Processo n. 262/2011 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Setembro de 2011
Descritores: - Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
-Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III- Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
IV- O trabalhador que preste serviço em dias de descanso anual ao abrigo do DL 101/84/M, mesmo tendo auferido o salário correspondente, terá direito ainda a uma compensação equivalente a mais um dia de salário médio diário, ao abrigo dos arts. 23º, nº1 e 24º, nº2 (salário médio diário x1).
V- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante esses dias, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, nº2), também aqui, ao abrigo do art.21º, nº2 e 22º, nº2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).
Proc. N. 262/2011
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I- Relatório
A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 843.285,92, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais e de licença de maternidade não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Anulado o julgamento efectuado na 1ª instância pelo TSI, de novo efectuado e uma vez mais decidida a causa, veio a acção a ser parcialmente procedente e a STDM condenada a pagar à autora a quantia de Mop$ 123,00 a título de dias de licença de maternidade não gozados.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso interposto pela autora, em cujas alegações concluiu:
A. O acórdão de fls. 261 e ss. não incidiu sobre o exame critico das provas realizado na primeira sentença de fls. 164 e ss. proferida pelo Meretissimo Juíz do Tribunal Judicial.
B. O acórdão de fls. 261 e ss. anulou a primeira sentença de fls. 164 e ss. ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 629.º do CPCM, ou seja, por ter considerado deficientes e obscuras as respostas aos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória de fls. 89 e ss.
C. Isto por, para o Tribunal ad quem, se ficar «sem saber se o A. trabalhou (ou não) nos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, tal como alegava na sua petição inicial» e não, conforme se escreveu na sentença ora recorrida, por não ter sido feita «prova dos dias concretos em que o autor trabalhou e daqueles em que não trabalhou.»
D. O acórdão do Tribunal de Segunda Instância de fls. 261 e ss. anulou, pois, a primeira sentença de fls. 164 e ss. do Tribunal Judicial de Base (i) por contradição, em termos do julgamento de facto, entre a conclusão de que o trabalhador não gozou de nenhum descanso e as respostas dadas aos quesitos 5.º e 6.º no despacho de fls. 161; bem como (ii) pelo facto de não se saber quais os factores que o Tribunal a quo ponderou no cálculo final da indemnização.
E. Logo, não ficou precludida a possibilidade de o Tribunal a quo retirar as consequências que entendesse do facto alegado pela Ré e não impugnado, mas antes confirmado pela Autora, de que a relação laboral foi contratualmente regulada e “executada” com independência em relação à lei, no que respeita ao descanso.
F. Como não ficou precludida a possibilidade de o Tribunal a quo considerar provado o acordado pelas partes nos seus articulados, designadamente que a Autora para descansar tinha de o solicitar à Ré e esta tinha de o autorizar e, nesse caso, o Autor nada receberia relativamente ao período de descanso.
G. Como não ficou precludida a possibilidade de se considerar que, quanto ao descanso, as partes se regeram pelo entre si acordado e que a Autora descansou se e quando pediu e foi autorizado.
H. Não tendo ficado decidido no acórdão de acórdão de fls. 261 e ss., com força de caso julgado, que a procedência da pretensão da Autora dependia de se se apurar quais, quantos, os dias em que o autor trabalhou e quais, quantos, os dias em que descansou (não trabalhou).
I. Nada obstava, pois, a que o Tribunal a quo desse por «assente que a autora não suspendeu a sua prestação de trabalho nos períodos que alega e peticiona» com base no exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer na sentença recorrida.
J. Não se formou pois, caso julgado impeditivo de que o Tribunal a quo seguisse na sentença ora recorrida o raciocínio feito na primeira sentença de fls. 164 e ss., ou seja, que retirasse as consequências que muito bem entendesse das “provas” e dos “meios de prova” que lhe cumpria conhecer.
