I) Factos provados do requerimento civil
Após a audiência de julgamento, este Juízo entende que, para além dos factos provados que correspondam à Acusação, são provados ainda os seguintes factos que estão estipulados no pedido civil:
1. “A MGXXX (Macau Gambling Industry and Labourers Associationg)” é uma associação que agrega os trabalhadores do sector do jogo, visando proteger os seus direitos e melhorar as suas condições de vida.
2. A associação, designadamente através da acção pessoal do demandante e da sua esposa, arranjou diversas oportunidades ao primeiro demandado e este foi sucessivamente preterido após realizadas as entrevistas com os potenciais empregadores.
3. Os trabalhadores do sector da indústria do jogo nos casinos de Macau, são visitantes frequentes e assíduos dos dois “websites” descritos.
4. O demandante doou a remuneração auferida mensalmente como Deputado à Associação STDM Employees Fraternity (designação em inglês) durante toso o seu mandato.
5. O demandante sentiu-se profundamente ofendido com os conteúdos dos artigos publicados pelos arguidos, ficando inclusive dominado por um sentimento de enorme injustiça e ingratidão.
6. Durante muito tempo, o demandante experimentou fortes insónias, tendo mesmo de recorrer a medicamentação destinada a ajudá-lo a adormecer”.”
Por sua vez, e como “Factos não provados”, consignou o Tribunal a quo o que segue:
Após a audiência de julgamento, este Juízo entende que os seguintes factos acusados da Acusação não são provados:
1. Quanto aos conflitos de trabalho entre a SJM e os empregados da SJM, foram todos discutidos pela União dos Trabalhadores da Indústria de Jogos de Fortuna e Azar de Macau, em representação dos empregados da SJM, com a SJM.
2. Após a desligação do serviço, o arguido A pediu, por várias vezes, na qualidade de membro, ajudas à União dos Trabalhadores da Indústria de Jogos de Fortuna e Azar de Macau no fim de arranjar emprego, mas não teve nenhuma resposta.
3. Os chamados diálogos da entrevista publicados pelo arguido A constituem palavras obscenas no intuito de caluniar o Sr. Deputado B (B) e deprimir a personalidade e dignidade do mesmo.
4. O texto publicado pelo arguido A descreveu o Sr. Deputado B como uma pessoa com moralidade negativa, que usa palavras grosseiras e com má imagem.
5. O texto publicado pelo arguido A prejudica profundamente a imagem e a fama do B, ofendendo ainda a sua honra e a consideração.
6. A resposta dada pelo arguido XXX no website não é fundamentada.
7. O arguido A tinha intenção a ofender a honra e a personalidade do ofendido B (o então deputado da 2.ª legislatura da Assembleia Legislativa), e estava ciente de que o ofendido era deputado da 2.ª legislatura da Assembleia Legislativa de Macau naquela altura; além disso, quando o ofendido B estava na eleição do deputado da 3.ª legislatura da Assembleia Legislativa, dirigiu palavras que ofendem a honra e a consideração do B mediante o meio de comunicação social tais como internet e website, mesmo que soubesse bem que as tais palavras eram falsificadas.
8. O arguido A sabia perfeitamente que as tais condutas eram proibidas e punidas por lei de Macau.
*
São considerados como não provados os outros factos constantes do pedido civil que não correspondam aos factos provados do presente processo”; (cfr., fls. 375-v a 379 e 612 a 621).
Do direito
3. Vem o assitente B, recorrer da sentença proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que absolveu A (XXX), da imputada prática como autor de 1 crime de “publicidade e calúnia agravado” p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 , art. 177°, n.° 1 e 2 e art. 178° do C.P.M.
E, adiantando-se desde já a resposta, mostra-se de afirmar que tem o recorrente razão, muito não sendo preciso dizer para se chegar a tal conclusão.
Vejamos.
Imputa o recorrente ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”, (em especial) na parte em que se decidiu dar como “não provado” que:
“–– Os chamados diálogos da entrevista publicados pelo arguido A constituem palavras obscenas no intuito de caluniar o Sr. Deputado B (B) e deprimir a personalidade e dignidade do mesmo.
