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Processo n.º 125/2009
(Recurso Cível)

Data: 10/Novembro/2011


ASSUNTOS:
- Responsabilidade médica
- Responsabilidade civil

SUMÁRIO:
    
    1. Não haverá lugar a responsabilidade civil por acto médico dos médicos e Hospital, se não está comprovado o nexo causal entre a não detecção de uma dada fractura e um aumento da danosidade sofrida apenas em função dessa falha;
    
    2. Se fica por saber quais os prejuízos e sofrimentos imputáveis ao facto traduzido na omissão de detecção da apontada fractura e quais as omissões de tratamento agravativas do estado do paciente.
    
3. Mesmo a considerar-se que houve uma actuação menos diligente numa dada observação e fica por saber que tratamentos podiam ter sido empreendidos, desconhecendo-se sempre se os danos sofridos resultaram da ausência de tratamento dessa lesão ou se não foram consequência das outras lesões sofridas pelo A., para mais quando os tratamentos dispensados foram adequados às outras lesões e queixas apresentadas, excluída está a responsabilidade civil médica, que pode configurar as duas formas de responsabilidade civil, a contratual e a extra-contratual e em regra decorre da assunção de uma obrigação de meios.

O Relator,

João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira


















Processo n.º 125/2009
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 10/Novembro/2011
Recorrente: A
Recorridos: B e outros
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A autor melhor identificado, inconformado com a sentença que absolveu os réus de um pedido de indemnização por si formulado (no valor de MOP$705.828,00), relativo a actos que envolveriam responsabilidade médica, contra alguns médicos e contra o Hospital C, vem interpor recurso, alegando em síntese conclusiva:
    Os pontos da matéria de facto citados foram incorrectamente julgados e as passagens das gravações supra identificadas impunham decisão diversa da recorrida pelo que devem aqueles ser alterados em conformidade;
    O concurso das responsabilidades civis contratual e extracontratual deve ser resolvido por adopção do regime da responsabilidade contratual, recaindo, por isso, sobre o devedor o ónus da prova (artigo 788º do Código Civil), sem prejuízo, no entanto, da possibilidade de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais a fim de ser dada plena satisfação aos interesses do lesado;
    O incumprimento da obrigação contratual dos réus foi causa adequada dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor;
    Por ter ignorado a existência da lesão visível nas radiografias, todos os tratamentos administrados pelos réus ao autor foram-no em função das lesões na zona da cintura, não lhe tendo sido aplicados quaisquer tratamentos da fractura compressiva na 12ª vértebra lombar da zona do peito;
    Os réus administraram ao autor, durante o período em que a fractura compressiva na 12ª vértebra lombar não se encontrava curada, tratamentos de fisioterapia, tracção lombar (牽引) e redução manual (扭腰復位) que foram causa adequada dos danos sofridos pelo autor dos quais constam, além dos outros, os danos morais relativos às dores causados pelos mesmos tratamentos e os danos patrimoniais referentes às respectivas despesas;
    No caso do tribunal se entender que não poder existir cúmulo de indemnização pelos mesmos danos, deve os danos apenas descontados do montante já ressarcidos através da sentença proferida na acção ordinária n.º CV3-04-008-CAO.
    Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, serem os réus condenados a pagar ao autor a indemnização requerida na petição inicial, acrescida de juros à taxa legal, até integral pagamento.
    B, D, E, F, G, H, I, J, K e ASSOCIAÇÃO DE BENEFICÊNCIA DO HOSPITAL C, RR. nos autos à margem referenciados, notificados das alegações apresentadas pelo A. , contra alegam, dizendo, em suma:
    Ao contrário do que diz o A., das passagens referidas da gravação da audiência não resulta, de modo nenhum, a resposta afirmativa aos referidos quesitos 7º a 11º da Base Instrutória mas tão só aquilo que o Tribunal deu como provado nos quesitos 9º e 10° isto é, que após alta o A. recebeu tratamentos pelo método da tracção lombar e massagens.
    Por outro lado, como é dito no acórdão que decidiu a matéria de facto, a convicção do Tribunal não se baseou apenas na prova testemunhal cuja força probatória é apreciada livremente pelo tribunal nos termos do artigo 390º do Código Civil -, mas também nos documentos junto aos autos, pelo que não basta uma testemunha afirmar um determinado facto no seu depoimento para que, ipsu factum, o mesmo seja dado como provado.
    Porém, mesmo que fossem dados como provados os factos constantes dos quesitos 7° a 11º, essa prova nenhuma relevância teria para a presente acção, uma vez que, por um lado, ficou provado que os tratamentos referidos nos quesitos em causa foram aplicados em função da lesão detectada e que eram as causadoras das dores que o Á. se queixava e, por outro lado, não se provou qualquer dano para o Á. resultantes da aplicação desses mesmos tratamentos (vide resposta aos quesitos 19°, 20° e 27° a 30°, relatório de fls. 29 a 32, ponto 4 da análise do resultado da investigação, e ponto 3 das conclusões, relatório de fls. 931, as passagens da gravação de 08/06/24, Translator 1,005, 2:28 a 3:40, 006, 2:08 a 3:04,009, 3:18 a 6:45, 010, 7:00 a 8:11, depoimento do médico ortopedista do Hospital L, M, autor do relatório de perícia de fls. 931, gravação de 08/07/02, Translator 1, 001, 3:34 a 4:32; 21:24 a 21:55; 26:14 a 27:41).
    Quer com base nos depoimentos das testemunhas, quer com base nos documentos junto aos autos o tribunal apenas poderia ter dado como provado aquilo que consta da resposta dada ao quesito 22º, isto é, que a fractura compressiva da 12ª vértebra lombar não era muito visível nas radiografias (gravação da audiência de 08/06/24, Translator 1, 007, 0:00 a 6:28, 007, 17:28 a 19:09, relatório de fls. 29 a 32, ponto 1 da análise do resultado da investigação).
    De qualquer modo, também aqui, a prova de que a fractura era visível torna-se irrelevante face à ausência de danos para o A. resultantes de uma eventual omissão (ilícita) do diagnóstico da mesma, como salienta e bem o Meritíssimo Juiz baseando-se, designadamente, no relatório de perícia de fls. 931 dos autos.
    No que se refere à resposta dada ao quesito 24, não obstante a mulher do A. ter afirmado que a mesma (e não o A., note-se) pagou tal quantia, o Tribunal limitou-se, ponderando as circunstâncias, a valorar livremente essa afirmação, tal como lhe permite o artigo 390º do Código Civil, tendo entendido, e bem, que essa afirmação não foi suficiente para formar uma convicção positiva.
    De qualquer modo, mais uma vez, esse dano, a existir, é um dano resultante do acidente de que o A. foi vítima e não do facto ilícito que no caso se pretende imputar aos RR., isto é, uma eventual negligência no tratamento. Por isso, também aqui, a prova do facto constante do quesito 24 é totalmente irrelevante pois, sempre faltaria o nexo de causalidade entre o suposto facto ilícito e o dano, como salienta e bem o Meritíssimo Juiz na sentença ora posta em causa.
    O mesmo vale, mutatis mutandis, para os factos constantes dos quesitos 25 e 26 que o A. também pretende que sejam dados como provados. Tais danos não têm qualquer suporte documental neste processo pelo que tribunal entendeu, e bem, que o depoimento da mulher do A. (a única testemunha que a eles se referiu) não foi suficiente para firmar a convicção do Tribunal no sentido da sua prova.
    Acresce que, a existirem, são danos decorrentes do acidente do qual o A. foi vítima, não tendo sido demonstrado qualquer nexo de causalidade entre os mesmos e um eventual acto ou omissão dos RR, ora recorridos. Tanto assim é que foram danos reclamados e, na medida do provado e da culpa do lesante, indemnizados na acção cível que o A. intentou contra a Companhia de Seguros de Macau na sequência do acidente de que foi vítima, cujo acórdão final se encontra a fls. 716 e seguintes dos autos.
    Relativamente aos factos referidos nos quesitos 27 a 30 só com má fé pode o A. afirmar que os mesmo deviam ter sido dados como provados.
    Com efeito, com esses quesitos não se pretende saber se o A. ainda sofre dos sintomas aí referidos mas sim, tendo em conta o alegado na p.i., se o facto de ainda os sofrer deve-se (tem o seu nexo de causalidade) a uma eventual omissão de diagnóstico da fractura compressiva da 12° vértebra.
    De resto, isso mesmo foi devidamente esclarecido pelo Tribunal na sequência da reclamação da selecção da matéria de facto apresentada pelos RR. de fls. 780 a 785 , afirmando que o nexo de causalidade entre essa eventual omissão de diagnóstico e os sintomas estava estabelecido através da primeira parte do quesito 27 "em virtude de" (Cfr. decisão da reclamação de fls. 911 e 912).
    Ora, como salienta e bem o Meritíssimo Juiz na douta sentença, o relatório de fls. 931 é elucidativo quanto a inexistência de qualquer nexo de causalidade entre a omissão de diagnóstico da fractura e os sintomas que o A. alega padecer.1
    A inexistência de nexo de causalidade entre a omissão de diagnóstico da fractura e os sintomas referidos consta ainda do depoimento dos médicos que depuseram na audiência (vide, entre outras, as passagens da gravação da audiência de 08/06/24, Translator 1,009, 4:21 a 7:06 e 010, 0:01 a 11:02).
