Processo n.º 332/2009
(Recurso cível)
Data : 13/Outubro/2011
ASSUNTOS:
- Suspensão de deliberações sociais
- Irregularidade da convocatória
- Ilegalidade das deliberações
- Danos
SUMÁRIO:
1. As irregularidades da convocatória não se podem considerar sanadas pela comparência da Recorrida na referida Assembleia Geral, uma vez que não se encontrava presente nesta a totalidade dos accionistas da Recorrente (vide artigo 217.º n.º 2 do C.Com).
2. Se da ordem de trabalhos resulta implícita uma destituição de administradores, então tal destituição exige uma maioria qualificada de três quartas partes do capital social tal como decorre dos respectivos estatutos da sociedade em causa.
3. Não se pode ignorar que em termos de danos potenciais a susceptibilidade de ocorrência de danos pode ser exactamente o verso e o reverso da mesma moeda. Teme-se pelo prejuízo causado pela acção dos administradores destituídos e teme-se pelo dano que ocorreria com a nomeação de outros administradores, aqueles por hipoteca do terreno favorecendo a requerente, estes pelo perigo de hipoteca ou alienação do mesmo terreno em detrimento dos interesses daquela.
4. A norma do artigo 453,º n.º 4 do C. Comercial é uma norma que não deixa de ser uma norma supletiva, destinando-se a suprir a falta de manifestação de vontade dos fundadores de sociedades anónimas sobre matéria de que deva ser regulada nos respectivos pactos sociais e não o sejam. Havendo regulação sobre tal matéria, não existem interesses que justifiquem a postergação da vontade e dos interesses dos accionistas.
5. A inobservância de quóruns deliberativos, mesmo quando previstos apenas pelo pacto, leva à não aprovação das propostas em jogo. Esta é uma doutrina pacífica.
6. Não se pode tornear facilmente a vontade e estrutura estatutária de uma sociedade em que grande parte do capital social é detido em cerca de dois terços por uma sociedade e outro cerca de um terço por uma outra sociedade, em que a sociedade minoritária nomeia dois administradores e a maioritária um terceiro, exigindo-se uma maioria de três quartos para a alteração dos Estatutos em determinadas matérias que se prendem com a administração da sociedade.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 332/2009
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 13/Outubro/2011
Recorrente: A (XXX)
Recorrida: B (XXX)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, requerida nos autos de suspensão de deliberação social acima identificados, notificada da admissão do recurso por ela interposto, apresentou as suas alegações, tendo concluído da seguinte forma:
1. deve ser fixado efeito suspensivo ao presente recurso;
2. Na verdade, uma simples leitura da decisão da matéria de facto e da decisão final permite concluir de forma claríssima ter sido provado nos autos que os administradores contra os quais a requerida, aqui recorrente, deliberou intentar acções de responsabilidade civil e, eventualmente, criminal - os Srs. C, D e E -, causaram-lhe avultados prejuízos, beneficiando uma sociedade denominada XXX e, desse modo, a si próprios, tendo em conta a ligação, também provada, entre essa sociedade e os referidos administradores C e D (Vide parte III da sentença, relativa à matéria de facto provada, pontos 34 a 37 e 44 a 51);
3. A decretação da providência pode significar que os referidos administradores - afastados ope legis em virtude de ter sido deliberado intentar acções de responsabilidade contra eles - passem de novo a integrar o conselho de administração da recorrente, continuando assim a causar-lhe prejuízos em benefício próprio e ou de terceiros;
4. Por outro lado, a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso impede que a recorrente exerça, em tempo útil, o seu direito a ser ressarcida pelos prejuízos que lhe foram causados por tais administradores;
5. É pois manifesto, face aos factos provados, os prejuízos que advirão para a recorrente da decretação da presente providência;
6. Ao invés. a atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso nenhum prejuízo trará para a recorrida pois não se provou um único dano para a requerente, aqui recorrida. resultante da execução das deliberações ora suspensas (vide parte III da sentença relativa aos factos dados como provados);
7. Na verdade a providência foi decretada com base numa alegação não provada da requerente e em hipotéticos danos que a requerida - note-se, não à requerente da providência) pode vir a sofrer com a decretação da providência, apesar da própria requerida ter alegado e provado que é a não execução das deliberações é que é susceptível de lhe causar prejuízo;
8. A sentença ora posta em crise, padece, dos vícios referidos nas alíneas d), 2ª parte e e) do n° 1 do artigo 571 ° do CPCM - excesso de pronúncia e decisão em objecto diverso do pedido - vícios esses que a tomam nula;
9. Com efeito, apesar de imputar outros e diferentes vícios a cada uma das deliberações sociais tomadas, a requerente pediu, a final, que todas as deliberações fossem suspensas em virtude do vício comum que no seu entender todas padeciam, ou seja, a ilegalidade da convocação da assembleia;
10. O Tribunal a quo concluiu que não se verificavam quaisquer ilegalidades na convocatória da assembleia geral da Requerida do dia 1 de Setembro de 2008;
11. Assim, em face do pedido formulado pela requerente, aqui recorrida, o Tribunal devia ter-se abstido de decidir sobre outros alegados vícios que nada tinham que ver com o a ilegalidade da convocação da reunião, sob pena de excesso de pronúncia;
12. E, ao decidir declarar suspensas as deliberações sociais com base na violação de regras estatutárias - o que não foi pedido - o Tribunal a quo também decidiu sobre objecto diverso do pedido; violando assim o n° 1 do artigo 564º do CPC e incorrendo a sentença nos vícios previstos nas alíneas d) e e) do n° 1 do artigo 571º do CPCM, sendo pois nula. nulidade essa que deve ser declarada;
13. O extravasar do pedido e o excesso de pronúncia é por demais evidente no que toca à deliberação referida na alínea a) da ordem de trabalhos da reunião - intentar acções de responsabilidade civil e eventualmente criminal contra os administradores do Conselho de Administração, pois quanto a essa deliberação, a própria requerente, aqui recorrida, admite expressamente, no artigo 57º do seu requerimento inicial, que a deliberação em causa devia ser tomada por maioria simples, pelo que jamais poderia ter pedido que a mesma fosse suspensa por violação das regras estatutárias como veio a decidir o Tribunal a quo.
