Proc. nº 909/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Setembro de 2011
Descritores: Reforma de acto
Cessação sem causa justa da relação contratual
Fundamentação
SUMÁRIO
I- Se, na sequência de uma impugnação administrativa, o autor do acto impugnado produzir uma nova decisão administrativa a que chama de reforma, pouco importa o “nomen iuris” que lhe foi dado, se, na verdade, ela se apresenta com uma dispositividade totalmente diferente em relação ao anterior.
II- O erro na designação dada pelo autor do novo acto não traduz, por isso, um vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito.
III- Quando numa cláusula contratual é permitida a cessação do contrato com justa causa (com a condição de a situação de facto revelar comportamento doloso do trabalhador que, de acordo com as regras da boa fé, tornem insustentável a manutenção da relação contratual) e também a permite sem dependência dessa justa causa (sem qualquer condição que não seja a obrigação de indemnizar o trabalhador pelo montante das remunerações vincendas até final do contrato), querendo a entidade empregadora accioná-la nesta segunda vertente, não tem que invocar razões para pôr termo ao contrato.
IV- Ora, se a cessação sem justa causa não implica a invocação expressa de fundamentos, não pode ficar em pior situação substantiva a entidade que, apelando a essa 2ª vertente da cláusula, ao mesmo tempo esclarece que põe termo ao contrato por razões de “conveniência de serviço” ou de “gestão de recursos humanos”. O que significa que, por este motivo, não se pode dar por verificado o vício de forma por falta de fundamentação.
Recurso Contencioso nº 909/2009
Acordam no Tribunal de Segunda Instância
I- Relatório
A, jurista, com os demais sinais dos autos, recorreu contenciosamente do despacho nº 35/SS/2009, de 26/08/2009, proferido pelo Ex.mo Secretário para a Segurança, o qual, na sequência de recurso hierárquico interposto para o Ex.mo Chefe do Executivo do seu despacho de 28/07/2009, procedeu à reforma deste e decidiu rescindir o contrato individual de trabalho do recorrente com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2009.
Nas alegações apresentadas com a petição inicial, o recorrente imputa ao acto os vícios de forma por falta de fundamentação e de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
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A entidade recorrida contestou pugnando pela improcedência do recurso contencioso.
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O processo prosseguiu para alegações facultativas, nas quais o recorrente apresentou as seguintes conclusões:
i) a entidade recorrida, ao anunciar proceder à reforma do seu acto administrativo anterior (de 21 de Julho de 2009), afinal dele nada aproveitou;
ii) nada aproveitou porque, em boa verdade, nada havia nele passível de aproveitamento para o novo acto;
iii) dele não aproveitou a parte decisória, pois que ferida do vício de incompetência, como a entidade recorrida expressamente reconhece;
iv) dele não aproveitou a sua fundamentação, pois que inexistente, como se demonstrou já;
v) e a existir esta - o que se não concede - a própria entidade recorrida veio agora afirmar ter procedido a “uma reforma quanto aos respectivos fundamentos” (entenda-se, do acto anterior); ou seja veio aduzir fundamentos novos, nunca antes invocados;
vi) tal não pode, seja qual for a óptica por que a questão se aborde, constituir aproveitamento de “parte não afectada de ilegalidade” do acto anterior (de 21 de Julho de 2009) por si proferido;
vii) o que se verificou foi a emissão de um novo despacho que nada tem a ver com o despacho anterior que a entidade recorrida quis reformar;
viii) tal despacho contém uma nova decisão e novos fundamentos;
ix) ao nada aproveitar do acto anterior que expressamente anunciou querer reformar, o novo acto, ora recorrido, ficou inquinado do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito;
x) vício este que o torna inválido e, consequentemente, anulável;
xi) o acto ora recorrido não opera, sequer, a revogação do acto administrativo anterior (de 21 de Julho de 2009);
xii) ao não concretizar, de forma válida, a sua reforma, mantém, consequentemente, a existência daquele;
xiii) ainda que se aceitasse ter havido revogação tácita válida -o que se equaciona sem se conceder - o acto administrativo ora impugnado continuaria a ser, ainda assim, anulável, por insuficiência de fundamentação, face ao disposto nos artigos 114º e 115º do C.P.A.;
xiv) a invocação do “interesse público” que a entidade recorrida apenas agora apresenta, ao contestar, é feita em desespero de causa... e não fica feita a sua demonstração; de igual modo,
xv) a invocada “conveniência de serviço” decorrente duma misteriosa -porque não esclarecida nem devidamente explicada - “melhor gestão dos recursos humanos” não consegue, em si mesma, suprir a respectiva falta de fundamentação, sendo certo que não há que confundir “discricionaridade” com “arbitrariedade”;
xvi) foram, assim e também, violados os artigos 114º e 115º do C.P.A.
