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Processo nº 874/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Setembro de 2011
Descritores: - Trabalho doméstico
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na vigência do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).




Proc. Nº 874/2009



Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM


I- Relatório


A, com os demais sinais dos autos, moveu acção comum de trabalho contra a STDM pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$1.032.151,92, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais e licença de maternidade não gozados desde o inicio até ao fim da relação laboral.
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Os autos prosseguiram até ao seu termo na 1ª instância, tendo sido proferida na oportunidade sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, sido condenada a STDM a pagar ao autor as quantias indemnizatórias de Mop$ 53,30 e de Hk$ 15.535,00, acrescidas de juros de mora legais.
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Desta sentença foi interposto recurso jurisdicional pela autora, tendo as respectivas alegações terminado com as seguintes conclusões:
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário da A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas C), D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.’, 2.º, 4.º e 13.º da Base Instrutória.
B. A quase totalidade da remuneração da A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alíneas C), D) e H) dos Factos Assentes), o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.0, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina portuguesa invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (nas alíneas C), D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º e 13.º da Base Instrutória).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas C), D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.º,2.º,4.º e 13.º da Base Instrutória.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar à A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (nas alíneas C), D), E), H) e I) dos Factos Assentes e nas respostas aos quesitos 1.0, 2.º, 4.º e 13.º da Base Instrutória).
M. O pagamento da parte variável da retribuição da A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador.
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição da A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pela A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário da A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pela A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário da A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 10l/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP$811,336.98. por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também na alínea F) dos Factos Assentes.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o da A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
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A STDM apresentou contra-alegações, concluindo-as do seguinte modo:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve integralmente improceder o recurso da Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida.
2. As gratificações ou luvas ou prémios ou gorjetas não são parte do salário/retribuição/remuneração/vencimento.
3. As gratificações provinham dos Clientes.
4. O salário é a principal obrigação e contraprestação do empregador pelo trabalho prestado.
5. Como logo expôs nos autos, nos artigos 25º, 26º, 54º a 81 º e 193º a 233º da Contestação dos presentes autos e que se consideram aqui reproduzidos, para todos os devidos efeitos e que nos escusamos de reproduzir por economia processual.
6. Todos os ex-trabalhadores ou ex-colaboradores ou ex-funcionários ou ex-empregados da ora Recorrida sabiam (e hoje ainda sabem) desse facto e dessa realidade, quando foram contratados para lá prestar serviço ou irem trabalhar.
7. Normalmente, logo, aquando da entrevista de contratação para irem prestar os serviços respectivos.
8. E, se as gratificações dos clientes que a Recorrida teve até 31 de Março de 2002, eram o grande aliciante e chamariz de potenciais novos operadores das mesas de jogo, está mais do que provado que aquela nunca se apropriou das mesmas.
9. E não se apropriou das gratificações dos clientes,
10. Nem pagou salários com as mesmas, aos seus colaboradores ou a terceiros.
11. Como, mais importante ainda, nunca se responsabilizou pelo seu pagamento.
12. Nem se comprometeu a pagar aos croupiers qualquer montante através delas, nem se responsabilizou pela sua eventual falta, diminuição ou escassez das mesmas.
13. As gratificações dos Clientes que frequentavam os casinos da Recorrida, são por isso liberalidades, espontâneas, doações remuneratórias, à luz dos artigos 934º e 935º, ambos do CC de 1999.
14. Não correspondendo a qualquer vinculação legal da Recorrida, não correspondem ao correspectivo do trabalho, labor ou serviço prestado pelos colaboradores das mesas de jogo.
15. Ou seja, são alheias ao salário, que é essa a principal obrigação de uma entidade empregadora, a contrapartida pelo trabalho efectuado.
16. E esse principal dever do empregador foi sendo pago aos seus ex-trabalhadores ou ex-colaboradores, designadamente aos croupiers, pagando a estes o seu salário diário em função da comparência e do trabalho efectivamente prestado.
17. Como manda a lei laboral de Macau do RJRT de 1989, nos artigos 26º e 27º deste diploma legal, antes, previsto nos artigos 28º e 29º do RJRT de 1984, diploma também aplicável à presente relação material e jurídica controvertida.
18. Alías, à luz do RJRT de 1984 e do de 1989 nem se calculam nem se compensam nem se atribuem no artigo 17º, qualquer «fórmula de cálculo do montante de compensação por descanso semanal», pelo que, desde logo, fica sem efeito o peticionado na P. I.,
19. Mas, agora, não invocado nem reclamado no douto recurso, conforme se depreende do teor dos pontos ou números 77. e 78. e das conclusões “R.” e “S.” do mesmo.
20. A Recorrida impugna e refuta a quantia pretendida no recurso pela Recorrente, de MOP$811.336,98, não tendo que pagar esse montante pecuniário nem qualquer outro, a título de descanso semanal,
21. Ou a qualquer outro título que se possa ser levado, por exemplo, a crer, nas doutas alegações, nos pontos 46., 47., 50., 55., 61., 68., e nas conclusões “N.º, “P.” e “Q.” a “S.” do douto recurso.
22. Assim, pode-se, por outro lado, também compreender o que foi decidido - entre muitos arestos -, pelo Mmo Tribunal recorrente, o douto TSI, na página 60 do um Ilustre Acórdão com o n.º 131/2006, de 20 de Setembro de 2007 e, mais recentemente, que extraí a aqui Recorrida o seguinte segmento decisório do Acórdão do Tribunal recorrente:
23. “Não se pode reclamar a indemnização pecuniária do trabalho prestado em dias de descanso semanal durante a vigência do Decreto-Lei n.º 101/84/M (ou seja, no período de 1 de Setembro de 1984 a 2 de Abril de 1989), por esse Decreto-Lei não prever a compensação pecuniária desse trabalho (cfr. o que se pode alcançar do disposto nos seus art.ºs 17.º e 18.º, a contrario sensu).
