ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 7 de Maio de 2010 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
Por Acórdão proferido em 9 de Fevereiro de 2012, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
Inconformando com a decisão, vem A recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. O entendimento expresso no douto acórdão recorrido no que ao fundamento do presente recurso jurisdicional concerne baseia-se numa errónea qualificação do acto recorrido quanto aos seus efeitos, porque não o qualifica, como deveria ter feito, de acto administrativo substitutivo.
2. A nova deliberação do CMJ foi proferida num momento em que produzia os seus efeitos no tempo a primeira decisão punitiva porque, apesar de ter sido proferido acórdão anulatório por parte do TSI, tal acórdão não transitara então ainda em julgado por dele ter sido interposto recurso jurisdicional por parte da entidade recorrida, uma vez que a interposição do recurso jurisdicional suspendeu os efeitos da decisão judicial anulatória.
3. A primeira decisão punitiva foi eliminada da ordem jurídica não pela decisão do nosso tribunal intermédio, mas sim em virtude da prolação da nova deliberação substitutiva do CMJ de 7 de Maio de 2010.
4. O Ac. anulatório do TSI só veio a produzir os seus efeitos a 1 de Julho de 2010, no momento em que transitou em julgado após o recorrente ter requerido a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, só depois disso havendo a entidade recorrida apresentado a desistência do seu recurso jurisdicional.
5. Demonstrado está, em consequência, que a segunda deliberação do CMJ foi um acto substitutivo do seu primeiro acórdão, porque este último existia na ordem jurídica, e subsistiam ainda os seus efeitos punitivos, aquando da prolação daquele.
6. Dispõe o n.º 2 do art.º 126.º do CPA que «são aplicáveis à ratificação, reforma e conversão dos actos anuláveis as normas que regulam a competência para a revogação dos actos inválidos e a sua tempestividade».
7. E dispõe o n.º 1 do art.º 130.º do mesmo código que «os actos administrativos anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida».
8. O CMJ, entidade recorrida, proferiu um primeiro acórdão em que aplicou ao recorrente a pena de demissão, em 5/6/2009, do qual o recorrente interpôs recurso contencioso para o TSI em 6/7/2009, no qual a entidade recorrida apresentou a sua resposta em 2/9/2009, havendo o recurso contencioso atingido o seu termo com a prolação do Ac. de 15/4/2010, que, na precedência do recurso, anulou o acto recorrido.
9. Tal Acórdão não transitou desde logo em julgado porque a entidade recorrida interpôs recurso jurisdicional do Ac. do TSI.
10. O acto revogatório substitutivo do acto primitivamente recorrido veio, apenas, a ser praticado em 7/5/2010, através do qual voltou a aplicar ao recorrente a pena disciplinar de demissão.
11. Logo, num momento em que lhe estava já interdita a explicitação de acto substitutivo do acto anteriormente praticado e cuja anulação fora decretada pelo TSI.
12. Sendo, em consequência, o acto revogatório substitutivo ora recorrido ilegal, por praticado para além do prazo fixado pela lei, e ineficaz, pelo que se requer a sua anulação com base na sua extemporaneidade.
13. Sendo, embora, certo que, «se houver prazos diferentes para o recurso contencioso atende-se ao que terminar em último lugar» (art.º 130.º, n.º 2 do CPAC) e que, por via disso, os órgãos da Administração só podem (mas podem) revogar os actos administrativos inválidos dentro do prazo de um ano a contar do momento em que se iniciou a produção dos seus efeitos, se, dentro do prazo legal for interposto o recurso contencioso, o acto inválido só pode ser revogado até à resposta da entidade recorrida (130.º, n.º 1 do CPA).
14. A decisão recorrida violou as normas do art.º 155.º, n.º 1, al. a) do CPAC e dos art.ºs 126.º, n.º 2 e 130.º, n.º 1 do CPA, ao desaplicá-las num quadro que exigia a sua aplicação.
A entidade recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso.
E o Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve conceder provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
2. Os Factos Provados
Nos autos foram apurados os seguintes factos com pertinência:
- Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais de 5 de Junho de 2009, foi o ora recorrente punido com a pena disciplinar de demissão.
- Inconformado, interpôs recurso contencioso de anulação em 6 de Julho de 2009.
- Em sede desse recurso, o Conselho dos Magistrados Judiciais apresentou contestação em 2 de Setembro de 2009.
- Por Acórdão proferido em 15 de Abril de 2010, o Tribunal de Segunda Instância considerou que na deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais existiam factos prescritos, pelo que julgou procedente o recurso e anulou o acto recorrido, tornando-se assim inútil a apreciação das restantes questões suscitadas.
- Desse Acórdão recorreu para o Tribunal de Última Instância o Conselho dos Magistrados Judiciais.
- Em 7 de Maio de 2010, o Conselho dos Magistrados Judiciais tomou nova deliberação, com o seguinte teor:
Processo Disciplinar n.º PDI-16-08-3
Arguido: A, escrivão judicial adjunto da Secção Central do Tribunal Judicial de Base
Visto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Este Conselho teve a preocupação de, no seu acórdão de 5 de Junho de 2009, ora anulado, não acolher tudo quanto constasse do Relatório da Exma. Instrutora dos Autos de Processo Disciplinar, a começar, desde logo, pelo enquadramento legal para a infracção disciplinar dos autos, optando pela qualificação jurídica consubstanciada na nova norma do art. 24º da Lei n.º 16/2001, que não pela já revogada do art. 279º, nº 13 do ETAPM, e acabando, em sede de punição, pela aplicação da pena de demissão disciplinar, prevista no art. 315º do ETAPM, que não pela de aposentação compulsiva prevista no mesmo normativo.