–– O texto publicado pelo arguido A descreveu o Sr. Deputado B como uma pessoa com moralidade negativa, que usa palavras grosseiras e com má imagem.
–– O texto publicado pelo arguido A prejudica profundamente a imagem e a fama do B, ofendendo ainda a sua honra e a consideração.
–– O arguido A tinha intenção a ofender a honra e a personalidade do ofendido B (o então deputado da 2.ª legislatura da Assembleia Legislativa), e estava ciente de que o ofendido era deputado da 2.ª legislatura da Assembleia Legislativa de Macau naquela altura; além disso, quando o ofendido B estava na eleição do deputado da 3.ª legislatura da Assembleia Legislativa, dirigiu palavras que ofendem a honra e a consideração do B mediante o meio de comunicação social tais como internet e website, mesmo que soubesse bem que as tais palavras eram falsificadas”; e que,
“O arguido A sabia perfeitamente que as tais condutas eram proibidas e punidas por lei de Macau”.
Ora, repetidamente temos vindo a afirmar que:
“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).
No caso, e após uma leitura dos factos dados como provados, constata-se que não podia o Colectivo a quo dar como não provados os atrás assinalados factos.
Com efeito, e como judiciosamente se afirma no douto Parecer do Ministério Público:
“Do escrutínio que nos é possível efectivar do teor da suposta entrevista, facilmente se alcança ser o recorrente apresentado, através das suas respostas, titubear e silêncios, como uma pessoa sem respeito pela sua ex-entidade patronal, consistindo grande parte da sua actividade em prejudicar os seus colegas, tendo acedido aos cargos públicos que ocupou e ocupa através da delação e da mentira, transmitindo-se a imagem de uma pessoa vulgar e até ordinária, pondo-se em causa a sua probidade e rectidão, bem como da sua esposa, sugerindo-se que os mesmos tratariam, por vingança e arrogância, desigualmente os associados, com favorecimento de uns e prejuízo de outros, procurando-se, através da intromissão da esposa nas respostas e forma destas, criar e transmitir a imagem do recorrente de pessoa pouco inteligente, sem ideias próprias e submissa àquela, tomando-se claro, em nosso entender, que a suposta entrevista visa denegrir e denigre tal imagem, sendo que a característica sarcástica, irónica e zombeteira do texto não invalida, como é óbvio que o mesmo possa, por essa via, ofender a honra e consideração do visado, ao que acresce que, para o que aqui importa, o facto de o recorrente ser uma figura pública se alguma relevância assume será a de realçar aquela ofensa, dado o conhecimento comum do ofendido e o seu estatuto como membro de órgão de soberania da Região, a quem, concerteza, não será devido menor respeito e consideração que a qualquer vulgar cidadão”.
Com efeito, o ataque à “honra” e “consideração” do assistente é, em nossa opinião, evidente, e, os “termos” pelo arguido recorrido empregues, simulando uma entrevista, a sua motivação e meio empregue na sua divulgação, não parece poder deixar de, segundo as regras de experiência e normalidade das coisas, levar à conclusão que agiu livre e deliberadamente, com intenção de concretizar tal “ofensa”.
Assim, atenta a fundamentação pelo Colectivo a quo apresentada em sede da formação da sua convicção, e evidente sendo o vício de “erro na apreciação da prova” pelo recorrente assacado à decisão recorrida, impõe-se o reenvio dos presentes autos para novo julgamento (da parte que se deixou explicitada), nos termos do art. 418° do C.P.P.M., (prejudicada ficando assim a questão do quantum da indemnização).
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder provimento ao recurso, determinando-se o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
Custas pelo recorrido com taxa de justiça que se fixa em 8 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor do recorrido no montante de MOP$ 1.000.00.
Macau, aos 13 de Outubro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 510/2011 Pág. 32
Proc. 510/2011 Pág. 31