Processo n.º 415/2011 Data do acórdão: 2011-10-20
(Recurso penal)
Assuntos:
– revogação da pena suspensa
– art.° 54.o, n.° 1, do Código Penal
S U M Á R I O
Estando verificadas em relação à condenada ora recorrente não só a situação prevista na alínea a) do n.o 1 do art.o 54.o do vigente Código Penal, como também a aludida na alínea b) do mesmo n.o 1, e por efeito da conjugação dessas duas situações, é impossível dar razão à recorrente, no almejado sentido de que ainda seja sustentável a manutenção da pena suspensa, dado que foi a própria actuação dela que frustrou irremediavelmente toda a possível expectativa de que as finalidades que estavam na base da suspensão ainda pudessem ser por meio dela ser alcançadas.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 415/2011
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o despacho judicial proferido a fls. 196v a 197 dos autos de Processo Comum Singular n.o CR1-08-0264-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), na concreta parte em que se determinou a revogação da suspensão da execução da pena única de quatro meses de prisão então aplicada nesses autos, veio a condenada A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância, para rogar – mediante a defendida falta de verificação do critério material vertido no art.o 54.o, n.o 1, do Código Penal de Macau (CP), a arguida violação, pois, pelo Tribunal a quo, do disposto no art.o 40.o, n.o 1, e 43.o, n.os 1 e 2, do mesmo Código, e o simultaneamente suscitado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – a revogação dessa decisão revogatória da sua pena suspensa, com almejadamente consequente manutenção da pena suspensa, ou fixação de um outro período para regime de prova, ou realização de nova advertência solene com vista ao cumprimento das obrigações da pena suspensa ou com fixação de novas regras de conduta (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 203 a 213 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de manutenção da decisão recorrida, por defendida inexistência das ilegalidades apontadas pela recorrente (cfr. a resposta de fls. 218 a 220).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 228 a 228v), pugnando materialmente pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do recurso, é de atender aos seguintes elementos coligidos do exame dos autos:
Por sentença proferida em 22 de Outubro de 2009 no Processo Sumário n.o CR1-09-0349-PSM do 1.o Juízo Criminal do TJB, transitada em julgado em 3 de Novembro de 2009, a ora recorrente A foi condenada como autora material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, de 10 de Agosto, praticado em Outubro de 2009, na pena de um mês de prisão, suspensa na sua execução por um ano e meio, com regime de prova acompanhado pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça, e com sujeição ao tratamento de toxicodependência do Instituto de Acção Social (cfr. o teor da certidão da sentença junta a fls. 80 a 83v dos presentes autos).
No Processo Comum Singular n.o CR1-08-0264-PCS do 1.o Juízo Criminal do TJB (subjacente à presente lide recursória), a recorrente foi condenada presencialmente, por sentença de 16 de Novembro de 2009, transitada em 26 de Novembro de 2009, como autora material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na pena de um mês e quinze dias de prisão, e de um crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, crimes esses praticados em Janeiro de 2008, e em cúmulo jurídico dessas duas penas parcelares com a pena imposta no acima referido Processo Sumário n.o CR1-09-0349-PSM, na pena única de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com sujeição ao tratamento de toxicodependência no Instituto de Acção Social e com regime de prova (cfr. o teor de fls. 92 a 98 e 102 dos autos).
Em 19 de Março de 2010, a Direcção dos Serviços de Justiça informou os autos subjacentes de que a recorrente não tinha vontade de tirar o vício de droga (cfr. o teor da informação de fls. 125 a 127).
Em face dessa informação, a Mm.a Juíza a quo actualmente titular dos autos subjacentes, sob promoção do Ministério Público, ouviu a recorrente em 23 de Abril de 2010 (cfr. o auto de audição de fls. 136 a 137).
E por despacho de 10 de Maio de 2010, a mesma Mm.a Juíza decidiu conceder “uma última oportunidade” para a recorrente tirar o vício de droga, e, por isso, determinou que a recorrente tinha que ser internada, no tempo remanescente do período de suspensão da execução da pena de prisão, no Centro “Desafio Jovem” de Coloane para receber tratamento de toxicodependência, com advertência solene feita à recorrente de que no caso de não cumprimento da obrigação de tirar a toxicodependência, ou de não deslocação ao referido Centro para receber o tratamento ou de continuação da situação de abuso de droga, a pena suspensa iria ser revogada, com consequente necessidade do cumprimento da prisão efectiva (cfr. o despacho de fls. 138 a 138v).