Nota-se, neste caso, que o primeiro dia de descanso semanal a que a A. tinha direito deveria ser o dia 9 de Abril de 1989, depois do primeiro período de seis dias de trabalho, após a entrada em vigor do diploma que passou a prever a compensação”.
24. Por outro lado, e no respeitante ao descanso semanal e ao entendimento jurídico do que são as gratificações dos clientes dos casinos (as 2 - duas - questões aqui em discussão e em litígio no recurso que a Recorrida ora contradita),
25. Mais ficou provado, na douta Sentença que o Tribunal recorrido seguiu a doutrina do ilustre Acórdão n.º 28/2007, de 21 de Setembro de TUI que fixou a doutrina que foi depois seguida em outros dois acórdãos, toda ela seguida pela douta Sentença recorrida:
26. “Para não desperdiçar dir-se-à apenas que, não ousando acrescentar-lhe ou retirar-lhe argumentos, se adere totalmente à argumentação, que se nos afigura de lógica rigorosa irrebatível, das decisões proferidas pelo Tribunal de Última Instância11; pelo que se conclui que, conceitualmente, as gorjetas não fazem parte do salário.” - teor de fls. 210 da douta Sentença.
27. Todos os acórdãos do TUI, no sentido alegado pela Recorrida, pelo Mmo. Tribunal a quo, e pela esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência de Portugal.
28. Mas, confira-se, um pouco melhor, o que o Mmo TUI decidiu quanto a esta questão das gratificações ou das luvas, ou dos prémios irregulares ou das gorjetas:
29. “Ora, costuma dizer-se que, contra factos não há argumentos. Tendo-se provado que o Autor era remunerado ao dia, não pode concluir-se que ele era remunerado ao mês, como base em considerações, aliás, manifestamente pouco consistentes. Isto, sem prejuízo de a remuneração se poder vencer, ou seja, ser paga, com outra periodicidade, que não diária, nos termos atrás descritos, mas que nem resulta dos factos provados.
Em conclusão, o Autor era remunerado em função do dia de trabalho (...)”. (o sublinhado é no original do aresto).
30. E nos sentido já propugnado pela ora Recorrida, logo na Contestação de 16 de Julho de 2007.
31. Confira-se, no mesmo sentido, o teor já assente pelo Ilustre TUI, na versão chinesa do douto acórdão n.º 28/2007, de 21 de Setembro de 2007:
32. “但審判者不能妄顧現實,忘記了澳門賭場的工作者正因為在賭場工作而提升了非常高的財產能力。
在1987至2001年間,原告每月收取的工資和小費約為壹萬伍仟澳門元。
而透過公佈的統計知悉,在20世紀90年代,澳門私人行業的工資中位數不超過月薪伍仟澳門元。”.
33. Do mesmo modo, os valores das gratificações sempre foram declarados à Direcção dos serviços de Finanças porque, assim manda a lei tributária e financeira de Macau.
34. Como se depreende do Regulamento do Imposto Profissional nos artigos 2º e 3º, “o imposto profissional incide sobre os rendimentos do trabalho, em dinheiro ou em espécie, de natureza contratual ou não, fixos ou variáveis, seja qual for a proveniência ou local, moeda e forma estipulada para o seu cálculo e pagamento” ,
35. E, “constituem rendimentos provenientes do trabalho dependente e do trabalho por conta própria todas as remunerações certas ou acidentais, periódicas ou extraordinárias, quer percebidas a título de ordenados, vencimentos, salários, soldadas ou honorários, quer a título de avenças, senhas de presença, gratificações, luvas, percentagens, comissões, corretagens, participações, subsídios, prémios ou a qualquer outro” (número 1 do artigo 3º do Regulamento do Imposto Profissional).
36. Pelo que, é destituído de fundamento, ao que parece, invocar a participação de rendimentos pecuniários às Finanças para os considerar como “parte integrante do salário”.
37. Em Portugal, regulam normativamente o processo do recebimento ou recolha das gratificações, contagem ou contabilização e posterior distribuição das mesmas, os seguintes diplomas legais: o Despacho n.º 20/87 de 27 de Fevereiro, publicado na II - Série, n.º 59, de 12 de Março de 1987; o Despacho Normativo 24/89, de 17 de Fevereiro de 1989; o Decreto-Lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro de 1989; o Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro de 1995; a Portaria n.º 1159/90, de 27 de Novembro de 1990; a Portaria n.º 129/94, de 1 de Março de 1994 ; e a Portaria n.º 355/2004, de 5 de Abril de 2004.
38. É verdade o doutamente alegado no ponto 4. do recurso e a nota de pé de página 10 que acompanha a douta conclusão “G.” das alegações de recurso: o Doc. 2 com a Contestação, dos autos, que expõe e reproduz o Despacho Normativo n.º 82/85 de 28 de Agosto de 1985, está, revogado pelos normativos subsequentes, e que acima expôs já a Recorrida.
39. Aliás, encontra-se a mesma afirmação, na nota de pé de página número 10 dessa sua conclusão “G.”, sem, no entanto, deixar de se referir e basear no mesmo Normativo de 1985, de Portugal, cujo documento fora trazido pela Recorrida aos autos, antes daquela conclusão, nos pontos 4., 5., 6. e 7. das alegações do douto recurso, pelo que o mesmo diploma não deixou de ter a sua utilidade e função - vide, assim, querendo-se, o mesmo Doc. 2 da Contestação e o artigo 60º da peça processual da ora Recorrida.