    Assim, quer em face dos documentos .juntos aos autos, designadamente o relatório de fls. 931, quer em face dos depoimentos prestados por vários médicos na audiência (designadamente as passagens da gravação de 08/06/24, Translator 1,009, 4:21 a 7:06 e 010, 0:01 a 11:02) resulta de forma absolutamente inequívoca que os sintomas referidos nos quesitos 27 a 30, a existirem, são consequências do prolapso ou hérnia intervertebral lombar derivados do acidente e não de uma eventual omissão de diagnóstico da fractura compressiva da 12ª vértebra, a qual de resto se encontra curada (vide resposta ao quesito 19°) e sem quaisquer sequelas que não sejam as resultantes de qualquer fractura, independentemente do modo de tratamento aplicado
    Quanto ao quesito 15, como é óbvio, o mesmo refere-se às dores que o A. apresentava quando se deslocou ao hospital para consulta. Assim, não há qualquer dúvida, quer em face dos documentos junto aos autos, quer dos depoimentos das testemunhas que o facto constante desse quesito foi bem dado como provado (vide relatório de fls. 29 a 32, ponto 3 da análise do resultado da investigação e ponto 4 das conclusões, Doc. 2 junto à contestação, passagens da gravação da audiência de 08/24/06, Translator 1,010, 0:00 a 8:16, de 08/07/02, Translator 002, 4:36 a 4:52, 11:14 a 1407).
    Em conclusão de todo o exposto, face aos documentos constantes dos autos e os depoimentos das testemunhas, não merece qualquer censura as respostas dadas aos quesitos pelo que não pode haver qualquer alteração à matéria de facto dada como provada.
    A obrigação de indemnizar decorrente de acto médico pode ter por fonte uma relação contratual, uma relação extracontratual ou a ofensa a um direito de personalidade.
    Assim, se o A., aqui recorrente, pretendia fazer valer nos presentes autos o regime de responsabilidade civil contratual deveria ter invocado factos nesses sentido, o que não fez. E, não o tendo feito, não pode pretender que seja adoptado, sem mais, o regime da responsabilidade contratual.
    De qualquer modo, no caso concreto, face aos factos provados e não provados, a questão do regime de responsabilidade a adoptar é meramente teórica.
    Com efeito, mesmo que se adopte o regime da responsabilidade contratual e, consequentemente, se inverta o ónus da prova, caberia ao A., aqui recorrente, fazer a prova do facto ilícito, da existência de danos e do nexo causal entre a acção ou omissão e o dano provocado.
    Isto é, no caso concreto, o A. teria de ter demonstrado que um diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido, e por assim ter sido, houve determinados danos pois, se outro acto médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado teria levado à cura ou atenuado a lesão de que padecia.
    Recorrendo ao direito comparado, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal que, "na responsabilidade contratual por acto médico, o que se presume é a culpa no cumprimento defeituoso, mas não o cumprimento defeituoso". E, "em sede de causalidade adequada. por sua vez, tem de ser provado pelo paciente que certo tratamento ou intervenção (oram omitidos ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados. determinação dos actos que deviam ter sido praticados e não (oram. do conteúdo do dever de prestar -. e por tal ter acontecido, em qualquer fase do processo. se produziu o dano. ou seja. (oi produzido um resultado que não se verificaria, se outro fosse o acto médico efectivamente praticado ou omitido" (Vide. Acórdão do STJ de 19/18/2007, retirado da internet, http://www.dgsi.pt/jstj)
    No caso concreto, conforme foi configurado pelo A., a ilicitude da conduta imputada aos RR. reside tão só e apenas na não detecção da fractura compressiva da 12ª vértebra tendo todo o tratamento que lhe foi dispensado sido dirigido para a lesão das vértebras lombares (a hérnia).
    Com efeito, embora tenha sido dado como provado que os RR. não diagnosticaram de imediato quer a fractura quer a lesão do disco interveretbral lombar (hérnia) o A. não aponta aos RR., aqui recorridos, qualquer negligência médica no diagnóstico e tratamento da hérnia ou lesão do disco intervertebral lombar, uma vez que o mesmo foi diagnosticado ainda no mesmo dia em que se deu o acidente e foi tratado (vide alíneas f) e g) dos factos assentes e quesito 20), mas tão só no que diz respeito à não detecção, na mesma data, da fractura compressiva da 12ª vértebra, apontando também apenas danos alegadamente resultantes dessa suposta negligência.
    Ora, as queixas que o A. apresentava apontavam para um quadro clínico de lesão nas vértebras lombares - tendo em conta que era essa lesão a causadora das dores do A. (vide resposta aos quesitos 13°, 14° e 15°) - pelo que os médicos incidiram a sua atenção na zona lombar e passaram a tratar dessa lesão (vide as alíneas f) e g) dos factos assentes e as respostas aos quesitos 13°, 14°, 15° e 20).
    Isto é, face ao quadro clínico apresentado e às lesões detectadas que provocavam as dores que o A. se queixava - não havia, nem se provou que houvesse, obrigação por parte dos RR., médicos, de efectuarem outros exames à procura de mais lesões. Aliás, isso é dito expressamente pelo médico do Hospital L (o autor do relatório de perícia) no seu depoimento como se pode comprovar das passagens da gravação da audiência de 08/06/24, Translator 1,007, 0:00 a 6:28, e 010 6:00 a 8:10).
    Assim, conclui-se que não houve violação da legis artis médica por parte dos RR. na não detecção da fractura compressiva da 12ª vértebra na medida em que não era essa lesão a causadora das queixas e dores apresentadas pelo A. e pelas quais os RR. se orientaram na feitura do diagnostico e realização do tratamento. Tendo os RR. diagnosticado a lesão causadora das dores que o paciente apresentava não omitiram nenhum dever de cuidado ao não procederem a novos exames para detectarem outras lesões.
    Mas, mesmo admitindo, apenas por hipótese de raciocínio, que o mero facto de não ter sido detectado a fractura compressiva da 12ª vértebra constitui, por si só, uma omissão de diagnóstico ilícita, ter-se ia, ainda assim, de concluir-se, face aos factos provados, pela ausência de culpa por parte dos RR. aqui recorridos.
    Com efeito, citando novamente Álvaro Dias, "o ponto de partida essencial para qualquer acção de responsabilidade médica é, por conseguinte, a desconformidade da concreta actuação do agente, no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais, teria tido em circunstâncias semelhantes na altura".
    Ora, se o A. não apresentava queixas que pudessem conduzir a detecção da fractura compressiva da 12ª vértebra e, se após exames feitos, foram detectadas aquelas efectivamente causadoras das dores que o mesmo se queixava, não era exigível a nenhum médico medianamente competente, prudente e sensato, que continuasse a fazer outros exames à procura de outras eventuais lesões.
    Assim, mesmo que a não detecção da fractura compressiva da Ir vértebra lombar pudesse, por si só, configurar um ilícito a verdade é que estaria afastada a culpa dos réus por essa omissão.
    Por outro lado, mesmo que se tivesse provado facto ilícito e não se tivesse provado falta de culpa, o certo é que não se provou danos nem nexo de causalidade entre estes e aquela.
    Como é referido na sentença ora posta em crise, na presente acção, não estão em causa danos decorrentes do acidente de que o A. foi vítima, mas sim os decorrentes do facto ilícito que é imputado aos RR., isto é, a não detecção imediata da fractura compressiva da Ir vértebra.
    Relativamente ao suposto ilícito imputado ao A. verifica-se que a fractura encontra-se curada (vide resposta ao quesito 19) sendo a sequela que apresenta (incapacidade de 10 %) uma consequência própria da fractura, nada tendo a ver com a sua não detecção imediata (vide relatório de fls. 931 e os vários depoimentos nas passagens da gravação por diversas vezes aqui referidas).
    Não se provou qualquer atraso na cura da fractura compressiva da 12ª vértebra nem que as sequelas que o A. alega sentir têm o seu nexo causal na sua não detecção imediata como bem atesta o Meritíssimo Juiz a quo (vide ainda as respostas aos quesitos (vide relatório e passagens citados e ainda as respostas dadas aos quesitos 19°, e 27° a 30°).
    De resto, a falta de danos levou a que o A. repetisse na presente acção os danos que já tinha peticionado na acção de indemnização intentada contra a Companhia de Seguros de Macau na sequência do acidente de que foi vítima, acção essa que correu termos no Tribunal Judicial de Base sob o n° CV3-04-008-CAO e cuja decisão final se encontra a fls. 716 a 734 dos autos.
    Assim, os únicos danos que resultaram provados no presente processo [alínea p) dos factos assentes e quesito 21°] foram danos resultantes do acidente, tendo o A. já sido indemnizado pelos mesmos na medida da culpa do lesante, nesse outro processo.
    Pelo que se conclui que, mesmo que se entenda ter havido um facto ilícito por parte dos RR. - a não detecção imediata da fractura compressiva da Ir vértebra - o A. não conseguiu fazer a prova da existência de danos e do nexo de causalidade entre estes e o ilícito imputado aos RR.
    Assim, em conclusão, andou muito bem o Meritíssimo Juiz a quo ao decidir, de forma bem fundamentada, quer de facto quer de direito, pela improcedência da acção por falta dos requisitos legais da responsabilidade civil por parte dos RR. aqui recorridos.
    Nestes termos se requer dever o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS

    Vêm provados os factos seguintes:
   “Da Matéria de Facto Assente:
  - Em 20 de Setembro de 2001, o Autor A caiu do motociclo que conduzia (alínea A) da Especificação).
  - Após a queda, recorreu imediatamente aos serviços médicos do Hospital C, tendo aí sido submetido, no mesmo dia, a exame radiológico (alínea B) da Especificação).
  - Os médicos Dr. J (8º Réu) e Dr. K (9º Réu), do departamento médico do Hospital C, indicaram no relatório radiológico de 20 de Setembro de 2001, o seguinte: “curvatura fisiológica da coluna vertebral lombar, cujo alinhamento é aceitável. Não se verifica compressão ou hiperplasia nos corpos vertebrais, a estrutura das articulações pequenas vertebrais é aceitável. Não se verifica estreitamento dos espaços invertebrais nem sintoma da fractura da vértebra lombar” (alínea C) da Especificação).
  - Pelo subsequente exame realizado pelo 1º Réu Dr. B e tomadas como referência as radiografias, ao Autor foi diagnosticado uma entorse da região lombar (alínea D) da Especificação).
  - No mesmo dia 20 de Setembro de 2001, à tarde, o Autor recorreu outra vez aos serviços médicos do Hospital C, tendo sido submetido a um exame de tomografia computorizada (CT) (alínea E) da Especificação).
  - O 7º Réu I do Departamento Médico do Hospital C, no relatório do exame CT referido na alínea anterior indicou o seguinte: “O disco intervertebral L4-L5 está abaulado e o disco inter-vertebral L5-S está lesado ligeiramente” (alínea F) da Especificação).
  - Após esse exame o autor ficou internado no Hospital C para ser tratado (alínea G) da Especificação).
  - O Autor teve alta em 28 de Setembro de 2001 (alínea H) da Especificação).
  - Na altura, o 2º Réu, Dr. D também diagnosticou contusões no tecido mole da região lombosacral e na articulação do joelho direito (alínea I) da Especificação).
  - Em 30 de Outubro de 2001, o Autor dirigiu-se ao Hospital C para consulta previamente marcada, em que o 4º Réu diagnosticou-lhe outra vez a contusão na região lombosacral (alínea J) da Especificação).
  - Em 18 de Fevereiro de 2002, dois massagistas, sob arranjo do 5º Réu, começaram a dar tratamento de massagem ao Autor (alínea L) da Especificação).
  ***
  - Em 15 de Janeiro de 2003, o Autor foi submetido a novo exame CT, de cujo relatório consta o seguinte: “O disco intervertebral L4-L5 abaulado com distensão ligeira das vértebras lombares; o disco intervertebral L5-S está lesado ligeiramente” (alínea M) da Especificação).
  - Em 20 de Janeiro de 2003, o Autor dirigiu-se ao Hospital da cidade de Foshan, no Interior da China, para consulta e exame, tendo-lhe sido diagnosticada fractura compressiva antiga da 12ª vértebra lombar e doença degenerativa das vértebras lombares (alínea N) da Especificação).
  - Em 6 de Fevereiro de 2003, o Autor apresentou queixa junto do Centro de Avaliação das Queixas Relativas a actividades de Prestação de Cuidados de Saúde dos Serviços de Saúde, tendo este Centro elaborado o Relatório cujo teor consta de fls. 29 a 32 dos presentes autos e aqui se dá por reproduzido (alínea O) da Especificação).
  - O Autor despendeu a importância de MOP$61.000,00 no Hospital C durante o período de Setembro de 2001 a Fevereiro de 2004, correspondente à despesa com tratamentos médicos (alínea P) da Especificação).
  - O Autor instaurou contra a Companhia de Seguros de Macau SARL uma acção declarativa com processo comum e forma ordinária que corre termos neste Tribunal Judicial de Base sob o n.º CV3-04-008-CAO tendo a respectiva petição inicial o teor que consta do documento de fls. 526 a 529 dos presentes autos e que aqui se dá por reproduzido (alínea Q) da Especificação).
  - Na acção referida na alínea anterior foi proferida neste Tribunal Judicial de Base, douta sentença cujo teor consta de fls. 696 a 715 e aqui se dá por reproduzido (alínea R) da Especificação).
  - Dessa sentença foi interposto recurso, o qual foi decidido pelo douto Acórdão do Tribunal de Segunda Instância cujo teor consta de fls. 716 a 734 dos presentes autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea S) da Especificação).
  ***
   Da Base Instrutória
  - O 1º Réu não diagnosticou ao Autor de imediato a fractura compressiva na 12ª vértebra lombar e a hérnia do disco intervertebral (Resposta ao quesito 1º).
  - Durante os 9 dias em que o Autor esteve internado, entre 20 e 28 de Setembro de 2001 (Resposta ao quesito 5º).
  - Em situação normal, é aconselhável que o doente que sofre de fractura das vértebras lombares deve permanecer em colchão de consistência firme e usar “sayer’s jacket” para a fixação (Resposta ao quesito 6º).
  - Após a alta, o Autor recebeu tratamento pelo método de tracção lombar (Resposta ao quesito 9º).
  - O Autor chegou a receber tratamento de massagem (Resposta ao quesito 11º).
  - O Autor apresentava queixas na zona lombar (Resposta ao quesito 13º).
  - Nunca se tendo queixado na zona torácica (Resposta ao quesito 14º).
  - As lesões detectadas no exame CT realizado em 20 de Setembro de 2001 eram as causadoras das dores e do sofrimento do Autor (Resposta ao quesito 15º).
  - Quando o Autor se dirigia ao Hospital C procurava fazer marcações de consultas em médicos diferentes (Resposta ao quesito 16º).
  - O Autor recebeu tratamentos de terceiros fora das instalações do Hospital C (Resposta ao quesito 17º).
  - A fractura na 12ª vértebra já se encontra curada (Resposta ao quesito 19º).
  - Os tratamentos administrados pelos Réus ao Autor foram-no em função das lesões detectadas no exame CT realizado em 20 de Setembro de 2001 (Resposta ao quesito 20º).
  - O Autor despendeu nos serviços médicos do Interior da China a quantia de MOP$5.338,00 e em transportes a quantia de MOP$4.660,00 (matéria igualmente alegada e provada no processo CV3-04-0008-CAO) (Resposta ao quesito 21º).
  - A fractura compressiva na 12ª vértebra lombar não era muito visível nas radiografias (Resposta ao quesito 22º).
  - Quanto ao ligamento colateral médio, o exame astroscópico revelou que a grau zero era estável mas a 30 graus tinha soltura (Resposta ao quesito 99º).”
  