Desta decisão judicial foi notificada a recorrente por carta registada (cfr. o processado de fls. 141 a 141v).
Em 12 de Julho de 2010, a Direcção dos Serviços de Justiça informou os autos subjacentes de que dificilmente acreditava que a recorrente pudesse honrar a promessa de tirar o vício de droga, pelo que entendeu dever ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o teor da informação de fls. 147 a 149).
Perante essa informação, e após ouvido o Ministério Público, a mesma Mm.a Juíza, em 20 de Julho de 2010, decidiu em manter provisoriamente a suspensão da pena de prisão, determinando que a recorrente tinha que ir ao Instituto de Acção Social para continuar a receber o tratamento de toxicodependência (com sujeição, em caso de necessidade, ao internamento por curto prazo) e ir sujeitar-se aos testes de urina, para além de fazer advertência solene à recorrente de que no caso de incumprimento da obrigação de tirar o vício de droga, ou de descoberta da situação de abuso de droga, poderia vir a ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o despacho de fls. 150 a 150v).
Desta decisão judicial foi notificada a recorrente por carta registada (cfr. o processado a fls. 151 a 151v).
Em 10 de Janeiro de 2011, a Direcção dos Serviços de Justiça informou os autos subjacentes de que a recorrente já foi internada em 17 de Outubro de 2010 no Centro de Reabilitação de Toxicodependência de Macau para tirar o vício de droga, e a situação dela melhorou (cfr. o teor de fls. 160 a 162).
Posteriormente, em 8 de Abril de 2011, a Direcção dos Serviços de Justiça informou os autos subjacentes de que a recorrente, depois de ficar internada por menos de três meses, saiu do internamento por decisão própria, a pretexto de mau relacionamento com outras pessoas internadas, pelo que entendeu a mesma Entidade informadora que como a recorrente ainda tinha o abuso da droga, deveria ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o teor de fls. 167 a 170). E em anexo dessa informação, há uma cópia da telecópia enviada pela Associação de Reabilitação de Toxicodependência de Macau em 17 de Janeiro de 2011 à Senhora Técnica daquela Direcção de Serviços que acompanhou o caso da recorrente, nela afirmando essa Associação que a recorrente já saiu do internamento em 15 de Janeiro de 2011 e não continuou a receber o tratamento de toxicodependência (cfr. o teor de fl. 171), para além de existirem também três relatórios de testes de urina, elaborados em 31 de Janeiro de 2011, 1 de Março de 2011 e 1 de Abril de 2011, segundo os quais se registou na urina da recorrente, no teste feito em 18 de Janeiro de 2011, nos seis testes feitos em Fevereiro de 2011 e nos quatro testes feitos em Março de 2011, a existência de substância da família de Ópio (cfr. o teor de fls. 172 a 174).
Ante esta última informação, e sob promoção do Ministério Público (a fl. 175), a mesma Mm.a Juíza decidiu ouvir a recorrente em 12 de Maio de 2011 e determinou a junção aos autos da certidão da sentença do Processo n.o CR1-11-0030-PSM para efeitos de consulta (cfr. o despacho de fl. 175v).
Foi assim junta (a fls. 179 a 183) a certidão da sentença de 22 de Fevereiro de 2011, transitada em 4 de Março de 2011, do Processo Sumário n.o CR1-11-0030-PSM, segundo a qual a recorrente foi condenada como autora material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, praticado em 21 de Fevereiro de 2011, na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob a condição de se apresentar no Departamento de Reinserção Social para tratamento, e se submeter ao exame de pesquisa de estupefacientes em todas as semanas.