14. Com efeito, base na alínea a) da ordem de trabalhos da reunião, foi deliberado pela assembleia geral da sociedade, aqui recorrente - com o voto favorável da sócia B, detentora de 68% do capital social, e contra da requerente, aqui recorrida, detentora de 31,727% -, serem intentadas acções de responsabilidade civil e, eventualmente criminal, contra os então administradores da sociedade, os Srs. C, D e E (vide ponto 18 da matéria de facto dada como provada);
15. Para a tomada dessa deliberação a lei é claríssima, dispondo o artigo 247º, n° 1, do Código Comercial que a mesma é tomada por maioria simples;
16. Ao fixar o quorum deliberativo para a tomada da deliberação de intentar acções de responsabilidade contra os administradores, a lei não prevê a possibilidade dos estatutos disporem de forma diferentes como acontece sempre que a lei ao estabelecer um quorum deliberativo pretende deixar aos sócios a possibilidade de estipularem de forma diferente nos estatutos, pelo que deve concluir-se que a o quorum deliberativo estabelecido no artigo 247°, n° 1 do Código Comercial é imperativo;
17. Acresce que, ao contrário do que parece ser o entendimento do tribunal a quo, é fácil de ver que a deliberação em causa não se encontra abrangida pelo artigo 18°, n° 2 dos estatutos (versão anterior à alteração) que, para as matérias aí previstas, exige uma maioria qualificada de 3/4 do capital social;
18. Assim, para a tomada da deliberação em causa, os estatutos não prevêem nenhuma maioria específica pelo que, mesmo que se entenda que a norma do artigo 247°, n° 1 é meramente supletiva, a mesma sempre seria aplicada, dados os estatutos serem omissos quanto a essa matéria;
19. De resto, a própria requerente, aqui recorrida, aceita expressamente no seu requerimento inicial que a deliberação em causa poderia ser tomada por maioria simples (vide artigo 57° do requerimento inicial);
20. Destarte, jamais pode ter havido qualquer violação da lei ou dos estatutos na deliberação de intentar acções de responsabilidade civil e, eventualmente criminal, contra os administradores da requerida, aqui recorrente, os Sr. C, D e E, pois a deliberação foi tomada pela maioria exigida no artigo 247°, n° 1 do Código Comercial, norma aplicável à situação, quer por ser de natureza imperativa quer por os estatutos não preverem qualquer maioria específica para a tomada de tal deliberacão;
21. Note-se que, como vem assinalado na matéria de facto provada, designadamente no ponto 18, não foi tomada qualquer deliberação de destituição dos administradores, caso em que seria exigida a maioria qualificada prevista no artigo 18°, n° 2 dos estatutos;
22. É certo Que a tomada da deliberação em causa implicou a destituição dos administradores visados. Porém, essa destituição decorre imediata e automaticamente da lei, uma vez tomada a deliberação de propor acções de responsabilidade civil contra os administradores, nos termos do artigo 247°, n° 2 do Código Comercial;
23. A requerente não alegou, nem ficou provado qualquer facto que demonstrasse que a deliberação de intentar acções contra os administradores foi uma mera forma de provocar a sua destituição, situação que podia levar a que se considerasse a deliberação sujeita à maioria qualificada exigida pela norma do artigo 18°, n° 2 dos estatutos;
24. Ao invés, a requerida provou que os administradores contra os quais foi deliberado intentar acções causaram-lhe avultados prejuízos em benefício próprio e de terceiros;
25. Na verdade, ficou provado que num empréstimo que o conselho de administração anterior tinha autorizado, no valor de HKD$350.000.000,00 e juros de 15%, garantido com uma hipoteca sobre o terreno da sociedade tinha sido estabelecido uma taxa de empréstimo de HKD$70.000.000.00 (Vide ponto 44 da matéria de facto dada como provada);
26. Ficou provado que essa taxa foi estipulada pelos administradores contra os quais foi deliberado intentar acções de responsabilidade civil e eventualmente criminal (Vide ponto 45 da matéria de facto dada como provada);
27. Ficou provado que a mesma era destinada à XXX que é uma sociedade americana com a qual dois desses administradores e a requerente se encontram directamente ligados (Vide ponto 33 a 36 , 39 a 42 e 46 da matéria de facto dada como provada);
28. Ficou provado que posteriormente, o empréstimo foi alegadamente renovado pelos referidos administradores, como uma nova taxa (ou fee) de renovação de HKD$60.000.000.00 (Vide ponto 47 da matéria de facto dada como provada);
29. Ficou provado que também esta taxa (ou fee) de renovação ficou a cargo da requerida (Vide ponto 48 da matéria de facto dada como provada);
30. Ficou provado que, atenta à relação XXX e os administradores referidos, tratou-se de uma comissão que os mesmos atribuíram a si próprios (Vide ponto 40 da matéria de facto dada como provada (Vide ponto 49 da matéria de facto dada como provada);
31. Ficou provado que os três administradores, novamente viriam a constituir uma segunda hipoteca sobre o Terreno para garantia de um outro empréstimo supostamente efectuado à sociedade XXX, LLC, no valor de HKD$226.000.000.00 (Vide ponto 50 da matéria de facto dada como provada);
32. Ficou provado que esse empréstimo nunca foi entregue Requerida (Vide ponto 51 da matéria de facto dada como provada);
33. Ou seja, ficou provado nos autos que os administradores C. D e E causaram à sociedade aqui recorrente avultados prejuízos (imputando-lhe encargos abusivos no montante global de HKD$ 130.000.000,00 e um empréstimo no montante de HKD$ 226.000.000,00 que nunca existiu) em benefício de uma sociedade denominada XXX e, desse modo, em benefício próprio tendo em conta a ligação, também provada, entre esta sociedade e os referidos administradores C e D (Vide parte III da sentença nos pontos acima mencionados);
34. Assim, apesar de não ser sua obrigação, a requerida provou a existência de razões justificativas da deliberação de intentar acções de responsabilidade civil e criminal contra os administradores e ficou amplamente demonstrado que a mesma não era apenas uma via para provocar a destituição ope legis dos administradores em causa;
35. Não se deixa pois de, no mínimo, estranhar que, apesar da prova desses factos, o Tribunal tenha entendido que não era a vontade da requerida - contra aquilo que a própria alega - deliberar intentar acções de responsabilidade civil e eventualmente criminal contra os administradores;
36. Por todo exposto se conclui, mais uma vez, que não houve qualquer violação dos estatutos da requerida na tomada da deliberação de intentar acções de responsabilidade civil e eventualmente criminal contra os administrador da sociedade e que tal deliberação encontra-se perfeitamente justificada tendo em conta os factos provados;
37. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou de forma ostensiva o disposto no artigo 247°, n.° 1 do Código Comercial e ainda os estatutos da Requerida;
38. Conclui-se ainda que não existe qualquer probabilidade séria da deliberação em causa vir a ser declarada nula ou anulável, veio que o Tribunal a quo nunca poderia ter decretado a sua suspensão. Ao fazê-lo, violou também, designadamente, o vertido nos artigos 232°, n.° 1 do Código Comercial, 329°, n.° 1 e 341°, n.° 1, ambos do CPCM;
39. A deliberação de preenchimento de cargos vagos e nomeação de novos membros do Conselho de Administração (ponto B da ordem de trabalhos também não violou qualquer norma legal ou estatutária da sociedade;
40. Com efeito, na assembleia geral em causa, foram apresentadas duas propostas para o conselho de administração conforme ficou provado (cfr. ponto 27 da matéria de facto provada);
41. Ora, nos termos da lei, artigo 453º, n.° 4 do Código Comercial, havendo várias propostas vara a designação dos titulares dos órgãos sociais, faz vencimento a que obtiver maior número de votos;
42. É evidente que essa norma é especial em relação à norma do n° 1 do mesmo artigo 453°, que consagra a maioria legal para a eleição, aplicando-se apenas às situações em que haja mais do que uma proposta para a eleição dos membros da administração;
43. Assim, uma vez que a norma especial afasta a norma geral, a norma do n° 4 afasta a aplicação da norma do n° 1 , ambos do artigo 453° do Código Comercial e afasta ainda as maiorias estatutárias consagradas para eleição de titulares de órgãos sociais, sempre que haja várias propostas;
44. Por outro lado, de uma leitura conjugada dos nºs. 1, 3 e 4 do artigo 453° do Código Comercial, resulta que a norma do n° 4 é de natureza imperativa. tendo como objectivo obviar impasses na eleição dos órgãos sociais resultantes. Dor um lado, da apresentação de várias propostas para a designação de titulares de órgãos sociais e, por outro, das regras de maioria legal ou estatutariamente consagradas para o efeito;
45. Acresce ainda que, mesmo que se entenda que a norma em causa é supletiva, o certo é que a mesma não se encontra afastada pelos estatutos, pois estes nada prevêem quanto ao modo de obviar o impasse, na eleição dos titulares de órgãos sociais, criado pela existência de várias propostas (cfr. certidão comercial da requerida, com os estatutos, junto com o requerimento inicial como Doc. 4);
46. Com efeito, a norma do artigo 18°, n° 2 dos estatutos, apenas visa afastar a maioria supletiva consagrada no artigo 453°, n° 1 e 3, nada dispondo quanto à situação prevista no n° 4 do mesmo artigo;
47. Destarte, não prevendo os estatutos qualquer disposição destinada a resolver impasses na eleição de titulares de órgãos sociais derivadas da existência de várias propostas, mesmo que se entenda que a norma do n.º 4 do artigo 453º e é supletiva, sempre a mesma seria aplicável in casu.
48. Nestes termos se conclui que não houve qualquer violação da lei ou dos estatutos da requerida, aqui recorrente, na tomada da deliberação de preencher os cargos vagos e nomear novos membros para o Conselho de Administração uma vez que houve duas propostas, tendo em conta o disposto no n.º 4 do artigo 453º do Código Comercial, norma aplicável à deliberação em causa, quer por ser de natureza imperativa e especial destinada a obviar impasses na eleição de titulares de órgãos sociais decorrentes da existência de várias propostas, quer por não ter sido afastada pelos estatutos da requerida, aqui recorrente;
49. Assim, ao decidir suspender a deliberação que preencheu os lugares vagos e nomeou novos membros para o conselho de administração, o tribunal a quo violou, entre outras a norma do artigo 453º, n.º 4 do Código Comercial.
