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Processo n.º 735/2010 Data do acórdão: 2011-9-22
(Autos de recurso penal)
  Assuntos:
  – juiz de instrução criminal
  – art.o 273.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
  – art.o 274.o, n.o 2, do Código de Processo Penal
  – indeferimento de diligências instrutórias
  – indeferimento do interrogatório do arguido
  – acto dependente da livre resolução do tribunal
  – irrecorribilidade da decisão




S U M Á R I O
1. O art.o 273.o, n.o 2, do Código de Processo Penal de Macau (CPP) reza que “O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo...”, enquanto segundo o art.o 274.o, n.o 2, do mesmo Código, “O juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar”.
2. Durante a fase processual de instrução, o juiz não está vinculado à admissão das provas oferecidas pelos sujeitos processuais e é pelo seu critério que se terá de ajuizar se determinada diligência instrutória é ou não relevante, sendo irrecorrível a decisão que proferir a esse propósito. Significa isto que tal matéria se encontra confiada legalmente ao seu prudente arbítrio, configurando a respectiva decisão um acto dependente da livre resolução do tribunal e, nessa medida, insusceptível de recurso.
3. Assim sendo, caso entenda desnecessário o interrogatório do arguido solicitado por este, pode o juiz de instrução indeferir esse interrogatório, à luz do poder conferido pelo art.o 273.o, n.o 2, do CPP.
4. Na verdade, dirigindo, disciplinando e orientando a instrução, o juiz de instrução deverá não só indeferir aquelas diligências que considere manifestamente dilatórias e impertinentes, como também recusar mesmo o interrogatório do arguido (ainda que solicitado), quando tal se revele de manifesta inutilidade e irrelevância.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 735/2010
(Autos de recurso penal)
  Arguidos recorrentes: A e B



