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Proc. nº 955/2009
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Novembro de 2011
Descritores: Nulidade de sentença
Ausência de fundamentação
Oposição entre fundamentos e oposição

SUMÁRIO:
I- A nulidade da alínea b), do art. 571º do CPC não se basta com uma fundamentação insuficiente ou pouco convincente, antes impondo uma ausência de razões que suportam a opção final.
II- Não se verifica a nulidade do art. 571º, nº1, al. c), do CPC, se a sentença apresenta um percurso de lógica e coerência entre o seu segmento fundamentativo e a sua parte dispositiva e decisória













Proc. nº 955/2009
(recurso Cível e laboral)


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM


I- Relatório

A, casado, de nacionalidade chinesa, residente na Rua Sacadura Cabral, nº X, em Macau, e B, casado, de nacionalidade chinesa, residente na Rua de Foschan, edif. Kam Li Tat Garden, bloco X, Xº andar, X, na Taipa, moveram acção de condenação com processo ordinário no TJB contra a C de D, representada pelos herdeiros ali identificados.

Tendo os autos prosseguido os seus trâmites até ao seu termo, foi proferida sentença que julgou a acção procedente.
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É dessa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pelos então réus, em cujas alegações foram formuladas as seguintes conclusões:

1.a Foi o presente recurso interposto da, aliás douta, Sentença que julgou procedente a acção, por provada, decidindo condenar os ora recorrentes a restituírem a quantia de MOP$6.180.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento;
2.a Ocorre vício de falta de fundamentação de direito quando a sentença, ainda que implicitamente, não revela o enquadramento jurídico deixando ininteligível os fundamentos da decisão;
3.a De harmonia com a lei, o juiz deve, na sentença, concluir em termos do que se vem entendendo reconduzir-se, analiticamente, ao estabelecimento de uma equação discursiva entre:
a) uma premissa maior, delineada na base da “facti species” plasmada no quadro normativo aplicável;
b) uma premissa menor integrada pelo universo factual dado como provado;
c) e uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.
4.a No presente caso, a decisão ora recorrida não tomou em consideração, na fixação da matéria de facto, elementos factuais que resultaram plenamente provados, e que constam dos autos, os quais eram decisivos para uma decisão oposta da que ora se recorre, nomeadamente quanto ao facto de inexistir qualquer prova que os pagamentos em causa tenham sido efectivamente realizados;
5.a Existe, ainda, uma manifesta falta de fundamentação na decisão recorrida por não especificação dos fundamentos de direito em que se ancora;
6.a Não fundamentando a razão pela qual os ora recorrentes têm que pagar a quantia de MOP$6.180.000,00, dado que se não fez prova dos alegados pagamentos invocados pelos AA. I nem do incumprimento definitivo e culposo do falecido;
7.a A (insuficiente, crê-se) fundamentação apresentada, para além de contrária à Lei, à Jurisprudência e à Doutrina, não é isenta de dúvidas, chegando mesmo, em alguns passos, a ser imperceptível, sendo que a imposição legal vai no sentido de que a mesma deve ser expressa, clara e precisa;
8.a Existindo contradição, obscuridade ou insuficiência, deve tal circunstância equiparar-se à sua falta.
9.a O douto aresto em apreço terá violado, assim, o disposto no art.º. 571°, nº 1, alíneas b) e c).
Nestes termos,
E nos mais de Direito que por Vossas Excelências, Senhores Juízes, forem doutamente supridos, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, e, consequentemente, absolver os ora recorrentes do pedido.
