Processo n.º 651/2010
Data: 29/Setembro/2011
Requerente: A (XX)
Requerida: B (XXX)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, melhor identificado nos autos, residente em XXX 42, XXXX LB, XXX, Holanda, vem intentar
Acção de Revisão e Confirmação de Sentença Estrangeira
contra
B, também melhor identificada nos autos, com última morada conhecida em 2e XX XXX, 107 XXX (1074 CN) em Amsterdão, Holanda,
O que faz nos seguintes termos:
1°
Requerente e requerida contraíram casamento civil em 22 de Junho de 1977, em Amsterdão, Holanda (cfr. Doc. n.º 1 que se junta e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
2°
Em 23 de Agosto 1995 foi proferida sentença decretando o divórcio entre os ora requerente e requerida, no processo que correu seus termos sob o n.º 76047/80373, no Tribunal Distrital de Amsterdão (cfr. Doc. n.º 2).
3°
A sentença de divórcio proferida pelo Tribunal Distrital de Amsterdão, transitou em julgado em 9 de Outubro de 1995, nos termos das leis aplicáveis in casu, i.e., da Holanda, conforme se depreende do ponto 11 do Doc. n.º 1.
4°
É a revisão e confirmação daquela sentença que agora se pretende obter junto deste Tribunal.
5°
Na verdade, não se levantam dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença nem sobre a inteligibilidade da decisão.
6°
A decisão emanou de tribunal competente segundo as regras de conflitos de jurisdições da lei de Macau.
7°
O referido aresto não contém decisões contrárias aos princípios de ordem pública.
8°
O Requerente pretende registar o referido divórcio por averbamento ao seu registo de nascimento junto da Conservatória do Registo Civil de Macau.
Nestes termos pede que seja a referida sentença revista e confirmada para produzir efeitos em Macau, para o que requereu a citação da requerida para os termos da acção.
Não foi deduzida oposição.
O Digno Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Com pertinência, vem certificado pelo respectivo Tribunal de Amsterdão ( 6º Juízo do Tribunal de Comarca) a seguinte sentença:
“Sentença:
B (XXX)
Endereço: 2e XX XXX 107 XX, 1074 CN, Amsterdam
O requerente também é o defensor
Advogado: Mr. XXX
Parte Contrária
A (XX)
Endereço: XXX 330-Ⅱ, XXX-HC, Amsterdam
O defensor também é o requerente
Advogado: Mr. XXX
As duas partes são designadas aqui respectivamente por parte de sexo feminino e parte de sexo masculino
Conhecem-se os documentos, incluindo:
- o requerimento apresentado pela parte do sexo feminino, recebido em 6 de Janeiro de 1995 pelo Tribunal
- o requerimento apresentado pela parte do sexo masculino, recebido em 29 de Março de 1995 pelo Tribunal
- defesa apresentada pela parte do sexo masculino
- defesa apresentada pela parte do sexo feminino
O requerimento n.º 95.0109F apresentado pela parte do sexo feminino trata-se principalmente ao rompimento irremediável do seu casamento, ao pedido da separação judicial de pessoas, e a que ambas as partes são de nacionalidade holandesa.
A parte do sexo feminino também requis ser tutor e que a parte do sexo masculino seja visitante dos filhos menores, e proporcione mensalmente a cada um deles fl. 500,00 como os custos da sua manutenção.
A parte do sexo masculino confirmou que não apresentaria a impugnação relativamente aos factos do casamento, do nascimento dos filhos menores, da nacionalidade das ambas partes e do rompimento irremediável do casamento. Porém, a parte do sexo masculino deduziu oposição ao pedido de separação de pessoas, entendendo que este seria recusado seja acompanhado com qual fundamento, porque a parte do sexo masculino não quis voltar a ser juntos com a parte do sexo feminino.
O requerimento n.º 95.1700F apresentado pela parte do sexo masculino trata-se principalmente ao rompimento irremediável do seu casamento, ao pedido do divórcio, e à nomeação da parte do sexo feminino para tutora e da parte do sexo masculino para visitante.
A parte do sexo feminino deduziu oposição ao pedido da parte contrária, entendendo que este seria recusado seja acompanhado com qual fundamento, porque quis voltar a ser juntos com a parte do sexo masculino.
