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Proc. nº 265/2010
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 6 de Outubro de 2011
Descritores: STDM
Composição do salário


A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda, devendo no cálculo da indemnização dos créditos respectivos ter-se em consideração toda a massa remuneratória e não somente a parte fixa.










Processo nº265/2010

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu acção comum de trabalho contra a STDM pedindo a condenação desta no pagamento de Mop$151.764,08, como compensação pelos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais e licença de maternidade não gozados desde o inicio até ao fim da relação laboral.
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Os autos prosseguiram até ao seu termo na 1ª instância, tendo sido proferida na oportunidade sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, sido condenada a STDM a pagar ao autor a quantia indemnizatória de HKD$ 3.229,80, acrescida de juros de mora legais.
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Desta sentença foi interposto recurso jurisdicional pelo autor, tendo as respectivas alegações terminado com as seguintes conclusões:
A. Com interesse para a caracterização da parte variável da remuneração como salário do A. ficaram provados os factos indicados nas alíneas B) a I) dos Factos Assentes.
B. A quase totalidade da remuneração do A. era paga pela Ré a título de rendimento variável (cfr. alíneas B) a I) dos Factos Assentes), o qual integra o salário.
C. Ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, o legislador de Macau recortou o conceito técnico jurídico de salário nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL.
D. É o salário tal como se encontra definido nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 do RJRL que serve de base ao cálculo de inúmeros direitos dos trabalhadores, designadamente do acréscimo salarial devido pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório.
E. A interpretação destas normas não deverá conduzir a um resultado que derrogue, por completo, a sua finalidade, a qual consiste em fixar, de forma imperativa, a base de cálculo dos direitos dos trabalhadores.
F. A doutrina invocada na douta sentença recorrida não serve de referência no caso “sub judice” por ter subjacente diplomas (inexistentes em Macau) que estabelecem o salário mínimo, e definem as regras de distribuição pelos empregados das salas de jogos tradicionais dos casinos das gorjetas recebidas dos clientes.
G. Em Portugal quem paga as gorjetas aos trabalhadores dos casinos que a elas têm direito não é a própria Concessionária, que nunca tem a disponibilidade do valor percebido a título de gorjetas, mas as Comissões de distribuição das gratificações (CDG), as quais, sendo distintas e autónomas da empresa concessionária são moldadas como entidades equiparáveis a pessoas colectivas, sujeitas a registo, com sede em cada um dos casinos.1
H. Ao contrário, em Macau, quem paga aos trabalhadores a quota-parte a que eles têm direito sobre o valor das gorjetas é a própria concessionária que o faz seu, e não a comissão responsável pela sua recolha e contabilização.
I. O primitivo carácter de liberalidade das gorjetas diluiu-se no momento e na medida em que as gorjetas dadas pelos clientes não revertiam directamente para os trabalhadores mas, ao invés, eram reunidas, contabilizadas e distribuídas pela Ré, segundo um critério por ela fixado (distribuição essa, sublinhe-se, que, como ficou provado, era feita por todos os trabalhadores da Ré e não apenas por aqueles que contactavam com os clientes).
J. No caso dos autos, as gorjetas que se discutem não pertencem aos trabalhadores a quem são entregues pelos clientes dos casinos (nas alíneas B) a I) dos Factos Assentes).
K. Estas gorjetas pertencem à Ré que com elas faz o que entende, nomeadamente o especificado nas alíneas B) a I) dos Factos Assentes.
L. A Ré tinha o dever jurídico de pagar ao A. quer a parte fixa, quer a parte variável da remuneração do trabalho (nas alíneas B), E), F) e I) dos Factos Assentes.
M. O pagamento da parte variável da retribuição do A. - que corresponde à quase totalidade da contrapartida do seu trabalho - traduziu-se numa prestação regular, periódica, não arbitrária e que sempre concorreu durante todo o período da relação laboral para o orçamento pessoal e familiar do trabalhador (Alínea H) dos Factos Assentes).
N. Assim, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2 do RJRL, a parte variável da retribuição do A deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de dispensa e descanso obrigatório.
O. As gorjetas dos trabalhadores dos Casinos e, em especial as auferidas pelo A. durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não necessariamente como correspectivo dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que, na sua base, é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho.
