Processo nº 519/2011 Data: 20.10.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “ofensas graves à integridade física por negligência”.
Despacho de pronúncia.
Erro notório na apreciação da prova.
SUMÁRIO
1. O vício de erro notório na apreciação da prova ocorre quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável”, existindo também “quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis.
Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 519/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Nos autos de instrução n.° PCI086-10-1, proferiu o Mmo JIC despacho pronunciando o arguido A (A) pela prática de 1 crime de “ofensas graves à integridade física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 e art. 94°, al. 1) da Lei n.° 3/2007; (cfr., fls. 183 a 189 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir nos termos seguintes:
“1) Atentos os dados respectivos constantes nos autos, o recorrente entende que o Juízo de Instrução formou um juízo desrazoável aquando de julgar se se verifica os pressupostos de que depende a aplicação da pena ao recorrente, por erro no entendimento das regras de trânsito aplicadas no local da ocorrência de acidente e por a insuficiência das informações sobre a configuração do local, nomeadamente a situação na rua e das sinais de trânsito.
2) Além disso, também se revela desrazoável o juízo sobre a causa do acidente, que está em desconformidade com os critérios do juízo para acidentes de viação comuns. (v pontos 64 a 110 desta motivação)
3) Dos dados constantes dos autos expressamente resulta que este acidente foi causado, plenamente, pela negligência do assistente.
4) As suas lesões foram causadas por ele ter ignorado as regras de trânsito e a segurança de outros utentes de vias.
5) Não se verifica nenhum indício de o arguido ter praticado um crime de ofensas à integridade física por negligência, nem os requisitos objectivos e subjectivos da sua constituição. É impossível acreditar que a possibilidade de o recorrente ter praticado crime é maior que a sua impossibilidade.
6) Nomeadamente quanto ao elemento principal para a constituição do crime referido neste processo, isto é, a negligência.
7) As análises razoáveis do recorrente mostram que, por um lado, este acidente foi causado, plenamente, pela negligência do assistente, por outro lado, o recorrente já cumpriu naquele momento as obrigações devidas como o condutor.
8) Ou seja, não se verifica indícios suficientes de o recorrente ter agido com circunstância constitutiva de negligência exigida no Código Penal, isto é, ter procedido com o cuidado a que, está obrigado e de que é capaz.
9) Face ao exposto, após a instrução, não foi recolhido indício suficiente da verificação do pressuposto de que depende a pena aplicada ao recorrente, pelo que deve ser proferido o despacho de não pronúncia nos termos do art.º 289.º, n.º 2 do CPP.
10) Os pontos 2 e 3 dos factos referidos no despacho recorrido têm entre si contradições e erros.
11) Isto porque os respectivos factos foram apresentados, obviamente, atentas as regras de trânsito previstas na LTR.
12) As apreciações e os juízos formados pelo Juízo de Instrução quanto às circunstâncias reflectidas nos processos em conjugação com as respectivas disposições legais, nomeadamente as regras de trânsito, são fundamentados, nos conhecimentos errados sobre os respectivos dispostos da LTR e do RTR.
13) Isso é causado pelos erros na apreciação da prova, erros esses que são notórios e de que o observador médio se apercebe com facilidade.
14) Isto quer dizer, provou-se que o Juízo de Instrução tem erro na apreciação da prova”; (cfr., fls. 217 a 243 e 317 a 347).
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Respondeu o assistente B (B) afirmando que:
“1. O despacho de pronúncia recorrido não tem erro na aplicação da lei, nem contradições ou erro notório na apreciação da prova.
2. Pelo contrário, o recorrente sustenta que o sinal de cedência de passagem aposto no cruzamento da Travessa do Petróleo constituiu sinal de trânsito, e a cedência de passagem quando saia do edifício dos serviços de alfândega (prédio) trata-se duma regra de trânsito. Por isso, o recorrente formou, segundo o art.º 9.º, n.º 2 da LTR, “as prescrições resultantes dos sinais prevalecem sobre as regras de trânsito”, a conclusão de que não era obrigatório de ceder a passagem quando saiu do edifício dos serviços de alfândega, conclusão essa que é errada e resulta da aplicação errada da lei.