40. Mas os normativos que o revogaram, indicados aqui acima, não mudaram os pontos decisórios da questão que o já mencionado Doc. 2 junto com a Contestação destes autos visou provar,
41. Ou seja, o referido na Contestação e não só, mantém, pois, ao que parece, plena actualidade, vigência e validade, à luz dos diplomas que se lhe seguiram,
42. Como se tratou de matéria comprovada nos presentes autos e provado no litígio - veja a aqui Recorrente, o que está especificado nas alíneas C), D), E), H) e J) da Matéria assente,
43. E, na Base instrutória, a resposta aos quesitos e Julgamento da matéria de facto dos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º, 11º, 12º, 13º e 14º daquela.
44. Naqueles diplomas legais de Portugal acima expostos (aqui, na “Conclusão 37.”) e explicados pela Recorrida, ainda que, não possam ser aplicáveis, sem mais justificação, à nossa realidade, porque não vigorando cá, é claro que as gratificações provêm dos clientes, mas os trabalhadores das mesas de jogo as não podem apropriar, devendo colocá-las em locais fechados, em caixas fechadas, como acontece em todos os casinos.
45. Aqui na R. A. E. M., como é público e pacífico, as gratificações dos clientes dos casinos recebidas pelos croupiers eram colocadas em caixas, sob vigilância, supervisão e c00rdenação de uma comissão paritária constituída por:
46. Um funcionário do Departamento da Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar; Um membro do Departamento da Tesouraria da Recorrida; Um Gerente de Andar ou Fl00r Manager; E um ou mais croupiers das mesas de jogo. - artigo 54º da Contestação de 16 de Julho de 2007.
47. Depois as gratificações ou luvas eram distribuídas pela Recorrida de dez em dez dias,
48. Sendo que essa distribuição fazia-se pelos colaboradores da Recorrida, sendo distribuídos todos montantes pecuniários das gorjetas a todos os colaboradores e independentemente da categoria profissional ou do local em que se encontravam a prestar serviço - artigos 55º a 58º da Contestação.
49. Este sistema de contagem, guarda, recolha, administração das gratificações, era supervisionada pela Direcção de Inspecção e C00rdenação de Jogos de Macau (DICJ).
50. Pelo que não é verdade que coubesse só à Recorrida a forma de obtenção, recolha, e guarda das mesmas.
51. Era um processo estranho à própria.
52. A mesma sempre e apenas se ocupou - isso sim, - da distribuição das gratificações dos clientes aos seus ex-trabalhadores.
53. Essa distribuição cabia à Recorrida, sem, no entanto, deixar de acordar (prévia, periódica e regulamente) com a Associação dos ex-trabalhadores da STDM, S.A., a forma de proceder à distribuição.
54. Pois, havia, desde os anos 70 do século passado, um acordo verbal entre um grupo de trabalhadores e a ora Recorrida sobre a forma de proceder à mesma distribuição das gratificações.
55. Por isso e em rigor, não era a Ré e Recorrida, quem, a seu belo-prazer, decidia do momento da distribuição.
56. Dos momentos anteriores a essa distribuição, já se conferiu que os mesmos não cabiam à aqui Recorrida.
57. Ora, o facto de não haver lei em Macau, ao invés de Portugal, não legitima, crê a Recorrida, a conclusão da Recorrente exposta nas conclusões “A.” a “E.”, “H.” a “M.”, “O.” a “Q.”, “V.” e “W.” do seu douto recurso.
58. A situação que foi “regra” entre a ora Recorrida e a Recorrente (entre 1970 e 2002), foi o pagamento de um salário diário e em função do labor ou do trabalho efectivamente prestado ou produzido e, ainda, à parte, a prestação de gratificações, quando as houvesse, de dez em dez dias, como ficou igualmente provado no presente processo de trabalho.
59. A opinião do Tribunal de Última Instância e do Mmo Tribunal recorrido, de que a definição de tais regras poderia caber à própria entidade patronal, na falta de norma expressa, não motiva, nem implica qualquer causalidade de iure condito ou a alteração do direito constituído,
60. Pelo que falece a douta invocação de “interpretação incorrecta pela sentença dos artigos do RJRT de 1984 e do RJRT de 1989” - como se alegou no ponto R. das conclusões do recurso.
61. Aliás, o RJR T de 1984 tem uma aplicabilidade diminuta, tendo em conta a prescrição dos créditos anteriores a 25 de Maio de 1987, conforme o douto teor de fls. 123 a 126 dos Autos, e, quanto às eventuais violações do descanso anual, geradoras de crédito da A., os anos de 1984 e 1985 também foram considerados prescritos.
62. Quanto ao peticionado no respeitante ao douto recurso, cujo valor supostamente devido pela aqui Recorrida à Recorrente seria de MOP$811.336,98, é um montante que aqui se não concede nem se equaciona, impugnando-se o valor deduzido e apresentado no presente recurso, para as eventuais compensações pela falta de ou do descanso semanal.
63. E que partiu dos valores indicados na P. I. que já na altura foram impugnados na Contestação são, novamente, reiterados aqui o seu não fundamento, no presente requerimento de resposta ao recurso interposto.
64. Nem existe fundamento para passar da compensação com coeficiente remuneratório uma vez, para duas vezes (no recurso) o salário diário, em função do trabalho efectivamente prestado, como pretenderia a Recorrente, no número/ponto/parágrafo 77. e 78. e na Conclusão «S.» do douto Recurso.
65. E, já agora, qual é o “entendimento da Recorrente que se coaduna com o salário dos trabalhadores das mesas de jogo ou croupiers”, que menciona a Recorrente nas conclusões «V.» e «W.», do douto recurso?
66. Tanto a Recorrida, como o Mmo Tribunal Judicial de Base, como o Mmo Tribunal de Última Instância, entendem que a situação-regra e conforme a matéria de facto provada (“contra factos não há argumentos”, incisivamente concluiu o Mmo TUI em qualquer dos três acórdãos acima mencionados e também já na douta Sentença recorrida) nos autos, o salário da Recorrente era diário e não incluía nem compreende realidades estranhas à retribuição, isto é, as luvas, os rendimentos irregulares, as gorjetas, as gratificações ou os prémios de produtividade.