K. Assim, nada obstava a que o Tribunal a quo, na fundamentação da sentença ora recorrida formulasse o juízo de que o autor não suspendeu a sua prestação de trabalho nos períodos que alega e peticiona, por tal conclusão pressupor, não apenas os factos assentes no despacho saneador e provados na audiência de julgamento, mas também o “exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer” de que fala o disposto no art.º 562.º, n.º 3 do CPCM.
L. Isto porque o «exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer», que o juiz deve fazer na fundamentação da sentença, nos termos do n.º 3 do art.º 562.º do CPCM, ocorre num momento processual posterior ao da “análise crítica das provas” a efectuar no julgamento da matéria de facto, imposta pelo n.º 2 do art.º 556.º, do mesmo diploma.
M. Sendo líquido (Prof. Castro Mendes, in obro cit.) que as presunções e o chamado ónus da prova constituem_ “provas” ou “meios de prova” que ao juiz, na sentença, compete conhecer e fazer o exame crítico, no caso de a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não ter permitido resolver alguma questão de facto, como sucedeu no caso “sub judice”.
N. Assim, nada obstava a que o Tribunal a quo, na fundamentação da sentença ora recorrida formulasse o juízo de que a Autora não suspendeu a sua prestação de trabalho nos períodos que alega e peticiona, por tal conclusão pressupor, não apenas os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal do julgamento deu como provados, mas resultar do “exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer” na fundamentação da sentença, de que fala o disposto no art.º 562.º, n.º 3 do CPCM.
O. Este “exame crítico” a que se refere o n.º 3 do art.º 562.º do CPCM impunha ao necessariamente ao juiz sentenciador que retirasse as consequências que muito bem entendesse das “provas” ou “meios de prova” que lhe cumpria conhecer, v.g., da posição da Ré assumida na Contestação (i) de que a Autora renunciou ao gozo efectivo dos direitos a descanso, (ii) de que trabalhava voluntariamente nos períodos de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios e (iii) de que a prestação de trabalho não era suspensa por efeito da lei, mas por autorização “ad hoc” - art.os 174.º e 36.º e 37.º da Contestação, bem como (iv) do incumprimento do ónus da alegação/prova de que os dias de suspensão da prestação de trabalho (com perda de remuneração) autorizados “ad hoc” a que se refere o artigo 29.º da Contestação, coincidiram com os dias de suspensão remunerada da prestação de trabalho previstos na lei.
P. Por outro lado, mesmo na economia da tese da Ré - art.os 34.º a 37.º da Contestação - a Autora só suspendia (com perda de remuneração) a prestação do trabalho quando o pedisse e tal lhe fosse autorizado pela Ré.
Q. Da conjugação dos factos especificados nas alíneas G e F) dos Factos Assentes com a posição da Ré assumida nos art.os 36.º e 37.º da Contestação, resulta que a Autora trabalhava em turnos rotativos ininterruptos, só suspendendo a prestação do trabalho quando o pedisse e tal lhe fosse autorizado pela Ré.
R. Esta conclusão é, de resto, a única consistente com a posição da Ré assumida nos artigos 36.º, 37.º, 106.º, 107.º, º, 134.º, 136.º, 149.º, 157.º, 164.º, 169.º, 174.º e 178.º a 181.º da Contestação de fls. 34 e ss.
S. Ora, não tendo a Ré feito a prova que lhe competia dos dias de suspensão ad hoc da prestação de trabalho da Autora, com perda de remuneração, nomeadamente dos dias indicados no artigo 29.º da Contestação, nem que esses dias tivessem coincidido com os dias de suspensão remunerada da prestação de trabalho impostos por lei, sempre, face ao disposto nos art.os 335.º, n.º 2 e 3 e 788.º, n.º 1, ambos do CCM, se imporia a conclusão de que a Autora não gozou dos dias remunerados de descanso obrigatório a que tinha direito por força da lei.
T. E não tendo sido elidida a presunção de culpa prevista no art.º 788.º, n.º 1 CCM nem ficado provado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo dos direitos invocados pelo Autor, outra deveria ter sido a decisão ora recorrida, face ao disposto nos art.os 335.º, n.º 2 e 3, 339.º, 787.º e 788.º, n.º 1, todos do CCM.