No caso de divórcio, a parte do sexo feminino requis que a parte do sexo masculino lhe proporcione mensalmente fl. 200,00 como a pensão alimentar, e aos seus filhos menores, cada um fl. 300,00 como os custos da sua manutenção.
A mesma parte também requis outro julgamento sobre as regras do direito à tutela e à visita.
Foi nomeado em 26 de Julho de 1995 Mr. XXX como o advogado da parte do sexo feminino para comparecer, junto com o advogado da parte contrária, no inquérito deste processo.
Os filhos menores foram atendidos, sem se fazendo acompanhar por qualquer parte ou os seus advogados.
Apresenta-se o entendimento do Tribunal:
1. Foram confirmados, através do procedimento jurídico, os documentos apresentados:
As duas partes registaram o casamento em 22 de Junho de 1977 em Amsterdam.
2. Ambas as partes confirmaram o rompimento do casamento. A parte do sexo feminino já desistiu no Tribunal do pedido de oposição ao divórcio e, deixando de a deduzir.
3. Foi nomeada a parte do sexo feminino como a tutora.
4. No Tribunal, tanto a parte do sexo feminino como os filhos menores requiseram que não seja nomeada para visitante a parte do sexo masculino e nem estabelecido o direito à visita.
A parte do sexo masculino concordou com o cancelamento da sua nomeação de visitante e o pedido de não estabelecer o direito à visita. A parte do sexo feminino não pode impedir os filhos de contactar com a parte do sexo masculino, sempre que estes o queiram.
A parte do sexo feminino prestou compromisso de não impedir a parte do sexo masculino de qualquer contacto com os filhos.
Isto indica o cancelamento do direito à visita e o não estabelecimento dos regulamentos para a nomeação de visitante e o direito à visita.
5. O Tribunal atendeu à então situação financeira da parte do sexo masculino, entendendo que esta não era capaz pagar os custos da manutenção dos filhos.
Sentença:
O Tribunal:
- Concedeu o divórcio às duas partes que tinham registado o casamento em 22 de Junho de 1977, em Amsterdam.
- Nomeou a parte do sexo feminino como a tutora dos filhos:
XX (XX), nascido a 19 de XX de 19XX em Amsterdam
XX (XX), nascido a 9 de XX de 19XX em Amsterdam
E determinou, de acordo com as decisões necessitas ou as não tinham anteriormente transitadas em julgado
- declarar a execução coactiva da sentença acima referida
- co ndenar as duas partes, cada uma nas suas próprias custas processuais
- negar outros pedidos
Em 23 de Agosto de 1995, o julgamento deste processo foi publicamente proferido pelo Mr. XXX, Juiz deste Tribunal e dos jovens, e foi secretariado pelo escrivão judicial assistido.”
IV - FUNDAMENTOS
O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal de Amsterdão, Holanda, - de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
*
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
Dúvidas não resultam quanto à dissolução do casamento proferida à luz do ordenamento da Holanda.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
3. Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se uma decisão proferida pelo Tribunal de Amsterdão, de 23 de Agosto de 1995 e transitada em 9 de Outubro de 1995, cujo conteúdo facilmente se alcança, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
Resulta até dos documentos juntos que a sentença proferida produziu efeitos a partir de 9 de Outubro de 1995.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice.
6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, n.º 2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que dissolveu o casamento, decretando o divórcio entre a ora Requerente e o seu marido, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a dissolução do casamento, seja por via litigiosa, seja por mútuo consenso.
O pedido de confirmação de sentença do Exterior não deixará, pois, de ser procedente, não esquecendo que existe uma herança e um testamento mencionados na documentação junta aos autos, na base da qual estará a manifestação da oposição à venda da requerida (cfr. fls 33), questões, contudo, que não são objecto dos presentes autos.
Aqui se confirmará tão somente a confirmação da dissolução do casamento.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam conceder a revisão e confirmar a sentença proferida no 6º Tribunal da Comarca de Amsterdão, nos termos da qual foi dissolvido o casamento celebrado entre a ora requerente e o requerido, por sentença de 23 de Agosto de 1995 e transitada em 9 de Outubro de 1995, nos precisos termos do documento de fls. 6 a 17.
Custas pelo requerente.
Macau, 29 de Setembro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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651/2010 14/14