    III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- O caso
- Posição vertida na sentença recorrida
- Impugnação da matéria de facto
- Enquadramento jurídico da responsabilidade médica
- Projectando os princípios no caso concreto
- Pressupostos da responsabilidade civil
- Facto ilícito
- Culpa
- Danos
-Nexo causal

    2. O caso

Em 20/09/2001, o Autor foi levado ao Hospital C por ter sofrido um acidente de queda;
No mesmo dia, foi tratado pelo 8º e 9º Réu, médicos do referido Hospital;
Foi detectada uma entorse da região lombar;
No mesmo dia, o Autor submeteu-se ao exame CT e foi detectado: “O disco intervertebral L4-L5 está abaulado e o disco inter-vertebral L5-S está lesado ligeiramente” (alínea F) da Especificação);
O Autor passou a internou-se no referido Hospital;
Em 28/09/2001, o Autor teve alta;
Em 30/10/2001, o Autor voltou ao referido Hospital para consulta;
Em 18/02/2002, o Autor começou a receber tratamento de massagem;Em 15/01/2003, o Autor submeteu-se ao exame CT e concluiu-se: “O disco intervertebral L4-L5 abaulado com distensão ligeira das vértebras lombares; o disco intervertebral L5-S está lesado ligeiramente” (alínea M) da Especificação).
Em 20/01/2003, o Autor foi à China para receber tratamento, tendo-lhe sido diagnosticada fractura compressiva antiga da 12ª vértebra lombar e doença degenerativa das vértebras lombares (alínea N) da Especificação).
O Autor imputou ao 1º Réu e ao Hospital a culpa por não detectarem a fractura compressiva na 12ª vértebra lombar e a hérnia do disco intervertebral e todo o tratamento dispensado ao Autor orientou-se para as lesões das vértebras lombares.
O Autor sustentou que os Réus não respeitaram a legis artis, a praxis clínica, uma vez que não realizaram todos os exames necessários e aconselháveis, porque não conseguiram detectar todas as lesões que o Autor sofreu à data em que ele se dirigiu ao Hospital em 20/09/2001. O Autor imputou aos Réus omissão de acção de cuidado, zelo e profissionalismo. O doente deveria ter sido alvo de exames mais aprofundados. Os factos alegados, na perspectiva do Autor, apontam para ideia de que os Réus omitiram o dever de acompanhar cuidadosamente a situação do estado do Autor.
Basicamente e em suma, pretende o A. ser ressarcido das despesas e incómodos sofridos por alegada falta médica dos réus que o não terão diagnosticado e tratado convenientemente.

3. Posição vertida na sentença recorrida

Afirma-se na sentença recorrida que no caso em análise, o Autor, sem referir expressamente uma das tutelas, socorre-se (designadamente nas alegações do recurso) das disposições atinentes à responsabilidade civil extracontratual.
Estando aqui em causa a eventual violação ilícita de um direito de personalidade, em concreto a saúde, sempre tal ilícito geraria responsabilidade extracontratual.

E por falta de comprovação da culpa dos médicos e da violação das leges artis conclui-se pela improcedência do pedido do A.

A. que nesta sede de recurso configura a responsabilidade como contratual.
4. Da impugnação da matéria de facto
    4.1. Diz o recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provados - através do depoimento prestado pelas testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, as quais, segundo o despacho do Colectivo, depuseram com isenção e imparcialidade - :
    - os factos constantes dos quesitos 7°, 8°, 9°, 10°, 11° da Base Instrutória com base na prova gravada a 7:35 a 13:58, 48:35 a 52:25 e 93:00 a 93:45 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001);
    - o facto "a fractura compressiva na 12ª vértebra lombar era visível nas radiografias" constante do quesito 22° da Base Instrutória com base na prova gravada a 13:50 a 15:00, 48:35 a 52:25, 59:10 a 62:57 e 83:00 a 87:30 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2, 0001) e 4:05 a 5:30 da audiência de 08.7.2, (Traslator 2,0001);
    - o facto constante do quesito 24° da Base Instrutória com base na prova gravada a 21:50 a 22:20 e 42:50 a 43:55 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2, 0001);
    - o facto constante do quesito 25° da Base Instrutória com base na prova gravada a 20:00 a 20:58 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001);
    - o facto constante do quesito 26° da Base Instrutória com base na prova gravada a 21:20 a 21:50 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001);
    - o facto constante do quesito 27° da Base Instrutória com base na prova gravada a 24:35 a 25:00 e 30:00 a 33:11 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001);
    - o facto constante do quesito 28° da Base Instrutória com base na prova gravada a 25:00 a 25:40, 30:00 a 33:11 e 38:58 a 39:23 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001);
    - o facto constante do quesito 29° da Base Instrutória com base na prova gravada a 22:30 a 24:35 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001);
    - o facto constante do quesito 30° da Base Instrutória com base na prova gravada a 25:40 a 26:00, 30:00 a 33:11 e 38:58 a 39:23 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001).
    Por outro lado, acrescenta, através do depoimento prestado pelas testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, as quais, segundo o despacho do Colectivo, depuseram com isenção e imparcialidade, deveria o Tribunal ter considerado como não provado o facto constante do quesito 15° com base na prova gravada a 7:35 a 15:25 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2,0001) porquanto os tratamentos de fisioterapia, tracção lombar (牽引) e redução manual (扭腰復位) também foram causa das dores sofridas pelo autor.
    