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com o despacho proferido pelo anterior Mm.o Juiz Relator dos presentes autos recursórios, que lhes julgou inadamissível, com fundamento no art.o 273.o, n.o 2, do Código de Processo Penal de Macau (CPP), o recurso então interposto do despacho da Mm.a Juíza de Instrução Criminal na parte concreta em que esta lhes tinha indeferido as diligências então requeridas nos respectivos requerimentos de abertura da instrução, vieram os arguidos A e B reclamar daquele despacho, através do petitório uno de fls. 47 a 52 do presente processado recursório.
Feito o exame dos autos pelo novo ora relator e pelos dois novos M.mos Juízes-Adjuntos na sequência da especialização do Tribunal de Segunda Instância operada em Janeiro do corrente ano, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
De antemão, é de coligir do exame dos presentes autos recursórios os seguintes elementos processuais:
1. Os arguidos A e B (ora recorrentes) chegaram a pedir a abertura da instrução, tendo ambos solicitado nos respectivos requerimentos, que fossem chamados a prestar declarações, a fim de complementarem e alterarem as anteriormente prestadas, e aquele arguido peticionado também três diligências probatórias, relativas à pretendida requisição de duas gravações do registo vídeo do sistema de circuito fechado de televisão e à almejada requisição de lista de chamadas telefónicas (cfr. o teor de fls. 23 a 25 dos presentes autos recursórios).
2. Ulteriormente, a Mm.a Juíza de Instrução Criminal declarou aberta a instrução requerida por outros dois arguidos do mesmo processo penal, e como tal julgou desnecessário decidir do pedido de abertura da instrução daqueles dois arguidos (recorrentes), e no seu mesmo despacho, decidiu, ao abrigo do art.o 273.o, n.o 2, do CPP, em indeferir material e inclusivamente as diligências pretendidas nos acima referidos dois requerimentos de abertura de instrução (cfr. o teor de fls. 33 a 33v).
3. Inconformados, interpuseram os dois arguidos recorrentes recurso dessa decisão judicial, para opinar que esse despacho “constitui, na sua essência e de forma indirecta, um indeferimento, no que aos ora recorrentes concerne, do pedido de abertura da instrução”, eles, como arguidos, “têm o direito de serem ouvidos, a seu requerimento”, as “diligências por eles requeridas em sede de abertura de instrução não constituem actos que visam protelar o andamento do processo”, mas constituem “actos que interessam à instrução”, pelo que a “realização das diligências requeridas pelos ora recorrentes devia ter sido autorizada, por serem de interesse para a instrução, e por constituírem um direito fundamental dos arguidos: o de serem ouvidos pelo juiz sempre que o requererem”, argumentos esses por que pediram a revogação do despacho recorrido, com consequente determinação da realização das diligências então requeridas nos respectivos requerimentos de abertura da instrução, por entenderem eles que a decisão impugnada violou o disposto no n.o 2 do art.o 274.o do CPP, e no n.o 2 do art.o 271.o do mesmo Código (cfr. o teor da motivação de fls. 2 a 8 dos autos).
4. Ao recurso, respondeu o Ministério Público, opinando que a Mm.a Juíza já deferiu indirectamente o pedido de abertura da instrução dos dois recorrentes, e que a decisão de indeferimento de diligências requeridas por estes era irrecorrível nos termos do art.o 273.o, n.o 2, do CPP (cfr. o teor de fls. 20 a 20v).
5. A propósito da matéria alegada no recurso, a Mm.a Juíza de Instrução Criminal julgou que os dois recorrentes não tinham interesse processual para impugnar a sua anterior decisão na parte em que ela considerou desncessário decidir concretamente do requerimento de abertura da instrução desses dois arguidos, enquanto ao mesmo tempo mandou subir imediatamente o recurso na remanescente parte respeitante à sindicância do indeferimento de diligências probatórias, apesar de considerar ela também inadmissível essa restante parte do recurso, por força do disposto no n.o 2 do art.o 273.o do CPP, entendimento esse que, segundo confessou ela, não vincularia o Tribunal ad quem (cfr. o teor de fls. 37 a 37v).
6. Da decisão de não admissão do recurso na parte respeitante à assacada violação do art.o 271.o, n.o 2, do CPP, não chegaram a reclamar os dois arguidos recorrentes (cfr. o teor de fls. 39 a 40, a contrario sensu).
7. Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 44 a 44v), no sentido de inadmissibilidade do recurso, por comando do art.o 273.o, n.o 2, do CPP.
8. Subsequentemente, em sede de exame preliminar dos presentes autos recursórios, julgou o anterior Mm.o Juiz Relator, com fundamento no art.o 273.o, n.o 2, do CPP, em não admitir o recurso dos dois recorrentes na parte então admitida pela Mm.a Juíza a quo (cfr. o teor do despacho liminar de fl. 45).
9. É desta decisão que vieram os dois recorrentes reclamar para a conferência (cfr. o petitório da reclamação de fls. 47 a 52).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Materialmente falando, é de decidir agora, em sede de conferência, se é de admitir o recurso dos arguidos A e B, na parte então concretamente admitida pela Mm.a Juíza a quo, atinente à decisão desta de indeferimento das diligências probatórias rogadas por esses dois arguidos (nas quais se incluindo o interrogatório de ambos) nos respectivos requerimentos de abertura da instrução.
Dos factos processuais acima coligidos, resulta que a Mm.a Juíza a quo fundou essa sua decisão de indeferimento na norma do art.o 273.o, n.o 2, do CPP, segundo a qual “O juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo...”.
Sobre o sentido e alcance desta norma processual penal, é de subscrever aqui as seguintes passagens vertidas no mui pertinente Despacho de 9 de Fevereiro de 2007, proferido no Tribunal da Relação de Coimbra de Portugal, no Processo de Reclamação n.o 490/05.5TATMR-A.C1 (in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/...), aqui citado a título meramente de referência académica:
– “durante essa fase processual (instrução) o Juiz não está vinculado à admissão das provas oferecidas pelos sujeitos processuais e é pelo seu critério (...) que se terá de ajuizar se determinada diligência instrutória é ou não relevante, sendo irrecorrível a decisão que proferir a esse propósito (...). Significa isto que tal matéria se encontra confiada legalmente ao seu prudente arbítrio, configurando a respectiva decisão um acto dependente da livre resolução do tribunal e, nessa medida, insusceptível de recurso (...)”.
Dest’arte, é mesmo inadmissível o recurso dos dois recorrentes na parte concreta ora em questão, sendo de frisar que:
– diversamente da interpretação jurídica sustentada pelos recorrentes, se afigura ao presente Tribunal ad quem que caso entenda desnecessário o interrogatório do arguido solicitado por este, pode o juiz de instrução indeferir esse interrogatório, à luz do mesmo poder conferido pelo art.o 273.o, n.o 2, do CPP;
– até porque o art.o 274.o, n.o 2, do CPP determina que “O juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar” (com sublinhado só agora posto), e não que “O juiz de instrução interroga o arguido sempre que este o solicitar”, nem tão-pouco que “O juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário ou sempre que este o solicitar”;
– “Na verdade, dirigindo, disciplinando e orientando a instrução, o J.I.C. deverá não só indeferir aquelas diligências que considere manifestamente dilatórias e impertinentes, como também recusar mesmo o interrogatório do arguido (ainda que solicitado), quando tal se revele de manifesta inutilidade e irrelevância” (apud MANUEL LEAL-HENRIQUES e MANUEL SIMAS-SANTOS, in CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE MACAU, Macau, 1997, pág. 605, primeiro parágrafo).
IV – DECISÃO
Face ao exposto, acordam em não admitir o recurso dos arguidos A e B na parte em que pretenderam sindicar da decisão da Mm.a Juíza de Instrução Criminal de indeferimento das diligências probatórias (incluindo o interrogatório de ambos) então rogadas nos respectivos requerimentos de abertura da instrução, por ser legalmente irrecorrível essa decisão, com o que improcede a reclamação sub judice.
Custas do presente processado recursório pelos dois recorrentes reclamantes, com quatro UC de taxa de justiça individual.
Macau, 22 de Setembro de 2011.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
______________________
José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
(nos termos do que uniforme no Acórdão 17.03.2011, Proc. nº52/2011)



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