P. Acaso se entenda que o salário do A. não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM, designadamente nos artigos 7.º, b), 25.º, n.º 1 e 2 e 27.º, n.º 2 desse diploma.
Q. De tudo quanto se expôs resulta que, a douta Sentença do Tribunal de Primeira Instância, na parte em que não aceita que a quantia variável auferida pelo A. durante toda a relação de trabalho com a Ré seja considerada como sendo parte variável do salário do A., terá feito uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos 5.º; 27.º; 28.º; 29 n.º 2, 36.º todos do Decreto-lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto e, bem assim, uma interpretação incorrecta do consagrado nos artigos 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
R. Nesta parte, a douta sentença deve ser alterada com as legais consequências, designadamente no que respeita ao cômputo da indemnização pelo trabalho prestado nos períodos de descanso e feriados obrigatórios.
S. Termos em que a decisão relativa à fórmula (salário médio diário X 1) de cálculo do montante da compensação por descanso semanal deverá ser revogada por violação do disposto no art.º 17.º, n.os 4 e 6, a) do RJRL, fixando-se esse valor em MOP 117.974,72. por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2).
T. Os croupiers dos casinos não são remunerados em função do volume de apostas realizadas na mesa de jogo, nem são eles que fixam o seu período e horário de trabalho, sendo-lhes vedado trabalhar quando e quanto lhes convém, conforme resulta também na alínea J) dos Factos Assentes.
U. O salário diário destina-se a remunerar os trabalhadores nas situações em que não é fácil, nem viável, prever, com rigor, o termo do trabalho a realizar, como sucede, e.g., nas actividades sazonais, irregulares, ocasionais e/ou excepcionais, bem como na execução de trabalho determinado, precisamente definido e não duradouro, ou na execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.
V. O salário diário é, pois, próprio dos contratos de trabalho onde a prestação do trabalho não assume carácter duradouro, o que não sucede com o desempenho da actividade de croupier, que consiste num trabalho continuado e duradouro, a que, automaticamente, corresponde o estatuto de trabalhador permanente no termo do primeiro ano de trabalho consecutivo.
W. O entendimento de que a remuneração dos croupiers da Ré, e o do A. em particular, consiste num salário diário, não ficou provado por se tratar de matéria de direito, nem se coaduna com este tipo de funções, nem com as condições de trabalho, nem com estatuto de trabalhador permanente definido no artigo 2.º, f) do RJRL), o qual pressupõe o exercício de uma determinada função dentro da empresa, de forma continuada e duradoura no tempo.
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A STDM apresentou contra-alegações, que concluiu do seguinte modo:
1 - Com o devido respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário de um trabalhador.
2 - A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3 - No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4 - Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5 - Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o(a) Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6 - O(a) Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7 - Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
9 - Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”
10 - Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o( a) Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
11 - Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida à Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
12 - Com o devido respeito, a R. entende não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tomar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e que ainda que “apenas pela ré [fosse] interposto [recurso] e [este] [viesse] a ser julgado improcedente ou não a [viesse] a condenar a pagar quantia inferior”, os juros só seriam devidos a partir do trânsito em julgado de uma eventual decisão condenatória que a final viesse a ser proferida.
13 - É que, como se sabe, nos termos do art. 794º, n.º 4 do Código Civil, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tomar líquido e, no entendimento da ora R., tal iliquidez não lhe é imputável.
14 - Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na PI e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido. Quanto à origem de tal iliquidez, resulta claro que a mesma reside na diferente interpretação que as partes (e o próprio Tribunal a quo) fazem das normas jurídicas aplicáveis ao caso dos autos, não devendo a R. ser prejudicada por fazer uso do direito de defesa jurisdicional que lhe assiste, salvo mais douto entendimento.
15 - Assim, em qualquer caso, considerando que a R., ora Recorrida, e o(a) A., ora Recorrente, não estão de acordo quanto ao quantum indemnizatório eventualmente devido, este apenas se toma líquido com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
16 - E porque o montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, aquele só poderá ser considerado líquido com trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
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A mesma STDM apresentou recurso subordinado, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:
1 - Com o devido respeito, a R. entende não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tomar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e que ainda que “apenas pela ré [fosse] interposto [recurso] e [este] [viesse] a ser julgado improcedente ou não a [viesse] a condenar a pagar quantia inferior”, os juros só seriam devidos a partir do trânsito em julgado de uma eventual decisão condenatória que a final viesse a ser proferida.