    4.2. Trata-se nesses quesitos de matéria relacionada com os tratamentos ministrados ao A. (7º a 11º), com os danos, dores e padecimentos sofridos (24º a 30º), sendo que no quesito 22º se indagava da visibilidade da 12ª fractura, tendo-se respondido que não era muito visível.
    Como está bem de ver só e na medida em que se mostrar relevante uma resposta diferente e tal como o A. a configura se irá indagar da justeza da apreciação da matéria de facto, o que se impõe por razões de economia e celeridade.
    Mas, desde já, analisando as provas oferecidas, fica a ideia de que a convicção firmada pelo tribunal não desmerece das respostas dadas, sendo que as passagens citadas respeitam necessariamente a depoimentos que não deixam de ser parcelares.
    
    4.3. Ouvindo os locais citados da gravação não resulta a resposta afirmativa aos referidos quesitos, mas tão só aquilo que o Tribunal deu como provado nos quesitos 9° e 10° isto é, que após alta o A. recebeu tratamentos pelo método da tracção lombar e massagens.
    Não basta uma testemunha ter afirmado um determinado facto no seu depoimento para que o mesmo seja dado como provado.
    Um depoimento desgarrado não pode deixar de ser analisado globalmente em confronto com toda a prova e importa não esquecer que é o Tribunal Colectivo que tem em primeira linha uma percepção global e imediata dessa mesma prova
    Por outro lado, como é dito no acórdão que decidiu a matéria de facto, a convicção do tribunal não se baseou apenas na prova testemunhal - cuja força probatória é apreciada livremente pelo tribunal nos termos do artigo 390° do Código Civil -, mas também nos documentos juntos aos autos.
    4.4. Diga-se, no entanto, que os tratamentos referidos nos quesitos em causa foram administrados ao A. em função das lesões que lhe foram detectadas no hospital C (vide resposta ao quesito 20).
    Ficou ainda provado que eram essas as lesões causadoras das dores que o A. apresentava e das quais se queixava (Vide resposta aos quesitos 13° a 15°).
    Acresce que, esses tratamentos não tiveram qualquer influência negativa no tratamento e cura da fractura da 12ª Vértebra (a outra lesão de que o A. padecia) sendo até recomendados por certos médicos, designadamente os de medicina chinesa.
    É até o que resulta do relatório elaborado pelo Centro de Avaliação de Queixas dos Serviços de Saúde na sequência de uma queixa apresentada pelo A. contra o Hospital C e os restantes réus, relatório esse referido na alínea o) dos factos assentes e cujo teor, constante de fls. 29 a 32 dos autos, foi dado como reproduzido (vide ponto 4 da análise do resultado da investigação, e ponto 3 das conclusões).
    O mesmo se retira do depoimento das testemunhas, designadamente através das passagens da gravação de 08/06/24, Translator 1,005, 2:28 a 3:40; 006, 2:08 a 3:04,009, 3:18 a 6:45,010, 7:00 a 8:11, depoimento do médico ortopedista do Hospital L, M, que foi quem elaborou o relatório de perícia de fls. 931, gravação de 08/07/02, Translator 1,001, 3:34 a 4:32, 21:24 a 21:55, 26:14 a 27:41.
    Ou seja, quer da prova testemunhal quer da prova documental resultou que os tratamentos em causa foram adequados à lesão principal sofrida pelo A., aqui recorrente, e não tiveram qualquer influência negativa a nível do tratamento da fractura estável da vértebra torácica.
    Mas voltaremos aos factos se tal se mostrar para melhor esclarecimento dos pressupostos da responsabilidade civil.

    5. Da responsabilidade civil médica
    
    5.1. A questão que se coloca é a da responsabilidade civil dos réus perante os factos descritos, responsabilidade esta que o recorrente configura como de responsabilidade civil contratual.
    Desde já se realça e para todos os efeitos que se trata de uma responsabilidade civil por acto médico no âmbito do direito privado.
Em tese, coloca-se a questão de saber se o doente - perante a conduta do médico que integra simultaneamente violação do contrato e ilícito extracontratual- pode recorrer a ambas as tutelas ou apenas a uma delas. E conclui-se no sentido de facultar ao lesado a escolha entre o regime que melhor o protege no caso concreto é a solução que melhor se coaduna com o princípio do favorecimento da vítima. Admitir que, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços sui generis fossem impunes condutas que – na ausência do contrato – integrariam responsabilidade aquiliana, constituiria o paradigma da não protecção do doente.
Aceita-se, assim, a doutrina do concurso de responsabilidades. O que implica que haja uma única acção, a que corresponde no plano material a um único direito, que tem como objecto unitário o ressarcimento do dano, mas que pode ser fundamentada em diversas normas.
    Mas mais importante do que saber se estamos perante um caso de responsabilidade contratual ou extracontratual, ou se é admissível o chamado “concurso de responsabilidades”, o que principalmente importa averiguar é se o/s réu/s agiu/agiram de forma negligente e, por isso, deve/m ser responsabilizado/s pelas consequências do seu acto.

    5.2. A responsabilidade civil (conjunto de factos que dão origem à obrigação de indemnizar os danos sofridos por outrem) pode ser classificada em responsabilidade contratual e extracontratual ou aquiliana (ou obrigacional e extra-obrigacional ou delitual, conforme os autores).
Em qualquer dos casos, a responsabilidade civil consiste na obrigação de o lesante reparar os danos sofridos pelo lesado. E aqui cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento duma obrigação como a resultante da violação de direitos absolutos.
O Código Civil trata separadamente as duas modalidades de responsabilidade (nos artigos 477º e segs a responsabilidade extracontratual e nos artºs. 787º e s.s. a resp. contratual). Mas, nos artigos 556º e segs sujeita-se ao mesmo regime a obrigação de indemnização.
E embora sujeitas a um regime comum, podem assinalar-se algumas diferenças de largo alcance prático:
- Na responsabilidade extracontratual, geralmente, a culpa não se presume (artº 480º, nº 1), ao contrário do que acontece na obrigacional (artº 788º, nº 1);
- O regime da responsabilidade por acto de terceiros é diferente (artºs. 493º e 789º);
- Os prazos de prescrição são diferentes;
- Nos casos de pluralidade de responsáveis, na responsabilidade aquiliana o regime aplicável é o de solidariedade (artº 490º do CC), o que não sucede no domínio da responsabilidade contratual, pois só é admitida quando resulte da lei ou da vontade das partes (artº 506º).
No que se refere às diferenças essenciais entre os dois regimes, se a questão relativa ao ónus da prova, que poderia ser da maior importância, praticamente não se coloca já que a responsabilidade obrigacional resulta do incumprimento de uma ou mais obrigações, supondo, pois, a falta de cumprimento de uma obrigação, já não assim em relação aos danos não patrimoniais que vêm peticionados.
    Como é sabido, é discutida a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual - se bem que a posição maioritária a defenda,1, sendo certo que outros autores defendem o contrário.2
    
    5.3. A responsabilidade extra-obrigacional pode definir-se, em relação à obrigacional, por exclusão de partes (resulta da violação duma regra geral relativa à conduta, de deveres genéricos de respeito, de normas destinadas à protecção de outrem).
    A responsabilidade aquiliana nasce, pois, quando o dano resulta de infracção de um dever geral de conduta.
Enquanto que a responsabilidade extracontratual surge como consequência da violação de direitos absolutos, que se encontram desligados de qualquer relação pré-existente entre o lesante e o lesado (obrigação de indemnizar em consequência de um acidente de viação, por exemplo), a responsabilidade contratual pressupõe a existência duma relação inter-subjectiva, que atribuía ao lesado um direito à prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa mesma relação (caso típico da violação de um contrato).
Não havendo, contudo, nos dois tipos de responsabilidade, danos distintos ou condutas diferentes, tratando-se apenas de dois regimes legais de protecção do lesado, que prevêem tal conduta ilícita e que visam reparar o dano, tendo cada regime a sua teleologia própria.
Nesta conformidade, aceita-se que a responsabilidade civil médica admite ambas as formas de responsabilidade referidas. É que o mesmo facto poderá, ao mesmo tempo, representar a violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual. Mas, no domínio da responsabilidade aquiliana, apenas a responsabilidade civil fundada em factos ilícitos é admissível (e não pelo risco ou por factos lícitos).