67. A considerar e a aceitar o douto raciocínio da Recorrente até ao fim, então a Recorrida não devia ter deixado que, a recolha, a guarda, a contagem e a administração das gratificações coubesse, como cabia, à Comissão Paritária acima descrita.
68. Ora, manifestamente, a Recorrida cumpriu com a lei e as ordens da Direcção de Inspecção e C00rdenação de Jogos, a DICJ (a Conclusão, acima, em 49.).
69. Ainda que fosse correcta a imputação da Recorrente à douta sentença recorrida, o que, bem se vê, o não é nem foi, nem assim seria aquela apta a causar a revogação da douta sentença, posta em crise pelo recurso.
70. Até porque não se vê qualquer questão prévia ou qualquer primado sobre a sentença, sobre o seu mérito decisório intrínseco, o facto de ter sido a Recorrida a distribuir as gratificações.
71. Ao invés do que aí se afirmou, erradamente, o que aqueles Digníssimos Tribunais referem é que, e desde logo o mais Alto Tribunal da R.A.E.M.: “A entidade patronal limita-se a fixar as regras de distribuição pelos trabalhadores. Evidentemente que estas regras poderiam ter sido definidas, em Macau, pelo legislador, tal como em Portugal. Mas não tendo sido, parece que não haveria outra solução a não ser o explorador de casinos fixar as regras. A que regras haveria que recorrer e quem fixaria tais regras, se não tivesse sido a B a fixá-las?”. - Tribunal de Última Instância, na página 28 do douto acórdão de 21 de Setembro de 2007, n.º 28/2007; na página 34 do douto acórdão de 22 de Novembro de 2007, n.º 29/2007; e na página 26, do douto aresto de 27 de Fevereiro de 2008, n.º 58/2007.
72. O Mmo Tribunal recorrido afirmou a mesma convicção, como parece evidente, a fls. 209v e seguintes da douta Sentença.
73. Falta, pois, fundamento à Recorrente para alegar que a “situação normal dos autos é a do salário mensal e da remuneração diária normal”, porque,
74. Nem as compensações se aferem ao mês ou a uma média diária que não existe nos autos,
75. Nem o salário da A. foi prometido, pago ou auferido mensalmente.
76. Portanto, falecem as médias diárias normais ou os salários mensais que supostamente a Recorrente se afigura, agora, credora.
77. Não existindo, reitera-se, qualquer violação das normas laborais da R.A.E.M., no caso, do RJRT de 1984 e do RJRT de 1989 em vigor há data dos factos, e hoje ambos revogados,
78. Por isso, ainda, a Recorrida nunca fez das gorjetas o que ela bem entendesse fazer, não tendo discricionaridade ou liberdade em prestá-las, ou não, sendo a sua origem dos clientes dos casinos e não da primeira.
79. Ainda e de outra forma, como a Recorrida alega no presente requerimento, a parte variável, as gorjetas, dependem dos clientes, porque vêm deles, é rendimento por eles prestado e não atribuído aos ex-trabalhadores pela ex-entidade empregadora.
80. Esse “rendimento variável” é assim, fonte de terceiros, os Clientes e, como liberalidade ou doação de terceiros, não pode nem podia ser assacada qualquer responsabilidade à ora Recorrida pela sua flutuação, ou falta, ou abaixamento, ou uma sua diminuição, como, de resto se provou no Julgamento.
81. Assim, e provado que a ora Recorrente não foi dispensada dos dias de descanso por cada semana, por cada ano de serviço, nem nos dias feriados obrigatórios, remunerados ou não remunerados - respostas aos quesitos 5º, 7º e 9º, calculou-se a indemnização a prestar pela aqui Recorrida à primeira, o que foi feito a fls. 209v da douta Sentença recorrida.
82. Termos em que, se requer, ao Mmo Tribunal ad quem que seja mantida a douta decisão recorrida, quanto às gratificações ou gorjetas e quanto ao pretenso não repouso ou falta de descanso semanal, e portanto, confirmando a condenação final global de MOP$ 53,30 e de HKD$15.535,00,
83. Absolvendo-se, parcialmente, conforme a sentença, a ora Recorrida de todo o agora peticionado no douto recurso.
84. E, assim, considerando improcedente o valor agora invocado no recurso de MOP$811.336,98, aqui contraditado.
85. Neste sentido, a aqui Recorrida entende que falece a opinião contrária do que é “remuneração” ou, “salário” ou, “retribuição”, como se expôs na Sentença recorrida e ao contrário do recurso,
86. Pois, como se aludiu, as gorjetas dos clientes não servem nem podem servir para cálculo de quantias a título de pretensos descansos, porque não são uma obrigação factual e legal da Recorrida.
87. Logo, falece o teor do quadro exposto e os montantes apresentados no recurso nos pontos 77. e 78., e, depois nas conclusões “Q.” a “S.” do mesmo.
88. E, mais ainda, sendo um salário diário em função do trabalho efectivamente prestado e da comparência ao serviço, a Recorrente não pode invocar ou recorrer à formula do que entende ser “o salário normal” ou o “salário mensal” ou o “salário médio diário”, quando o seu salário diário foi sempre de MOP$4,10, depois de HKD$10,00 e no final de HKD$15,00 como retribuição diária.
89. Logo, não há lugar, ao que parece e convictamente, para calcular-se um suposto “dobro da retribuição normal diária”, nem para peticionar os valores discriminados no quadro subsequente ao explanado nos parágrafos/pontos/números 69. e 77. do recurso pela A./Recorrente.
90. Improcedendo assim, a quantia requerida a título de pretenso não repouso e não compensação do descanso semanal em cerca de MOP$811.336,98, em vez dos actuais MOP$53,30 e HKD$15.535,00, num total final global de MOP12.085,45 (cerca de mais de 67 vezes do que toda o valor decidido na douta Sentença recorrida!)