Também em sede de factualidade provada, sendo certo que toma como base os factos enumerados no Relatório da Exma. Instrutora, é certo também que teve a preocupação de, reportando a prática delitual do arguido a, pelo menos, 15 de Setembro de 2004, relevar apenas, para efeito dos autos, a conduta infraccional entre 28 de Novembro de 2006 e 16 de Julho de 2008, essa registada em dias e horários de trabalho efectivo do arguido num total de 48 dias (...), também aqui, mais uma vez, demarcando-se do Relatório da Exma. Instrutora.
Ou seja, se por um lado - como, aliás, vemos ter sido reconhecido no douto parecer do ilustre Magistrado do Mº Pº - a referência à factualidade abrangida pelo instituto da prescrição era «a título meramente informativo, como forma de enquadramento da globalidade da conduta do recorrente (...)», a verdade é que, por outro lado, «a imputação específica da actividade delituosa do arguido, em termos de tempo, lugar e modo dos ilícitos disciplinares, reporta-se toda ela a período já não abrangido por tal instituto», «não se vendo que tal menção se mostre decisiva, quer para a decisão sancionatória em si, quer para a medida da pena alcançada».
Mas não entendeu assim o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância e a esta entidade cumpre, simplesmente, extrair daí as devidas consequências e adoptar a solução que melhor se ajuste à gestão do incidente.
Termos em que, deliberando produzir um novo acórdão que substitua aquele e o torne mais claro e directo, produz-se agora um novo acórdão, como segue.
Acordam no Conselho dos Magistrados Judiciais da RAEM
I – Relatório
Por deliberação do Conselho dos Magistrados Judiciais datado de 10 de Outubro de 2008 foi determinada a instauração do presente processo disciplinar contra o Senhor Escrivão Judicial Adjunto A, por entender, este Conselho, haver indícios fortes que os actos por ele praticados constituíam infracções disciplinares graves, com base no resultado da investigação procedida pelo CCAC e na situação das suas faltas apresentada pela MM.ª Presidente do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal Administrativo. E mais foi determinada a apensação do processo de averiguações n.º PAV-19-08-6, a fim de instruir o processo.
Pela mesma deliberação, foi ordenada a suspensão preventiva do exercício das suas funções, nos termos do n.º 1 do art. 331.º dos Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, adiante “ETAPM”. Terminado o prazo de 90 dias, o arguido reiniciou as suas funções no dia 9 de Janeiro de 2009.
Foram ouvidos para além do arguido, o Secretário Judicial B, a Escrivã C, os investigadores do CCAC D e E, os médicos do Hospital(1) e dos Serviços de Saúde.
Encontra-se junto aos autos o registo disciplinar do arguido, bem como os movimentos fronteiriços durante os meses de Janeiro a Setembro de 2008.
Foi solicitada ao Mº Pº informação sobre o estado do processo-crime contra o mesmo arguido, tendo sido respondido que se encontra em fase de inquérito e dele não consta ainda nenhuma decisão final.
II - Da acusação e da defesa
Dão-se aqui por reproduzidas a acusação deduzida contra o arguido e a defesa escrita por este apresentada.
III - Da factualidade provada
O Conselho toma como assentes os factos enumerados no Relatório da Ilustre Instrutora, que aqui se dão por reproduzidos, designadamente: que o arguido, num período que decorre entre o dia 15 de Setembro de 2004 e 21 de Julho de 2008, frequentou, indevidamente, em 529 dias (feito já o desconto dos dias permitidos aos funcionários entrarem nos casinos), uma mão cheia de salas de jogo, exploradas pela F, dentre as quais as do Sala de jogo(1), do Sala de jogo(2), do Sala de jogo(3), do Sala de jogo(4) e do Sala de jogo(5), menção genérica de tempo e lugar que ajuda a enquadrar a globalidade da conduta infraccional do arguido.
CONTUDO, considerando o disposto no art. 289º do ETAPM que determina a prescrição de 3 anos para o procedimento disciplinar - neste caso instaurado em 10.10.2008 - o que releva para os autos, e é objecto desta deliberação, é a conduta delituosa do arguido entre 28 de Junho de 2006 e a data da instauração dos presentes autos.
Durante esse período, o arguido acedeu indevidamente às salas de jogo, tendo esse acesso sido registado em dias e horário de trabalho efectivo a que o arguido estava obrigado, num total de 46 dias1 (fls. 61-77, de que se faz eco os artigos 1º, 7º e 16º do Relatório da Exma. Instrutora - vd. fls. 241ss.).