U. Por outro lado, houve erro no julgamento da matéria dos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória.
V. As respostas aos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória resultam de um erro de percepção na produção de prova, dado que, dos depoimentos transcritos das testemunhas XXX (XXX) e XXX (XXX)gravados ao minuto 00:25 a 01:24 do Translator 2 - Recorded on 21-Sep-2010 at 10.39.37 (-XK)3)W03311270), 03:07 a 03:09 do Translator 1 - Recorded on 21-Sep-2010 at 10.37.22 (XK)0-5G03211270), 00:01 a 00:14 do Translator 2 - Recorded on 21-Sep-2010 at 10.41.06 (-XK)5-A103311270), 00:01 a 00:21 do Translator 2 - Recorded on 21-Sep2010 at 10.41.26 (-XK)5I4W03311270) e 00:24 a 00:56 do Translator 2 - Recorded on 21-Sep-2010 at 10.49.00 (-XK)EO(W03311270) resulta claramente que a Autora provou o que lhe competia, ou seja, de que não gozou os dias de descanso obrigatório remunerado a que tinha direito durante o período em que trabalhou para a Ré.
W. Sendo que o que não ficou provado neste nem em nenhum outro depoimento, foi apenas a matéria alegada nos artigos 29.º e 174.º da Contestação, cuja prova competia exclusivamente à Ré, por se tratar de defesa por excepção.
X. Os pontos concretos da matéria de facto a que respeitam os quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória foram, assim, incorrectamente julgados, pelo que requer que as respectivas respostas de fls. 282 sejam alteradas para PROVADO, nos termos do disposto no art.º 629.º, n.º 1, alínea a) do CPCM.
Y. À mesma conclusão se chega por via das regras do ónus da prova, dado que, perante a imputação de não ter respeitado o regime legal imperativo da suspensão remunerada da prestação do trabalho, a Ré contrapôs, nos artigos 134.º e 157.º da Contestação de fls. 34 e ss., que o regime convencional de descansos ad hoc referido nos art.os 36.º e 37.º desse articulado justificava a derrogação das regras imperativas do regime legal, sem que, no entanto, tivesse alegado e provado os factos integradores do cumprimento do regime legal a que estava adstrita ou quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Autora, como lhe impunha o disposto no art.º 335.º, n.º 2 do CCM e a presunção de culpa estabelecida no art.º 788.º, n.º 1 do mesmo diploma.
Z. Ou seja, a Ré não negou que a Autora tivesse prestado trabalho nos períodos de descanso obrigatório previstos na lei, nem alegou ou provou que remunerou e compensou esse trabalho de acordo com a lei.
AA. Pelo contrário, no artigo 107.º da sua Contestação a Ré alegou que os dias de trabalho prestado em dia de descanso eram retribuídos em singelo.
BB. Sucede que a alegação (não provada) do cumprimento de um qualquer acordo substitutivo da aplicação do regime imperativo dos descansos obrigatórios (art.os 28.º, 36.º, 37.º, 134.º e 174.º da Contestação), não é suficiente para elidir a presunção do incumprimento culposo das normas laborais que impõem o seu gozo remunerado.
CC. E não tendo ficado provado qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo dos direitos invocados pela A., outra não poderia ter sido a decisão ora recorrida, face ao disposto nos art.os 335.º, n.º 2 e 3, 339.º, 787.º e 788.º, n.º 1, todos do CCM, senão a de considerar assente que a Autora não suspendeu a sua prestação de trabalho nos dias de feriado e descanso obrigatório.
DD. Assim, a sentença recorrida ao não dar como provados a matéria dos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória violou o disposto no art.º 335.º, n.º 2 e 3, 339.º e 788.º, n.º 1, todos do CCM.