Nestes termos,
Nos mais de Direito aplicáveis, e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, requer-se, tal como o havia sido já na petição oportunamente apresentada:
a) seja anulado o acto administrativo ora recorrido, por se tratar dum novo acto, ainda que sob o disfarce de um acto reformado, já que nada foi aproveitado do acto administrativo (de 21 de Julho de 2009) que pretensamente pretendeu reformar, o que configura o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito;
b) seja declarada a nulidade do acto administrativo ora recorrido, por violação dos artigos 114º e 115º do C.P.A., decorrente da inexistência de elemento essencial do acto, qual seja a respectiva fundamentação.
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Não houve alegações da entidade recorrida.
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O digno Magistrado do MP opinou no sentido da improcedência do recurso em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Cumpre decidir, colhidos que estão os vistos legais.
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II- Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III- Os Factos
Considera-se provada a seguinte factualidade:
1- O recorrente celebrou com a RAEM em 28/04/2008 um contrato individual de trabalho com a duração de um ano e com início em 5 de Maio de 2008, renovável automaticamente por períodos sucessivos de um ano, salvo se, com a antecedência mínima de 90 dias sobre o respectivo termo, qualquer das partes comunicasse à outra a intenção de não renovação (fls. 16-19).
2- Em 28/07/2009 o recorrente foi notificado de que, por despacho de 21/07/2009, o Senhor Secretário para a Segurança havia autorizado a proposta nº 1485/DA/2009 de rescisão do contrato individual de trabalho (fls. 20 e tradução a fls. 72-75).
3- Essa proposta dizia o seguinte:
1. Por despacho do Secretário para a Segurança de 24 de Abril de 2008, exarado no documento de referência a), foi autorizada a celebração do contrato individual de trabalho com A, pelo período de um ano, a partir de 5 de Maio de 2008, para exercer as funções de técnico superior assessor do 3º escalão, índice 650 (nº 995431, funcionário nº 230197).
2. A 2ª cláusula do contrato individual de trabalho nº 001/CIT/2008 (documento de referência c) diz: “O presente contrato tem uma duração de um ano, com início a 5 de Maio de 2008. Na ausência de denúncia, com uma antecedência mínima de 90 dias relativamente ao termo do contrato, por um dos outorgantes, o presente contrato será automaticamente renovado por um ano.” Por essa cláusula, o contrato do técnico em causa foi renovado pelo período de um ano, até ao dia 4 de Maio de 2010.
3. Esta Direcção de Serviços tem a pretensão de cessar o contrato individual de trabalho nº 001/CIT/2008, celebrado com A, a partir de 1 de Dezembro de 2009.
4. De acordo com o documento de referência d) da Divisão de Gestão Administrativa e Orçamental destes Serviços, o técnico em causa não é devedor à fazenda da RAEM nem a qualquer instituição ou órgão.
5. Nos termos expostos, propõe-se que
1) seja cessado o contrato individual de trabalho nº 00l/CIT/2008 celebrado com A, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2009.
2) seja paga ao referido técnico, nos termos do nº 3 da 10ª cláusula de tal contrato, uma compensação correspondente a três meses de remuneração, acrescida dos subsídios de férias e de Natal calculados proporcionalmente.
3) seja paga ao referido técnico, nos termos da 14ª cláusula do contrato, uma compensação pecuniária a título de cessação definitiva de funções.
4) Segundo a 13ª cláusula do contrato, o dito técnico tem direito a uma passagem por via aérea para Portugal por conta da Administração. Propõe-se que as respectivas despesas sejam suportadas pela Direcção dos Serviços de Finanças.