2 - É que, como se sabe, nos termos do art. 794º, n.º 4 do Código Civil, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido e, no entendimento da ora R., tal iliquidez não lhe é imputável.
3 - Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na PI e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido. Quanto à origem de tal iliquidez, resulta claro que a mesma reside na diferente interpretação que as partes (e o próprio Tribunal a quo) fazem das normas jurídicas aplicáveis ao caso dos autos, não devendo a R. ser prejudicada por fazer uso do direito de defesa jurisdicional que lhe assiste, salvo mais douto entendimento.
4 - Assim, em qualquer caso, considerando que a R., ora Recorrente Subordinada, e o(a) A., ora Recorrido(a) Subordinado(a), não estão de acordo quanto ao quantum indemnizatório eventualmente devido, este apenas se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
5 - E porque o montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, aquele só poderá ser considerado líquido com trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.
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Não houve contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
1. O autor começou a trabalhar para a Ré STDM, a 11 de Setembro de 1984 e cessou a sua relação laboral em 5 de Março de 1995.
2. Foi admitido como empregado de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa, no valor de hkd$3,30 por dia, desde o seu início do trabalho até 30/06/1989, e de HKD$10,00 por dia, desde o dia posterior até ao final da relação laboral, e outra variável, em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designado por gorjetas.
3. As “gorjetas” eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. O autor, entre os anos de 1989 a 1992, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1989 – MOP. 97.143,00;
b) 1990 – MOP. 117.580,00;
c) 1991 – MOP. 99.212,00;
d) 1992 – MOP. 96.649,00.
5. Foi acordado entre o autor e a ré que o autor tinha direito a receber as “gorjetas” conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente ao autor a sua parte nas “gorjetas”.
7. O autor, como empregado de casino, era expressamente proibida pela ré de guardar para si quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As “gorjetas” sempre integraram o orçamento normal do autor, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. O autor prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
11. O autor podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração.
12. O Autor gozou os dias de descanso que solicitou à ré para gozar e esta autorizou.
13. A ré nada pagou ao autor pelos dias em que não trabalhou efectivamente e que apenas lhe pagou as quantias referidas em B) dos factos assentes pelos dias em que trabalhou.
14. Autor e ré acordaram que o autor poderia pedir os dias de descanso que pretendesse gozar e que pelos que lhe fossem concedidos não receberia qualquer importância.
15. Autor e ré acordaram que aquele só receberia remuneração pelos dias em que efectivamente trabalhasse.
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III- O Direito
A sentença recorrida decidiu que do salário não faziam parte as gorjetas que a STDM entregava aos seus trabalhadores, entre os quais o ora recorrente.
Este, no recurso, insurge-se contra esse entendimento e defende que do salário devem fazer parte as gorjetas que recebia dos jogadores do casino. Além disso, impugna também a fórmula de cálculo que a sentença seguiu no que concerne à indemnização correspondente ao não gozo dos dias de descanso semanal.
É esta a tarefa primeira que nos cabe: saber se as gorjetas devem ou não fazer parte integrante do salário.
Discute-se, portanto, se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada nesta parte (se os autos tiverem que voltar à 1ª instância, deverá a nova sentença levar já em linha de conta o que o presente aresto acaba de decidir sobre tal matéria).
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2- Ultrapassada esta questão, restaria extrair as devidas consequências indemnizatórias.
Em 1º lugar, para o cálculo da indemnização, teríamos que partir de diferente base salarial, nela englobando agora toda a massa remuneratória, incluindo as gorjetas, e não apenas o valor diário-base percebido. Ou seja, considerar-se-ia o valor diário consignado na alínea i) da matéria de facto assente relativamente a cada ano.
Acontece que nos deparamos com várias inusitadas dificuldades:
1ª- O despacho saneador afirmou estarem prescritos os créditos anteriores a 12/5/1989. Todavia, o mapa de fls. 9 da sentença incluiu créditos referentes ao período de 2/09/1984 a 2/04/1989 (descanso anual) e de 3/04/1989 até 31/12/2008 (descanso semanal e feriados obrigatórios). Ora, se a indemnização teve em atenção estes períodos, parece lógico que a indemnização peque por excessiva quanto ao tempo relevante a considerar. Todavia, não temos a certeza se isso terá ocorrido, porque o M.mo Juiz não disse quais os dias precisos que teve em conta em cada um dos títulos creditórios. E pode até acontecer que aquele mapa não passe de um esquema abstracto, aplicável a todos os casos até onde for possível; se esse for o caso, falta um outro quadro onde estejam explicados os dias concretos e exactos em cada uma das rubricas2 e qual o factor a utilizar (1,2,3) e, bem assim, o valor diário a ter em conta, pois só assim se fica a saber o iter cognoscitivo do julgador.
2ª Foi dito no saneador, por outro lado, que a relação se iniciou em 1 de Janeiro de 1989 e terminou em 28/11/1992. No nº1 dos “factos provados” da sentença, afirmou-se que a relação se iniciara em 11 de Setembro de 1984 e cessado em 5 de Março de 1995. Mas no nº2 dos mesmos factos, referiu que o A. auferiu quantias nos anos de 1989 a 1992.
Perguntamos: qual o período que verdadeiramente considerou no apuramento da indemnização? Não sabemos porque o respectivo cálculo não foi “explicado”, isto é, não foi ilustrado pelo modo acima referido. Mas, de qualquer maneira, a divergência de datas é razão suficiente para se considerar contraditória a matéria de facto relevante, o que leva à anulação da sentença nessa parte, nos termos do art. 629º, nº4, do CPC.
Ora, após a revogação que se impõe na sequência da conclusão obtida em 1 supra, este TSI só poderia substituir-se ao tribunal “ a quo” no apuramento da indemnização se pudesse dispor, sem margem para dúvidas, da indicação dos dias concretos que a sentença tomou em consideração. Mas, como se desconhecem quais sejam, face à contradição da matéria de facto naqueles referidos pontos, e como não pode o tribunal de recurso laborar sobre dados imprecisos, deverá a 1ª instância eliminar tais dúvidas e lavrar nova sentença com a indicação: a) do período laboral relevante a considerar para efeitos indemnizatórios; b) dos dias concretos e precisos dentro desse período relativos a cada crédito reclamado; c) da massa salarial total relevante nos termos do presente aresto.
Quer isto dizer que o processo deverá baixar à 1ª instância a fim de lavrar nova decisão com a correcção da mencionada matéria de facto e, de seguida, proceder ao cálculo da indemnização referente ao período relevante da relação laboral, com indicação dos dias concretos a considerar em cada um dos créditos (semanal, anual e feriados) e tendo por base toda a massa salarial de acordo com a decisão deste aresto.
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Com a conclusão acabada de extrair, perde sentido o recurso subordinado, pois este (apresentado pela STDM) tinha por objecto somente a questão do momento a partir do qual seriam devidos juros moratórios, matéria que não se aprecia neste momento por estar a jusante da decisão sobre o quantum indemnizatório, ainda por liquidar.
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IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
A- Recurso principal
1- Conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente IP Kim Fong e revogar a sentença na parte referente ao valor salarial para efeitos indemnizatórios;
Custas do recurso nesta parte pela contra-alegante STDM.
2- Anular a sentença na parte relativa ao cálculo indemnizatório;
3- Ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para os sobreditos termos e efeitos.
B- Recurso subordinado
Não se conhecer do objecto do recurso subordinado, porque de momento prejudicado em relação à decisão atrás tomada.
Sem custas.
TSI, 06 / 10 / 2011.
_________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)

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Lai Kin Hong (com declaração de voto)
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo nº 265/2010
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 06OUT2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong

1 Despacho Normativo n.º 24/89 que revogou º Despacho Normativo n.º 82/85, de 28 de Agosto junto à Contestação.
2 Nesta conformidade, também é simplesmente abstracta a alusão a 82 dias de salário (ver fls. 10 da sentença), porque esses são aparentemente, na sua perspectiva, os dias totais no conjunto das três rubricas em cada ano completo: 52 descansos semanais com a aplicação do factor 1; 18, de descanso anual, com o factor 3 (3x6) e 12 de descanso em feriados obrigatórios, com o factor 2 (6x2).
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