50. Conclui-se ainda que não existe qualquer probabilidade séria da deliberação em causa vir a ser declarada nula ou anulável, pelo que o Tribunal a quo nunca poderia ter decretado a sua suspensão pelo que, ao faze-lo, violou também, designadamente, o vertido nos artigos 232°, n.° 1 do Código Comercial, 329°, n° 1 e 341°, n° 1, ambos do CPCM;
51. Além de não se verificar o requisito da existência do direito, não se verificou o outro requisito para que fosse decretada a providência solictada, o perículum in mora, in casu, os danos que para a recorrida possam resultar da execução das deliberações tomadas e que a providência intentada visa evitar, nos termos do artigo 232°, n° 3, do Código Comercial e, em geral, do 326°, n.° 1, e 332°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil;
52. Da matéria de facto dada como provada não constam quaisquer danos para a requerente, aqui recorrida, resultante da execução das deliberações tomadas;
53. O Tribunal, por um lado, sustenta a decretação da providência numa mera alegação da requerente - de que os novos administradores poderiam vender um terreno concedido em arrendamento à requerida e que é o único bem que esta possui alegação que não só não foi provada como se encontra contrariada pela prova produzida pela requerida, aqui recorrente;
54. Na verdade, ficou provado que o prazo de aproveitamento do terreno expirou em 2008 (Vide. Ponto 31 da matéria de facto provada e Doc. 9 junto com o requerimento inicial, certidão predial do terreno), pelo nem sequer poderia ser concedida autorização para a venda do mesmo, conforme expressamente prevê a alínea) do n° 2 do art. 153° da Lei de Terras;
55. Contrariando todas as estipulações legais, o Tribunal decreta a ainda a providência com base em hipotéticos danos que a requerida não a requerente da providência - pode vir a sofrer com a execução das deliberações sociais tomadas, por estas deliberações, supostamente, não corresponderem à vontade da requerida;
56. A matéria de facto provada não só não sustenta qualquer dano hipotético, quer para a requerente quer para requerida decorrentes da execução das deliberações sociais, como demonstram, objectivamente, que as deliberações sociais e a sua execução, nomeadamente a de interpor acções de responsabilidade contra os administradores, servem os interesses da requerida;
57. Ou seja, o Tribunal assume uma função de tutor da requerida, e, contra a sua vontade expressa, decreta uma providência com base em hipotéticos danos que a mesma pode vir a sofrer da execução das deliberações que tomou, quando todos os factos que o mesmo Tribunal deu como provado não só não sustentam qualquer hipotético dano quer para a requerente, quer para a requerida, com demonstram, objectivamente, que a requerida tinha todo o interesse nas deliberações que tomou, mormente no que diz respeito à deliberação de interpor acções de responsabilidade contra os administradores;
58. A decisão decretar a providência com ausência total de prova de danos é tanto mais estranha quando é a própria sentença que, apoiando-se na jurisprudência, afirma que "na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais o requisito da legalidade deve ser objecto de mero juízo de probabilidade, enquanto o dano envolve prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte do mesmo por efeito da execução da deliberação. (sublinhado pela recorrente);
59. E, de facto a jurisprudência de Macau tem sido firme a decidir que para a decretação de uma providência cautelar de suspensão de deliberações, sociais, "no que concerne à prova do dano não basta fazer uma prova sumária sendo necessário uma prova mais consistente, traduzida na probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar” (Ac. do TUI n° 36/2008, de 2008/11/11. No mesmo sentido vi de ainda Ac. do TSI n° 107/2008, de 2008/5/15 e Ac. do TSI n° 88/2001 de 2003/7/10);
60. Assim, ao decretar a suspensão de todas as deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária da recorrente realizada no dia 1 de Setembro de 2008. com base numa mera alegação da requerente e em hipotéticos danos a sofrer pela requerida não sustentados por qualquer facto provado - antes contrariados pela matéria provada - o tribunal violou de forma flagrante as disposições do artigo 332°. n° 1 e 341°, n° 1, ambos do CPC e ainda do 232°, n° 3 do Código Comercial de Macau;
61. Da matéria de facto provada, designadamente, dos pontos 44 a 51 da matéria de facto provada resulta que os administradores, num curto espaço de menos de dois anos, imputaram à requerida, aqui recorrente, encargos no montante global de HKD$130.000.000,00 e um empréstimo no montante de HKD$226.000.000,00 que nunca existiu, a favor da sociedade XXX, com a qual pelos menos os Srs. D e C estavam ligados;
62. Isto é, resulta de forma cristalina dos factos provados, que os administradores nunca actuaram no interesse da requerida como era o seu dever mas em beneficio próprio e de terceiro, e que durante o tempo da sua gestão, pouco mais de 2 anos, causaram à requerida prejuízos no valor de HKD 356,000,000.00 (trezentas e cinquenta e seis milhões de dólares) (vide pontos 44 a 51 da matéria de facto provada);
63. Ora a suspensão das deliberações tomadas permite aos ditos administradores manterem-se em funções, podendo assim continuar a sua actividade em prejuízo da requerida e, por outro, impede que esta, em tempo útil intente as acções de modo a ressarcir-se dos prejuízos que os administradores lhe causaram;
64. Assim, mesmo que por hipótese estivessem reunidos os demais requisitos para a decretação da providência requerida, o que manifestamente não acontece, sempre a mesma deveria ser indeferida, atento ao disposto no artigo 342°, n° 2 do CPC;
Termos em que se requer
a) Seja, em primeiro lugar e como questão prévia, atribuído efeito suspensivo ao presente recurso;
b) Seja declarada nula a sentença ora posta em crise nos termos das alíneas d) e e) do artigo 571º do CPC;
c) Seja considerado procedente o presente recurso e a sentença ora recorrida revogada, substituindo-a por outra que declare improcedente as providências solicitadas e em consequência se revoguem as já decretadas.
B, recorrida nos autos à margem identificados, tendo sido notificada das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, contra-alega em síntese conclusiva:
(A) A Recorrente encontra-se patrocinada no processo por procuração de 8/9/2008, outorgada por F na qualidade de seu administrador e com os poderes resultantes das deliberações da respectiva assembleia de accionistas, de 1/9/2008, e do respectivo Conselho de Administração, de 8/9/2008.
(B) Acontece que a totalidade das deliberações tomadas naquela reunião da assembleia de accionistas da Recorrente, de 1/9/2008, se encontram suspensas por força da sentença do Tribunal a quo de 17/12/2008.
(C) A suspensão das deliberações de nomeação e destituição de administradores sociais tem reflexos, designadamente em termos dos respectivos poderes de representação.
(D) Cabendo a representação da sociedade Recorrente em juízo ao seu Conselho de Administração (art. 53.º, n.º 1, do CPC e art. 19.º, n.º 1, dos Estatutos), tendo a mesma sido exercida no processo pelos administradores eleitos na assembleia de accionistas de 1/9/2008, uma vez que a deliberação pela qual foram nomeados se encontra suspensa, os seus poderes de representação estão sustados enquanto persistirem os efeitos da decisão suspensiva sobre estes.
(E) A administração eleita na assembleia geral da sociedade de 1/9/2008, no exercício das suas funções, conferiu poderes de representação aos mandatários judiciários da Recorrente, por intermédio da supra referida procuração datada de 8/9/2008, a qual é anterior ao acto de citação.
(F) Contudo, seguindo o ensinamento do Prof. V. G. Lobo Xavier, a deliberação suspensa deve considerar-se como tendo a respectiva eficácia paralisada desde o momento em que foi tomada até à decisão do processo principal.
(G) Do exposto decorre que o mandato conferido pela procuração forense em causa, sendo acto reflexo do exercício da actividade dos administradores eleitos na assembleia de 1/9/2008, os poderes dele constantes não poderão mais ser exercidos enquanto subsistir a suspensão da execução das deliberações em que os mesmos têm o seu substracto.
(H) Com a suspensão da deliberação de nomeação de novos administradores, a representação da Recorrente passou a caber ao administradores destituídos.
(I) Está-se assim perante uma situação de incapacidade judiciária da Recorrente, decorrente de irregularidade de representação, por estar em juízo representada por pessoas diferentes daquelas a quem a mesma compete.
(J) Não pode consequentemente o Tribunal conhecer o objecto do presente recurso enquanto persistirem as referidas incapacidade judiciária e a irregularidade de exercício do mandato suspenso.
(K) Pelo que devem as invocadas incapacidade judiciária e irregularidade de representação serem julgadas procedentes, e ordenada a notificação dos legítimos representantes legais da Recorrente para intervirem no processo para ratificarem, querendo, os actos praticados pela administração suspensa nos presentes autos.
(L) Quando a Recorrente faz alusão nas suas alegações à “defesa dos interesses da Recorrente” ou à “vontade da Recorrente”, deverá ler-se “interesses da accionista maioritária, B1” ou “vontade da accionista maioritária, B1”.