91. Não havendo, pois, qualquer fundamento no doutamente alegado nos pontos 70. até 78. e final e, nas conclusões “M.” a “W.” do mesmo recurso.
92. Relativamente ao rendimento prestado pelos clientes e recebido também pela Recorrente, ex-colaboradora ou ex-trabalhadora da aqui Recorrida, os dois doutos Pareceres por esta última, juntos nestes autos corroboram o entendimento, seguido pela doutrina portuguesa, pelo Tribunal de Última Instância, pelo Tribunal recorrido (pelo menos, ao que se sabe, pelo menos dois Exmos Senhores Juízes do Tribunal Judicial de Base), e pela generalidade dos tribunais portugueses, sobretudo do Supremo Tribunal de Justiça e nas Relações, onde se obtêm as decisões e se mencionam os arestos.
93. Gratificações não são, nem se reconduzem, ao salário ou remuneração.
94. E, não são salário, ainda, para a questão que se discute, ou seja, para as eventuais violações do direito ao descanso do Recorrido, ou seja,
95. Não são retribuição, nem podem fazer parte, de uma eventual compensação pela falta do gozo de descanso semanal, férias anuais e feriados obrigatórios remunerados ou não remunerados.
96. Ainda, e no direito comparado de Hong Kong, também o Tribunal de Última Instância de Hong Kong, em 28 de Fevereiro de 2006, se pronunciou neste sentido:
97. “I am to the view that, subject to the possibility that sections 41(2) and 41C(2) are to be read to cover contractual commission accruing and calculated on a daily basis in amounts varying from day to day, no commission is to be included in the calculation of holiday pay and annual leave pay”.
98. Recurso final com o n.º 17/2005 (direito e processo civil), em recurso do processo com o n.º 204 do ano de 2004.
99. Repare-se que este excerto da decisão do T. U. I. de Hong Kong também se debruça sobre a compensação pelo trabalho prestado em dia de repouso, considerando que a haver lugar ao pagamento de uma indemnização pelo trabalho prestado em dia de descanso, aquela não inclui nem se calcularia tendo em conta elementos estranhos e alheios ao salário da A. nessa lide.
100. E, o mesmo se passa, neste caso concreto decidendo.
101. Na doutrina portuguesa, por exemplo, no mesmo sentido, defende a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho: “as gratificações ou prémios atribuídos ao trabalhador não integram, em princípio, o conceito de retribuição, porque não correspondem a um dever do empregador mas ao seu animus donandi, nem constituem contrapartida do seu trabalho prestado658-659. (…) Por fim, debate-se o problema da qualificação das gratificações e outras prestações patrimoniais em que o trabalhador recebe não do empregador mas de terceiros (por exemplo, as gorjetas dadas aos empregados de um restaurante ou de um hotel, ou aos croupiers do casino, pelos clientes). Crê-se que a qualificação como retribuição destas prestações é de afastar pelo facto de não serem atribuídas nem devidas pelo empregador, não podendo, assim, corresponder a qualquer contrapartida do trabalho prestado662.” - páginas 552 e 553, Volume II, “Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais”, Julho de 2006, itálico do original da obra.
102. E, na Jurisprudência portuguesa, por exemplo, decidiu-se igualmente que:
“III - As gratificações dadas por terceiros ao trabalhador não se consideram como integrantes do direito à retribuição devida pela entidade patronal;” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Almeida Devesa, de 23 de Janeiro de 1996, processo número 004309, número do documento SJ199601230043094, disponível em www.dgsi.pt.
103. Ou, ainda, por exemplo, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Março de 1995 que decidiu o seguinte:
“II - As gratificações recebidas dos clientes pelos empregados dos Casinos e repartidas pelos trabalhadores, segundo o processo fixado na lei (DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e Portaria n. 1159/90, de 27 de Novembro), não constituem retribuição dos trabalhadores, nos termos dos arts. 82 e 88 da LCT69.” - Douto aresto relatado pelo Senhor Desembargador Dinis Roldão, processo número 0098094, número do documento RL1995030S0095094, também disponível no mesmo sítio da internet acima indicado.
104. Quanto ao facto invocado pela aqui Recorrente que as gorjetas foram sendo “uma regra constante, não podendo de forma alguma considerar-se arbitrária, dado que o direito a ela pressupôs a prévia vinculação do empregador”, - ponto 31. das doutas alegações,
105. Deve dizer-se que, não houve nenhuma prévia vinculação do empregador, nem “a parte variável” resultou de um direito que a Recorrente entendeu como tendo direito a ela, só que, na verdade, essa é uma íntima convicção do própria Recorrente a que a Ré e aqui Recorrida é alheia e irresponsável.
106. A única obrigação da Recorrida para a Recorrente era o pagamento do seu salário diário.
107. Assim o reconhece a douta sentença recorrida quando esclarece que calculou os valores para chegar ao valor decretado global de MOP$12.623,39 com base no salário diário e não englobando realidades e rendimentos a ele estranhas e alheias, como são as “gorjetas” ou as luvas, ou os as liberalidades de terceiro, ou as doações remuneratórias, juridicamente definidas como gratificações.
108. Assim também os dois Pareceres, então juntos pela aqui Recorrida em 29 de Setembro de 2008, nestes presentes autos.
109. De facto, e compulsando o douto Parecer do Dr. António de Lemos Monteiro Fernandes, nele se refere que, e quanto às pretensas compensações a pagar pela Recorrida pelo trabalho “suplementar”, não servem aquelas para o cálculo dos montantes dessas compensações a apurar, páginas 20 e 21 do mesmo Parecer: “No fundo, tanto a pretensão do trabalhador como as decisões judiciais que sobre ela recaíram assentam num pressuposto não declarado mas tomado como assente, apesar de ser, a todas as luzes, altamente discutível: o de que o empregador, no desenvolvimento da relação de trabalho, podia ter responsabilidades económicas não conexionadas à retribuição fixa que lhe cabia suportar.” (o sublinhado é no original do Parecer).