3. Por disposto no art.º 9.º da LTR aplicar-se na situação em que existem, no mesmo lugar, instruções de trânsito de diferentes hierarquias, mas não em lugares diferentes. No entanto, os sinais e as regras de trânsito comparadas neste processo aplicam-se respectivamente no cruzamento da Travessa de Petróleo e na situação de sair do edifício dos Serviços de Alfândega, sendo estes dois lugares diferentes.
4. Do ponto anterior resulta que o recorrente tem erro no entendimento e aplicação do art.º 9.º da LTR, não devendo ser admitida nem provada a sua opinião.
5. É de especificamente enfatizar que das partes embatidas dos dois veículos (v o exame dos veículos constante dos autos) resulta que antes da ocorrência da colisão, o recorrido estava a circular à frente do arguido.
6. Segundo o recorrente, antes da colisão, este viu que o recorrido estava a vir da Travessa do Petróleo, mas não parou o veículo e embateu no recorrido. A colisão ocorreu cerca de 10 metros de distância da linha de cedência prioridade da Travessa do Petróleo, sítio que já ultrapassou o portão do edifício dos Serviços de Alfândega.
7. O recorrente sustentou que apesar de o recorrido ter cumprido o dever de ceder a passagem e estar preste a entrar na Avenida Panorâmica do Lago Sai Van, ele ainda tinha a obrigação de ceder a prioridade ao veículo que, através dele, saiu do edifício dos Serviços de Alfândega. Isso violou completamente a lógica básica da condução e as regras de experiência comum.
8. Por outro lado, em todo o troço depois da Travessa do Petróleo (em frente ao edifício dos Serviços de Alfândega) não se encontra nenhuma linha de trânsito. Por isso, nos termos do art.º 6.º da LTR, o recorrido podia transitar à vontade e o atravessamento feito pelo recorrido não violou a LTR nem afectou outros utentes da via pública. Ao contrário, deveu o recorrente ceder a passagem por forma a permitir a passagem do recorrido, sem alteração da velocidade ou direcção deste.
9. Este acidente foi causado porque o recorrente tinha ignorado plenamente a regra de cedência de passagem acima referida e não tinha observado o dever de cedência de passagem para que não afectasse a segurança dos outros utentes (incluindo o recorrido) na via.
10. Além disso, é de especialmente enfatizar que, não tem sido aposto, na intersecção da Travessa do Petróleo, desde a ocorrência do acidente até agora, qualquer sinal indicador da obrigatoriedade de mudança de direcção para esquerda, pelo que é totalmente não convincente que o recorrente sustentou que aquela pintura de cor branca que se encontrou demasiado esbatida era uma sinalização de trânsito eficaz.
11. Neste processo, dos relatores, desenhadores e guardas policiais, bem como das fotos tiradas após o acidente e mais tarde, e em 18 de Julho de 2011 pelo recorrido (v documento 1) resulta que tal pintura de cor branca é totalmente não reconhecível. Por isso, o recorrido não tinha a obrigação de mudar de direcção para a esquerda quando saiu da Travessa do Petróleo.
12. Com base nos factos acima referidos, o despacho de pronúncia aplica leis correctas e não padece do vício de contradição referido pelo recorrente.
13. Quando ao juízo do recorrente sobre as velocidades das viaturas, aquele também não está em conformidade com a realidade. O recorrente parou completamente junto ao sinal de cedência de passagem aposto na travessa do petróleo, e logo transitou de novo, mas foi embatido dentro de 10 metros, distância em que é impossível que o recorrido aumentasse muito a velocidade.
14. Pelo contrário, o recorrente pensava que não era necessário ter em conta os veículos que vieram da Travessa do Petróleo por estes obrigatoriamente mudam de direcção para a esquerda. A velocidade da marcha do recorrente deveu ser muito alta por ele não conseguir parar apesar de ter visto o recorrido e ter abrandado. Isso revela a não credibilidade de o recorrente sustentar ter transitado a uma baixa velocidade no momento de sair do edifício dos Serviços de Alfândega.
15. Nestes termos, este acidente foi causado, plenamente, por o recorrente erradamente entender que não precisou de ceder a passagem aos veículos que vieram do sentido da Travessa do Petróleo. Por o recorrente ter transitado a uma alta velocidade, não conseguiu parar e acabou por embater contra o recorrido, causando que este caiu com o seu motociclo e sofreu lesões. A conduta do recorrente ignorou plenamente o dever de cedência de passagem sobre este recaiu nos termos do art.º 35.º, n.º 2, al. 1) da LTR.