Reproduz-se a seguir o Quadro das datas em que o arguido permaneceu nas salas de jogo durante o horário de serviço:
N.º
Data
Hora (em que o arguido permaneceu na Sala de jogo dentro do horário de serviço)
1
28/11/2006
09:34:51AM * 09:35:02AM
2
18/04/2007
02:37:37PM * 02:42:40PM
3
04/06/2007
02:33:34PM * 02:39:03PM
4
07/06/2007
02:32:25PM
5
11/06/2007
02:42:09PM
6
18/06/2007
02:47:44PM
7
28/06/2007
09:01:10AM
8
03/07/2007
09:04:29AM * 02:34:14PM * 02:44:12PM
9
10/07/2007
02:34:04PM * 02:40:28PM
10
12/07/2007
11:27:24AM
11
17/07/2007
02:43:51PM
12
19/07/2007
04:36:58PM * 04:41:16PM * 04:43:44PM
13
16/08/2007
09:05:02AM * 11:25:09AM * 11:31:22AM * 11:45:57AM * 11:49:09AM * 11:52:54AM * 12:13:55PM * 05:02:59PM * 05:10:25PM
14
17/08/2007
10:42:54AM * 10:52:00AM * 12:05:08PM * 12:44:01PM * 12:49:50PM * 12:57:12PM *
15
21/08/2007
10:32:05AM *10:40:21AM
16
28/08/2007
11:26:16AM * 11:36:34AM * 11:45:33AM
17
29/08/2007
02:30:09PM * 02:39:58PM * 02:43:18PM * 03:02:07PM *
18
17/09/2007
09:21:50AM
19
16/10/2007
02:32:00PM
20
17/10/2007
11:17:50AM * 02:30:47PM
21
07/11/2007
11:07:53AM
22
16/11/2007
02:34:02PM
23
06/12/2007
02:36:59PM
24
14/12/2007
03:00:52PM
25
19/12/2007
09:00:05AM
26
27/12/2007
11:17:38AM * 11:24:25AM * 11:32:51AM
27
28/12/2007
05:22:43PM
28
10/03/2008
02:31:02PM
29
20/03/2008
09:01:46AM * 02:30:59PM * 04:40:08PM * 04:48:20PM *
30
16/04/2008
09:07:29AM * 09:09:21AM * 02:31:32PM
31
17/04/2008
09:17:03AM
32
06/05/2008
02:34:36PM * 02:39:56PM * 05:27:05PM
33
07/05/2008
09:03:19AM
34
13/05/2008
09:01:46AM * 11:00:58AM
35
16/05/2008
02:38:07PM
36
19/05/2008
09:15:11AM * 02:42:28PM * 02:46:48PM
37
22/05/2008
09:02:27AM * 11:25:16AM
38
27/05/2008
09:01:47AM * 09:13:26AM
39
28/05/2008
09:03:50AM * 11:18:34AM
40
03/06/2008
02:45:23PM
41
18/04/2007
02:37:37PM * 02:42:40PM
42
03/06/2008
02:45:23PM
43
04/06/2008
02:37:50PM
44
11/06/2008
04:46:52PM
45
16/06/2008
09:24:16AM * 09:48:19AM * 02:36:18PM
46
27/06/2008
02:36:42PM * 02:45:59PM
47
15/07/2008
09:04:39AM * 11:20:40AM
48
16/07/2008
12:53:12PM * 02:36:05PM
Na verdade, e como parte instrumental do seu objectivo primordial (jogar nas máquinas dos «casinos»), o arguido deu várias vezes baixa médica, através de atestados profissionais que conseguia após consultas da especialidade em Centros de Saúde ou Hospital de Macau, e com eles justificando as respectivas faltas ao serviço.
Mas, para além das frequências de salas de jogo durante o horário de serviço, o arguido também as frequentava noutros horários, sempre em violação da Lei.
Assim,
Entre 1/5/2006 e 18/7/2008, faltou por doença 98 dias (art. 2º Relatório da Exma. Instrutora), dos quais 74 das faltas devem ser consideradas injustificadas; De facto, comprovadamente, em 32 dos dias, em vez de permanecer em casa conforme recomendação clínica, frequentou salas de jogo e, em 42 doutros dias, o arguido ausentou-se do território da RAEM, onde era pressuposto ter o seu domicílio e com a obrigação de nele permanecer (vd. Art. 101º, n.º 2, al. e) do ETAPM), porquanto, e na verdade, só comunicou a alteração do mesmo em 27/6/2008 (fls. 234-239) à respectiva entidade patronal (GPTUI), isto é, após a instauração do seu processo de averiguação (instaurado em 2/5/2008).
Reproduz-se o Quadro das 74 Faltas Injustificadas conforme o Relatório do CCAC e art. 15º do Relatório da Exma. Instrutora :
Faltas injustificadas consideradas
no Relatório do CCAC
Número
Data
1
2006/06/28
2
2006/07/21
3
2006/09/06
4
2006/09/13
5
2006/09/19
6
2006/09/20
7
2006/09/27
8
2006/10/23
9
2006/11/03
10
2006/11/15
11
2006/12/01
12
2006/12/12
13
2007/01/03
14
2007/01/31
15
2007/02/12
16
2007/02/26
17
2007/02/27
18
2007/02/28
19
2007/03/09
20
2007/03/16
21
2007/03/19
22
2007/04/12
23
2007/04/13
24
2007/04/27
25
2007/05/11
26
2007/05/22
27
2007/05/31
28
2007/06/01
29
2007/06/06
30
2007/06/22
31
2007/07/25
32
2007/07/30
33
2007/07/31
34
2007/08/23
35
2007/09/07
36
2007/09/20
37
2007/09/21
38
2007/10/12
39
2007/10/13
40
2007/10/14
41
2007/11/05
42
2007/11/28
43
2008/01/09
44
2008/01/10
45
2008/01/11
46
2008/01/17
47
2008/01/16
48
2008/01/18
49
2008/01/24
50
2008/01/25
51
2008/02/05
52
2008/02/14
53
2008/02/20
54
2008/02/21
55
2008/02/27
56
2008/03/06
57
2008/03/31
58
2008/04/01
59
2008/04/10
60
2008/04/15
61
2008/04/22
62
2008/04/23
63
2008/04/24
64
2008/04/28
65
2008/04/29
66
2008/05/08
67
2008/05/09
68
2008/05/21
69
2008/05/26
70
2008/05/30
71
2008/06/19
72
2008/06/24
73
2008/07/17
74
2008/07/18
Em alguns outros casos, o arguido, para justificar as faltas por doença – porque os atestados médicos tivessem sido passados fora das horas de expediente laboral e postos em causa pelos serviços (vd., por exemplo, fls. 6 e 24 ou fls. 29 e 30) – o arguido apresentou «declarações por escrito» que, veio a verificar-se, não correspondem inteiramente à verdade, como é o caso das «declarações» de 23 /03/2007 (fls. 18 do Apenso), de 6/06/2008 (fls. 32) e de 1/07/2008 (fls. 35).