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Os autores da acção apresentaram resposta ao recurso, formulando nas alegações respectivas as seguintes conclusões:
A- Não existe no acórdão ora recorrido qualquer circunstância prevista no art.º 571.º do Código de Processo Civil;
B- Os fundamentos do recurso apresentados pelo recorrente residem apenas em: se é provado o facto de pagamento de sinal e se o acórdão recorrido possui motivação completa e suficiente;
C- A resposta dos recorridos mostra que o recurso interposto pelo recorrente é completamente improcedente.
D- O recurso recorra na falta dos fundamentos sob o princípio dispositivo, princípio do contraditório e princípio da legalidade;
E- A questão dos factos que o recorrente tem evitado: a apresentação da prova contra o sinal pagado pelos recorridos;
F- O mesmo não apresentou impugnação de forma tempestiva, própria e legal nos termos do direito processual, mas pôs em causa, durante o processo de recurso, a decisão provada do julgamento dos juízes sem nenhum facto ou prova novas.
G- Sendo assim, o acórdão recorrido é justo e imparcial.
H- Pelo exposto, os fundamentos do recurso apresentados pelo recorrente não podem ser procedentes, devem ser indeferidos conforme as disposições legais.
Nesse sentido, pede-se que o MM.º Juiz indefira o recurso interposto pelo recorrente e mantenha a decisão recorrida.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- Em 9 de Julho de 1991, os Autores celebraram com D e E ou F um acordo, nos termos do qual os Autores prometeram comprar, e estes prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos e devoluto, um lote de terreno, sito na Rua de Campo, em Coloane (fls. 23 e 24) (resposta ao quesito 1º).
- As partes acordaram expressamente que o preço do imóvel seria de HKD$31,043,376.00 (resposta ao quesito 2º).
- Os Autores, no acto da assinatura do referido acordo (9 de Julho de 1991), pagaram a D e E, a título de sinal, a quantia de MOP$3,090,000.00 (resposta ao quesito 3º).
- Tendo ficado acordado entre as partes que o remanescente em dívida seria pago pelos Autores a D e E no acto de celebração da escritura pública que titularia o contrato prometido (resposta ao quesito 4º).
- No acordo que celebraram, as partes estipularam que a escritura pública da compra e venda prometida deveria ser outorgado no prazo de doze meses a contar da data da assinatura do mesmo acordo (resposta ao quesito 5º).
- Ficou igualmente acordado entre os Autores, D e E que, em caso de demora motivada por formalidades legais, o prazo poderia ser prorrogado para outra data a determinar por mútuo acordo (resposta ao quesito 6º).
- Os Autores e os D e E nunca outorgaram a respectiva escritura pública de compra e venda (resposta ao quesito 7º).
- Decorridos mais de três anos após a assinatura da promessa de compra e venda, os Autores interpelaram o D e E por diversas e repetidas vezes, para a outorga da aludida escritura (resposta ao quesito 8º).
- Apesar das interpelações, o D e E não celebraram a escritura pública de compra e venda com os Autores (resposta ao quesito 9º).
- Os Autores intentaram, em 2 de Março de 1994, contra D e E, uma acção declarativa de execução específica do contrato-promessa, celebrado em 9 de Julho de 1991 - que correu termos pelo 1° Juízo do Tribunal de Competência Genérica de Macau, sob o nº 101/94 e posteriormente sob o nº CV3-94-XXXX-CAO (resposta ao quesito 10º).
- No dia 16 de Outubro de 1993, no Cartório do Notário Privado Dr. António Correia, por escritura pública e pelo preço de MOP$150,000,000.00, D e E-declararam vender à “Sociedade de Investimento Predial e Comercial G, Limitada” o lote de terreno descrito na Conservatória do Registo Predial sob nº XXXX, a fls. 19 Livro B-24 (resposta ao quesito 11º).

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III- O Direito
1- Estava em causa nestes autos um alegado incumprimento de um contrato de promessa por banda do promitente vendedor E, entretanto falecido.
A sentença julgou a acção procedente e, consequentemente, declarou resolvido o referido contrato e condenou a herança do falecido a pagar aos autores o dobro do sinal que àquele haviam adiantado.
Nas alegações do recurso, os recorrentes limitam-se a imputar à sentença a sanção de nulidade de que trata o art. 571º, nº1, nas suas alíneas b) e c), do CPC.
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2- E começam por dizer que ela peca por falta de fundamentação de facto e de direito.
Como é sabido, a nulidade da alínea b), do art. 571º CPC não se basta com uma fundamentação insuficiente ou pouco convincente, antes impondo uma ausência de razões que suportam a opção final (entre tantos, v. o acórdão do STJ, 10/07/2008, Proc. nº XXXXXXX).
Ora, no que ao primeiro defeito concerne, a sentença não teria, assim o afirmam os recorrentes, considerado factos provados, que seriam decisivos para uma decisão oposta àquela de que recorrem.
Todavia, os recorrentes não dizem quais são esses factos que entendem estar provados, nem revelam a importância que eles teriam para o desenlace da causa. Assim, fica-se sem saber qual a matéria a que dizem respeito e, por tal razão, qual a relevância que deveria ser-lhes, e alegadamente não foi, atribuída. Não representando, pois, o caso a situação prevista nos arts. 599º e 629º, nº1, al.a), do PC, nada mais pode este tribunal de recurso fazer.
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Depois, os recorrentes trazem ao recurso uma circunstância que, sim, seria de capital importância, para a defesa da sua tese: a de que não existe qualquer prova de que os pagamentos em causa tenham sido efectivamente realizados.
Se bem entendemos os recorrentes, estarão a referir-se ao pagamento a que se refere o ponto 3º da Base Instrutória, em que se pretendia apurar se os autores (promitentes-compradores) tinham pago a D e E a quantia de Mop$ 3.090.000,00 a título de sinal.
Ora, esta matéria resultou provada em audiência. Aliás, não havia sequer factualidade controvertida a respeito do pagamento do sinal. Ou seja, as partes no processo mostraram estar de acordo no sentido de que havia sido paga alguma importância a esse título, apenas estando por esclarecer se a importância era aquela que os autores indicavam na petição inicial ou se outra que os réus vieram a apontar e que fora levada à Base instrutória no quesito 12º.
Mas, acontece que a matéria do quesito 12º mereceu resposta negativa e, portanto, o dissídio entre os litigantes a respeito do montante pago ficou resolvido a favor dos autores. Por conseguinte, apurado está definitivamente que os autores pagaram o sinal de Mop$ 3.090.000,00.
Assim, e ao contrário do que defendem os recorrentes, a prova desse “pagamento” a título de sinal está feita.
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No que ao segundo vício decisório se refere, os recorrentes limitam-se à afirmação solta de que “existe uma manifesta falta de fundamentação na decisão recorrida, por não especificação dos fundamentos de direito em que se ancora”.
Mas, também aqui, a tese dos recorrentes carece de absoluta razão.
Com efeito, a sentença foi até mais longe do que até, talvez, o justificasse a simplicidade do caso. Na verdade, a sentença começou por aludir à natureza da relação estabelecida entre AA e D e E, para concluir tratar-se de uma relação contratual que imporia o seu rigoroso cumprimento. E esse caminho, traçou-o o digno julgador bordejando-o com ilustrações de doutrina e com citação normativa mais do que fundamentante.
A seguir, o juiz “ a quo”, segurando-se nos arts. 405º e 799º do CC de 1966, fez um exercício de demonstração de culpa dos RR.
E, finalmente, buscando nos arts. 442º e 830º, ambos do Código Civil de 1966 – que, aliás, transcreveu – o abrigo para a solução para o caso, deu em concluir que o litígio só tinha remédio com a devolução do sinal em dobro aos AA.
Isto é, o juiz fez o que devia, cumprindo o preceito legal que lhe comanda o dever de fundamentar de direito (art. 562º, nº2, do CPC).
Por tudo isto, improcede a invocação da nulidade baseada no art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
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3- Por último, os recorrentes entendem haver contradição entre fundamentação e decisão.
Como igualmente se julga consabido, a nulidade em causa só se verifica quando o iter cognoscitivo do julgador aponta num dado sentido e acaba por decidir em sentido oposto ou diferente (Ac. STJ, de 23/11/2006, Proc. nº XXXXXXX).
Mas, também neste passo, não podemos acolher esta posição. Em primeiro lugar, não se percebe – até por não no-lo terem esclarecido os recorrentes - em que medida há contradição entre fundamentação e decisão, dada a forma isolada e conclusiva, sem apoio em elementos ilustrativos, como esgrimiram este argumento. Limitaram-se eles, com efeito, a dizer que “existindo contradição, obscuridade ou insuficiência, deve tal circunstância equiparar-se à sua falta”, o que é inquestionavelmente muito pouco para se aquilatar do alcance da afirmação.
Em segundo lugar, não vislumbramos no julgado vício algum que a este possa efectivamente assemelhar-se. Na realidade, a sentença, além de cristalina e bem fundamentada, apresenta um percurso de lógica e coerência entre o seu segmento fundamentativo e a sua parte dispositiva e decisória que não podemos de maneira alguma ensombrar (Ac. TSI, de 22/07/2004, Proc. nº 170/2004).
E se os factos provados são aqueles que acima vimos (reveladores de um contrato promessa incumprido por banda dos promitentes vendedores), a aplicação do direito ao caso, pela forma como se expressou e decidiu o julgador, não merece o mais pequeno reparo, salvo melhor opinião.
Portanto, o art. 571º, nº1, al. c) do CPC não se mostra aqui prestimoso à invocada nulidade, por inexistente.
Eis, pois, a razão pela qual o recurso tem que forçosamente improceder.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
TSI, 10 / 11 / 2011

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José Cândido de Pinho
(Relator)

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Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)