EE. Por outro lado, nos termos do disposto nos artigos 7.º, b) e 25.º, n.º 1 e 2, 26.º, n.º 1, 27.º, n.º 2 e 28.º, n.º 1, todos do RJRL, a parte variável da retribuição da A. deverá considerar-se como salário para efeitos do cômputo da indemnização pela licença de parto, bem como pelo trabalho prestado nos períodos descanso obrigatório e feriados remunerados.
FF. Assim, face ao disposto nos art.os 7.’, b) e 25.º, n.º 1 e 2,26.º, n.º 1, 27.º, n.º 2 e 28.º, n.º 1, todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, o montante da compensação por descanso semanal de período de 03/04/1989 a 12/07/1999 deverá fixar-se em MOP$572.484,58 por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2), conforme o disposto nos art.º 17.º, n.º 6, alínea a) do mesmo diploma.
GG. O montante da compensação por descanso anual relativa ao período de 21/12/1984 a 02/04/1989 deverá, ao abrigo do disposto nos art.os 27.º, n.º 1 e 2; 28.º, n.º 1 e 29.º do Decreto-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, fixar-se em MOP$4.934,88, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 1), conforme o disposto nos art.º 24.º, n.º 2 do mesmo diploma.
HH. O montante da compensação por descanso anual de período de 03/04/1989 a 12/07/1999 deverá ser fixado em MOP$99.666,23, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 3), conforme o disposto no art.º 24.º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
II. O mesmo sucedendo quanto ao montante da compensação pelos feriados obrigatórios, o qual deverá ser fixado em MOP$64.588,60, por aplicação da fórmula (salário médio diário X 2), conforme o disposto nos art.º 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
JJ. O montante da compensação por Licença de Parto deverá ser fixado em MOP$14.433,00, conforme o disposto no art.º 37.º, n.º 1 e 3, alínea a).º, do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, cifrando-se o valor total da indemnização pela licença de parto e pelo trabalho prestado nos períodos de descanso obrigatório e feriados remunerados em MOP$756.107,29.
KK. Subsidiariamente, sempre devia o Tribunal a quo ter subsumido os factos provados nas respostas de fls. 282 dadas aos quesitos 5.º e 6.º da Base Instrutória de fls. 128 e ss. nas hipóteses dos artigos 17.º, n.º 1 e 6, 19.º, n.º 3 e 20.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1 e 24.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril e, por conseguinte, condenado a Ré no pagamento do valor de MOP$723.812,99.
LL. Subsidiariamente, a entender-se que o trabalhador gozou todos os dias de descanso e feriados a que tinha direito, sempre face ao reconhecimento pela Ré nos artigos 28.º e 107.º da Contestação de fls. 34 e ss. de que a suspensão da prestação de trabalho, quando concedida, não era remunerada, deveria o Tribunal a quo ter condenado a Ré no pagamento da remuneração correspondente ao n.º de dias de descanso obrigatório/feriados remunerados previsto na lei, no valor de MOP$371.126,55, dado que, mesmo na economia da tese da Ré, esses dias, ainda que tivessem sido gozados, não foram remunerados.
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A STDM, por seu turno, concluiu as suas contra-alegações do seguinte modo:
1- Com todo o respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário.
2- A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3- No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4- Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5- Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o(a) Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6- O(A) Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7- Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8- Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
9- Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”.
10- Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
11- Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
12- Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
13- Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
14- Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida ao(à) Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos Acórdãos do TUI, proferidos no âmbito dos Processos n.ºs 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por verificada a seguinte factualidade:
1. A Autora começou a trabalhar para a Ré no dia 21.12.1984, tendo cessado o contrato em 7 de Dezembro de 1999.
2. A Autora foi admitida como empregada de casino.
3. No decurso da relação contratual existente entre a Autora e a Ré esta última entregava à Autora uma quantia de valor fixo e outra quantia de valor variável - gorjetas.
4. A quantia variável entregue pela Ré era composta pelo dinheiro recebido dos clientes do casino, designado por “gorjetas”.