Na verdade, tais «declarações» omitem o essencial : que o arguido, sob o pretexto de estar de baixa médica e, portanto, ausente do serviço, não permaneceu no domicílio, como era sua obrigação legal (art. 101º do ETAPM), antes esteve em salas de jogo a jogar, razão pela qual não foram aceites as «declarações» nem aceites as justificações das faltas pelo órgão de disciplina do arguido (fls. 2 dos autos), por serem falsas (art. 32º, idem).
Além destas,
O arguido cometeu ainda faltas ao trabalho para as quais não apresentou atestados médicos e, tendo sido notificado para as justificar, apresentou em 3/07/2008 (fls. 43), 28/07/2008 (fls. 56) e 11/09/2008 (fls. 60) justificações que não foram aceites pelo órgão de disciplina do arguido, nem tendo sido autorizado o pedido de antecipação de férias.
Outras faltas, ocorridas entre o dia 19/09/2008 e 23/09/2008 (5 dos quais 3 são dias úteis, visto 20/09/2008 e 21/09/2008 serem sábado e domingo) o arguido nem sequer apresentou justificação (fls. 79), a saber:
N.º
Data
1
02/07/2008
2
11/07/2008
3
25/07/2008
4
11/09/2008
5
19/09/2008
6
22/09/2008
7
23/09/2008
Por último, o arguido, tendo chegado atrasado no dia 22/07/2008, apresentou uma justificação que não foi aceite pelo órgão de disciplina do arguido, considerando-se assim falta injustificada.
Em resumo: no seu desígnio de aceder às salas de jogo com o propósito de jogar nas máquinas e satisfazer o seu vício, o arguido usou de várias práticas de ludíbrio dos superiores hierárquicos, desenvolvendo actos preparatórios para melhor defraudar a sua entidade patronal, como por exemplo saindo do local de trabalho antes do horário cumprido e só apresentando atestados médicos a desoras e sem cobrir todo o tempo de ausência do serviço, mormente porque não se dirigiu logo à consulta mas apenas muito mais tarde ou mesmo no dia seguinte (vd. art. 4º do Relatório). Actos esses que devem ser entendidos como integrantes da consumação delitual principal e razão pela qual não têm as indiciadas infracções disciplinares do arguido - previstas no art. 279º, n.º 2, alíneas g) e h) e nº 9 e 10 do ETAPM (violação dos deveres gerais de assiduidade e pontualidade) - ou razão processual de ser (caso da pontualidade) ou autonomia delituosa, face à existente indiciação de outras infracções mais graves, que consomem aquela (caso da assiduidade).
Contudo, não podem deixar de ser autonomizadas, como muito bem propôs a Exma. Instrutora, as declarações prestadas pelo arguido acerca de ausências não devidamente justificadas, em que, recorrendo aos habituais meios justificativos como a sua doença, a indisposição, a tensão, as tonturas, etc., omite o essencial que era o de, em contradição absoluta com as suas próprias queixas, ter estado indevidamente a jogar em salas de jogo, sem sequer ter a permissão do médico para não permanecer em casa e que, pois, serão consideradas infracção autónoma e será levada em conta na medida disciplinar aplicada.
IV – Fundamentação
O arguido é funcionário de justiça, estando vinculado ao Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pela Lei nº 7/2004. Está, em consequência, sujeito aos deveres gerais dos trabalhadores da Administração Pública (corpo do art. 20º da Lei nº 7/2004), às regras disciplinares do ETAPM (art. 25º) e à acção disciplinar deste Conselho (art. 17º).
Ora,
II
O acesso a salas ou zonas de jogo, quaisquer que elas sejam, está vedado aos trabalhadores da Administração Pública, segundo o art. 24º, n.º 1, alínea 3) da Lei nº 16/2001:
Artigo 24.º
Acesso às salas ou zonas de jogos
1. É vedado o acesso às salas ou zonas de jogos:
1) Aos menores de 18 anos;
2) Aos incapazes, inabilitados e culpados de falência intencional, excepto se tiverem sido entretanto reabilitados;
3) Aos trabalhadores da Administração Pública da Região, incluindo os agentes das Forças e Serviços de Segurança, excepto quando autorizados ou no desempenho das suas funções; (sublinhado nosso)
III
Como a norma do nº 13 do art. 279º do ETAPM vem sistemática mas erradamente referida nos autos, quer pela Exma. Instrutora, quer pelo ilustre causídico representante do arguido, isoladamente ou a par da nova norma,2 julgamos necessário fazer aqui uma observação: tal norma foi expressamente revogada pela Lei n.º 16/2001 (vide a norma revogatória do art. 54º, nº 2, alínea 5) da mencionada Lei nº 16/2001) e fazer algumas clarificações.