16. Em geral, o recorrente não conduziu de forma prudente nem prestou atenção aos devidos cuidados de condução, constituindo-se prática por negligência, que não só violou o disposto no art.º 35.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 3/2007 mas também causou directamente ofensas graves à integridade física do recorrido.
17. Por isso, prova-se que a lei foi correctamente aplicada e a prova suficientemente apreciada no despacho de pronúncia recorrido, e que não se verifica nenhum vício previsto no art.º 400.º, n.º 2 do CPP, sendo manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente”; (cfr., fls. 280 a 283 e 344 a 355).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Ponderando o teor da Motivação do recurso (cfr. fls.219 a 243 dos autos), chegamos à impressão de o recorrente assacar, ao douto despacho de pronúncia recorrido, dois vícios, quais são: em primeiro lugar, erro de direito, e em segundo, erro notório na apreciação de prova.
Ressalvado o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que o recurso em apreço não merece provimento.
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Em sede do erro de direito, o recorrente arguiu que a Mema. Juiz a quo interpretava erradamente as regras jurídicas reguladoras do trânsito e formulava erróneo juízo sobre a causa determinante do acidente de viação do qual ele foi pronunciado como arguido.
O “ponto 2” do douto despacho de pronúncia recorrido refere (tradução de fls.306 a 307 dos autos, sublinha nosso): Nos termos do art.° 34.° e 35.° da Lei n.° 3/2007, Lei de Trânsito Rodoviário, existe sinal de cedência de passagem, no cruzamento do lado esquerdo da intersecção referida no processo, por isso, os automóveis que saíram da Travessa do Petróleo têm a obrigação de cedência da cedência de passagem. No entanto, este sinal de cedência de passagem também é eficaz para os automóveis que se dirigem na rua que, 10 metros de distância do edifício dos Serviços de Alfândega, se faz em dois sentidos. Além disso, tal sinal de cedência de passagem não significa dispensa da obrigação dos veículos que, saem do edifício dos Serviços de Alfândega, de cedência de passagem previsão no art.35.°, n.° 2 da Lei do Trânsito Rodoviário.
A nosso modo de ver, a interpretação manifestada na parte sublinhada do referido “ponto 2” não parece exacto nem correcto, por alargar indevidamente a eficácia espacional dos sinais de cedência de passagem fixos na boca da rua da Travessa do Petróleo à área em frende do edifício dos Serviços de Alfândega.
Porém, opinamos que a apontada incorrecção não invalida in casu o despacho de pronúncia, em virtude de, ao ocorrer o acidente de viação em causa, o veículo conduzido por assistente B ter passado já a boca da rua da Travessa do Petróleo, com a distância de 11.6 metros (cfr, fls.16 dos autos).
Pois, tal distância de 11.6 metros implica que ao ocorrer o acidente de viação, o assistente B se livrou da sujeição ao dever de cedência de passagem; e recai no recorrente o dever de cedência de passagem previsto na alínea 1 do n.o2 do art.35° da Lei n.°3/2007, segmento legal que rege o local do acidente.
Quer dizer que, segundo nos parece, o recorrente estava decerto na altura de ocorrer esse acidente, ao dever de cedência de passagem, por local do acidente reger-se pela alínea 1) do n.° 2 do art. 35° da Lei n.° 3/2007.
De qualquer maneira, o que é certo é que o local do acidente está no campo da visão do recorrente, e ele devia sempre observar as cautelas necessárias à segurança do trânsito (art. 34° n.° 2 da Lei n.° 3/2007).
As conclusões 10ª a 14ª da Motivação mostram nitidamente que o invocado «erro notório na apreciação de prova» tem por pressuposto o erro de direito, e constitui consequência deste último. Isto é, a lógica de argumentação do recorrente traduz-se em “não haver erro notório na apreciação de prova sem erro de direito”.
Tal lógica do recorrente dispensa-nos de exposição mais desenvolvida, pois, as considerações sobre “erro de direito” valem também para o erro notório na apreciação de prova.
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O n.°2 do art.289° do CCP dispõe: Se tiverem sido reconhecidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, proferir o despacho de não pronúncia.