110. “Repare-se que a consideração das gorjetas na remuneração do trabalho suplementar envolveria, justamente, o absurdo de o empregador ser onerado com base num montante pelo qual não era contratualmente responsável. Daqui resultaria - caricaturando, mas sem perder de vista a realidade - que o empregador poderia ser obrigado a pagar, do seu bolso, ... gorjetas.” (sublinhado no original do douto Parecer, página 21).
111. “Vale a pena repeti-lo: as gorjetas são doações remuneratórias de terceiro. E o facto de o empregador oferecer o quadro organizativo necessário à guarda e repartição dos respectivos valores não as desqualifica, nem permite construir nenhuma responsabilidade contratual sobre ele...” (sublinhado no original do douto Parecer, na página 21).
112. E quanto ao - outro, - Ilustre e douto Parecer, também mencionado no douto recurso, diremos que as frases e excertos retirados do mesmo, respeitam à natureza da legislação em vigor em Macau, quando comparada com a portuguesa,
113. A actual Lei das Relações de Trabalho (LRT) de 18 de Agosto de 2008, a Lei n.º 7/2008 em vigor, nos seus artigos 57º a 65º, mesmo na mencionada noção de facto e de direito de “remuneração variável”, nunca prevê nem compreende as gratificações ou luvas ou prémios ou gorjetas prestadas pelos Clientes dos casinos, como aqui se discute,
114. Senão, e apenas, os “Montantes cobrados pelo empregador ao cliente, como adicional nas contas, sendo distribuídos posteriormente aos trabalhadores”, o que, já se vê,
115. Não corresponde às somas ou quantias prestadas pelos Clientes e frequentadores dos casinos, como aqui se levanta a questão.
116. Veja-se, designadamente, o parágrafo 7) do número I do artigo 59º da LRT em vigor desde I de Janeiro de 2009.
117. E, portanto, ao que parece e em Macau, de iure condito, as gratificações ou luvas ou gorjetas não englobam, nem factual, nem juridicamente, o salário ou a retribuição.
118. Pelo que, e tendo em conta o baixo salário mínimo de Portugal (que é de Euros 450,00), pode-se concluir, alegar e conferir, - facilmente -, que os salários diários dos ex-trabalhadores da Recorrida iam, já em 2002 e mesmo para trás no tempo, até aos idos anos 60, 70, 80 e 90 do século passado, (muito) acima dessa quantia, como se referiu logo na Contestação, e se mencionou na douta Sentença recorrida.
119. E, no mesmo Parecer, referido acima e mencionado no douto recurso, mais diz o Ilustre Professor, entre vários argumentos úteis quanto à questão central e nuclear aqui em litígio, das gratificações:
120. “Seja, porém, como for - isto é, independentemente de saber se é o Governo, mediante portaria, ou se são as partes, através do contrato de trabalho, que fixam as regras de distribuição das gorjetas -, o certo é que esta questão não releva para a qualificação jurídica das ditas gorjetas. Ascendendo ou não a um montante considerável, sendo embolsadas individualmente por cada trabalhador que contacta com os jogadores ou sendo partilhadas colectivamente pelos trabalhadores de casino, o ponto decisivo é que se trata, em Portugal como Macau, de donativos que os jogadores podem ou não efectuar, o ponto decisivo é que se trata, em Portugal como em Macau, de gratificações que os trabalhadores não podem sequer solicitar aos clientes!
Em ambos os casos, por conseguinte, do que se trata é de prestações facultativas, prestações a que, uma vez espontaneamente efectuadas pelos frequentadores dos casinos, os trabalhadores terão decerto direito - mas nunca a título salarial, nunca como correspectivo ou contrapartida patronal da obrigação laboral assumida pelos empregados de casino!”- sublinhado do original, e da pág. 20 do douto Parecer do Ilustre A. Conimbricense.
121. E, já se sabe, os rendimentos de 2007, dos operadores e assalariados dos casinos em Macau, auferiram, em média, mais de MOP11.000,00 (onze mil patacas) mensais, ainda que, “mensais” não seja o salário daqueles, enquanto que, nas restantes áreas económicas, industriais, na agricultura ou nos serviços, apenas ultrapassou a média mensal (não é salário mensal), de mais de MOP7.000,00 (sete mil patacas) mensais.
122. Agora ainda, em Macau, como entre o tempo de 1962 e 2002, os ex-trabalhadores e antigos colaboradores ou subordinados da ora Recorrida, auferiam e receberam rendimentos muito superiores às suas habilitações, capacidades e ao nível escolar e intelectual que implicava o trabalho de operador das mesas de jogo, ou segurança, ou gerente, ou outro ex-trabalhador ou ex-colaborador que a mesma empregou ou admitiu nesse lapso temporal de mais de 40 anos.
123. Pelo que, só poderá ser a presente acção (julgada parcialmente procedente) intentada pela Recorrente, ser uma forma de tentar lograr um hipotético “enriquecimento sem causa” nos montantes peticionados, e, ainda, só nesse sentido se conseguirá compreender e calcular as indemnizações ou as compensações, com base em “retribuição + gratificação”, como nos autos.
124. O que já foi impugnado, designadamente, nos artigos 25º, 26º, 54º a 81 º e 193º a 233º da Contestação destes autos.
125. A invocação da norma da alínea f) do artigo 2º do RJRT de 1989 que define, o que é um trabalhador permanente para efeitos laborais, e que preceitua que é trabalhador permanente quem presta a sua relação por um ou mais anos com a mesma entidade empregadora, por outro lado, em nada infirma o carácter de salário diário, nem o mesmo normativo parece susceptível de tomar o salário dos trabalhadores das mesas de jogo, em mensal.
