ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 8 de Junho de 2012, condenou a arguida A, pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009, na pena de 8 (oito) anos de prisão e, em cúmulo jurídico com penas relativas a outros 13 (treze) crimes, entre os quais 3 (três) de consumo de estupefacientes e 1 (um) de detenção de utensílios para consumo de estupefacientes, na pena única de 9 (nove) anos e 9 (nove) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 27 de Setembro de 2012, negou provimento ao recurso interposto pela arguida.
Ainda inconformada, recorre a arguida para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões:
- Da fundamentação da decisão condenatória não consta qualquer invocação das concretas razões que levaram à determinação da medida da pena aplicada à Recorrente, não tendo a decisão recorrida sanado tal vício;
- Independentemente da falta de fundamentação invocada, e não obstante esse Tribunal não se imiscuir, em principio, na fixação da medida concreta da pena, a Recorrente entende que a medida da pena encontrada é excessivamente desproporcional face aos factos em causa e que, nesse sentido, pode ainda ser alvo de recurso e apreciada nesta sede;
- Embora não tenha a decisão recorrida somado a totalidade dos estupefacientes apreendidos, a verdade é que o seu peso líquido ronda apenas cerca de 22 gramas, sendo que o tipo de estupefacientes apreendido não é considerado como "droga- rainha";
- Também não consta dos factos provados que a Arguida fizesse do tráfico modo de vida ou que o fizesse com intuito lucrativo;
- Por último, entende a Recorrente que existem motivos para que a sua pena seja especialmente atenuada, nos termos do artigo 66.º do CP, como o facto de ter confessado quase integralmente e sem reservas; de ter mostrado arrependimento sincero durante a audiência de discussão e julgamento; e ainda de ser primária;
Na resposta à motivação do recurso a Ex.ma Procuradora-Adjunta defendeu que deve ser negado provimento ao recurso e corrigida a incriminação relativa à prática de dois crimes de tráfico de menor gravidade.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As duas instâncias inferiores consideraram provados os seguintes factos:
No dia 4 de Novembro de 2008, a arguida A exibiu à PSP o Passaporte da RPC n.° GXXXXXXXX, onde constava a sua fotografia, cujo nome to titular era B, nascida a 9 de Fevereiro de 1984 em Chongqing.
A arguida A adquiriu esse documento de identificação junto dum indivíduo de identidade não apurada mediante a entrega da sua fotografia, com o objectivo de usá-lo quando entrava e saía ou permanecia em Macau, para se furtar à fiscalização por parte das autoridades competentes em relação à emigração ilegal.
Na mesma data, quando a arguida A foi inquirida na PSP, declarou que era filha de C e de D, bem como apôs impressões digitais e assinou no documento da PSP sobre a identidade, para confirmação
Na mesma data, a arguida A foi expulsa pelas autoridades competentes e recambiada para a China, e estava interdita de reentrar em Macau dentro do prazo de 18 meses, até 4 de Maio de 2010
Na mesma data, a arguida A assinou na respectiva ordem de expulsão em função de receber a notificação.
Enquanto essa ordem de expulsão ainda se encontrava válida, a arguida A veio novamente a Macau por meio clandestino.
No dia 21 de Abril de 2009, quando a arguida A foi inquirida na PSP, declarou que se chamava E, nascida a 20 de Agosto de 1986 em Chongqing, filha de F e de G, bem como apôs impressões digitais e assinou no documento da PSP sobre a identidade, para confirmação
Na mesma data, a arguida A foi expulsa em virtude da vinda ilegal a Macau e recambiada para a China, e estava interdita de reentrar em Macau dentro do prazo de 2 anos, até 21 de Abril de 2011.
Na mesma data, a arguida A assinou na respectiva ordem de expulsão em função de receber a notificação.
Enquanto essa ordem de expulsão ainda se encontrava válida, a arguida A decidiu regressar clandestinamente a Macau, com o objectivo de exercer actividades relacionadas com droga.
A arguida A forneceu a sua fotografia a um indivíduo de identidade não apurada, daí falsificou e adquiriu um Passaporte da RPC, a fim de usá-lo quando entrava e saía ou permanecia em Macau, para se furtar à fiscalização por parte das autoridades competentes em relação à emigração ilegal, de modo a facilitar o exercício das actividades relacionadas com droga.
Mais tarde, a arguida A bem sabendo que não podia violar tal ordem de interdição de reentrada, e sem que obtivesse documento de identificação que a permitia permanecer legalmente em Macau, veio novamente a Macau.
No dia 15 de Abril de 2011, por volta das 05H30, nas proximidades da Loja de Artigos Eléctricos “X”, sita na Alameda Dr. Carlos D’Assumpção, guardas da PSP interceptaram o táxi onde a arguida A era passageira, para investigação.
A arguida A exibiu aos guardas o Passaporte da RPC n.° GXXXXXXXX, onde constava a sua fotografia, cujo nome to titular era B, nascida a 9 de Fevereiro de 1984 em Chongqing, filha de C e de H.
A arguida A adquiriu esse documento de identificação junto dum indivíduo de identidade não apurada, com o objectivo de se eximir dos efeitos jurídicos da lei da emigração ilegal de Macau e de se eximir da fiscalização por parte dos serviços policiais de Macau.
Além disso, no local, os guardas encontraram, na mala que a arguida A trazia, uma caixa metálica cor-de-laranja, dentro da qual existia um pacote de substância cristalizada de cor branca.
Após exame laboratorial, apurou-se que a substância cristalizada de cor branca, com peso líquido de 0,979g, continha substâncias de “Ketamina” enumerada na Tabela II – C da Lei n.° 17/2009.
O estupefaciente acima referido tinha sido adquirido pela arguida A junto dum indivíduo de identidade não apurada, para além do consumo próprio, também se destinava ao fornecimento e venda a terceiros.
Na mesma data, quando a arguida A foi interrogada no MP, foi informada do dever de fornecer identidade verdadeira e das consequências jurídicas.
No MP, a arguida A voltou a exibir o falso Passaporte da RPC n.° GXXXXXXXX.
Quando a arguida A prestou declarações sobre a identidade, disse que se chamava B, de alcunha “Sio In Chi”, casada, nascida a 9 de Fevereiro de 1984 em Chongqing, filha de C e de H, residente na Província de Guangdong, Cidade de Zhuhai, [Endereço (1)].
No dia 16 de Abril de 2011, a arguida A foi expulsa e recambiada para a China, e estava interdita de reentrar em Macau dentro do prazo de 6 anos, até 15 de Abril de 2017.
Na mesma data, a arguida A assinou na respectiva ordem de expulsão em função de receber a notificação.
Enquanto essa ordem de expulsão ainda se encontrava válida, a arguida A, sem que obtivesse documento de identificação que a permitia permanecer legalmente em Macau, veio novamente a Macau por meio clandestino, com o objectivo de exercer actividades relacionadas com droga.
No dia 27 de Maio de 2011, nas proximidades do poste de iluminação n.° 168C03 da Alameda Dr. Carlos D’Assumpção, guardas da PSP interceptaram o táxi onde a arguida A era passageira, para investigação.
No local, os guardas encontraram, na mala que a arguida A trazia, um porta-moedas de cor cinzenta, dentro do qual existiam dois pacotes de substância cristalizada de cor branca e dois comprimidos de cor verde embrulhados com um saco com fecho de cor vermelha.
Após exame laboratorial, apurou-se que um dos pacotes de substância cristalizada de cor branca, com peso líquido de 1,092g, continha substâncias de “Ketamina”; o outro pacote de substância cristalizada de cor branca, com peso líquido de 0,432g, continha substâncias de “Metanfetamina” enumerada na Tabela II – B da Lei n.° 17/2009; os dois comprimidos de cor verde, com peso líquido total de 0,374g, continham substâncias de “Nimetazepam” enumerada na Tabela IV da mesma Lei.
O estupefaciente acima referido tinha sido adquirido pela arguida A junto dum indivíduo de identidade não apurada, para além do consumo próprio, também se destinava ao fornecimento e venda a terceiros.
Para dar continuidade ao exercício das actividades relacionadas com droga em Macau, a arguida A forneceu a sua fotografia a um indivíduo de identidade não apurada, daí falsificou e adquiriu um Salvo-Conduto da RPC para Deslocações a Hong Kong e Macau, a fim de usá-lo quando entrava e saía ou permanecia em Macau, para se furtar à fiscalização por parte das autoridades competentes em relação à emigração ilegal.
Em função do exercício das actividades relacionadas com droga, a arguida A alugou o Quarto n.° XXXX do [Hotel (1)] com nome alheio, bem como depositou o estupefaciente dentro do quarto, tais como no cofre, nas mesinhas de cabeceira, etc., no intuito de vender ou fornecer a terceiros a qualquer momento.
No dia 3 de Junho de 2011, por volta das 04H00, nas proximidades do [Hotel (1)], sito na Rua de Malaca, a arguida A foi interceptada por guardas da PSP.
A arguida A exibiu aos guardas o Salvo-Conduto da RPC para Deslocações a Hong Kong e Macau n.° WXXXXXXXX, onde constava a sua fotografia, cujo nome to titular era B, nascida a 9 de Fevereiro de 1984 em Chongqing, filha de C e de H.
Apurou-se que o carimbo n.° P.C.XXX do Serviço de Migração constante a fls. 6, o visto para deslocações a Hong Kong e Macau (visita de familiares T) e o respectivo carimbo de saída da RPC, constantes a fls. 7 desse documento de identificação eram falsos.
A arguida A adquiriu esse documento de identificação junto dum indivíduo de identidade não apurada mediante a entrega da sua fotografia, com o objectivo de usá-lo quando entrava e saía ou permanecia em Macau, para se furtar à fiscalização por parte das autoridades competentes em relação à emigração ilegal.
Além disso, os guardas encontraram na posse da arguida A três pacotes de substância cristalizada de cor branca, dois pacotes de pó branco, catorze comprimidos de cor vermelha e dois telemóveis.
Após exame laboratorial, apurou-se que os três pacotes de substância cristalizada de cor branca, com peso líquido de 1,250g, continham substâncias de “Metanfetamina” enumerada na Tabela II – B da Lei n.° 17/2009, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” era 87,14%, no peso líquido de 1,089g; os dois pacotes de pó branco, com peso líquido de 2,191g, continham substâncias de “Ketamina” enumerada na Tabela II – C da mesma Lei, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Ketamina” era 77,89%, no peso líquido de 1,707g; os catorze comprimidos de cor vermelha, com peso líquido de 1,283g, continham substâncias de “Metanfetamina”, após análise quantitativa, verificou-se que houve 16.01g de “Metanfetamina”, no peso líquido de 0,205g.
O estupefaciente acima referido tinha sido adquirido pela arguida A junto dum indivíduo de identidade não apurada, para além do consumo próprio, também se destinava ao fornecimento e venda a terceiros.
Os telemóveis trata-se de instrumento de contacto que a arguida A usou para o exercício das actividades relacionadas com droga.
Seguidamente, os guardas deslocaram-se ao Quarto n.° XXXX do [Hotel (1)], onde alojava a arguida A, para proceder a busca, e encontraram, dentro do quarto, da mesinha de cabeceira e do cofre, quatro pacotes de pó branco embrulhado com saquinho de plástico transparente, cinco pacotes de pó branco embrulhado com saquinho de plástico transparente de borda vermelha, um pacote de substância cristalizada de cor branca embrulhada com saco de plástico transparente grande, nove pacotes de substância cristalizada de cor branca embrulhada com saquinho de plástico transparente, dois sacos que continham um total de dezoito comprimidos de cor vermelha, oito pacotes de substância granulada de cor amarela clara, cinquenta e seis comprimidos de cor verde embrulhados com um saco com fecho de cor vermelha, pequena quantidade de pedaços de comprimido de cor vermelha e substância cristalizada de cor branca embrulhados com saquinho de plástico transparente, uma caixa de seis frascos com líquido de cor castanha, dois sacos que continham um total de cento e cinquenta e seis palhinhas coloridas, três rolos de papel de estanho, treze folhas de papel de estanho, vinte e quatro papéis de estanho já enrolados e depositados numa caixa de papelão, uma garrafa de plástico transparente com tampa de cor azul que continha líquido e quatro palhinhas, uma garrafa de plástico transparente com tampa de cor branca que continha líquido e quatro palhinhas, três recipientes de vidro onde existiam vestígios, dois conjuntos de palhinha com folha metálica onde existiam vestígios, dois sacos que continham um total de cento e onze saquinhos de plástico transparentes onde existiam vestígios, dois sacos que continham um total de cento e trinta e um saquinhos de plástico transparentes de borda vermelha, uma tesoura de cor preta onde existiam vestígios, um x-acto de cor vermelha onde existiam vestígios, uma balança electrónica de cor preta e prateada onde existiam vestígios e dois isqueiros.
Após exame laboratorial, apurou-se que os quatro pacotes de pó branco embrulhado com saquinho de plástico transparente, com peso líquido total de 5,072g, continham substâncias de “Ketamina”, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Ketamina” era 77,41%, no peso líquido de 3,926g; os cinco pacotes de pó branco embrulhado com saquinho de plástico transparente de borda vermelha, com peso líquido total de 5,868g, continham substâncias de “Ketamina”, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Ketamina” era 78,56%, no peso líquido de 4,610g; o pacote de substância cristalizada de cor branca embrulhada com saco de plástico transparente grande, com peso líquido de 3,855g, continha substâncias de “Metanfetamina”, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” era 87,19%, no peso líquido de 3,361g; os nove pacotes de substância cristalizada de cor branca embrulhada com saquinho de plástico transparente, com peso líquido de 3,923g, continham substâncias de “Metanfetamina”, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” era 88,41%, no peso líquido de 3,468g; os dois sacos que continham um total de dezoito comprimidos de cor vermelha, com peso líquido total de 1,678g, continham substâncias de “Metanfetamina”, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” era 14,85%, no peso líquido de 0,249g.
Além disso, após exame laboratorial, apurou-se que os oito pacotes de substância granulada de cor amarela clara, com peso líquido total de 1,956g, continham substâncias de “Cocaína” enumerada na Tabela I – B da Lei n.° 17/2009, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Cocaína” era 77,15%, no peso líquido de 1,509g; os cinquenta e seis comprimidos de cor verde embrulhados com um saco com fecho de cor vermelha, com peso líquido total de 10,337g, continham substâncias de “Nimetazepam” enumerada na Tabela IV da mesma Lei; a pequena quantidade de pedaços de comprimido de cor vermelha e substância cristalizada de cor branca embrulhados com saquinho de plástico transparente, respectivamente com peso líquido de 0,048g e 0,122g, continham substâncias de “Metanfetamina”, após análise quantitativa, verificou-se que a percentagem de “Metanfetamina” encontrada na substância cristalizada de cor branca era 86,35%, no peso líquido de 0,105g; o líquido de cor castanha que se encontrava dentro dos seis frascos, no volume de 69ml, continha substâncias de “Cocaína”, “Metanfetamina”, “Ketamina” e “Nimetazepam”; o líquido que se encontrava dentro das garrafas de plástico transparentes com tampa de cor azul e com tampa de cor branca, onde existiam palhinhas, respectivamente no volume de 185ml e 120ml, continha substâncias de “Metanfetamina” e “Anfetamina” enumerada na Tabela II – B da Lei n.° 17/2009.
Ao mesmo tempo, após exame laboratorial, apurou-se que nos três recipientes de vidro existiam vestígios de “Metanfetamina”; nos dois conjuntos de palhinha com folha metálica existiam vestígios de “Anfetamina” e “Metanfetamina”; nos dois sacos que continham um total de cento e onze saquinhos de plástico transparentes existiam vestígios de “Cocaína”; na tesoura de cor preta existiam vestígios de “Cocaína”; no x-acto de cor vermelha existiam vestígios de “Metanfetamina”; na balança electrónica de cor preta e prateada existiam vestígios de “Cocaína”, “Metanfetamina” e “Ketamina”.
A arguida A depositava os estupefacientes acima referidos nesse quarto de hotel para fornecer e vender a terceiros em outras ocasiões.
As palhinhas, os papéis de estanho, os recipientes de vidro, os sacos de plástico transparentes, a tesoura, o x-acto, a balança electrónica e os isqueiros trata-se de instrumento e equipamento que a arguida A usou para o tráfico de estupefaciente.
Os conjuntos de palhinha com folha metálica e as garrafas de plástico transparentes com tampa de cor azul e com tampa de cor branca, onde existiam palhinhas, tratam-se de instrumento que a arguida A usou para o consumo de estupefaciente.
A arguida A tinha perfeito conhecimento da natureza e das características dos estupefacientes acima referidos.
A arguida A bem sabia que não podia, mas adquiriu, deteve e guardou os estupefacientes acima referidos, que se destinavam ao fornecimento e venda a terceiros.
A arguida A bem sabia que não podia, mas adquiriu, deteve e guardou por três vezes os estupefacientes acima referidos, que se destinavam ao consumo próprio.
A arguida A bem sabia que não podia deter e usar os conjuntos de palhinha com folha metálica e as garrafas de plástico transparentes com tampa de cor azul e com tampa de cor branca, onde existiam palhinhas, como instrumento para o consumo de estupefaciente.
A arguida A sabia perfeitamente que o Passaporte da RPC n.° GXXXXXXXX, o Passaporte da RPC n.° GXXXXXXXX e o Salvo-Conduto da RPC para Deslocações a Hong Kong e Macau n.° WXXXXXXXX eram falsos, cujos dados de identificação não correspondiam à verdade, mesmo assim, adquiriu, deteve e usou tais documentos, com a intenção de se eximir dos efeitos jurídicos da lei da emigração ilegal de Macau e de se eximir da fiscalização por parte dos serviços policiais de Macau.
A arguida A prestou, respectivamente no dia 4 de Novembro de 2008 e no dia 21 de Abril de 2009, falsas declarações sobre a identidade junto da PSP, a fim de encobrir a sua identidade verdadeira, de modo a furtar-se à fiscalização policial em relação à emigração ilegal.
A arguida A violou por três vezes a ordem de interdição de reentrada, ainda que tivesse sido notificada de forma devida e legal.
A arguida A bem sabia que não podia, mas prestou falsas declarações sobre a identidade na qualidade de arguida, com o objectivo de impedir a boa realização da justiça.
A arguida A encontrava-se em situação clandestina ao praticar os factos acima mencionados.
A arguida A agiu livre, voluntária, consciente e dolosamente.
A arguida A bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
A arguida é empregada de mesa e aufere mensalmente cerca de mil patacas.
Tem como habilitações académica o ensino primário e tem a mãe a seu cargo.
Conforme o CRC, a arguida é primária.
Factos não provados:
Nada a salientar uma vez que ficaram provados todos os factos relevantes da acusação.
Convicção do Tribunal:
A convicção do Tribunal fundamenta-se na apreciação crítica e comparativa de todos os meios de prova produzidos em audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade, nomeadamente, nas declarações da arguida prestadas em audiência de julgamento, que confessou relevantemente os factos, e da testemunha, agente da Polícia de Segurança Pública, que depôs com isenção e imparcialidade.
E ainda no exame dos documentos, nomeadamente os relatórios dos exames laboratoriais às substâncias apreendidas e do apreendido aos autos.
III - O Direito
1. A questão a resolver
A questão a resolver é a de saber se a sentença não indicou os fundamentos da determinação da pena e se o Acórdão recorrido aplicou à recorrente uma pena demasiado pesada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
2. Tráfico de menor gravidade
Preliminarmente, importa referir que a a Ex.ma Procuradora-Adjunta tem toda a razão em defender que a arguida deveria ter sido condenada, também, pela prática de dois crimes de tráfico de menor gravidade, previstos e puníveis pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea 1) da Lei n.º17/2009, visto que se provou que em 15 de Abril e 27 de Maio de 2011 detinha Ketamina e, no segundo caso, também Metanfetamina, para fornecimento e venda a terceiros e, ainda, para consumo próprio, tendo sido detida nessas duas vezes pelas autoridades policiais e interrogada pelo Ministério Público. Esta circunstância quebrou qualquer unidade de resolução criminosa que pudesse existir. Na verdade, a detenção e perseguição criminal do agente por duas vezes, impõem a conclusão de que a arguida renovou o seu processo de motivação criminosa pelo que estamos perante uma pluralidade de resoluções criminosas e, assim, um juízo de censura plúrimo, o que conduz, indubitavelmente, a considerar a existência de uma pluralidade de crimes1.
É certo que a acusação do Ministério imputou à arguida apenas a prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Mas isso não obstava a que o Tribunal Colectivo tivesse corrigido a incriminação, nos termos do artigo 339.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Sucede que tais crimes são puníveis com a penalidade de 1 a 5 anos de prisão, pelo que estão fora do âmbito de competências deste TUI, face ao disposto no artigo 390.º, n.º 1, alíneas f) e g) do Código de Processo Penal.
Razão que nos impede de corrigir a incriminação pela qual a arguida foi condenada.
3. Fundamentos da determinação da pena
É exacto que o n.º 3 do artigo 65.º do Código Penal impõe que na sentença se refiram expressamente os fundamentos da determinação da pena.
Como é sabido, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, devendo o tribunal atender, nomeadamente, a:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (artigo 65.º, n. os 1 e 2 do Código Penal).
Ora, os factos provados expressam bem a culpa da arguida e a necessidade de prevenção criminal.
Mais mostram tais factos o completo desprezo que a arguida mostrou pelas leis de Macau, face à repetida prática de crimes, a intensidade do dolo e a sua falta de preparação para manter uma conduta lícita.
A sentença atendeu a tais circunstâncias, pelo que não se afigura ter sido praticada qualquer nulidade.
4. Medida da pena
Quanto à questão suscitada a propósito da medida da pena este Tribunal tem entendido que “Ao Tribunal de Última de Instância, como Tribunal especialmente vocacionado para controlar a boa aplicação do Direito, não cabe imiscuir-se na fixação da medida concreta da pena, desde que não tenham sido violadas vinculações legais – como por exemplo, a dos limites da penalidade – ou regras da experiência, nem a medida da pena encontrada se revele completamente desproporcionada” (Acórdãos de 23 de Janeiro e 19 de Setembro de 2008 e 29 de Abril de 2009, respectivamente, nos Processos n. os 29/2008, 57/2007 e 11/2009).
Isto é, quando está em causa a medida concreta da pena, não cabe a este Tribunal averiguar se a pena criminal aplicada pelo TSI teria sido aquela que o TUI aplicaria se julgasse em primeira ou em segunda instâncias.
No caso dos autos, em que o TUI intervém em terceiro grau de jurisdição, ponderando a sua posição no sistema judiciário e à competência visando sobretudo a correcção da aplicação do Direito, não lhe cabe apreciar a dosimetria concreta da pena, a menos que ela se mostre completamente desajustada, ou seja, quando a mesma seja de todo desproporcionada face aos factos.
É que a aplicação da pena contém alguma discricionariedade judicial, entendida esta como a actividade do tribunal que não se esgota com a mera subsunção silogístico-formal, que não se compadece com o controlo que os sistemas judiciários e processuais semelhantes, neste aspecto, ao de Macau, atribuem aos tribunais supremos.2
Outrossim, cabe ao TUI sindicar a violação de regras de direito ou de experiência na aplicação da pena.
No caso dos autos não foi alegada qualquer violação de vinculação legal ou de regras da experiência.
Foi a recorrente condenada na pena de oito anos de prisão pela detenção de estupefacientes para venda a terceiros. Diz a recorrente que não se provou o intuito lucrativo. Isso é certo, mas estando instalada num hotel, a recorrente, que é empregada de mesa, auferindo mil patacas mensais, não se vislumbra outro motivo para as suas deambulações por Macau que o intuito lucrativo das suas vendas. Aliás, provou-se que a recorrente se instalou no hotel para o exercício das actividades relacionadas com a droga.
Por outro lado, antes do dia dos factos (3 de Junho de 2011), tinha a arguida sido detectada com drogas para venda a terceiros, por duas vezes, nos dois meses imediatamente anteriores.
Ora, variando a penalidade entre 3 a 15 anos de prisão, a pena concreta pela qual foi condenada não se mostra desproporcionada.
É, pois, o recurso manifestamente improcedente.
Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando ainda a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Fixam os honorários da defensora da arguida em mil patacas.
Macau, 28 de Novembro de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 Neste sentido, EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, Coimbra, Almedina, 1968, II, p. 201 e 202.
2 J. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2.ª reimpressão, 2009, p. 194 e 197, citando MAURACH/ZIPF, quanto à segunda asserção.
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Processo n.º 73/2012