    5.4. Os casos de negligência médica estão a tornar-se mais frequentes nos tribunais nos últimos anos.
Mas nem sempre é fácil discernir até que ponto existe efectivamente erro médico, uma actuação negligente, ou apenas falta de meios para um correcto diagnóstico. No entanto, casos têm surgido em que é nítida a falta de cuidados nos serviços de saúde e o desinteresse revelado pelos respectivos profissionais no atendimento e tratamento dos doentes, quer a nível hospitalar (público ou privado), quer a nível da própria clínica.
E é em parte a tomada de consciência desse direito que leva os lesados a responsabilizar a classe médica, nomeadamente, a nível da responsabilidade civil, que é o que agora nos interessa considerar, importando não esquecer que a actividade médica e consequente responsabilização resulta de uma complexa actividade de toda uma equipa de profissionais de saúde.
Entre estes comportamentos anti-éticos avultam o erro médico e em especial o erro por negligência.
O erro médico pode ser definido como a conduta profissional inadequada resultante da utilização de uma técnica médica ou terapêutica incorrectas que se revelam lesivas para a saúde ou vida de um doente. E pode ser cometido por imperícia, inconsideração ou negligência
É geralmente entendido que a responsabilidade do médico é, em princípio, de natureza contratual.
    Durante muito tempo foi rejeitada a ideia de que entre o médico e o doente se celebrava um contrato e de que o incumprimento das obrigações assumidas por aquele profissional podia originar responsabilidade contratual, fundando-se o ressarcimento dos danos causados, aquando da prestação da assistência médica, apenas no regime delitual. Encontrando tal forma de pensar as suas raízes profundas no direito romano e na concepção que nele imperava de que o labor médico, como manifestação da inteligência humana, não era passível de ser objecto de uma transacção, o que seria acentuado pelo valor superior dos bens (como a vida e a saúde humana) com que a actividade médica contende. O advento da Revolução Industrial da figura contratual de prestação de trabalho autónomo e subordinado, contribuiu para a aceitação da concepção contratual da actividade médica.3 Com efeito, é hoje aceite em todos os ordenamentos jurídicos que a maior parte das situações de responsabilidade médica, derivada de lesões corporais provocadas pelo médico, tem natureza contratual.
    Mas, tradicionalmente, a doutrina era relutante em admitir a natureza contratual da responsabilidade médica, por repugnar a aceitação da culpa presumida do médico sempre que o tratamento não tivesse alcançado os objectivos desejados. E, na verdade, não será fácil ao médico, em certos casos, ilidir a presunção de culpa, quando tal presunção se verifique.

    5.5. A dificuldade ultrapassa-se por via da construção da figura de “obrigações de meios” e “obrigações de resultado”.
É obrigação de meios aquela em que o devedor se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza (v.g. a obrigação do médico de empregar o seu saber tendente à cura do doente, mas não se comprometendo à cura efectiva).
    A obrigação de resultados verifica-se quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a conseguir um certo efeito útil (v.g. a obrigação de entregar determinado objecto em determinado local)
Assim, em regra, a relação entre o médico e o doente que o procura configura uma relação contratual, um contrato de prestação de serviços, ou um contrato médico, pelo que lhe serão aplicáveis as regras da responsabilidade contratual. Considera-se que as partes - autor e réus - celebraram um contrato de prestação de serviços médicos (art. 1080.º do CC).
Trata-se de um contrato de prestação de serviços, mais propriamente um contrato médico ou um contrato socialmente típico que se insere basicamente na categoria dos chamados contratos de prestação de serviços, isto é, um contrato oneroso (em regra), sinalagmático, celebrado geralmente intuitu personae, com algumas características peculiares que necessariamente o distinguem da generalidade dos contratos deste género (dado o seu carácter sui generis. E tem como características específicas ser um contrato essencialmente pessoal e um contrato que, em princípio, não obriga a um resultado, isto é, o médico não se obriga a curar o doente, mas apenas prestar-lhe os cuidados considerados úteis e necessários à eventual cura.4
A relação entre o doente e o médico nasce, assim, em regra, através de um contrato de prestação de serviços, visando o tratamento daquele, tendo por finalidade restituir-lhe a saúde, suavizar-lhe o sofrimento e salvar-lhe ou prolongar-lhe a vida.
Tem-se o acto médico como o acto executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 752.º, nº 1), incumbindo-lhe provar, depois de apurada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, que estes não procedem de culpa sua (art. 788.º, nº 1). 5

5.6. O médico deve, por isso, agir segundo as exigências da legis artis e os conhecimentos científicos existentes na época, actuando de acordo com o dever objectivo de cuidado.
Pode acontecer que o dano se mostre consequência de um facto que simultaneamente viole uma relação de crédito e um dos chamados direitos absolutos, como o direito à vida ou à integridade física. Nesses casos, verifica-se, simultaneamente, a violação dum contrato e de um dever geral de conduta. Então há que averiguar se o doente poderá invocar simultaneamente as normas correspondentes à responsabilidade contratual e à responsabilidade aquiliana, consoante lhe sejam mais favoráveis.
É assim que se admite, na doutrina e na jurisprudência, um concurso de responsabilidades.
Por isso tem-se discutido quais as consequências jurídicas do concurso de ambas as espécies de ilícito civil, sendo defendidas duas teorias: a do sistema do cúmulo e a do sistema do não cúmulo.
O médico que realiza, por observação descuidada do paciente, um diagnóstico errado ou o cirurgião que descura negligentemente os cuidados técnicos adequados à operação respondem tanto obrigacionalmente por violação de um contrato de prestação de serviços como delitualmente por ofensa à integridade física do paciente.6
Almeida Costa pronuncia-se pela não aplicação do sistema do cúmulo: “se de um vínculo negocial resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual. A mesma directriz impõe-se quando o facto que produz a violação do negócio jurídico – ou melhor, da relação que dele deriva – simultaneamente preenche os requisitos da responsabilidade aquiliana. Esta solução mostra-se correcta no plano sistemático e no da justiça material”.7
Mas a questão não é pacífica.
O sistema que exclui o cúmulo consiste precisamente na aplicação do regime da responsabilidade contratual, em virtude de um princípio de consunção.
Ora, existindo um único dano, resultante de um único facto, nada justifica a duplicação de acções ou concorrência de pretensões. Tal como não se justifica que o lesado beneficie, na mesma acção, das normas que considere mais favoráveis de cada um dos regimes. Mais discutível será se se deve admitir a chamada teoria da opção, ou seja, deixar-se ao lesado a escolha de uma acção baseada no ilícito contratual ou no ilícito extracontratual (numa acção invocaria a responsabilidade contratual e noutra a responsabilidade extracontratual).
E embora a solução seja a mesma, no caso sub judice , parece-nos de optar pelo sistema do não cúmulo. À unidade de conduta e do dano corresponderá necessariamente a unidade de pedido e de indemnização. Daí que não se veja que tenha cabimento admitir-se que o lesado possa socorrer-se na mesma acção (ou seja, simultaneamente) das normas da responsabilidade contratual e extracontratual ou aquiliana. Se de um vínculo negocial resultam danos para uma das partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da responsabilidade contratual.8