5. As aludidas gorjetas eram distribuídas por todos os funcionários da Ré e não apenas pelos que tinham contacto directo com clientes nas salas de jogo, de acordo com a sua categoria profissional.
6. A Autora exercia a sua actividade por turnos fixados pela Ré do seguinte modo: 1º e 6º turnos: das 7h00 até 11h00, e das 3h00 até 7h00; 3º e 5º turnos: das l5h00 até 19h00, e das 23h00 até 3h00 (dia seguinte); 2º e 4º turnos: das 11h00 até 15h00, e das 19h00 até 23h00.
7. Os dias de descanso que, ao longo da vigência da relação contratual entre as partes, a Autora teria direito a gozar não eram remunerados.
8. A Ré pagou à Autora a remuneração diária fixa de MOP$4,10, desde o início do contrato até 30.06.1989, de HKD$10,00 desde 1.07.89 a 30.04.95 e de HKD$15,00 desde 1.05.95 até final.
9. A Ré proibiu a Autora de receber e guardar quaisquer gorjetas entregues pelos clientes dos casinos.
10. A Autora auferiu as quantias anuais descritas na certidão fiscal de fls. 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. A 21.09.1987 a Autora deu à luz um filho XXX.
12. Por via desta gravidez, a Autora esteve de licença autorizada pela Ré entre 1.9.1987 a 30.11.1987.
13. Neste período, a Ré não pagou à Autora qualquer quantia.
14. A 3.9.1988 a Autora deu à luz a filha XXX.
15. Por via desta gravidez, a Autora esteve a licença autorizada pela Ré entre 1.09.1988 a 30.11.1988.
16. Neste período, a Ré não pagou à Autora qualquer quantia.
17. Autora e Ré acordaram que, por cada dia em que a primeira trabalhasse efectivamente, receberia a quantia fixa referida em H) dos factos assestes e outra variável, proveniente das gorjetas apuradas nesse dia de trabalho.
18. A Autora sempre recebeu o seu rendimento - parte fixa e variável - regular e periodicamente.
19. A Autora nunca gozou dias de descanso em consequência de ter trabalhado uma semana, nem em consequência de ter trabalhado um ano.
20. A Ré nunca pagou à autora qualquer compensação ou acréscimo salarial.
21. No momento da contratação, a Autora foi informada de que podia ela pedir dias de descanso, desde que estes não pusessem em causa o funcionamento da empresa.
22. E que ao gozo de dias de descanso não corresponderia qualquer remuneração.
23. A Autora aceitou estas condições.
24. As gorjetas oferecidas aos colaboradores da Ré eram reunidas, contabilizadas e depois distribuídas por uma comissão por um membro da tesouraria, um gerente de andar e um ou mais trabalhadores da Ré.
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III- O Direito
Vem o presente recurso interposto da sentença que, pela segunda vez lavrada, após repetição de julgamento, julgou improcedente o pedido relativo aos créditos devidos pelo não gozo dos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios e que apenas declarou procedente quanto aos dias de licença de maternidade à razão do valor fixo diário apurado e não em função do valor total do rendimento da autora.
Na análise que se seguirá haverá que ter em conta que o despacho saneador considerou definitivamente (por não ter sido objecto de recurso) prescritos os “créditos dos descansos anuais” entre 1984 e 1986 e, bem assim, os “créditos dos descansos semanais” e referentes aos “feriados obrigatórios” até 14/12/1987.
Comecemos pela bondade da sentença relativamente à decidida improcedência da acção quanto ao não gozo dos dias de descanso. A improcedência ficou a dever-se ao facto de se não ter provado, diz, quais os dias em que a autora chegou a trabalhar nos feriados que deviam ser de descanso legal. Pensamos, porém, que o M.mo juiz não fez a melhor análise desta vez. Efectivamente, na 1ª sentença o tribunal “ a quo” reconheceu o direito e fixou a indemnização reportado a dias determinados de cada ano. Recorde-se que a sentença foi anulada por se ter considerado que não podia ser feito tal exercício (de atribuição da indemnização por dias certos) em virtude de ter ficado provado daquela vez que a autora só não trabalhou nos dias em que solicitou à Ré para não trabalhar e esta atendeu a esse pedido (facto 19 dos factos), sem se saber, porém, quais foram esses dias. Realmente, com tal factualidade, ficava por apurar se a autora gozou alguns dias de descanso que, por lei, lhe eram devidos ou se apenas gozou os dias pedidos fora do período legal de descanso.