A norma revogada prescrevia:
Artigo 279.º
(Deveres)
13. Aos funcionários e agentes está vedada a frequência de casas de jogo de fortuna e azar, excepto quando autorizados ou no exercício das suas funções. ( sublinhado nosso)
Isto é importante porque, nos termos dessa norma revogada, o que estava vedado ao trabalhador da Administração Pública era a «frequência de casas de jogo de fortuna e azar», universos conceptuais muito diferentes dos que estão agora plasmados na norma presentemente em vigor da Lei nº 16/2001, art. 3º, nº 1 e 2.
Ao abrigo da norma revogada, a pena disciplinar máxima de aposentação compulsiva ou demissão, prevista no art. 315º do ETAPM (por indignidade ou falta de idoneidade moral para o exercício de funções, com inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional), era reservada àquele trabalhador da Administração Pública que fosse um «frequentador» useiro e vezeiro em casas de jogo, que por «repetição amiudada de actos e sucessos»3 ou por «efeito de frequentar ou ir habitualmente a um local» proibido,4 pusesse, com a sua actividade delituosa, em perigo o prestígio da Administração Pública.
Ficava, portanto, a pena disciplinar de suspensão de funções, prevista no art. 314º, n.º 2, alínea f), para os restantes casos em que o trabalhador da AP fosse meramente «encontrado», como diz essa norma, sem o estigma da «frequência», isto é, da dependência do vício.
E mais ainda: a norma revogada só previa a interdição do acesso às «salas de jogo de fortuna e azar», vulgo de casino, das quais eram, iniludivelmente, excluídas as máquinas eléctricas ou mecânicas, vulgo slot machines.
Por isso, aliás, e consentaneamente, o art. 314º, n.º 2, alínea f) do ETAPM só falava nas «salas de jogo de fortuna e azar».
Agora, à luz da Lei nº 16/2001, o legislador estende o alcance do banimento não só à «frequência» mas ao próprio «acesso» e, mais restritivamente ainda, não só às «casas de jogo de fortuna e azar», mas a (todas) as «salas e zonas de jogo», sem distinção, incluindo portanto as destinadas à máquinas de jogo.
Repare-se que o legislador continua a não considerar as «máquinas de jogo» como jogos de fortuna ou azar (vd. art. 3º, nº 1 e 2); o que passou foi a alargar o âmbito da interdição, integrando-as, por um lado, no mesmo universo de interdição de acesso do trabalhador da AP, que antes se limitava aos jogos de fortuna ou azar (vd. art. 24º, n.º 1) e, por outro lado, a confiná-las aos locais de uso dos jogos de fortuna e azar: os «casinos» (vd. art. 3º, n.º 2).
Uma vez que, à luz da norma antiga, as máquinas de jogo não estavam proibidas e podiam ser frequentadas pelos trabalhadores da função pública (porque, subtraídas ao conceito de jogos de fortuna ou azar, a «frequência» era apenas «vedada» às casas de «jogo de fortuna e azar»), eram instaladas nas franjas externas das salas (interiores) dos casinos para que pudessem ser utilizadas sem que os utentes acedessem ao interior dos casinos.
IV
Ora isso já não é agora defensável, à luz da nova previsão normativa do art. 24º, n.º 1, alínea 3) da Lei nº 16/2001. Clarificada, pois, aquela matéria, podemos passar à análise do que está hoje em vigor.
Na verdade, à face da nova norma, as salas de máquinas eléctricas ou mecânicas passaram a ser «salas ou zonas de jogo» como outras quaisquer, passando a constar também da interdição ao funcionário público. O trabalhador da AP não só não a pode «frequentar», como nem sequer «aceder».
Se, antes, só os jogos de fortuna e azar estavam interditados de serem «frequentados», passam, agora, a estar acompanhados na interdição de «acesso» de todos os «jogos».
V
Nesta nova ordem normativa que a nova legislação introduziu, melhor se compreende agora porque, ao abrigo do art. 24º, nº 1, alínea 3) da mencionada Lei (que é a que está em vigor após a revogação expressa do nº 13 do art. 279º do ETAPM), o arguido violou a obrigação de se manter afastado de qualquer «sala ou zona de jogo», mesmo que de meras salas de máquinas, visto que estas passaram a estar incluídas no conceito mais alargado da proibição de «acesso».
Tendo violado essa previsão normativa de proibição do acesso a uma «sala ou zona de jogo», prevista no art. 24º da Lei n.º 16/2001, ao arguido seria aplicável, no mínimo, só por ali ter sido «encontrado», a norma do art. 314º, nº 2, alínea f) do ETAPM com a sanção disciplinar de suspensão de funções (como o arguido aceita na alegação de defesa a fls. 221, aceitando a interpretação extensiva do conceito ali plasmado de «jogos de fortuna e azar» que agora, com a nova filosofia normativa, passaria a ter de ser lido como «todo o tipo de jogos praticados nas salas ou zonas de jogo interditas»).
Mas os autos demonstram, por parte do arguido, uma conduta repetitiva que cobre um prazo de quase dois anos incontestavelmente não abrangido pelo instituto da prescrição, com um número comprovado de dias em que foi detectado a infringir a lei de acesso às salas de jogo, num total de 78 dias, dentre os quais 46 dias comprovada mente durante o horário efectivo de serviço (arts. 1º, 7º e 16º, idem; art. 2º idem).
O arguido não foi apenas «encontrado» em salas de jogo, mas para bem mais do que isso.