    5.7. A Doutrina e Jurisprudência consideram geralmente que a obrigação contratual do médico é uma obrigação de meios, porquanto, em princípio, o médico não pode nem deve prometer a cura do doente, limitando-se a dispensar-lhe os cuidados julgados necessários. É que a cura não depende apenas da actuação do médico, ainda que perfeita, em conformidade com os conhecimentos obtidos em cada época. E, tratando-se de uma obrigação de meios, cabe ao paciente demonstrar que o médico, na sua actuação, atentas as exigências da legis artis e os conhecimentos científicos então existentes, violou os deveres objectivos de cuidado, que não agiu em conformidade com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, puderem conduzir à produção do resultado pretendido.
    É, pois, o doente que tem de provar que não lhe foram prestados os cuidados possíveis em face das circunstancias. Todavia, casos existem em que o médico se compromete a obter um certo resultado, como sucede, por exemplo, nas operações plásticas e nas análises clínicas. Nas obrigações de resultado impende sobre o médico o ónus da prova, nos termos do artigo 788º, ou seja, presume-se a sua culpa, admitindo, obviamente, tal presunção, prova em contrário.
Portanto, na maior parte dos casos, a responsabilidade do médico, exercendo clínica em regime de profissão liberal, é de natureza contratual, sendo tal obrigação de meios e não de resultados.

6. Projectando estes princípios no caso sub judice
    O recorrente defende que ao caso deve ser aplicado o regime da responsabilidade contratual.
No caso sub judice poderá dizer-se que, sendo a responsabilidade dos réus de natureza contratual, a sua obrigação era de meios, mesmo face ao contrato celebrado com o Hospital.
Com efeito, o autor dirigiu-se ao hospital para que lhe fossem feitos exames e fosse tratado das lesões que aparentava, não tendo contratado a cura nem esta lhe podendo ser garantida.
    Os réus ter-se-ão comprometido apenas a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produziria. Não se vincularam a conseguir um certo efeito útil.
Se um doente aparece num consultório com determinada queixa, o médico apenas se obriga a prestar-lhe os melhores cuidados: põe à sua disposição a sua técnica, saber e experiência, mas, em princípio, não lhe promete a cura. É a situação em que estaremos perante uma obrigação de meios.
O A. sustenta que os RR. actuaram de forma negligente,o que concretizam no facto de não terem detectado a fractura compressiva na 12ª vértebra e na sequência dessa falta ter sido prolongado o prazo de recuperação e aumentada a dor do A.
O incumprimento da obrigação contratual dos réus, acrescenta, foi causa adequada dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e por terem ignorado a existência da lesão visível nas radiografias foram ministrados tratamentos ao nível da cintura, de fisioterapia, tracção lombar e redução manual que foram causa adequada dos danos sofridos.
Os réus teriam praticado um acto ilícito que teria lesado a integridade física e o direito à saúde da autora, pelo que seriam responsáveis pelos danos sofridos por esta, constituindo-se no dever de indemnizar nos termos dos artigos.

7. Pressupostos da responsabilidade civil
Assim se entra na análise dos pressupostos da responsabilidade civil
Como estabelece o artigo 787º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
São pressupostos da responsabilidade civil contratual (por facto ilícito):
a) o facto ilícito (que consiste na inexecução da obrigação; incumprimento);
b) que o facto seja imputável ao devedor, isto é, que este tenha agido com culpa;
c) o prejuízo sofrido pelo credor;
d) nexo de causalidade entre o facto e o dano

    8. Facto ilícito e culpa
    8.1. Começando pelo primeiro dos apontados requisitos, desde logo algumas dúvidas se levantam quanto à sua verificação, na medida em que a obrigação de meios a que acima ludimos não deixou de ser realizada.
O A. foi tratado, diagnosticado, foram-lhe feitos exames.
E não se deixará de ligar desde já o facto ilícito à culpa que vem assacada aos réus.
O grande argumento do A. reside no facto de passados dois anos alguém ter visto uma fractura na radiografia que aquando dos exames efectuados no C não terá sido detectada.
Provou-se a este propósito que essa fractura não era muito visível e o A. impugna esta formulação vertida na matéria de facto tida como assente.
Importa aqui, assim sendo, face à premência da questão colocada, averiguar se tem razão.
     8.2. Alega o A., aqui recorrente, que o facto constante do quesito 22, - "que a fractura compressiva da 12ª vértebra lombar era visível nas radiografias" deveria ter sido dado como provado, indicando algumas passagens da gravação - quesito 22° da Base Instrutória com base na prova gravada a 13:50 a 15:00, 48:35 a 52:25, 59:10 a 62:57 e 83:00 a 87:30 da audiência de 08.06.24 (Traslator 2, 0001) e 4:05 a 5:30 da audiência de 08.7.2, (Traslator 2,0001) -onde, supostamente, tal prova resultaria.
    Como está bem de ver essa prova não deixa de ser parcelar e não é por uma testemunha proferir uma afirmação que tal tem de corresponder à verdade.
    O próprio juiz não deixa de referir esse depoimento.
    A prova não pode deixar de ser global e há nos autos um acervo de prova documental e testemunhal que aponta exactamente noo sentido da formulação adoptada pelo Tribunal, bastando atentar no Relatório elaborado pelo Centro de Avaliação das Queixas onde se refere que "a fractura da 12ª vértebra de A não se revelava evidente no filme de raio X da fase inicial da lesão e com a recuperação da lesão a densidade óssea transformou-se gradualmente e a alteração compressiva da vértebra torácica tornou-se mais evidente (Vide relatório de fls. 29 a 32, ponto 1 da análise do resultado da investigação).
    Essa versão é ainda corroborada pelo médico do Hospital L M, que depôs na audiência e analisou os vários filmes de raio X que foram sendo feitos ao A..
    É o que se comprova ainda da passagem da gravação da audiência de 08/06/24, Translator 1, 007, 0:00 a 6:28, onde a testemunha, o referido médico, detecta numa das radiografia muito posteriores ao acidente, a fractura considerando-a como antiga e já curada.
    De resto, nessa passagem da gravação a testemunha afirma que, face às dores que o paciente apresentava, o médico recomendou o filme de raio X numa determinada zona, precisamente aquela onde foram detectadas as lesões principais que o A. padecia e que foram objecto de tratamento pelo Hospital C, uma das aqui recorridas.
    Mais afirma ainda que, em face apenas da radiografia, era impossível detectar a fractura e, como o A. não apresentava dores na zona torácica porque a fractura era estável e mínima, não eram necessários exames mais pormenorizados.
    Parece assim não merecer censura a apreciação fáctica feita pelo Tribunal.

    8.3. Mas mesmo perante esse facto - de que a fractura ainda podia ser detectada e que essa observação caberia numa actuação diligente e conforme à legis artis - poder-se-ia configurar aqui uma execução defeituosa, não fora o caso de não termos elementos que permitam concluir no sentido de que uma actuação diligente e cuidadosa detectaria aquela fractura.
O facto de não ser visível não significa que em termos médicos medianos normais ela devesse ser observada.

8.4. Partamos no entanto do princípio apenas para mero exercício teórico que ocorreu uma execução defeituosa - quoad est demonstrandum – que se reconduziria necessariamente à inexecução da obrigação (não cumprimento definitivo), pois já não é possível proceder à execução da obrigação com interesse para o autor.
Para que o devedor se constitua na obrigação de indemnizar, é ainda necessário que esse facto lhe seja imputável, isto é, que este tenha agido com culpa.
E aqui apenas nos interessa a mera culpa ou negligência, que consiste na omissão da diligência devida. O agente (mais concretamente os réus) deviam ter agido doutro modo.
E, como determina o nº 2 do artº 788º, a culpa é apreciada nos termos da responsabilidade civil, ou seja, na falta de outro critério, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (480º, nº 2). É, assim, apreciada em abstracto (e não em concreto, isto é, a diligência que o agente normalmente aplica nos seus actos, e de que se revela habitualmente capaz). A diligência deve, pois, ser apreciada pela conduta que teria o bom pai de família (o bonus pater familias) (o homem de diligência média, ou uma pessoa normalmente diligente, o “homem normal”, medianamente prudente e cuidadoso) em circunstâncias semelhantes e com qualificações profissionais idênticas.

8.5. Com efeito, só haverá violação ilícita do direito de outrem se a intervenção médica se processar ao arrepio das leges artis, também aqui se podendo falar em cumprimento defeituoso.
Entendendo-se por leges artis o conjunto das regras de arte médica, isto é, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal contacto ocorre.9
Para o caso sub judice tomar-se-á em consideração o modo como devia agir um especialista idóneo colocado perante as mesmas circunstâncias: um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais e na mesma data.
De forma alguma se provou - e tal prova competia aos RR- que só um especialista muito experiente e com conhecimentos “acima da média” poderia ter verificado a fractura referida.

    Consequentemente, admitamos, assim, que os réus incorreram em violação das legis artis, agindo negligentemente.

9. Dos danos e nexo causal

9.1. Que o A. teve prejuízos parece indiscutível.

9.2. O ponto está em saber se se verifica um nexo causal entre aquele incumprimento defituoso e os apontados prejuízos.
A prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, cabe ao credor da obrigação de indemnizar, independentemente da sua fonte.
É um dos pressupostos do direito que se acciona, com vista ao ressarcimento do dano - arts 557.º e 335.º, nº 1.
O doente tem que provar que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido, e, por assim ser, conduziu ao dano, pois se outro acto médico tivesse sido ou não praticado teria levado à cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento, ou mesmo a morte.
É necessário haver um nexo causal entre a acção ou omissão e o dano provocado. Mas não pode ser uma qualquer causa/efeito.
Sendo necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão - que aqui, note-se bem, não é a fractura, em si, mas o imperfeito diagnóstico efectuado - e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela.

9.3. Adopta o nosso Código Civil a teoria da causalidade adequada formulada nos seguintes termos “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.10

Devendo o facto causador da obrigação de indemnizar ser causa do dano, no sentido de dano real. “Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”. 11

O autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que se não tivessem produzido.
9.4. Decorre da matéria provada que para além daquela fractura se observavam outras lesões, nomeadamente ao nível lombar, vertebral e do joelho.
Decorre da matéria provada que os tratamentos efectuados foram feitos em função das lesões verificadas em 20 de Setembro de 2001.
Decorre da matéria provada que o A. não se queixou da região toráxica.
    Mas decorre da matéria fáctica que se queixava na zona lombar e recebeu tratamentos de tracção lombar e que lhe foram diagnosticadas lesões nessa zona.
    Em lado algum se diz que os tratamentos efectuados foram inadequados ou que a não detecção daquela fractura aumentou as dores e prejuízos, tendo-se até comprovado que o A. não se queixava daquela zona.
A referida fractura mostra-se curada, o que terá ocorrido em função do tempo, importando indagar se não é essse o tratamento adequado para uma fractura daquela natureza.
Não se sabe qual o tratamento que devia ser ministrado para além de dever permanecer em colchão de consistência firme e usar “sayer`s jacket”.

9.5. Mas sobre esta matéria, convirá analisar as respostas dadas aos quesitos 27º, onde se perguntava se por falta de diagnóstico da fractura da 12º vértebra lombar o A. não pode dormir com almofada, 28º (fica-se sem saber se por essa razão) o A. sente dores agudas quando o cinto está curvado, 29º, se sente entorpecimento nas pernas, o tamanho dos pés fica desigual e os músculos se atrofiam, 30º, se não pode carregar coisas pesadas nem pode trabalhar com o cinto curvado por longo período de tempo.
    Como está bem de ver um depoimento da mulher do A. pode não ser suficientemente convincente, seja para comprovar matéria das despesas, nomeadamente as feitas com uma empregada, vista até a modéstia dos recursos da família e a própria desocupação da testemunha.
    E o que vale para esse abalo do testemunho (matéria dos quesitos 24º a 26) não deixa de contagiar o depoimento quanto às dores e incomodidades sofridas (quesitos 27º a 30)º.
    Na verdade, em face dos documentos junto aos autos, designadamente o relatório de fls. 931, quer em face dos depoimentos prestados por vários médicos não se pode formar um juízo de certeza, antes pelo contrário, de que os sintomas referidos nos quesitos 27 a 30, a existirem, são consequência do de uma eventual omissão de diagnóstico da fractura compressiva da 12ª vértebra, a qual de resto se encontra curada (vide resposta ao quesito 19°) e sem quaisquer sequelas que não sejam as resultantes de qualquer fractura independentemente do modo de tratamento aplicado e já não consequência de uma hérnia intervertebral lombar.
    Assim se conclui nesta parte pela não censura da matéria de facto que foi fixada.
    
    10. Face ao exposto, sufraga-se assim o entendimento do Mmo Juiz no sentido de que não se verificam os requisitos da responsabilidade civil no presente caso, considerando que inexiste um nexo causal entre a apontada omissão e os danos, mesmo que se tivesse por adquirida uma resposta positiva à matéria respeitante aos prejuízos por si sofridos.

    Em suma, não está comprovado o nexo causal entre a não detecção de uma dada fractura e um aumento da danosidade sofrida apenas em função dessa falha.
    
    Ficamos sem saber quais os prejuízos e sofrimentos imputáveis ao facto traduzido na omissão de detecção da apontada fractura e quais as omissões de tratamento agravativas do estado do paciente.
    
    Mesmo a considerar-se que houve uma actuação menos diligente numa dada observação ficamos sem saber que tratamentos podiam ter sido empreendidos, desconhecendo sempre se os danos sofridos resultaram da ausência de tratamento dessa lesão ou se não foram consequência das outras lesões sofridas pelo A.
    Por todas as razões que vêm expostas o recurso não deixará de improceder
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pelo recorrente.
Macau, 10 de Novembro de 2011,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
(Relator)

_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)

1 - Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 396, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I., p. 318, Galvão Telles, Obrigações, p. 396 e Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 31 e ss,
2 - A. Varela, CCAnotado, vol. I., p. 501 e Das Obrigações em Geral, vol. I., p. 605
3 - Rute Teixeira Pedro, Responsabilidade Civil do Médico, p. 56 e ss..

4 - Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, p. 125, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL e Carlos Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, mesma revista, p. 110.
5 - Ac. do STJ de 4/3/2008, proc. 08A183,
6 - Miguel Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, pag. 136
7-Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, 503
8 - Ameida Costa, ob. cit. 499
9 Álvaro da Cunha G. Rodrigues, Reflexões em torno da Responsabilidade dosMédicos, Direito e Justiça, XIV, 3, 137,. 137..
10 -Galvão Telles Manual do Direito das Obrigações, nº 229 e Direito das Obrigações, p. 409 e 410
11 P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 578..
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125/2009 1/46