6. O Secretário para a Segurança é competente para autorizar a presente proposta conforme a Ordem Executiva nº 13/2000 confirmada pela Ordem Executiva nº 6/2005.
7. À consideração superior.
A Chefe da Divisão de Recursos Humanos
(Asso - vide o original)
XXX
4- O referido despacho do Ex.mo Secretário para a Segurança de 21/07/2009 dizia:
“Autorizo” (loc. cit.).
5- Desse despacho foi interposto recurso contencioso a que coube o nº 713/2009, cuja instância foi julga extinta por impossibilidade superveniente da lide com fundamento na circunstância de o acto ali impugnado ter sido objecto de “reforma” (fls. 46).
6- Desse mesmo acto de 21/07/2009 foi interposta impugnação administrativa, a que foi dado o nome de “recurso hierárquico facultativo”, dirigido ao Ex.mo Chefe do Executivo da RAEM, cujas conclusões aqui se reproduzem:
“ 1.º - O despacho ora recorrido e proferido pelo Senhor Secretário para a Segurança é inválido, por vício de forma, porquanto não está fundamentado, como se demonstrou, ao contrário do que impõe a lei, concretamente o n.º 1 do artigo 114.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, sendo, consequentemente, anulável contenciosamente e revogável em sede de recurso administrativo, hierárquico, nos termos dos artigos 124.º, 125.º, 127.º, 130.º e 131.º do CPA.
2.º - O acto recorrido está igualmente inquinado do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, ao interpretar erroneamente o autor do acto a norma constante da subalínea (4) da alínea 1) do n.º 1 do Despacho do Secretário para a Segurança n.º 9/2005, pois que decidindo «autorizar» (o Director, então substituto, da DSFSM) a rescindir o contrato individual de trabalho do ora recorrente -- por si firmado em representação da RAEM -- sem que para tal essa entidade tivesse competência subdelegada, e não decidindo ele próprio, enquanto detentor do poder para tal, a rescisão antecipada do contrato que lhe foi proposta pela DSFSM.
Vício de violação de lei que torna o acto recorrido inválido, sendo, consequentemente, anulável contenciosamente e revogável em sede de recurso administrativo, hierárquico, nos termos dos artigos 124.º, 125.º, 127.º, 130.º e 131.º do CPA.
Nestes termos, nos mais de Direito, e ao abrigo dos artigos 125.º, 127.º, 130.º e 131.º do Código do Procedimento Administrativo em vigor, requer-se a V. Exa, Senhor Chefe do Executivo da RAEM, a revogação do acto administrativo ora recorrido”.
7- Na sequência desse recurso hierárquico o digno recorrido proferiu o seguinte despacho (a.a.), datado de 26/08/2009:
“ Assunto: Recurso hierárquico
Recorrente: A, Tec. Superior Assessor, 3.º Escalão da DSFSM
Acto recorrido: Despacho do Secretário para a Segurança de 21.07.2009, sobre a Proposta n.º 1485/01/2009 da DSFSM
Apreciados os fundamentos e consequente pedido constantes do recurso hierárquico interposto pelo recorrente, Lic. A, Tec. Superior Assessor, 3.º Escalão da Direcção de Serviços das Forças de Segurança de Macau, procedo, nos termos do art.º 126.º, n.º 2 do CPA, à reforma do despacho traduzido na expressão “autorizo”, exarado na proposta n.º 1485/01/2009, a 21 de Julho de 2009, de rescisão do contrato individual de trabalho que vincula o recorrente à Região Administrativa Especial de Macau, o que faço nos termos seguintes:
“Por razões de conveniência de serviço que se sustentam na necessidade de uma melhor gestão dos recursos humanos, RESCINDO nos termos do n.º 3 da respectiva cláusula 10.ª do Contrato Individual de Trabalho outorgado em 28 de Abril de 2008, entre o Lic. A e o Governo da Região Administrativa Especial de Macau, representada no acto pelo Secretário para a Segurança, com efeitos a 01 de Dezembro de 2009.
Notifique”.
Gabinete do Secretário para a Segurança da Região Administrativa Especial de Macau, aos 26 Agosto de 2009
O Secretário para a Segurança
XXX
8- Deste despacho foi o recorrente notificado nos termos que constam da notificação de fls. 15 dos autos.