Para satisfazer o vício do jogo, o qual se adivinhava do seu padrão comportamental (e já está intuído na acusação (art. 3º), ao salientar desde logo uma relação de causa-efeito entre o impulso de jogar e a vontade de tirar partido do fim de semana para prolongar esse vício, recorrendo à obtenção lícita de atestados médicos válidos), o arguido vai ao ponto de se apresentar a consultas médicas de urgência por forma a obter atestados médicos justificativos de faltas ao serviço que lhe permitissem extensões pelo fim-de-semana adentro (de 5ª feira até domingo ou de 6ª feira até 2ª feira) (vd. quadro de fls. 244-246).
Para tal, utiliza artifícios fraudulentos (por exemplo, enganando os superiores hierárquicos com deslocações ao médico a horas que mais se afeiçoassem às suas conveniências) para obter aqueles meios legítimos de justificação de faltas (os atestados), empolando sintomas para mais facilmente atingir os seus fins e contrariando, inclusivamente, as recomendações clínicas de repouso (fls. 135vº, 147vº, 151vº).
Chega inclusivamente a não se dar ao cuidado de apresentar atestados médicos e, depois de notificado para justificar as faltas, a dar desculpas mediante declarações que não foram aceites por faltarem à verdade (fls. 43, 56, e 60)
Em alguns casos nem sequer se deu ao cuidado de apresentar qualquer justificação das faltas (fls. 79).
Esta conduta do arguido revela não só «culpa e grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais», como vem genericamente indicado no n.º 1 do art. 314º do ETAPM, como se aproxima mais da ideia apontada no art. 315º do ETAPM, com revelação de grave atentado contra a dignidade e prestígio do trabalhador (mais a mais da justiça) e da própria função.
É esta maior gravidade da infracção que não permite aceitar a alegação do arguido de que «motivos meramente circunstanciais» (vd. art. 28º da contestação, p. 215) - como a «proximidade dos fins de semana com alguns dos atestados médicos» - tenham conduzido às «suspeitas de indução enganosa dos médicos», face ao quadro repetitivo de recurso ao mesmo sistema fraudulento de enganar os superiores hierárquicos com idas ao médico a horas que mais se afeiçoassem às suas conveniências e obtendo legítimos atestados médicos da forma artificiosa a que aludimos antes.
O que, tudo, nos levaria - nesse hipotético quadro menos grave de simplesmente se «encontrar» em recinto de jogo - com muita facilidade, e sem mais, pela aplicação da pena disciplinar agravada prevista no art. 315º do ETAPM, atento o despautério e grave desrespeito que a conduta do arguido representou para os colegas, superiores e Administração pública, com óbvio e grave risco da inviabilização da manutenção da situação jurídico-funcional, a que o pertinaz e enganoso comportamento do arguido conduz.
Mas, como já se percebeu porque foi sendo dito, o arguido foi muito mais longe do que isso: ao violar a norma, não se limitou a «aceder» à «sala de jogo», entrando e observando, movido por uma qualquer curiosidade serôdia, não tendo sido apenas «encontrado» «em casa de jogo», mas infringiu, por dilatado período de tempo, a interdição do acesso com um reiterado propósito, deliberado, doloso, de jogar mesmo nas máquinas (o interdito absoluto).
Esse quadro, de escalão superior na gravidade, revela uma responsabilidade disciplinar de mais elevado grau, quer pelos artifícios enganosos que usou para melhor satisfazer a sua compulsão pelo jogo, inviabilizadora da manutenção da situação jurídico-funcional não só pela natureza viciosa do seu estado, mas pela indignidade apresentada e falta de idoneidade moral para o exercício das funções.
O que coloca o arguido incurso na previsão do art. 315º, nº 1 e n.º 2, alínea o) do ETAPM, punível com a pena disciplinar de aposentação compulsiva ou demissão, deixando este Conselho sem margem para que possa ponderar sequer na aplicação da pena disciplinar de suspensão prevista no art. 314º, nº 2, alínea f), como o arguido pretenderia, e pese embora a circunstância atenuante invocada da alínea a) do art. 282º do ETAPM (prestação de mais de 10 anos de serviço classificados de «Bom») e, até, a afectação do vício do jogo na vida pessoal e profissional do arguido (Contestação, p. 219) ou as poucos satisfatórias condições de saúde do arguido (Idem, p. 208; Relatório, art. 22º), subsumíveis à previsão genérica da alínea j) do art. 282º do ETAPM. Porquanto, e na verdade, a pena disciplinar de suspensão está destinada, como se mencionou, às outras situações de transgressões, bem menos graves do que a do ora arguido e, por outro lado, o quadro de premeditação e contumácia que as acompanhou e ficou descrito, não permitem usar de condescendência que possa ir ao ponto de convolar o enquadramento legal do ilícito disciplinar do art. 315º para o art. 314º do ETAPM.
Uma nota final: como se pode ver do confronto dos quadros de Faltas injustificadas do arguido (fls. 247-248, art. 15º do Relatório) e de Horas em que o arguido permaneceu nas salas de jogo (fls. 248-249, art. 16º, idem), nem todas as saídas extemporâneas do serviço feitas pelo arguido sem atestados médicos que as justifique (e foram tantas!) estão comprovadamente relacionadas com a presença do arguido em salas de jogo (e tantas foram!), pelo que faz todo o sentido ter-se autonomizado, como infracções disciplinares, algumas dessas justificações das ausências de trabalho - tendo em conta, designadamente, a factualidade provada de algumas das «justificações escritas» das faltas coincidirem com dias e horários em que o arguido esteve, sim, a jogar nas salas de jogo - , como prestação de falsas declarações relativas à justificação de faltas, prevista e punível no art. 314º, nº 2, alínea g) do ETAPM, o que constituirá, como aliás foi referido no art. 32º do Relatório da Exma. Instrutora, a circunstância agravante da acumulação, prevista no art. 283º, nº 1, alínea h). do mesmo Estatuto.