Contudo, desta vez, a matéria de facto traz a precisão que inicialmente faltava. A matéria dos pontos 19 e 20 (quesitos 5 e 6) faz luz clara no sentido de que a autora nunca gozou dias de descanso ao final de cada período de uma semana, nem ao final de cada período de um ano. Isto não significa senão que os dias de descanso que, eventualmente, a autora chegou a gozar a seu pedido (e nem isso está provado), não eram aqueles que a lei determina para cada período de 7 dias (semanais) ou para em cada ano civil (anuais), conforme o estabelecem os arts. 17º, nº1 e 21º do DL nº 24/89/M. Mas nada se sabe quanto aos feriados, porque a resposta a tais quesitos deixou-os de fora e, nessa medida, nada pode o TSI determinar quanto a eles.
Quer isto dizer que a sentença nesta parte tem que ser revogada e assim será feito.
*
Neste passo, cumpre determinar qual o valor salarial a considerar.
Lembremos, por exemplo, o que dissemos no Ac. proferido no Proc, nº 128/2009, de 7/07/2011:
“…tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo”.
Por esta ser a posição que o TSI tem vindo unanimemente a defender, nada há que desaconselhe a sua aplicação aos presentes autos. Ou seja, o salário compreende a parte fixa e a variável que os clientes do casino graciosamente oferecia aos trabalhadores deste, as chamadas “gorjetas”.
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Resta apurar o valor da indemnização, em função de toda a massa salarial percebida pela autora até à cessação da relação laboral, tendo em conta, porém, aquilo que acima referimos: que o despacho saneador considerou definitivamente (por não ter sido objecto de recurso) prescritos os “créditos dos descansos anuais” entre 1984 e 1986 e, bem assim, os “créditos dos descansos semanais” e referentes aos “feriados obrigatórios” até 14/12/1987.
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 101/84/M
Nas conclusões de recurso, a autora não quis fazer censura à sentença quanto aos créditos emergentes dos dias de descanso semanal à luz do DL nº 101/84/M. Assim, também nós a não faremos, por não fazer parte do objecto do recurso jurisdicional.
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Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1).
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.
Assim, tendo em atenção o mapa de fls. 20 dos autos (que apresenta os valores recebidos anualmente pela trabalhadora) e o período em causa com os dias a considerar neste capítulo, o valor indemnizatório é, tal como apurado no quadro da recorrente de fls. 30 das suas alegações, que aqui fazemos nosso, com a devida vénia, é de Mop$ 572.484,58.
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b) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL nº 101/84/M
A recorrente não se insurge contra a sentença quanto aos eventuais créditos reportados ao período de vigência do DL nº 101/84/M, pelo que nada este TSI dirá quanto a essa matéria.
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Na vigência do DL n. 24/89/M
Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao
dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior?
Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser
superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do
devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Todavia a recorrente defende que deve ser aplicado o factor 2. Assim sendo, a indemnização não pode ultrapassar esse limite. O valor indemnizatório é, pois, de Mop$ 37.921,00.
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c) Descanso anual
c)1- Na vigência do DL n. 101/84/M
O art. 23º, n.1 reza assim:
“O trabalhador permanente tem direito a seis dias de descanso anual, sem perda de salário, para além dos períodos de descanso semanal e dos feriados obrigatórios”.
O art. 24º, por seu turno, dispõe do seguinte modo:
”1- O período ou períodos de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências de funcionamento da empresa.