***
IV- O Direito
1- Tenhamos presente que o acto primeiramente praticado pelo Secretário para a Segurança de 21/07/2009 foi, na sequência de recurso hierárquico dele interposto, seguido de um outro, datado de 26/08/2009.
Esta segunda decisão foi expressamente tomada pela própria entidade emitente como sendo acto de reforma. O recorrente, sobre ele, tece algumas considerações a respeito do rigor terminológico utilizado pela entidade para a sua classificação tipológica, o qual, em sua opinião, não é mais do que um acto novo e completamente diferente do anterior. E por tal razão, o impetrante, em vez de acometer este acto com razões que pudesse esgrimir contra as ilegalidades do anterior que não tivessem sido sanadas (a reforma é, efectivamente, para não nos perdermos em incursões jurídicas ao caso despiciendas, uma espécie de “segunda de mão” para cobrir as “imperfeições” que tenham ficado à mostra na primeira passagem de tinta), preferiu considerar este acto totalmente inovador e atacá-lo desse jeito. Porventura terá razão!
Mas, se do acto anterior o acto impugnado nada aproveitou – assim o entende o recorrente – e se o acto impugnado nos autos é agora um acto novo, com outro aspecto e com outra substância, é dele que somente temos que tratar na presente decisão em função dos vícios que foram concreta e especificamente imputados.
Justamente por isso, e entrando imediatamente na análise deles, não faz o menor sentido a invocação do vício de violação de lei que o recorrente colocou em discussão no art. 29º da petição, que depois levou à matéria da conclusão 7ª desse mesmo articulado e, mais tarde, reiterou nas conclusões i) a xii) das alegações facultativas. Quer dizer, não é o facto de o “nomen iuris” dado pela entidade a um determinado acto para justificar a sua acção administrativa estar ou não certo que há-de servir como factor desencadeante de uma fonte de invalidade. Ou seja, independentemente da designação da actividade administrativa, o que interessa é analisar se essa acção pode ou não ser levada a cabo e se foi ou não respeitadora de certas exigências tanto formais, como substantivas. Ora, disso não curou o recorrente de apurar. Imaginemos, por exemplo, que aquilo que o recorrido apelidou de “reforma” é “revogação” (não estamos a tomar posição sobre o assunto, note-se). Nesse caso hipotético, o que haveria que ver era se esse acto foi tomado em tempo, se o seu objecto era acto revogável, etc, etc. Mas, com isso não se preocupou o recorrente. Da mesma maneira, não procurou esgrimir razões sobre o regime da reforma, quanto à sua admissibilidade, quanto à tempestividade, quanto à competência ou quanto aos efeitos. Em vez disso, preferiu centrar a sua atenção na mera circunstância de o acto novo nada ter aproveitado do anterior, o que, em sua óptica, constituiria fonte de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito. E para a tanto chegar, o vício residiria, precisamente, no facto de este novo acto não ser reformador. Ou seja, em vez de chamar à colação causas intrínsecas da reformabilidade, veio a lume dizer que o novo acto não é reformador, como se isso fosse verdadeiramente importante. E a prova da “desimportância” é que o recorrente, mesmo desconsiderando o “nomen” classificatório, acabou por tratar o acto como realidade jurídica diferente, e autonomamente recorrível. Portanto, e em suma, não importa tanto saber se o acto é de reforma, se de revogação, se de outra natureza e, se, por conseguinte, o classificou mal o seu autor. Importa, sim, saber se é acto novo na estatuição e nos seus fundamentos, ou, pelo menos, se visa retirar ao anterior qualquer virtude dispositiva. E para nós, o segundo acto, realmente, pela maneira como dispõe sobre o assunto pendente, tem em vista conhecer novamente a matéria, sofrendo, eventualmente, de novos e diferentes vícios, tal como o considerou o recorrente ao argui-los.
Eis, pois, a razão para negarmos razão ao recorrente na invocação deste vício de violação de lei, que assim julgamos improcedente.
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O segundo vício invocado foi o de falta de fundamentação.
Para o recorrente, as razões de “conveniência de serviço” e de “melhor gestão dos recursos humanos” que sustentam o acto, mesmo que enquadradas no serviço público relevante, não satisfazem a necessidade de fundamentação contida nos arts. 114º e 115º do CPA.