Tudo ponderado e atentas a gravidade dos factos , a intensidade da culpa do arguido e as circunstâncias agravante e atenuante, atrás referidas;
Tendo em atenção que as condutas do arguido revelam a sua indiferença total para com a sua condição de funcionário público, sendo manifesto que é indigno e carece de idoneidade moral para manter o seu vínculo funcional com a Administração pública.
Tomando boa nota que o arguido se encontra na situação prevista no artigo 315º. N.º 3 do ETAPM - tem o tempo de serviço de 21 anos, 7 meses e 15 dias conforme o seu registo biográfico e disciplinar em 27 de Novembro de 2008 (fls. 156-158) - afigura-se, no entanto, que a gravidade das I condutas do arguido impõe que a pena adequada a ser-lhe aplicada seja a de demissão.
VI - Decisão
Por todo o exposto, acordam aplicar ao arguido A, a pena demissão.
- Em 14 de Junho de 2010, o Conselho dos Magistrados Judiciais desistiu do recurso jurisdicional por si interposto para o Tribunal de Última Instância.
- E por despacho proferido nessa mesma data, foi homologada a desistência do recurso jurisdicional.
3. O Direito
A questão fundamental colocada no presente recurso prende-se com a qualificação, como acto revogatório ou não, da segunda deliberação tomada em 7 de Maio de 2010 pelo Conselho dos Magistrados Judiciais.
O único fundamento do presente recurso jurisdicional consiste na violação dos art.ºs 126.º n.º 2 e 130.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, que se refere basicamente à violação das normas que regem a ratificação, reforma e conversão dos actos anuláveis e da atinente à revogação dos actos administrativos anuláveis.
Para o recorrente, o acto ora impugnado é revogatório substituto do anterior, pelo que é ilegal por praticado fora do prazo legal, ao abrigo do disposto nos art.ºs 126.º n.º 2 e 130.º do Código de Procedimento Administrativo.
Está fundamentalmente em causa a intempestividade da pretensa revogação, ratificação, reforma ou conversão, operada pelo acto recorrido (2.ª deliberação de 7 de Maio de 2010) relativamente à deliberação anterior (de 5 de Junho de 2009).
Isto porque, segundo o recorrente, quando a 2.ª deliberação foi tomada ainda não tinha sido eliminada da Ordem Jurídica a 1.ª deliberação, visto que o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 15 de Abril de 2010, que a anulara, ainda não tinha transitado em julgado.
Assim, a 2.ª deliberação, revogatória da 1.ª, foi tomada muito para além do prazo previsto na lei.
E defende a entidade recorrida que não são aplicáveis as normas invocadas pelo recorrente, uma vez que, tendo havido anulação do acto anterior pelo Tribunal de Segunda Instância, o novo acto é completamente autónomo e produzido ex novo, não ratificando, reformando ou convertendo o anterior.
Vejamos.
Prevêem os art.ºs 126.º e 130.º do CPA o seguinte:
Artigo 126.º
(Ratificação, reforma e conversão)
1. Não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão os actos nulos.
2. São aplicáveis à ratificação, reforma e conversão dos actos anuláveis as normas que regulam a competência para a revogação dos actos inválidos e a sua tempestividade.
3. Em caso de incompetência, o poder de ratificar o acto cabe ao órgão competente para a sua prática.
4. Desde que não tenha havido alteração ao regime legal, a ratificação, reforma e conversão retroagem os seus efeitos à data dos actos a que respeitam.
Artigo 130.º
(Revogabilidade dos actos anuláveis)
1. Os actos administrativos anuláveis só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
2. Se houver prazos diferentes para o recurso contencioso atende-se ao que terminar em último lugar.
Daí que a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto contenciosamente impugnado pode ter lugar na pendência do processo até à contestação da entidade recorrida.
Importa saber se, no caso sub judice, a nova deliberação da entidade recorrida (de 7 de Maio de 2010) é ou não acto revogatório do anterior, isto é, a deliberação de 5 de Junho de 2009.
Ora, na definição dada por Freitas do Amaral, a revogação é o acto administrativo que se destina a extinguir, no todo ou em parte, os efeitos de um acto anterior; constitui substituição de acto administrativo o acto que, além de extinguir acto anterior, produz um novo acto distinto do anterior, substituição que está sujeita às regras da revogação.
A ratificação é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicie.
Por sua vez, a reforma é o acto administrativo pelo qual se conserva de um acto anterior a parte não afectada de ilegalidade.
E a conversão é o acto administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um acto ilegal para com eles se compor um outro acto que seja legal. 5
Por outro lado, a revogação do acto administrativo é, na prática habitual, expressa.
Não obstante poder haver revogação implícita, certo é que há de se encontrar, no acto revogatório, alguns elementos referenciadores que demonstrem o sentido revogatório do órgão administrativo.
Voltando ao nosso caso.
Alega o recorrente que, quando a entidade recorrida tomou a 2.ª deliberação, não tinha sido ainda eliminada da Ordem Jurídica a 1.ª deliberação, visto que o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 15 de Abril de 2010, que a anulara, ainda não tinha transitado em julgado.