(M) Isto porque, as entidades ora em confronto são na realidade: a Recorrida e a accionista maioritária, B1, a qual visou o controlo da Recorrente mercê do golpe societário operado a 1 de Setembro de 2008.
(N) O Tribunal a quo decidiu correctamente ao atribuir o efeito devolutivo ao presente recurso.
(O) Aceder ao pedido de atribuição de um efeito suspensivo ao presente recurso acabaria por retirar qualquer efeito útil ao deferimento da providência cautelar de suspensão de deliberação social.
(P) A Recorrente, ao pretender a suspensão de um pedido de suspensão, visando grosseiramente como que anular os efeitos da decisão proferida, vem na prática requerer que o Tribunal decida no sentido diametralmente oposto ao fim consagrado na lei, v.g, na possibilidade do requerente de procedimento cautelar, cujo pedido seja deferido, de poder usufruir de imediato dos efeitos decorrentes dessa decisão, sob pena de consubstanciar um caso de periculum in mora.
(Q) A sentença recorrida não enferma dos vícios de excesso de pronúncia ou ainda de decisão em objecto diverso do pedido.
(R) O pedido formulado a final pela ora Recorrida não podia ser mais claro: a suspensão das deliberações sociais.
(S) A matéria de facto e de direito articulada no seu requerimento de providência cautelar, na qual se alega sucessivamente a ilegalidade da convocação da assembleia geral e a ilegalidade das deliberações tomadas na mesma, seguida da concomitante produção de danos apreciáveis à Recorrente, não constitui mais do que a causa de pedir através da qual se pede a suspensão das deliberações sociais,
(T) Pelo que, o Tribunal a quo não julgou em objecto diverso do pedido nem em excesso: decretou a suspensão de deliberações sociais, tal como requerido a final pela Recorrida.
(U) Conforme consta do ponto 13 da matéria de facto dada como provada, apenas se fizeram representar na assembleia geral de 1 de Setembro de 2008 da Recorrente duas accionistas: a Recorrida e a sociedade B1, detentoras em conjunto de 99,727% do capital social.
(V) Donde resulta que os accionistas XXX, detentor de 800 acções no valor nominal de MOP80.000,00, correspondente a 0,145% do capital social; e XXX, detentor de 700 acções no valor nominal de MOP70.000,00, correspondente a 0,127% do capital social, não compareceram à referida assembleia geral.
(X) Por outro lado, o ponto 9. da matéria de facto dada como provada refere que não constou da convocatória quer a indicação da sede social quer o número de registo da Requerida (ora Recorrente).
(Y) Pelo que, ao abrigo do artigo 229.º n.º 1 alínea c) do CCom, as ditas irregularidades determinam a anulabilidade das deliberações tomadas na referida assembleia geral.
(Z) As irregularidades da convocatória não se podem considerar sanadas pela comparência da Recorrida na referida assembleia geral, uma vez que não se encontravam presentes nesta a totalidade dos accionistas da Recorrente (vide artigo 217.º n.º 2 do CCom).
(AA) O ponto a) da ordem de trabalhos da assembleia geral de 1 de Setembro de 2008 visava a destituição dos administradores C, D e E.
(AB) A referência às acções de responsabilidade a propor pela sociedade contra os referidos administradores consistiu num expediente usado pelo Sr. F para afastar os administradores legal e estatutariamente eleitos, torneando assim a exigência de maioria qualificada de três quartas partes do capital social prevista no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.
(AC) Os termos como a ordem de trabalhos foi redigida, designadamente o conteúdo dos pontos a) e b), bem como o exercício de direito de voto da accionista maioritária B1. protagonizado pelo seu representante, o Sr. F, consistem em actos que, embora no exercício de direitos, excedem manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social ou económico com que o direito consagrado no artigo 247.º do C.Com é conferido às sociedades.
(AD) Não tendo resultado provado na decisão ora revista que os referidos administradores tenham causado prejuízos à Recorrente, a deliberação referente ao ponto a) da ordem de trabalhos deverá ser considerada como abusiva e insusceptível de afastar a aplicação da norma estatutária prevista no artigo 18.º n.º 2, i.e., quanto à sujeição a uma aprovação por maioria qualificada de três quartas partes do capital social.
(AE) A deliberação referente ao ponto b) da ordem de trabalhos da assembleia geral de 1 de Setembro de 2008 é igualmente ilegal.
(AF) A norma do artigo 453,º n 4 do CCom é uma norma dispositiva, supletiva, destinando-se a suprir a falta de manifestação de vontade dos fundadores de sociedades anónimas sobre matéria de que deva ser regulada nos respectivos pactos sociais e não o sejam. Havendo regulação sobre tal matéria, não existem interesses que justifiquem a postergação da vontade e dos interesses dos accionistas.
(AG) Daí que, tendo a mesma sido afastada pela norma estatuária contida no artigo 18.º n.º 2, a deliberação de eleger novos administradores da Recorrente exigia uma aprovação por parte de três quartas partes do capital social, sob pena de padecer do vício de anulabilidade, nos termos dos artigos 225.º n.º 1 e 229.º n.º 1 al. a) do CCom.
(AH) A deliberação referente ao ponto c) da ordem de trabalhos, que aprovou a alteração dos artigos 18.º, 23.º e 25.º dos Estatutos, é anulável por não ter sido aprovada pela maioria de três quartas parte do capital social (artigo 229. º n.º 1 al. a) do CCom).
(AI) Os danos causados à Recorrente e concomitantemente à Recorrida decorrentes das deliberações de destituição da administração e das alterações introduzidas nos estatutos podem ser em primeira linha equacionados ao nível da correlação de forças adentro desta.
(AJ) A alteração ilegal ao n.º 2 do artigo 18.º dos Estatutos visou modificar o quórum constitutivo e o quórum deliberativo nas reuniões da assembleia geral onde fossem apreciadas matérias de “nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais, alteração dos estatutos ou aumento de capital ou fusão ou dissolução da sociedade”, alterando tais quórums de três quartas partes para metade do capital social.
(AK) Esta alteração teve como objectivo possibilitar à accionista maioritária, B1, o poder de aprovação das deliberações que bem entendesse, dentro do escopo supra mencionado, por não carecer mais dos votos de qualquer outro accionista, uma vez que detém 68% do capital social.
(AL) Razão pela qual se explica que os administradores eleitos na assembleia geral contestada, ora suspensos, apenas representarem os interesses da accionista B1, sendo que dois deles são mesmo administradores desta sociedade: a Sra. XXX, que convocou a assembleia geral em causa e o já referido Sr. F.
(AM) Esta alteração estatutária, que representa um verdadeiro golpe societário ilegal operado no seio da Recorrente, provocou à Recorrida o dano imediato de ter sido afastada da administração daquela, bem como implica que no futuro não poderá nunca voltar a nomear qualquer administrador sem o voto favorável da accionista maioritária.
(AN) A Recorrente pretende fazer crer ao Tribunal que o seu único activo, uma concessão de um terreno, não é passível de disposição em virtude do prazo de aproveitamento da dita concessão ter expirado, o que fundamenta ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 153.º da Lei de Terras.
(AO) Caso a Recorrente passe a ser controlada por pessoas que representam exclusivamente os interesses da accionista dominante, B1, mercê das alterações estatutárias ilegais pretendidas, poderá tomar decisões que permitirão dispor do projecto imobiliário em detrimento dos interesses da Recorrida e da própria Recorrente.
(AP) Desde aumentos de capital que conduzam à diluição da participação societária da Recorrida, à celebração de pactos leoninos com entidades terceiras que levem ao incumprimento da Recorrente e à consequente transmissão judicial das situações decorrentes da concessão provisória, não faltam expedientes ao dispor de uma administração ilegalmente plenipotenciária, que responde unicamente pelos interesses da accionista dominante da Recorrente, com vista à dissipação do referido activo.
(AQ) Os pontos 34 a 36 e 44 a 51 da matéria de facto provada não demonstram em lado algum que a administração destituída tenha imputado encargos abusivos à Recorrente.
(AR) Antes da sua destituição, esta sim ilegal e abusiva, o Conselho de Administração da Recorrente era constituído pelos administradores C, D, designados pela ora Recorrida e por E, este último designado pela accionista maioritária, B1.
(AS) Atenta a representação dualista do Conselho de Administração e a própria natureza específica dos Estatutos da Recorrente que impunha na prática uma concordância obrigatória entre as duas accionistas para a aprovação de qualquer decisão, os alegados “encargos abusivos” constituem, na realidade, actos de gestão que foram previamente sancionados pelas duas maiores accionistas da Recorrente: a ora Recorrida e a B1.