126. E mais ainda, pelo facto da quota-parte de “gorjetas” dos Clientes serem distribuídas aos ex-colaboradores da Recorrida, não toma os vencimentos destes em mensais.
127. Não é possível, ao que parece, de resto, englobar o salário diário nas gratificações, que eram elas distribuídas de dez em dez dias.
128. E quanto ao excerto do Professor António de Castanheira Neves, referido no douto recurso, o mesmo é desadequado para a presente situação jurídica ou/e relação jurídica.
129. É que, então fica a Recorrida sem entender a mensagem do excerto aí mencionado e transcrito no douto recurso, ainda que por intermédio indirecto de outra obra: será que, - pergunta a Recorrida -, a função judicial da R. A. E. M., é burocrática, não é independente, e que os Mmos Juízes não são verdadeiros “juristas”?
130. É uma questão filosófica e sociológica, que, aqui, uma vez mais, se não crê que tenha qualquer importância ou relevo, ou então pretenderá a Recorrente que, o Mmo TUI “desaplicou a lei” ou “aplicou a lei injusta” ou, ainda, que se “degradou a função jurisdicional” com a prolação dos acórdãos doutamente proferidos em 2007 e, agora, mais recentemente, já em 2008, atrás e acima referidos aqui, e quer no recurso (um deles), e que não será necessário novamente sublinhar e indicar.
131. É que, entende, modestamente, a aqui Recorrida, as transcrições de doutrina, por melhor que seja, e aquela acima referida o é sem dúvida alguma, tem de ter aplicação concreta, sob pena de ser, desnecessária e tautológica.
132. E quem emite juízos de valor, deve ser sancionado e aqueles devem ser-lhes imputados, ainda que o faça de forma claramente velada.
133. E à pretensa “aplicação de lei injusta”, por “degradada função judicial” que não seria “ideologicamente neutra”, no douto excerto doutrinário, das doutas alegações, contrapõe a Recorrida, de forma directa e não por interposta doutrina, com o decidido pelo Mmo TUI:
134. “Na verdade, aos tribunais não cabem funções redistributivas dos rendimentos, nem intervenções de carácter social. Em particular, ao TUI cumpre, essencialmente, zelar pela boa aplicação do direito aos factos provados”- o sublinhado é de autoria da ora Recorrida, o excerto ora indicado é parte de qualquer dos três acórdãos do Mmo TUI, de 21 de Setembro de 2007, de 22 de Novembro de 2007 e de 27 de Fevereiro de 2008.
135. Sem mais demoras e sem necessidade de invocar mais a douta Sentença recorrida, o TJB, o TUI de Hong Kong, o TUI de Macau, os Tribunais portugueses ou a esmagadora Doutrina que se pronunciou sobre esta questão, diremos que a decisão de não considerar as gratificações dos clientes como fazendo parte do salário, além de bem fundada, é a única passível de ser interpretada conforme a Lei e os princípios axiológico-normativos que regem esta questão decidenda.
136. Em suma, improcede, - salvo melhor opinião e Juízo - na totalidade, o presente recurso da A./Recorrente, em todas as matérias aí mencionadas.
*
Já depois das contra-alegações, a autora veio desistir parcialmente do pedido relativo aos créditos dos anos de 1984 a 1994 nos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios remunerados; do período de indemnização pelo trabalho prestado no ano de 1995 no período de descansos anuais e feriados obrigatórios e pelo trabalho prestado nos anos de 1984 a 2002 durante os feriados obrigatórios não remunerados.
*
Cumpre decidir.
***
II- Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. A Autora começou a trabalhar para a Ré a 22.12.1970 e terminou a 25.07.2002.
2. A Autora foi admitida como empregada de casino.
3. No decurso da relação contratual existente entre a Autora e a Ré esta última entregava à Autora, regular e periodicamente, uma quantia de valor fixo e uma quantia de valor variável.
4. A quantia variável entregue pela Ré era composta pelo dinheiro recebido dos clientes do casino, designado por “gorjetas”, que dependia da generosidade destes.
5. As aludidas gorjetas eram distribuídas por todos os funcionários da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com clientes nas salas de jogo, de acordo com a sua categoria profissional.
6. A Autora exercia a sua actividade por turnos fixados pela Ré do seguinte modo: 1º e 6º turnos: das 7h00 até 11h00, e das 3h00 até 7h00; 3º e 5º turnos: das 15h00 até 19h00, e das 23h00 até 3h00 (dia seguinte); 2º e 4º turnos: das 11h00 até 15h00, e das 19h00 até 23h00.
7. Os dias de descanso que, ao longo da vigência da relação contratual entre as partes, a Autora teria direito a gozar não eram remunerados.
8. No âmbito da relação contratual que vigorou entre a Autora e a Ré esta auferiu a seguinte quantia diária: - do início da relação laboral até 30 de Junho de 1989 MOP$4,10, entre 1 de Julho de 1989 e 30.04.1995 HKD$10,00 e desde 1.05.1995 até à data da cessação do contrato a quantia de HKD$15,00.
9. A Autora auferiu as seguintes quantias anuais:
- no ano de 1984 a quantia de MOP$117.650,00
- no ano de 1985 a quantia de MOP$118.462,00
- no ano de 1986 a quantia de MOP$105.573,00
- no ano de 1987 a quantia de MOP$122.024,00
- no ano de 1988 a quantia de MOP$136.139,00
- no ano de 1989 a quantia de MOP$156.249,00
- no ano de 1990 a quantia de MOP$161.337,00
- no ano de 1991 a quantia de MOP$133.661,00
- no ano de 1992 a quantia de MOP$153.863,00
- no ano de 1993 a quantia de MOP$165.161,00
- no ano de 1994 a quantia de MOP$146.835,00
- no ano de 1995 a quantia de MOP$202.154,00
- no ano de 1996 a quantia de MOP$212.189,00
- no ano de 1997 a quantia de MOP$194.526,00
- no ano de 1998 a quantia de MOP$181.746,00
- no ano de 1999 a quantia de MOP$162.980,00
- no ano de 2000 a quantia de MOP$164.773,00
- no ano de 2001 a quantia de MOP$164.708,00
- no ano de 2002 a quantia de MOP$89.857,00
10. Os empregados da Ré estavam proibidos de guardar as gorjetas entregues pelos clientes dos casinos.
11. Autora e Ré acordaram que, por cada dia em que a primeira trabalhasse efectivamente, receberia a quantia fixa referida em H) dos factos assestes e outra variável, proveniente das gorjetas apuradas nesse dia de trabalho.