No entanto, afigura-se-nos que só em termos formais isso sucedeu.
Na verdade, não só a entidade recorrida veio a desistir do recurso jurisdicional do Acórdão que anulou a 1.ª deliberação, pouco dias depois da 2.ª deliberação, como, sobretudo, a 2.ª deliberação não pretendeu revogar, alterar, reformar ou sanar o acto anterior, o que resulta evidentemente do seu teor.
Ora, a 2.ª deliberação da entidade recorrida começa logo por afirmar o seguinte:
“Visto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Este Conselho teve a preocupação de, no seu acórdão de 5 de Junho de 2009, ora anulado, não acolher tudo quanto constasse do Relatório da Exma. Instrutora dos Autos de Processo Disciplinar, a começar, desde logo, pelo enquadramento legal para a infracção disciplinar dos autos, optando pela qualificação jurídica consubstanciada na nova norma do art. 24º da Lei n.º 16/2001, que não pela já revogada do art. 279º, nº 13 do ETAPM, e acabando, em sede de punição, pela aplicação da pena de demissão disciplinar, prevista no art. 315º do ETAPM, que não pela de aposentação compulsiva prevista no mesmo normativo.
Também em sede de factualidade provada, sendo certo que toma como base os factos enumerados no Relatório da Exma. Instrutora, é certo também que teve a preocupação de, reportando a prática delitual do arguido a, pelo menos, 15 de Setembro de 2004, relevar apenas, para efeito dos autos, a conduta infraccional entre 28 de Novembro de 2006 e 16 de Julho de 2008, essa registada em dias e horários de trabalho efectivo do arguido num total de 48 dias (...), também aqui, mais uma vez, demarcando-se do Relatório da Exma. Instrutora.
Ou seja, se por um lado - como, aliás, vemos ter sido reconhecido no douto parecer do ilustre Magistrado do Mº Pº - a referência à factualidade abrangida pelo instituto da prescrição era «a título meramente informativo, como forma de enquadramento da globalidade da conduta do recorrente (...)», a verdade é que, por outro lado, «a imputação específica da actividade delituosa do arguido, em termos de tempo, lugar e modo dos ilícitos disciplinares, reporta-se toda ela a período já não abrangido por tal instituto», «não se vendo que tal menção se mostre decisiva, quer para a decisão sancionatória em si, quer para a medida da pena alcançada».
Mas não entendeu assim o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância e a esta entidade cumpre, simplesmente, extrair daí as devidas consequências e adoptar a solução que melhor se ajuste à gestão do incidente.6
Termos em que, deliberando produzir um novo acórdão que substitua aquele e o torne mais claro e directo, produz-se agora um novo acórdão, como segue.”
Desta parte preambular da deliberação resulta claramente que, não obstante não ter ainda sido desistido do recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância que anulou a 1.ª deliberação, a 2.ª deliberação partiu do princípio da plena eficácia desse Acórdão e pretendeu executá-lo.
Na realidade, a 2.ª deliberação nunca pretendeu revogar nada, designadamente a 1.ª deliberação. Antes pelo contrário, limitou-se a aceitar a anulação da 1.ª deliberação determinada pelo Acórdão do Tribunal de Segunda Instância e produzir um acto, ex novo.
Tal como se revela manifesta, a intenção real da entidade recorrida ao tomar a 2.ª deliberação não é revogar, nem ratificar ou reformar qualquer acto, pois parte da anulação da 1.ª deliberação pelo Tribunal e pratica um acto administrativo novo, que não é, portanto, uma acto secundário, mas sim um acto primário.
Tal intenção evidencia-se não só na parte por nós sublinhada da deliberação onde se pode ler “… a esta entidade cumpre, simplesmente, extrair daí as devidas consequências e adoptar a solução que melhor se ajuste à gestão do incidente”, mas também na parte em que a entidade recorrida afirma “Termos em que, deliberando produzir um novo acórdão que substitua aquele e o torne mais claro e directo, produz-se agora um novo acórdão”.
Por outras palavras, até se pode dizer que, apesar de não ter sido ainda eliminada formalmente da Ordem Jurídica, a 1.ª deliberação deixou de existir na realidade, pois foi considerada pela entidade recorrida já anulada, face ao Acórdão do Tribunal de Segunda Instância.
Visto todo o conteúdo da 2.ª deliberação, é de afastar, sem dúvida, não só a ideia de revogação expressa, como também de revogação implícita, do acto anterior, até porque esta 2.ª deliberação vai no mesmo sentido da 1.ª.
Concluindo, afigura-se não estar em causa nenhum acto revogatório do anterior, contrariamente à alegação do recorrente.
E não havendo revogação, ratificação ou reforma de qualquer acto administrativo, não podem ter sido violadas as normas que regem a tempestividade de tais actos.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 4 UC.
Macau, 17 de Outubro de 2012
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Viriato Manuel Pinheiro de Lima –
José Maria Dias Azedo
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
1 46 e não 48 como, por lapso, vem listado no quadro que se transcreve. De facto, como se pode verificar, os números 2 e 40 estão repetidos, respectivamente, nos números 41 e 42.
2 o que não se compreende: ou se aplicaria uma ou outra, pois não dizem exatamente a mesma coisa, não tendo sido por acaso que a norma antiga foi expressamente revogada.
3 http://www.priberam.pt/dlpo/definir resultados.aspx
4 http://www.infopedia.pt/pesquisa?qsFiltro=14
5 Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pág. 351, 413 a 416..
6 O sublinhado é nosso.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
40
Processo n.º 40/2012