(AT) Pelo que é de reprovar o comportamento da nova administração da Recorrente, que representa única e exclusivamente os interesses da accionista maioritária, por vir agora despudoradamente qualificar tais actos de gestão como sendo abusivos.
Nestes termos,
Entende dever ser a invocada incapacidade judiciária e irregularidade de representação julgadas procedentes e ordenada a notificação dos legítimos representantes legais da requerida para intervirem no processo para ratificarem, querendo, os actos praticados pela administração suspensa nos presentes autos.
Outrossim, deve ainda o recurso interposto pela recorrente ser julgado totalmente improcedente.
Foram colhidos os vistos legais.
Importa desde já referir que a questão relativa à capacidade judiciária e à representação foi já oportunamente decidida.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“Na presente providência cautelar que corre os seus termos pelo 3º Juízo Cível sob o n.º CV3-08-0061-CAO-A e que B move contra A, melhor identificados nos autos.
Procedeu-se a audiência com observância de todas as formalidades legais.
Finda a produção da prova, considera-se indiciariamente demonstrados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. A Requerente é uma sociedade por quotas por responsabilidade limitada. (art. 1º do Requerimento inicial)
2. E, é accionista da ora Requerida onde detém 174.500 acções no valor nominal de MOP17.450.000,00, correspondente a 31,727% do capital social que é de MOP55.000.000,00. (art. 2º do Requerimento inicial)
3. Foi publicada, no dia 8 de Agosto do corrente ano no jornal “Ou Mun” de Macau uma convocatória com o seguinte teor, ora traduzido para a língua portuguesa:
“CONVOCATÓRIA
“De acordo com o disposto nos termos do art.º 14. º dos Estatutos da A (“Sociedade”), a B1 convoca a Reunião da Assembleia Geral Extraordinária de Accionistas, que terá lugar no dia 1 de Setembro de 2008, pelas 15 horas, em Macau, na Avenida da Praia Grande n.º XXX, Edifício “XXX Building”, XX.º andar, com a seguinte ordem de trabalhos:
a) Discussão sobre acções de responsabilidade a intentar pela Sociedade contra administradores do Conselho de Administração e destituição dos administradores visados;
b) Preenchimento de cargos vagos e nomeação do novos membros do Conselho de Administração;
c) Alteração dos Estatutos da Sociedade a incidir, entre outros (sic), sobre os arts. 18.º, 23.º e 25.º; e
d) Outros assuntos.
Macau, 7 de Agosto de 2008
B1.
(Assinatura manuscrita de XXX)
XXX”
(art. 3º do Requerimento inicial)
4. Dispõem o artigo 12º dos Estatutos da Requerida:
“1. Sem prejuízo do disposto na alínea g) do artigo trigésimo primeiro destes estatutos, as Assembleias Gerais, tanto ordinárias como extraordinária, serão convocadas pelo presidente da mesa ou por quem deve desempenhar s sua funções.
2......
3.......”.
O artigo 14º dos mesmos Estatutos estipula:
“ A Assembleia Geral reunirá extraordinariametne sempre que o Conselho de Administração o julgar necessário ou quando o requeiram accionistas que representem pelo menos quarenta por cento do capital social.”
(art. 7º do Requerimento inicial).
5. Em assembleia geral da sociedade requerida, de 15 de Outubro de 2004, foi eleito como presidente da respectiva mesa o Senhor XXX (XXX). (art. 8º do Requerimento inicial)
6. Do registo comercial relativos à B1, para esta pessoa colectiva se obrigar é necessária a intervenção dos seus dois administradores – a referida Senhora XXX e o Senhor F. (art. 13º do Requerimento inicial)
7. Foi invocada no início da Assembleia Geral por parte do representante da Requerente, como incidente prévio à sua realização a questão de: a) a B1 não tem legitimidade para convocar a Assembleia Geral sem ter requerido a sua convocação ao presidente da mesa, e este não satisfazer a sua pretensão e b) a Senhora XXX não tem legitimidade de subscrever a convocatório sem intervenção de outro administrador da B1. (art. 17º do Requerimento inicial)
8. Da convocatória, não constam quer a indicação da sede social quer o número de registo da Requerida. (art. 20º do Requerimento inicial)
9. Também esta questão foi suscitada nos termos e nas circunstâncias descritas nos supra ponto 7.º. (art. 22º do Requerimento inicial)
10. O Senhor F apresentou no início da reunião da assembleia geral da Requerida a carta de representação emitida pela B1, ora o documento que se junta como doc. 7, aqui, se dá por reproduzido integralmente. (art. 24º do Requerimento inicial)
11. A pessoa que se apresentou como representante da sociedade B1, o referido Senhor F, disse que as supra questões levantadas ficaram registadas e seriam analisadas após a discussão sobre os pontos constante na ordem de trabalhos. (parte anterior do art. 18º do Requerimento inicial e parte anterior do artigo 30º do Requerimento inicial)
12. Senhor F, apresentou-se e foi eleito com voto favorável da sócia B1, como presidente da mesa da reunião. (parte posterior do art. 18º do Requerimento inicial e parte posterior do artigo 30º do Requerimento inicial )
13. Na reunião em causa, dos vários sócios da Requerida apenas se fizeram representar duas accionistas: a Requerente e a sociedade B1, detentoras em conjunto de acções representando 99,727% do capital social. (art. 34º do Requerimento inicial)
14. A Requerente detinha então e continua a deter 174.500 acções nominativas do capital social, correspondentes a 31,727% do valor deste. (art. 35º do Requerimento inicial)
15. A sociedade B1 detinha na circunstância acções com um valor nominal correspondente a 68% desse capital. (art. 36º do Requerimento inicial)
16. As propostas foram todas aprovadas pela B1, representada pelo Senhor F, nos exactos termos em que se apresentou, com os seus votos correspondes a 68% do capital social, a qual é inferior, portanto, a 3/4 desse capital (75%). (art. 38º do Requerimento inicial).
17. As mesmas propostas votadas favoravelmente pelo Senhor F em representação da B1, mereceram o voto contra do representante da Requerente, com um peso do voto decorrente da sua participação social, correspondente a 31,727% do capital social. (art. 39º do Requerimento inicial)
18. A Assembleia Geral em causa deliberou com voto favorável da sócia B, e voto contra da Requerente:
- Em relação a alínea a) da ordem de trabalhos: no sentido serem intentadas acções de responsabilidade civil e eventualmente criminal contra os actuais administradores Srs. C, D e E. (art. 39º do Requerimento inicial)
- Em relação a alínea b) da ordem de trabalhos: elegir os Senhores XXX, XXX, XXX, XXX e F para administradores efectivos, e XXX e XXX, como administradores suplentes.
- Em relação a alínea c) da ordem de trabalhos: alterar os artigos 18º, 23º e 25º para a seguinte redacção:
Artigo décimo oitavo
Um.(actual redacção)
Dois. As Assembleias Gerais que tenham por objecto deliberar sobre a nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais, sobre a alteração dos estatutos ou aumento de capital, ou sobre a fusão ou dissolução da sociedade, só se considerarão validamente constituídas, desde que o capital nelas representado não seja inferior a três quartas partes do capital social e tais deliberações só se consideram aprovadas se reunirem votos favoráveis correspondentes a pelo menos três quartas partes do capital social.
Artigo Vigésimo Terceiro
Um. A Sociedade fica obrigada por qualquer uma das seguintes formas:
a) pela assinatura conjunta de dois administradores;
b) pela assinatura de dois membros da Comissão Executiva, caso esteja designada e no âmbito das competências que lhe forem delegadas, sem prejuízo do disposto no número 2 do artigo vigésimo sexto, não podendo igualmente ser delegada na Comissão Executiva competência no que concerne às matérias constantes das alienas c), d), e), f), h), I), M), e o) do artigo vigésimo primeiro.
Dois. (actual redacção)
Três. (actual redacção)
Artigo Vigésimo quinto
Um. (actual redacção)
Dois. As deliberações do Conselho de Administração são tomadas por maioria dos votos dos dois administradores presentes ou representados.
Três. (actual redacção)
(arts. 40º a 52º do Requerimento inicial).