2- No momento da cessação da relação de trabalho, se o trabalhador não
tiver ainda gozado o respectivo período de descanso anual, ser-lhe-á pago o salário correspondente a esse período”.
A sentença entendeu que esta disposição só é válida para as relações que terminem dentro do período de vigência do diploma em apreço. E porque a relação deste trabalhador terminou sob o império do DL 24/89/M, o trabalhador não teria direito a qualquer compensação.
Não concordamos. Efectivamente, esta interpretação, de tão restritiva, equivaleria, se bem a entendemos, a concluir que o valor daqueles seis dias de salário só seriam pagos no momento da cessação da relação de trabalho e se o trabalhador ainda não tivesse gozado o respectivo período de descanso anual. Mas não é assim. Julgamos que a norma tem em vista estabelecer o modo como há-de o trabalhador ser retribuído do “respectivo período de descanso anual”, que não chegou a gozar até ao momento em que terminou a relação laboral. A lei diz por outras palavras o seguinte: o trabalhador recebe em dinheiro (no montante salarial) o valor de todos esses dias.
Mas não diz que o trabalhador perca o direito à compensação pelo trabalho prestado nesses dias em anos anteriores ao período a que se refere o número 2.
Portanto, a solução coerente e harmónica com todo o espírito que perpassa no diploma, já vista nos restantes casos, não pode deixar de ser a que impõe ao empregador o dever de pagar mais uma unidade salarial. Expliquemo-nos mais uma vez, tanto por uma, como por outras das perspectivas que temos vindo a desenhar.
1ª Perspectiva (pagamento do devido):
Suponhamos que o empregador pagou ao trabalhador a importância que ele sempre teria que receber pelo gozo dos dias de descanso anual – sem perda de salário, diz o art. 23º, n.1; sem possibilidade de desconto no salário mensal, diz o art. 28º.
Como ele trabalhou nesse dia, falta pagar-lhe o salário correspondente ao
serviço prestado. Ou seja, tem a receber 1 (um) crédito salarial correspondente a um dia de salário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado):
Se o empregador já pagou ao trabalhador o serviço prestado em cada um
desses dias, falta pagar-lhe o valor correspondente aos dias de descanso não gozados e que sempre lhe seria devido. Portanto, 1 (um) dia de crédito salarial.
A fórmula é, em qualquer caso, salário médio x 1.
A ser assim, e por estar efectuado o cálculo com base no factor 1, acolheremos o valor obtido no mapa de fls. 30 da recorrente, que é, portanto, de Mop$ 2.523,71 (já descontando o período da prescrição).
-
c) 2- Na vigência do DL n. 24/89/M
São os mesmos seis dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a
duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2 (neste caso, porém, não obstante a sentença não ter fixado valor compensatório relativamente ao ano de 1992, sendo certo que a relação terminou em Junho deste ano, a verdade é que o recorrente não a censurou no recurso, pelo que esta instância está impedida de se pronunciar sobre o assunto: art. 589º, n3 do CPC).
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar“ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e o facto que mais se aproximava desse desiderato era o do art. 20º da base instrutória, que mereceu resposta negativa.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que
havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em
tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações tecidas atrás, quando nos referimos ao modo de compensar o trabalhador que prestou trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir como além: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1, e não 3 como o defende a recorrente, o que corresponde ao valor de Mop$. 23.675,71.
*
A estas importâncias acrescerá o valor da licença de maternidade em relação ao parto de 1988, porque o primeiro de 1987 está coberto pela prescrição decretada no saneador.
Assim, o valor atendível, em função do período de 30 dias de licença, é de Mop$ 9.835,20.
***
IV- Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença na parte correspondente, e, em consequência, condenar a STDM a pagar à autora a quantia indemnizatória de Mop$ 646.440,20, acrescida dos juros legais, calculados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas pelas partes em ambas as instâncias na proporção do decaimento.
TSI, 22 / 09 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong (com declaração de voto)
Choi Mou Pan
Processo nº 262/2011
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 22SET2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong