Proc. nº 322/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 29 de Setembro de 2011.
ASSUNTO:
- Marca
- Direito de prioridade do registo
SUMÁRIO:
- Se o elemento essencial que compõe a marca a registar não é livre de utilização por confundir com outra marca já registada para a mesma classe de serviços, não há lugar o direito de prioridade do registo.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 322/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 29 de Setembro de 2011
Recorrente: T Gestão e Investimento, Limitada
Recorridas: C Limited
Direcção dos Serviços de Economia
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 28/11/2008, decidiu-se julgar improcedente o recurso judicial da ora recorrente, mantendo a decisão da Exmª. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia que autorizou a concessão do registo da marca nº N/17831, a favor da recorrida C Limited.
Dessa decisão vem recorrer a recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
I. A recorrente alegou que a utilização da denominação A em português, A大酒店em chinês e A HOTEL em inglês, como marca distintiva dos serviços prestados no estabelecimento em causa, decorreu da impressão da marca nos papel e envelopes timbrados e cartões de visita do pessoal dirigente usados pelo hotel, da aposição da marca nos veículos ao serviço do mesmo e da publicação de anúncios com a marca para recrutamento do respectivo pessoal.
II. Invocou, como tal, actos concretos através dos quais a recorrente fez uso da denominação HOTEL A em português, A大酒店em chinês e A HOTEL em inglês, enquanto marca distintiva dos serviços de hotelaria prestados no estabelecimento com o mesmo nome, de forma a distingui-los de quaisquer outros prestados noutros estabelecimentos hoteleiros.
III. A utilização de papel e envelopes timbrados e cartões de visita do pessoal dirigente e veículos com a marca e a sua publicação em anúncios para recrutamento do pessoal consubstanciam actos concretos de distinção dos serviços de hotelaria prestados no estabelecimento da recorrente que, na prática, conferem identidade distintiva aos mesmos.
IV. Não faz sentido fazer a distinção entre a utilização da denominação do hotel e a utilização da marca distintiva dos serviços naqueles prestados uma vez que ambas, denominação e marca, se confundem para efeitos de protecção dos direitos de propriedade industrial.
V. Não é verdade, por isso, que a recorrente não haja alegado nenhum acto de utilização da marca.
VI. O prazo de seis meses prescrito no artigo 202.° do RJPI conta-se, para trás, a partir da data do pedido de registo das marcas da recorrente A em português, A大酒店em chinês e A HOTEL em inglês e não naturalmente da data do pedido de registo da marca C MACAU.
VII. A recorrente juntou, para prova de utilização da marca da mesma nos seis meses anteriores aos respectivos pedidos de registos, cópias do papel e envelopes timbrados (doc. nº 11), cópia de um cartão de visita (doc. nº 12), nota encomenda para a aposição da marca em veículos (doc. nº 13) e um anúncio publicado no Macao Daily News em Junho de 2005 (doc. nº 14).
VIII. A recorrente considera, por isso, ao abrigo do disposto no artigo 599.° do Código de Processo Civil incorrectamente julgados todos os pontos da matéria de facto que dão como não provada utilização da marca da mesma nos seis meses anteriores aos respectivos pedidos de registos.
IX. Os meios probatórios constantes do processo que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida são os documentos supra indicados.
X. Provada que estava a utilização pela autora, por um prazo não superior a seis meses, da designação A em português, A大酒店em chinês e A HOTEL em inglês como marca distintiva dos serviços prestados no seu hotel, deveria o pedido de registo de marca n° N/017831 ter sido recusado nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 214° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida, bem como a decisão da DSE que autorizou a concessão do registo da marca em causa.
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Quer DSE, quer C Limited, ambas responderam à motivação do recurso da ora recorrente, nos termos constantes, respectivamente, a fls. 163 a 165 e 167 a 177 dos autos, cujos teores aqui se dão integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso ora interposto.
Na resposta, a recorrida C Limited requereu ainda a condenação da litigância de má-fé da ora recorrente.
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A recorrente respondeu ao requerimento da condenação da litigância de má-fé nos termos constantes a fls. 189 a 191 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Com base nos documentos juntos aos autos e acordo das partes, consideram-se provados os seguintes factos relevantes:
- A recorrente é proprietária do estabelecimento hoteleiro situado junto ao aeroporto na Taipa, o qual, até ao final de 2003, era denominado como Hotel A em português, A大酒店 em chinês e A Hotel (Macau) em inglês.
- Em 07.01.2004, o referido estabelecimento hoteleiro passou a utilizar a designação de A em português, A大酒店 em chinês e A Hotel em inglês, conforme consta da licença nº 0235/2004.
- Em 11.07.2005, a recorrida C Limited requereu junto à DSE o registo da marca “C Macau” para os serviços da classe nº 42, sob o nº N/17831.
- Em 21.10.2005 a recorrente também requereu junto à DSE o registo das marcas N/19215, N/19216 e N/19217 para os serviços da classe nº 42 a qual consiste no seguinte: A Hotel, A大酒店e A.
- Por despacho da Exmª. Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Industrial da Direcção dos Serviços de Economia, de 25.02.2008, foi autorizada a concessão do registo da marca nº N/17831, a favor da recorrida C Limited.
- A recorrida C Limited é titular desde 1996 dos registos de marcas N/106 (classe 39), N/107 (classe 41) E N/108 (classe 42) as quais consistem na palavra C.
- Os referidos registos das marcas foram renovados e são válidos à data dos factos.
III – Fundamentos
1. Da questão de fundo:
Dispõe o artº 202º do RJPI que:
“1. Quem utilizar marca livre ou não registada por prazo não superior a 6 meses tem, durante esse prazo, direito de prioridade para efectuar o registo, podendo reclamar contra o requerido por outrem durante o mesmo prazo.
2. A veracidade dos documentos oferecidos para prova deste direito de prioridade é apreciada livremente, salvo se se tratar de documentos autênticos.”
Por sua vez, o artº 219º do RJPI estabelece que:
“1. O registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, a utilização, na sua actividade económica, de qualquer sinal idêntico ou confundível com essa marca para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais aquela foi registada, ou que, em consequência da identidade ou semelhança entre os sinais ou da afinidade dos produtos ou serviços, cria, no espírito do consumidor, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.
2. O registo da marca abrange a utilização da mesma em papéis, impressos, páginas informáticas, publicidade e documentos relativos à actividade da empresarial do titular.”
Assim, independentemente de haver prova ou não do uso da palavra “C” pela recorrente por prazo não superior a 6 meses aquando do pedido do registo das marcas N/19215, N/19216 e N/19217, ela nunca pode ter o direito de prioridade para efectuar o registo, já que o uso da palavra “C”, à data dos factos, não é livre para os serviços da classe nº 42. Pelo contrário, constitui um elemento essencial da marca N/108, registada a favor da recorrida C Limited, para aquela classe de serviços.
Pelos factos considerados assentes, não restam qualquer dúvida de que as marcas que a recorrente pretende registar confundem com as marcas registadas da recorrida C Limited, uma vez que todas utilizam a mesma palavra “C” e destinam-se para as mesmas espécies de serviços, sendo certo ainda que “C” notoriamente conhecido pela existência da cadeia de hotéis.
Se assim não for, não faria qualquer sentido a recorrente vir invocar o direito de prioridade do registo, por uso da designação da palavra “C” em data anterior, bem como requerer a anulação do registo da marca N/17831, concedido à recorrida C Limited.
Deste modo, não sendo a palavra “C” como marca livre e estando registada pela recorrida C Limited, para os serviços da classe nº 42, não podia a recorrente reclamar o seu uso para fundamentar o direito de prioridade do registo, para a mesma classe de serviços.
Improcede-se assim o recurso interposto.
2. Da má-fé da recorrente:
Uma vez que a recorrida C Limited requereu a condenação da litigância de má-fé por parte da recorrente na resposta à motivação do recurso, vamos apenas apreciar se o recurso da mesma à presente instância constitui uma conduta censurável.
Na óptica da referida recorrida, a recorrente “sempre teve conhecimento (e não podia deixa de ter, dada a sua condição de parte em todos os recursos) de que o recurso ora em apreciação apresentado carece de qualquer fundamento, devendo por esse facto ser condenada como litigante de má-fé”(v. fls. 176 dos autos).
A recorrente defendeu pela forma seguinte:
1. A recorrente interpôs recursos judiciais dos despachos que recusaram os registos das marcas N/19215 (A HOTEL), N/19216 (A大酒店) e N/19217 (A) os quais correm termos no Tribunal Judicial de Base sob os nºs CV3-08-0022-CRJ, CV2-08-0016-CRJ e CV2-08-0015-CRJ, respectivamente.
2. E recorreu jurisdicionalmente para este Tribunal da sentença que entretanto julgou improcedente o recurso judicial CV3-08-0022-CRJ.
3. Por outro lado, a sentença recorrida julgou improcedente o presente recurso judicial com base em dois fundamentos: a falta de invocação por parte da recorrente de factos concretos de utilização da sua marca de modo a lhe conferir a titularidade do direito de prioridade; e a falta de prova de utilização da sua marca nos seis meses anteriores ao pedido de registo da marca C MACAU.
4. O fundamento da decisão que é objecto do presente recurso judicial consiste, para mais, na falta de prova do uso de marca livre nos termos do disposto no artigo 202° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial pelo facto de o uso das marcas N/19215 (A HOTEL), N/19216 (A大酒店) e N/19217 (A), cujo registo foi requerido pela recorrente, ter tido, segundo aquela, início no momento da autorização concedida pela Direcção dos Serviços de Turismo para a alteração da denominação do hotel e não em Maio de 2005 conforme esta alegou.
5. Donde se conclui que para a Direcção dos Serviços de Economia não existe perigo de confusão entre as marcas N/19215 (A HOTEL), N/19216 (A大酒店) e N/19217 (A) e a marca nº N/108 (C).
6. Pois, de outro modo, não se compreende por que razão não foi esse o fundamento da decisão tendo em conta que, a haver tal perigo de confusão entre as marcas N/19215 (A HOTEL), N/19216 (A大酒店) e N/19217 (A) e a marca nº N/108 (C), estaria necessariamente prejudicada a análise do uso de marca livre nos termos do disposto no artigo 202° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
7. Acresce que não tendo o confronto entre as marcas N/19215 (A HOTEL), N/19216 (A大酒店) e N/19217 (A) e a marca nº N/108 (C) sido realizado na decisão objecto do presente recurso judicial, e não havendo nada que impedisse o mesmo de ter sido feito, não cabe à recorrente concluir que existe a possibilidade de confusão entre aquelas.
8. Pelo contrário, se a Direcção dos Serviços de Economia não procedeu ao confronto é porque naturalmente não viu necessidade de o fazer.
9. Não é, portanto, pelo facto de a recorrente saber que a acção de caducidade da marca nº N/108 (C) foi julgada definitivamente improcedente que a mesma está necessariamente ciente que a sua pretensão carece de qualquer fundamento.
Cremos que a recorrente tenha alguma razão, em virtude de que a sentença recorrida não julgou o recurso judicial improcedente com base na existência do registo válido da marca N/108, que prejudica o alegado direito de prioridade de registo.
Nesta conformidade, o recurso para a presente instância a fim de defender ter invocado factos concretos, bem como apresentado provas suficientes, de utilização da sua marca de modo a lhe conferir a titularidade do direito de prioridade de registo, não constitui litigância de má-fé nos termos do artº 385º, nº 2, al. a) e b) do CPCM.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida com fundamentos algo diversos.
Mais absolvem a recorrente do pedido da condenação de litigância de má-fé.
Custas do recurso pela recorrente com taxa de justiça de 6UC.
Custa do incidente da condenação de litigância de má-fé pela recorrida C Limited com taxa de justiça de 1UC.
Notifique e registe.
RAEM, aos 29 de Setembro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
11
322/2009