19. A Requerida é apenas titular dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do Terreno, cujo valor ascende a mais de MOP 950.000.00,00. (art. 80º do Requerimento inicia e art. 137º da oposição)
20. O Senhor XXX apresentou a sua renúncia ao cargo do presidente da mesa por carta datada de 11 de Dezembro de 2006. (arts.9º e 18º da oposição)
21. E não foi eleito, desde então, qualquer pessoa para o substituir. (art. 19º da oposição)
22. A Senhora XXX estava mandatada para assinar a convocatória conforme acta de 1 de Julho de 2008, da sociedade B1. (art. 26º da oposição)
23. A Senhora XXX é administradora da B1. (art. 27º da oposição)
24. A Requerente, na reunião, apresentou uma proposta para a composição do conselho de administração. (art. 44º da oposição)
25. A carta de representação da B1. em causa (doc. 7) encontra-se assinada pelo Sr. F e pela Senhora XXX. (art. 59º da oposição)
26. Que são os dois únicos administradores da referida sociedade (cfr. Doc. 3 ora junto). (art. 60º da oposição)
27. Foram apresentadas duas propostas para o conselho de administração. (art. 96º da oposição)
28. A Requerente entende que a actual composição do conselho de administração da Requerida, é a expressão desse balanço, uma vez que os administradores C e D foram designados sob proposta da Requerente e a selecção do Senhor E resultou da proposta da sócia B1. (art. 116º da oposição).
29. Mas, a Requerente é detentora de 31,727% do capital social da Requerente, isto é, menos de 1/3. (art. 118º da oposição)
30. Enquanto que a B1 é detentora de 68%, isto é, mais de 2/3. (art. 119º da oposição)
31. O prazo de aproveitamento do Terreno expirou em 18 de Agosto de 2008. (art. 138º da oposição)
32. Existe uma hipoteca dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do Terreno. (art. 145º da oposição)
33. Havia um complexo contrato mediante o qual o grupo a que pertence a Requerente e inicialmente, também a sócia B1, adquiriria 99,727% das acções da Requerida. (art. 157º da oposição)
34. As Adquirentes destas acções seriam as sociedades B1 e B2, ambas representadas pelo Sr. G (cfr. certidões). (art. 158º da oposição)
35. O Sr. G, também surgem ligados a estas sociedades outros nomes de representantes comuns a uma sociedade com sede nos Estados Unidos da América, denominada XXX, LLC, como os nomes dos Srs. XXX, C e D. (art. 159º da oposição)
36. Por mensagem de correio electrónico (e-mail), que ora se junto como Doc. 7, enviada pelo já mencionado Sr. XXX, um dos dois únicos membros ou sócios da XXX, a dois dos administradores da Requerida e a representantes da XXX Casino, S.A. pode ler-se (aqui traduzido para português) que “Eu sou titular, através de sociedades, de duas terças partes do projecto B”. (art. 161º da oposição)
37. Na sequência desse complexo negócio de aquisição das acções da Requerida esta autorizou, no dia 5 de Junho de 2006, a constituição de uma hipoteca sobre o Terreno acima referido a favor da referida sociedade XXX, LLC, no valor de HKD$ 350.000.000,00 com um juro de 15% (cfr. Doc. 8 ora junto, acta do Conselho de administração da Requerida). (art. 162º da oposição)
38. Posteriormente, no dia 6 de Junho de 2006, ainda na sequência do negócio de aquisição das acções da requerida, o Senhor C e o Senhor D passaram a fazer parte da administração da Requerida, conjuntamente com o Sr. E. (art. 163º da oposição)
39. Porém, o negócio da aquisição de 99,727% das acções da Requerida não se concretizou. (art. 166º da oposição)
40. Tendo o contrato sido resolvido. (art. 167º da oposição)
41. Na sequência desse resolução, a B1, detentora de 68% das acções da Requerida passou para as mãos dos vendedores. (art. 168º da oposição)
42. Tendo a Requerente, detentora de 31,727% do capital social da Requerida, ficado nas mãos dos compradores. (art. 169º da oposição)
43. Após os vendedores terem tomado controle da sócia B1, endentaram que existem prejuízos que os administradores causaram à sociedade Requerida. (art. 170º da oposição)
44. Tomou-se consciência que no empréstimo acima referido que o conselho de administração anterior tinha autorizado, no valor de HKD$ 350.000.000,00 e juros de 15%, garantido com um hipoteca sobre o terreno da sociedade tinha sido estabelecido uma taxa de empréstimo de HKD$ 70,000,000.00 (cfr. Doc. 9 junto da oposição). (art. 173º da oposição)
45. Taxa estipulada por tais administradores. (art. 174º da oposição)
46. Destinada à XXX. (art. 175º da oposição)
47. Posteriormente, o empréstimo foi alegadamente renovado pelos referidos administradores, como uma nova taxa (ou fee) de renovação de HKD$ 60.000.000,00. (art. 178º da oposição)
48. Também a cargo da Requerida. (art. 179º da oposição)
49. Mais uma vez, atenta à relação XXX e os administradores referidos, tratou-se de uma comissão que os mesmos atribuíram a si próprios. (art. 181º da oposição)
50. Os três administradores, novamente viriam a constituir uma segunda hipoteca sobre o Terreno para garantia de um outro empréstimo supostamente efectuado à sociedade XXX, LLC, no valor de HKD$226.000.000,00. (art. 182º da oposição)
51. Empréstimo esse que, nunca foi entregue à Requerida. (art. 183º da oposição)”
III - FUNDAMENTOS
1. Mostrando-se já decidida a primeira questão relativa à representação e capacidade judicária da A, (XXX), o objecto do presente recurso passa agora pela análise das seguintes questões:
- Nulidade da sentença por excesso de pronúncia e objecto diverso do pedido
- Irregularidade da convocatória
- Ilegalidade das deliberações
- Danos
Importa ainda referir que a recorrente concorda e aceita a decisão de não considerar o vício alegado pela requerente da inexistência das deliberações baseada no facto de da carta de representação emitida pela sociedade B1 ((XXX) a fravor do Sr F não ser, no seu entender, instrumento idóneo à prova dos poderes e qualidade do representante.
O objecto do recurso é assim circunscrito por banda da recorrente à decisão de considerar nulas ou anuláveis as deliberações tomadas em violação dos estatutos, mais precisamente , o artigo 18º, n.º 2.
E por banda da recorrida não se deixará de relevar, face ao disposto no artigo 145º e 590º, nº 1 do CPC a sua contra alegação no sentido de a considerar relevante, no conhecimento da questão da convocatória como viciante da deliberação tomada.
Para melhor se compreenderem os interesses em jogo convém ter presente que a sociedade requerida, B (XXX) é participada por uma quota de 31,727% da requerente, A, e por uma quota de 68% da sociedade B1 ((XXX), estando na causa bem patente a divergência de posições entre as duas sociedades com reflexo na condução e direcção da sociedade por elas participada.
2. Da alegada nulidade da sentença nos termos das alíneas d), 2.ª parte e e) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
A recorrente alega que a sentença recorrida é nula por enfermar dos vícios de excesso de pronúncia e de decisão em objecto diverso do pedido.
Alega que o Tribunal a quo não deveria ter-se pronunciado sobre os outros vícios articulados pela recorrida por não constarem do pedido, bem como não devia ter declarado suspensas as deliberações sociais com base na violação das regras estatutárias, por tal não ter sido pedido.
Mas não lhe assiste razão.
Colhe-se da douta decisão da providência que decretou a suspensão das deliberações sociais que ela foi proferida porque as deliberações foram tomadas com votos sem quorum deliberativo estatutário e pela probabilidade de ocorrência de danos irreparáveis.
Isto, depois de ter analisado a questão invocada sobre a ilegalidade da convocatória da Assembleia Geral.
Na verdade, no requerimento inicial da providência cautelar especificada de suspensão de deliberação social formulou-se a final o pedido de suspensão das deliberações por indevida e ilegal a convocação da assembleia extraordinária da requerida de 1 de Setembro de 2008, e do mesmo modo fosse ordenada a suspensão de todas as deliberações tomadas na mesma reunião.
Pretende a recorrente que a Mma Juiz terá conhecido de uma causa de pedir integrante da ilegalidade da deliberação não alegada.
Então o que é que está contido nos artigos 33º a 62º da petição da providência, capítulo aí epigrafado sob a “Iegalidade das Deliberações – anulabilidade” e onde se alega o que foi votado, por quem, com que votos e se alega o quorum necessário e não observados para as diversas deliberações?
Isto é tão evidente que nem merece mais desenvolvimento.