12. E as partes acordaram também que a Autora tinha direito a receber as gorjetas conforme o método vigente na empresa Ré.
13. As gorjetas eram distribuídas segundo os critérios fixados apenas pela Ré.
14. A Autora só não trabalhou nos dias que solicitou à Ré para não o fazer e esta atendeu tal pedido.
15. A Autora nunca recebeu qualquer quantia relativa aos dias em que não trabalhou e que, pelos dias que trabalhou, apenas recebeu as quantias referidas na resposta ao quesito 1.º.
16. E nunca recebeu qualquer compensação pelo trabalho prestado nesses dias.
17. As gorjetas oferecidas a cada um dos colaboradores da Ré pelos clientes dos casinos eram reunidas e contabilizadas diariamente por um conjunto de pessoas composto, entre outros, por um membro da tesouraria de Ré e um ou mais trabalhadores da Ré e distribuídas por esta.
18. A Autora podia pedir à Ré os dias de descanso que entendesse, atendendo esta ou recusando o pedido de acordo com os seus critérios de conveniência para o seu funcionamento.
19. Todos os candidatos a emprego na Ré eram esclarecidos que auferiam “um salário diário” e uma quota-parte, pré-fixada, de acordo com a sua categoria profissional, do total das gorjetas entregues pelos clientes.
20. A Autora aceitou, aquando da sua contratação, que ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados não correspondesse qualquer compensação adicional.
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III- O Direito
Nota introdutória: Atendendo à desistência do pedido (fls. 295), ficam por apreciar os créditos relativos ao descanso semanal, entre 1995 e a data da cessação da relação laboral (25/07/2002). E quanto aos descansos anuais e feriados obrigatórios, somente se apreciará o direito restrito ao período entre 1996 e 25/07/2002.
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O recurso interposto pela autora visa insurgir-se contra a sentença na parte em que decidiu não incluir no salário o valor das gorjetas. Além disso, impugna também a autora a fórmula de cálculo que a sentença seguiu no que concerne à indemnização correspondente ao não gozo dos dias de descanso semanal.
Vejamos.
Discute-se, portanto, se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
A recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada nesta parte.
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2- Ultrapassada esta questão, resta extrair as devidas consequências indemnizatórias.
Em 1º lugar, para o cálculo da indemnização, teremos que partir de diferente base salarial, nela englobando, agora, toda a massa remuneratória, incluindo as gorjetas, e não apenas o valor diário-base percebido. Ou seja, considerar-se-á o valor diário consignado no ponto 9 da matéria de facto assente relativamente a cada ano.
Por outro lado, apenas haverá que considerar o DL nº 24/89/M, face ao período a que a autora confina o seu pedido depois da desistência de fls. 295 a que já aludimos e apenas referente ao período entre 1995 e 25/07/2002.
Finalmente, porque não foi posta em causa no recurso a posição do julgador no tocante à fórmula de cálculo dos créditos concernentes aos descansos anuais e feriados não gozados, este tribunal não fará qualquer pronúncia censória sobre eles e apenas dirigirá a sua atenção sobre o factor adequado ao apuramento do valor indemnizatório relativo aos descansos semanais.
Apuremos, então, o valor indemnizatório.
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o defende a trabalhadora autora no seu recurso, e não 1, como o concluiu a sentença recorrida e o sustentou a STDM.
Nesta conformidade, e porque o mapa de fls. 12 dos autos se mostra acertado quanto aos dias e quanto aos valores a considerar em cada um, a indemnização a atribuir sob este capítulo monta a Mop.395.964,96.
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b) Descanso anual
Na vigência do DL n. 24/89/M
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações que se podem tecer relativamente ao modo de compensar o trabalhador que preste trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1. Todavia, a sentença fixou o factor 3 sem que fosse posto em causa no recurso. Como tal, este tribunal nada pode censurar e, pelo contrário, deve aceitar o modo de cálculo ali estabelecido.
Assim, e tomando como período considerável o que decorre entre 1996 e 25/07/2002 (na sequência da desistência parcial do pedido) e levando em conta o mapa de fls. 14 verso dos autos, a indemnização a atribuir ascende a Mop$ 58.626,00.
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c) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença recorrida utilizou o factor 2 na fórmula de cálculo, que não foi objecto de censura no recurso.
Assim sendo, e utilizando o mapa dos dias e dos valores mencionados a fls. 13 dos autos, que aqui fazemos nosso, o valor referente ao período compreendido entre 1996 e Julho de 2002, o valor a atribuir soma Mop$ 40.392,60.
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Assim, a indemnização global soma a quantia de Mop$. 494.983,56.

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IV- Decidindo

Nos termos exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, revogar a sentença e condenar a STDM a pagar à autora, aqui recorrente, a indemnização de Mop$. 494.983,56, acrescida de juros de mora calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pela STDM.
TSI, 15 / 09 / 2011.
José Cândido de Pinho
Choi Mou Pan
Lai Kin Hong
(com declaração de voto)





















Processo nº 874/2009
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 15SET2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou o Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
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