Adiantemos, desde já, que as expressões transcritas são pobres e insuficientes como modo de fundamentar decisões, porque não levam ao conhecimento perfeito do destinatário as concretas razões do agir administrativo. Em circunstâncias normais de um procedimento administrativo comum, elas constituiriam, pela certa, fundamento para invalidação da decisão.
Acontece que esta decisão de cessação do contrato se radica na cláusula 10ª, nº3 do contrato individual de trabalho celebrado (fls. 16 e sgs.), cujo teor a seguir se transcreve:
“Cláusula 10ª
Cessação do contrato por justa causa
1. O primeiro outorgante só pode pôr termo ao presente contrato antes de verificado o decurso do prazo referido na cláusula 2ª, ocorrendo justa causa.
2. Para efeitos do número anterior, considera-se justa causa para pôr termo imediato ao contrato o comportamento doloso do segundo outorgante que, de acordo com as regras da boa fé, torne insustentável a manutenção da relação laboral.
3. Caso o primeiro outorgante ponha termo ao contrato acima referido antes de decorrido o prazo do mesmo, sem justa causa, fica obrigado a indemnizar o segundo outorgante no montante global das remunerações vincendas até final do contrato, com o limite máximo correspondente a três meses de serviço e acrescidas dos proporcionais de subsídio de férias e de Natal”.
Como se pode ver, portanto, esta cláusula permite a cessação do contrato com justa causa (nºs 1 e 2) e sem justa causa (nº3). E tanto quanto dela se colhe, só o primeiro caso requer ou implica a existência de uma situação de facto reveladora de “comportamento doloso” do trabalhador que torne “insustentável a manutenção da relação laboral”. Isto é, nessa situação, a cessação do contrato fica a dever-se à actuação do contratante trabalhador e representa uma acção sancionatória que deve obedecer aos requisitos próprios de uma decisão devidamente fundamentada: para se considerar fundada a insustentabilidade da relação funcional importará que seja demonstrado – e por ele justificada a decisão – o comportamento concreto do trabalhador. A fundamentação é essencial, nesse caso, para apurar a densificação da causa justa.
Mas a mesma cláusula também permite a cessação sem essa justa causa, relevando aí simplesmente a vontade do contratante público. Ou seja, a operatividade da cessação desconsidera agora a existência de quaisquer razões que devam ou mereçam ser apontadas. Quando ali se plasma esta forma de cessação “sem justa causa”, está a prever-se simplesmente uma cessação que não é com justa causa e não uma cessação com causa injusta (são conceitos com significações diferentes, como bem se alcança). Logo, é uma cessação que não cabe nos pressupostos da causa atribuível ao trabalhador e que, por conseguinte, apenas depende do arbítrio da entidade patronal. Com isto queremos dizer que as partes, ao estipularem uma tal cláusula, se puseram de acordo no sentido de que, para esta forma de cessação com ausência de causa justa, não teria a entidade empregadora de invocar expressamente a causa ou, querendo invocá-la, seria qualquer outra que não se confundisse com aquela. Se não se pensar assim, estaremos a transformar aquilo que os contratantes terão querido que fosse “causa livre” e, por isso, não necessariamente justificável, numa espécie de “causa injusta” que haveria de contemplar necessariamente toda a sorte de explicações por parte do empregador.
Ora, se assim opinamos, não pode o empregador que recorre expressamente ao nº3 da referida cláusula, ao mesmo tempo que invoca a conveniência de serviço ou a boa gestão dos recursos humanos, ficar em pior situação do que ficaria do que se não incluísse no despacho nenhuma dessa fundamentação substantiva e se ficasse simplesmente pela invocação neutra da cláusula. Se nessa parte a cláusula contratual (não esqueçamos que estamos em domínio da vontade das partes contratuais) está gizada em seu benefício – no caso de accionamento da cláusula, o seu único dever é o pagamento da indemnização ali prevista – não podemos servir-nos dela para buscar na teoria do acto administrativo motivos de invalidade por falta de fundamentação, aqui de todo desnecessária.
Razão para considerarmos inexistente o invocado vício de forma por falta de fundamentação.
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V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto impugnado.
Custas pelo recorrente.
TSI, 15 / 09 / 2011.
Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) Choi Mou Pan