Mostra-se claro que está aí desenvolvida e alegada uma das ilegalidades invocadas e não se pode deixar de ver na formulação genérica do pedido, enquanto se diz que se considera ter havido uma deliberação indevida, a par de uma convocação ilegal, a concretização da causa petendi para o decretamento da providência.
Donde a sentença sob apreciação não padecer do apontado vício de nulidade previsto nas alíneas d), 2.ª parte e e) do n.º 1 do artigo 571.º do CPC.
3. Da Ilegalidade da convocatória da Assembleia Geral de 1 de Setembro de 2008
Como já acima referido e não obstante a delimitação do objecto do recurso por parte da recorrente, não obstante a Mma juiz se ter pronunciado pela regularidade da convocação, deveremos apreciar esta questão suscitada pela recorrida, ao abrigo até do referido artigo 590º do CPC.
Basicamente considerou-se na sentença que a irregularidade estaria sanada em face da presença da totalidade dos sócios, mas conforme consta da matéria de facto dada como provada, apenas se fizeram representar na Assembleia Geral de 1 de Setembro de 2008 da Recorrente duas accionistas: a Recorrida e a sociedade B1, detentoras em conjunto de 99,727% do capital social.
À altura da supra citada reunião, a sociedade recorrente tinha, devidamente inscritos no respectivo livro de registo de acções, as supra citados accionistas bem como XXX, detentor de 800 acções no valor nominal de MOP80.000,00 e correspondente a 0,145% do capital social e XXX, detentor de 700 acções no valor nominal de MOP70.000,00, correspondente a 0,127% do capital social.
Da matéria de facto dada como provada resulta que da convocatória não constam quer a indicação da sede social quer o número de registo da requerida.
São estas as irregularidades aqui relevantes, já que do facto de a convocatória não ter assinada pelo Presidente da Mesa, Senhor XXX que renunciara a tal cargo e do facto de a convocatória ter sido assinada apenas por um administrador já se conheceu na sentença recorrida e não se opõe ao entendimento ali vertido.
Donde resulta que, ao abrigo do artigo 229.º n.º 1 alínea c) do CCom, aquelas deliberações tomadas na referida assembleia geral sejam anuláveis.
As irregularidades da convocatória não se podem considerar sanadas pela comparência da Recorrida na referida Assembleia Geral, uma vez que não se encontrava presente nesta a totalidade dos accionistas da Recorrente (vide artigo 217.º n.º 2 do CCom).
4. Da não conformidade das deliberações com os Estatutos da Recorrente
Comecemos pela questão relativa à legalidade da deliberação referente ao ponto a) da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 1 de Setembro de 2008 que tinha por objecto “a) Discussão sobre acções de responsabilidade a intentar pela Sociedade contra administradores do Conselho de Administração e destituição dos administradores visados”.
A recorrente defende não ter havido qualquer violação da lei ou dos Estatutos na deliberação referida por entender que o artigo 247.º n.º 1 do Código Comercial, tal como os Estatutos, não prevêem qualquer maioria específica para a tomada de tal deliberação.
Na verdade, com base na alínea a) da ordem de trabalhos da reunião, foi deliberado pela assembleia geral da sociedade, aqui recorrente - com o voto favorável da sócia B, detentora de 68% do capital social, e contra da requerente, aqui recorrida, detentora de 31,727% -, serem intentadas acções de responsabilidade civil e, eventualmente criminal, contra os então administradores da sociedade, os Srs. C, D e E (vide ponto 18 da matéria de facto dada como provada).
A questão que se coloca é a de saber se essa deliberação encerra a destituição dos administradores, situação que implicaria uma maioria qualificada.
E sobre esta questão não podemos ser ingénuos. Como se compreenderia que fosse aprovada cruamente essa deliberação sabendo-se que, depois, quem lhe daria execução seriam os próprios administradores a promover as acções de responsabilização contra si próprios.
Isto traduzir-se-ia num non sense e foi até questão já anteriormente, em sede da sanação da representação judiciária, devidamente analisada.
O propósito desta deliberação resulta claro em face da sua redacção, devendo ser enquadrado com o segundo ponto de ordem de trabalhos, onde se fala na nomeação de novos administradores. Ora tal só seria viável com a destituição dos antigos, ou seja, daqueles que eram visados com as acções do ponto primeiro.
O ponto b) da ordem de trabalhos incidia sobre o seguinte: “b) Preenchimento de cargos vagos e nomeação de novos membros do Conselho de Administração”.
Muito embora se tenha distinguido na sentença recorrida em relação a cada uma das deliberações em si, o certo é que, desde logo em relação ao 1º ponto da ordem de trabalhos, não se deixou de concluir que tal deliberação implicava a destituição dos administradores, chegando até a esclarecer-se que uma coisa é a decisão dos sócios e outra uma deliberação social, nada impedindo que sócios representativos de mais de 10% do capital social pudessem activar a responsabilidade civil contra os administradores.
Nada a apontar, pois, a tal entendimento.
Na verdade não é difícil atingir que o afastamento dos administradores era assim para quem promoveu a convocação da reunião o objectivo final, porquanto tinha como dado adquirido de que com os votos da accionista dominante, a deliberação quanto à matéria da referida alínea ser-lhe–ia favorável. O que na prática implicaria a destituição de jure dos administradores nos termos do artigo 247.º n.º 2 do C. Comercial, o que decorre automaticamente de uma a deliberação de propor acções de responsabilidade civil contra os administradores.
Ora, tal destituição exige uma maioria qualificada de três quartas partes do capital social prevista no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.
Por se tratar de um acto ou deliberações que implicam a destituição dos administradores, não se pode deixar de atender à maioria exigida no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos sob pena da própria decisão escapar à sujeição da vontade societária.
A recorrente, a fim de reforçar a justeza e legitimação da deliberação pretexta com os avultados prejuízos que os referidos administradores lhe causaram, mas importa não esquecer que uma coisa é a existência dos prejuízos e outra a probabilidade desses prejuízos se verificarem.
Não importa de qualquer modo analisar aqui da justeza ou não em promover acção de responsabilização contra os sócios, pois que essa é matéria que não legitima se ultrapasse um requisito relativo ao quorum deliberativo.
Não deixamos, no entanto, de atentar na factualidade vertida nos artigos 31º e segs da matéria de facto, o que, reconhece-se, não deixa de inculcar para negócios complexos mas se permitem uma desconfiança quanto à susceptibilidade já não fornecem os elementos necessários conducentes a uma certeza do prejuízo causado por esses administradores.
E na sentença ora sob escrutínio essa questão – a dos danos, não exactamente esses pretensamente causados pelos administradores destituídos, mas os que adviriam à sociedade requerida pela não suspensão dessa deliberação – não foi analisada, porquanto se entendeu que a formação de uma vontade societária contra um quorum em que se devia fundar era por si só um factor susceptível de causar dano.
E não se deixa de conceder alguma razão a este entendimento, tanto mais que essa susceptibilidade de ocorrência de dano acaba por ser exactamente o verso e o reverso da mesma moeda. Teme-se pelo prejuízo causado pela acção dos administradores destituídos e teme-se pelo dano que ocorreria com a nomeação de outros administradores, aqueles por hipoteca do terreno favorecendo a requerente, estes pelo perigo de hipoteca ou alienação do mesmo terreno em detrimento dos interesses daquela.
Conclui-se assim pelo acerto da decisão proferida ao considerar que a deliberação referente ao ponto a) da ordem de trabalhos não afasta a aplicação da maioria qualificada prevista no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.
5. Sobre a deliberação referente ao ponto b) da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 1 de Setembro de 2008
A recorrente defende ainda nas suas alegações que a eleição dos novos membros do conselho de administração é legal.
De modo a justificar a legalidade da eleição dos novos membros do conselho de administração da recorrente, esta invoca a natureza especial da norma do artigo 453.º n.º 4 do C. Comercial para justificar o afastamento simultâneo da maioria legal prevista no n.º 1 do mesmo preceito e da maioria qualificada consagrada no já citado artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.
Contudo a norma do artigo 453,º n.º 4 do C. Comercial é uma norma dispositiva que não deixa de ser uma norma supletiva, destinando-se a suprir a falta de manifestação de vontade dos fundadores de sociedades anónimas sobre matéria de que deva ser regulada nos respectivos pactos sociais e não o sejam. Havendo regulação sobre tal matéria, não existem interesses que justifiquem a postergação da vontade e dos interesses dos accionistas.
A inobservância de quóruns deliberativos, mesmo quando previstos apenas pelo pacto, leva à não aprovação das propostas em jogo. Esta é uma doutrina pacífica.1
Daí que a mesma possa ser afastada, como o foi, no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos da Recorrente.
Face ao exposto, a deliberação de eleger novos administradores da Recorrente apenas com os votos correspondente a 60% do capital social, viola a maioria exigida pelo artigo 18.º n.º 2 do Estatutos, sendo anulável nos termos dos artigos 225.º n.º 1 e 229.º n.º 1 al. a) do C. Comercial.
6. Do ponto c) da ordem de trabalhos da Assembleia Geral de 1 de Setembro de 2008
Trata-se aqui da deliberação referente à proposta de alteração dos artigos 18.º, 23.º e 25.º dos Estatutos, a qual foi aprovada com o voto favorável da sócia B1 (XXX).
Tal alteração estatutária, cujos termos se encontram amplamente desenvolvidos no requerimento inicial da providência cautelar, foi aprovada com os votos representativos de 68% do capital social.
Também esta deliberação, por não cumprir com a maioria exigida no artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos, maioria de pelo menos 75% do capital social, a mesma é anulável, ao abrigo do artigo 229.º n.º 1 al. a) do CCom.
Nessa conformidade, ter-se-ão por verificados os requisitos referentes à ilegalidade das deliberações ocorridas, sufragando-se o entendimento vertido na douta sentença recorrida.
7. Dos prejuízos para a recorrente decorrentes da execução das deliberações sociais tomadas
Alega a recorrente que a requerente, ora recorrida, não logrou provar a existência de danos bastantes para declarar procedente a providência requerida.
Já aludimos à construção da Mma Juiz no sentido de que a nomeação de administradores contra as regras estatutárias e sem observância do respectivo quorum não deixa por si só de fazer adivinhar a existência de um prejuízo real em face da actuação desses administradores por não legitimados a integrar a vontade societária.
A alteração ao n.º 2 do artigo 18.º dos Estatutos visou modificar o quorum constitutivo e o quorum deliberativo nas reuniões da assembleia geral onde sejam apreciadas matérias de “nomeação, destituição, exoneração ou alteração dos membros dos órgãos sociais, alteração dos Estatutos ou aumento de capital ou fusão ou dissolução da sociedade”, alterando tais quóruns (quora) de três quartas partes para metade do capital social.
Daqui se depreende que a accionista maioritária, B1 (XXX), por possuir 68% do capital social não carecerá mais dos votos de qualquer outro accionista para aprovar deliberações sobre assuntos de sobeja importância como os abrangidos pelo artigo 18.º n.º 2 dos Estatutos.
Expressão desta nova correlação de forças societária, decorrente da violação dos Estatutos, é o facto dos administradores eleitos na assembleia geral contestada apenas representarem os interesses da accionista B1 (XXX), sendo que dois deles são mesmo administradores desta sociedade: a Senhora XXX, que convocou a Assembleia Geral em causa e o já referido Sr. F.
É exactamente aqui que reside o busilis desta estrutura societária que foi arquitectada e agora os sócios vêm-se reféns dessa mesma estrutura por eles criada.
O que reforça a ideia de que esse hetero-controle foi imaginado, desejado e plasmado no regime estatutário da sociedade, não se podendo agora exigir que qualquer das partes, mesmo maioritária, venha submeter as regras a que se submeteu e pretenda que o tribunal ratifique esse golpe de estado societário.
Os danos que tais deliberações causaram à recorrente e concomitantemente à recorrida, repete-se, podem ser vistos exactamente como o reverso da medalha exibida pela recorrente. Isto é, o mal que os administradores fizeram à sociedade e à recorrente é exactamente o mesmo mal que os novos administradores pretendidos podem fazer à sociedade e à recorrida.
Por outro lado, a pretendida alteração ao artigo 23.º n.º 1 dos Estatutos visou permitir que em princípio quaisquer dois administradores pudessem vincular a Requerida em quaisquer actos, ou quaisquer dois membros da eventual comissão executiva (que pode ser criada pelo conselho de administração – art. 21.º al. i)), pudessem também vincular a requerida em certos casos.
Ora, esta modificação teve de essencial reduzir de 3 para 2 o número de administradores que pudessem obrigar a Recorrente na quase integralidade dos actos de administração enumerados no artigo 21.º dos Estatutos, o que reforça a ideia da alteração das regras a meio do jogo e contra o pactuado.
O que se pretendia mais não era do que o domínio absoluto da sociedade pela sócia maioritária e o que se pretendeu, na origem com consagração nos Estatutos, foi limitar exactamente esse controle.
Isto parece-nos evidente e não há volta a dar-lhe, pelo menos pelos meios logrados.
Está, pois, em causa o equilíbrio de poderes das accionistas dentro da sociedade recorrente, porquanto detendo presentemente a accionista B1, uma participação de 68%, e sendo o número mínimo de membros do conselho de administração de três (artigo 19.º n.º 1 dos Estatutos), sempre dois desses membros designados por aquela sociedade poderão agir contra os interesses dos demais sócios, designadamente os da recorrida.
Situação que era obstaculizada pelo teor da alínea b) do referido artigo 23.º que exigia a assinatura conjunta de três administradores para as relevantes matérias das alíneas c), d), f), h), m) e o) do artigo 21.º, conjugado com a norma do artigo 18.º n.º 2, sobre maiorias para a eleição dos membros dos órgãos sociais.
A consumar-se este desiderato consubstanciado na deliberação sob impugnação o afastamento da recorrida da Administração não deixa de consubstanciar por si só um prejuízo real e faz adivinhar os prejuízos decorrentes de uma Administração sem controle.
8. E a concretização do dano não deixará de incidir sobre os riscos do destino a dar ao único activo da recorrente, o aludido terreno de grande valor.
Não interessa aqui esmiuçar a possibilidade do aproveitamento da concessão sobre o referido terreno, nomeadamente o facto de se alegar que o prazo da concessão expirou face ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 153.º da Lei de Terras.
As possibilidades ou impossibilidades para uma são exactamente as mesmas em relação à outra interessada, sendo evidente o confronto desenhado entre a B1 e a B.
O certo é que passando a recorrente a ser controlada por pessoas que representam exclusivamente os interesses da accionista dominante, B, mercê das alterações estatutárias ilegais intentadas, não é difícil configurar as opções que lhe permitiriam dispor do projecto imobiliário às custas da recorrida e da própria recorrente, v. g. Por via de aumentos de capital social, negociação da posição existente, da renegociação da concessão.
No fundo, esse juízo não deixou de estar presente e de se compreender na decisão ora recorrida.
9. Importa ainda referir um aspecto e que a recorrida faz observar, que se prende com o facto de a recorrente reiterar nas suas alegações que os administradores destituídos na Assembleia Geral de 1 de Setembro de 2008, imputaram encargos abusivos num total de HKD356.000.000,00, em benefício próprio e de terceiros, baseando-se para tanto nos pontos 34 a 36 e 44 a 51 da matéria de facto provada.
Como já se disse, embora essa actuação não deixe de inculcar para actos de duvidosa transparência, não há elementos seguros que façam concluir, sem mais, apenas com tal factualidade, a efectividade de um prejuízo real e efectivo.
Mas importa não esquecer que antes da sua destituição, integravam o Conselho de Administração da recorrente, os administradores C, D e E, tendo sido os dois primeiros designados pela ora recorrida e o último pela accionista maioritária, B.
Anteriormente à alteração estatutária operada pela referida Assembleia Geral, valia a regra da unanimidade para as deliberações do Conselho de Administração que versassem sobre matérias tais como a contracção de empréstimos e a oneração de bens societários, entre outras (vide artigo 25.º n.º 2 dos Estatutos).
Atenta a representação dualista do Conselho de Administração e a própria natureza específica dos estatutos da recorrente que impunha na prática uma concordância obrigatória entre as duas accionistas para a aprovação de qualquer decisão, os alegados “encargos abusivos” constituem, na realidade, actos de gestão que foram previamente sancionados pelas duas maiores accionistas da recorrente: a ora Recorrida e a B1 (XXX).
Donde não se compreender a imputação por parte da recorrente em relação a uma Administração ou a actos de uma Administração em que também participava.
Por todas estas razões sufraga-se a decisão da 1ª Instância, mostrando-se comprovados os requisitos para o decretamento da suspensão das deliberações em causa, face ao disposto no artigo 341º, n.º 1 do CPC.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 13 de Outubro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Pinto Furtado, CSC, 2005, 309 e Menezes Cordeiro,CSC Anot., 2011, 1031
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332/2009 47/47