Por sua vez, o n.°2 do art.265° do CCP prevê: Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
Desenvolvendo a definição legal, a boa jurisprudência reza:
A expressão “indícios suficientes” - tanto do art° 349° do C.P.P. de 1929 como do art° 265° do C.P.P.M. - significam o conjunto de elementos factuais que relacionados e conjugados, façam acreditar que são idóneos e bastantes para se imputar ao arguido a prática de um determinado ilícito criminal assim como para se concluir ser muito provável a sua condenação. Tal “conclusão”, implica uma rigorosa avaliação e valorização dos elementos de prova recolhidos de forma a permitir uma convicção que o arguido cometeu o crime investigado e que pela sua prática virá a ser condenado. (Acórdão do TSI no Processo n.° 31/2004)
A exigente suficiência de indícios para a pronúncia implica que o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe imputam. Para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado.
(Acórdãos do TSl nos Processos n.o125/2004 e n.o287/2005)
O disposto no n.°2 do art.265° do CCP e a explanação jurisprudencial mostram que são conceitos indeterminados e relativos a “suficiência” e a “possibilidade razoável”, e por isso, cuja interpretação exige inerentemente a margem de livre decisão.
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No caso sub judice, por falta de provas directas, não nos parece notório que o raciocínio e argumento do Tribunal a quo subjacentes ao despacho de pronúncia sejas muito mais firmes e consistentes do que os que levaram ao arquivamento.
Contudo, os considerando expostos designadamente nos pontos 8 a 12 do mesmo despacho sustentam, de forma suficiente e harmoniosa, a convicção resumida no seu ponto 13, no sentido de “Neste processo há indícios suficientes de o acidente ser causado porque o arguido, ao sair edifício dos Serviços de Alfândega, não observou prudentemente a obrigação de cedência de passagem, conduta essa violou o disposto no art.° 35.°, n.°2, al.1) da Lei n.° 3/2007, causando directamente ferimentos do assistente, os quais constituíram ofensas graves à sua integridade física”.
Outra consideração leva-nos a defender o despacho de pronúncia consiste em «por cautela», é que ternos em vista que permitindo prosseguimento deste processo nos ulteriores termos, o despacho de pronúncia possibilita que a apreciação do acidente de viação se aproxime mais da verdade e da justiça.
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Pelo todo o exposto, somos do parecer de que se deverá julgar improcedente o recurso em apreço”; (cfr., fls. 357 a 359).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Vem interposto recurso do despacho pelo Mmo JIC proferido e no qual se decidiu pronunciar o arguido A (A) pela prática de 1 crime de “ofensas graves à integridade física por negligência” p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 do C.P.M..
Atentas as questões pelo recorrente colocadas – “erro notório na apreciação da prova” e “erro de direito” – vale a pena aqui transcrever o dito despacho.
Tem pois o teor seguinte:
“1. Em 4 de Agosto de 2009, por volta das 16H50M, B, assistente neste processo, transitou no motociclo de matrícula n.º MC-XX-XX pela Travessa do Petróleo.
2. O assistente parou no sinal de cedência de passagem que se encontra na Travessa do Petróleo, e circulou de novo, em direcção da Avenida Panorâmica do Lago Sai Van, após ter tido certeza de não haver outras viaturas.
3. Ao mesmo tempo, o arguido A não observou a obrigação de cedência de passagem nem reparou o veículo conduzido pelo assistente que veio da Travessa do Petróleo à sua esquerda.
4. Antes da colisão, o assistente estava a circular à frente do arguido.
5. Quando o assistente saiu da Travessa do Petróleo por 10 metros e passou o portão do edifício dos Serviços de Alfândega, este foi derrubado pelo veículo dirigido pelo arguido, caindo e ficando lesado (v o desenho explicativo do acidente constante de fls. 16 dos autos).
6. A conduta acima referida do arguido A causou directamente ao assistente múltiplas fracturas da tíbia e fíbula superior direito e várias contusões dos tecidos moles, segundo a perícia do médico-legal, lesões esses precisam de 150 dias para recuperar e, possivelmente precisará mais 15 dias para a intervenção para remover aparelhos; as lesões constituem ofensas graves à integridade física (v a perícia do médico-legal constante de fls. 33 dos autos que se dá aqui por integralmente reproduzido),
7. O acidente causou ao motociclo de matrícula MC-XX-XX danificações, respectivamente a danificação do travão de mão do lado esquerdo, a desgaste da luz esquerda e do lado esquerdo da caixa de capacete, e ao veículo ligeiro de matrícula n.º MC-XX-XX três vestígios de danificações na sua frente esquerda, respectivamente danificações no seu pára-choques frontal esquerdo, na placa de identificação de serviços públicos e o amolgo da esquina esquerda do pára-choques frontal a 18 cm do solo (v fls. 18, 22 e 24 a 25 dos autos).
8. Aquando da ocorrência do acidente, o arguido A não conduziu o veículo de forma prudente, nem observou as regras de condução que deve ter em conta, quer dizer ele não abrandou a marcha ou parou ao sair de prédio para ceder a passagem ao assistente que estava a circular na via pública. A negligência do arguido violou o disposto no art.º 35.º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 3/2007, causando directamente ferimentos do assistente, os quais constituíram ofensas graves à sua integridade física.
9. O arguido A praticou de forma livre e consciente a conduta acima referida.
10. O arguido bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Face ao exposto, o arguido A praticou, em autoria material, um crime de ofensas graves à integridade física por negligência previsto e punido pelo art.º 142.º, n.º 3 do CPM e art.º 93.º, n.º 1 e art.º 94.º, al. 1) da Lei n.º 3/2007.
(…)”; (cfr., fls. 312 a 316).
Aqui chegados, vejamos.
Vem o arguido recorrer do transcrito despacho de pronúncia proferido pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal.
Assaca à decisão objecto do seu recurso, o vício de “erro notório na apreciação da prova” e de “erro de direito”, (em consequência daquele).
Vejamos.
O apontado “erro notório”, como um dos vícios da decisão da matéria de facto tem sido por este T.S.I. entendido como aquele que ocorre “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável”, existindo também “quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis”.
“Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”
E, “assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).
Ora, no caso dos autos, e compulsados os mesmos, não se vislumbra tal vício.
Com efeito, a decisão proferida resulta da análise global pelo Mmo Juiz feita de toda a prova existente nos autos, (adequadamente) apreciada em conformidade com o princípio de “livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., não se vislumbrando como, onde ou em que termos se tenha violado qualquer regra sobre as provas de valor tarifado – que, no caso, não existem – as regras de experiência ou legis artis.
Aliás, a descrição pelo Mmo Juiz feita do “evento”, (acidente de viação), mostra-se-nos compatível com o “croqui” existente nos autos, (cfr., fls. 2), e o próprio recorrente também não explicita em que assenta o vício de erro que imputa à decisão recorrida.
Dest’arte, e inexistindo o mencionado vício, pouco haveria a dizer também sobre o assacado “erro de direito”.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue:
Como sabido é:
“1. Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não-pronúncia.
2. Se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não-pronúncia.
3. É correspondentemente aplicável ao despacho referido nos números anteriores o disposto nos n.os 2 a 4 do artigo 265.º
4. No despacho referido nos números anteriores o juiz começa por decidir todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.
5. A circunstância de ter sido requerida apenas por um dos arguidos não prejudica o dever de o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas para todos os arguidos”; (cfr., art. 389° do C.P.P.M.).
E, na situação dos autos, manifesto é que presentes estão os necessários “indícios suficientes” da prática por parte do recorrente do crime pelo qual foi pronunciado.
De facto, inegável se nos apresenta que os autos indiciam, fortemente, que na data e hora referida nos autos, o ora recorrente saiu do Edifício dos Serviços de Alfândega conduzindo o veículo MC-XX-XX, e, por não ter respeitado o estatuído no art. 35° da Lei n.° 3/2007, (Lei do Trânsito Rodoviário), pelo menos, concorreu, para o choque com o assistente que, na altura, circulava no local, conduzindo o motociclo com a matrícula MC-XX-XX, causando-lhe os ferimentos e lesões a que nos dá conta o despacho recorrido.
Ora, tal, (e ainda que com eventual concorrência de culpas), demonstra, em nossa opinião, cabalmente, o acerto de decisão recorrida.
É, porém, óbvio, que em sede de audiência de julgamento, outra versão possa vir a ser dada como assente, (e outras circunstâncias possam também vir a ser apuradas), mas, como evidente também é, tal apenas constitui a “lógica do sistema”, pois que, de outra forma, seria a audiência de julgamento uma mera formalidade.
Nesta conformidade, e motivos não havendo para se censurar a decisão recorrida, improcede o presente recurso.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 5 UCs.
Macau, aos 20 de Outubro de 2011
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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