Finalmente, depois de ouvida a recorrente no agendado dia 12 de Maio de 2011, e sob promoção do Ministério Público, decidiu a mesma Mm.a Juíza, e de entre outras coisas, revogar, nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alíneas a) e b), do CP, a suspensão da execução da pena de prisão imposta nos subjacentes autos n.o CR1-08-0264-PCS, por entender que tendo a recorrente praticado novo crime durante o período da suspensão da pena e mantido a situação de abuso de droga, isto configurou a violação grosseira e repetida das obrigações então impostas para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão (cfr. o auto de audição a fls. 195 a 197).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Para rogar a invalidação da decisão revogatória da pena suspensa então decretada nos subjacentes autos penais n.o CR1-08-0264-PCS, começou a recorrente por preconizar, na sua motivação, que não se podia dar por verificado o critério material exigido no n.o 1 do art.o 54.o do CP, porquanto entendeu ela que da sua situação nos autos, não se revelaria que as finalidades que estavam então na base da suspensão não pudessem, por meio da suspensão, ser alcançadas.
Contudo, para este Tribunal ad quem, os elementos acima coligidos dos autos e já especificados na parte II do presente aresto já demonstram cabalmente que é criteriosamente acertado o juízo de valor formado pela Mm.a Juíza autora da decisão ora concretamente recorrida.
Na verdade:
– dos ditos elementos decorre que a mesma Mm.a Juíza, antes da emissão dessa decisão, já chegou a dar sucessivamente duas oportunidades à recorrente, no sentido de manter ainda a pena suspensa;
– contudo, mesmo assim, a recorrente voltou a não honrar a sua promessa, e ainda por cima, veio a cometer, em 21 de Fevereiro de 2011, e efectivamente assim condenada no âmbito do Processo Sumário n.o CR1-11-0030-PSM, mais um novo crime de consumo ilícito de estupefacientes, durante o pleno período de dois anos da pena suspensa então decretada nos sujacentes autos n.o CR1-08-0264-PCS (cfr. os despachos judiciais de 10 de Maio de 2010 e de 20 de Julho de 2010);
– estão, pois, nitidamente verificadas in casu não só a situação prevista na alínea a) do n.o 1 do art.o 54.o do CP, como também a aludida na alínea b) do mesmo n.o 1;
– e por efeito da conjugação dessas duas situações, é mesmo impossível dar razão à recorrente, no almejado sentido de que ainda seja sustentável a manutenção da pena suspensa. De facto, mostra-se evidente que foi a própria actuação da recorrente que frustrou irremediavelmente toda a possível expectativa de que as finalidades que estavam na base da suspensão ainda pudessem ser por meio dela ser alcançadas.
Naufragará, pois, esta parte do recurso.
E quanto ao assacado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, como do exame da fundamentação fáctica da decisão ora recorrida não se retira que a Mm.a Juíza a quo tenha cometido alguma omissão na investigação do objecto probando pertinente à tomada da decisão sobre a questão de rovogação da pena suspensa, não deixará de improceder também o recurso nesta parte.
Por fim, e na esteira da conclusão acima tirada a propósito da verificação do critério material plasmado no n.o 1 do art.o 54.o do CP, há que cair também por terra a assacada violação do disposto nos art.os 40.o, n.o 1, e 43.o, n.os 1 e 2, do CP.
Por todo o exposto, é de manter a decisão ora recorrida, revogatória da suspensão da execução da pena única de quatro meses de prisão então aplicada à recorrente nos subjacentes autos n.o CR1-08-0264-PCS.
IV – DECISÃO
Nos termos expendidos, acordam em negar provimento ao recurso, com necessária manutenção da recorrida decisão revogatória da suspensão da execução da pena única de quatro meses de prisão, então aplicada à recorrente A nos subjacentes autos n.o CR1-08-0264-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base.
Custas pela arguida recorrente, com quatro UC de taxa de justiça, e mil e trezentas patacas de honorários à sua Exm.a Defensora Oficiosa (honorários esses a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância).
Comunique hoje o presente acórdão ao Processo Comum Singular n.o CR1-11-0272-PCS e ao Processo Sumário n.o CR1-11-0030-PSM, ambos do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base.
Envie cópia do presente acórdão ao Instituto de Acção Social e à Direcção dos Serviços de Justiça.
Macau, 20 de Outubro de 2011.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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José Maria Dias Azedo
(Segundo Juiz-Adjunto)
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