Processo nº 718/2010
(Recurso Cível)
Data: 6/Outubro/2011
Assuntos:
- Honorários de advogado; execução de livrança
SUMÁRIO :
As despesas dos honorários do advogado não podem ser dadas à execução de uma livrança, não constando do respectivo título, e não se podem fazer incluir nas “outras despesas” a que alude o artigo 48º da LU e 1181º do C. Comercial porque estas respeitam a encargos que se prendem com a sua indispensabilidade e previsibilidade para uma boa cobrança e não já com o incumprimento, porque tal contraria a certeza, literalidade, autonomia e abstracção do título, porque se trata de despesas que ainda não estão realizadas e liquidadas, porque, em suma, a relação causal do pagamento dos honorários pelo devedor incumpridor e que motiva o recurso à via judicial é materialmente mui diferente da relação cambiária que legitima o recurso à execução.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 718/2010
(Recurso Civil e Laboral)
Data: 6/Outubro/2011
Recorrente: A
Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu parcialmente do pedido
(honorários de advogado)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
O “A", com sede em Pequim e sucursal em Macau, Exequente nos autos acima referenciados, havendo interposto recurso do despacho de fls. 45 dos mesmos autos, ao indeferir liminarmente a execução para o pagamento das honorários de advogado por falta de título, dele vem interpor recurso, alegando em síntese conclusiva:
O despacho recorrido indeferiu liminarmente o requerimento inicial, na parte relativa ao pagamento de honorários ao advogado, por falta de título executivo, uma vez que tais despesas não seriam incluídas no conceito de "outras despesas" previsto no artigo 1181º, n.º 1, al. c) do Código Comercial, aplicável à livrança por via do artigo 1210º, n.º 1, al. d), do mesmo código (equivalentes aos artigos 48º e 77º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças) .
Ora, de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência, o conceito de "outras despesas" presente no artigo 1181º, n.º 3, al. c) do Código Comercial (equivalente ao artigo 48º, 3º parágrafo, da LULL) é composto por aquelas despesas que se mostram estritamente necessárias à efectivação do direito do portador do título de crédito.
Assim, e considerando que o crédito que se executa na presente lide não foi voluntariamente liquidado pelos obrigados, tal como é evidenciado pelo instrumento de protesto junto com o requerimento executivo, o único meio adequado ao alcance do portador da livrança para ver satisfeito tal crédito é a via judicial por meio da presente Acção Executiva para Pagamento de Quantia Certa.
Em virtude do valor da presente Execução (MOP$14.843.656,03), é obrigatória a constituição de advogado, de acordo com disposto no artigo 74º, n.º 1, al. c), do C.P.C.
Sendo a presente acção o único meio legal ao dispor do portador da livrança para obter a satisfação do seu crédito e porque para a proposição de tal acção é obrigatória a constituição de advogado,
Não pode deixar de se considerar como sendo estritamente necessárias as quantias despendidas com o patrocínio forense, nomeadamente os honorários do advogado, assim incluídas no conceito de "outras despesas", previstas no artigo 1181º, n.º 1, al. c), aplicável às livranças ex vi artigo 1210º, n.º 1, al. d), ambos do Código Comercial.
O douto despacho recorrido violou, pois, o disposto no artigo 1181º, n.º 1, al. c) e no artigo 1210º, n.º 1, al. d), ambos do Código Comercial.
Termos em que, pede, deverá o despacho de indeferimento liminar recorrido ser revogado, admitindo-se o peticionado pagamento dos honorários do advogado como sendo despesas cobertas pelo título executivo, a incluir na quantia exequenda conforme contabilização a apresentar a final. .
Foram colhidos os vistos legais.
Não foram oferecidas contra alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
II - Despacho recorrido:
É do seguinte teor:
“Uma vez que os honorários de advogado não constituem outras despesas previstas no art. 1181º, n.º 1, c) ex vi, art. 1210º, n.º 1, d), do Código Comercial, indefere-se liminarmente a execução para o pagamento dos honorários de advogado por falta de título.
Cite os executados para, em vinte dias, pagarem a dívida exequenda ou nomearem bens à penhora, sob pena de ser devolvido ao exequente o direito de nomeação de bens à penhora.”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se o exequente pode dar à execução as despesas tidas com os honorários do advogado, incluindo-as na previsão do conceito de “outras despesas” previsto no artigo 1181º, n.º 1, al. c) do Código Comercial, aplicável à livrança por via do artigo 1210º, n.º 1, al. d), do mesmo código (equivalentes aos artigos 48º e 77º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças).
Note-se que o exequente teve o cuidado de não contabilizar à partida esse montante, na certeza de que esse cálculo numa fase embrionária da execução não deixaria de se poder considerada precipitada e, porventura, abusiva, por não se saber qual o trabalho desenvolvido e a complexidade assumida com a desenvolvimento da acção executiva em causa.
A Mma Juiz considerou, sem mais, que tal verba não integraria o título executivo, limitando-se a afirmar o princípio.
2. É verdade que no artigo 48º da LU e 1181º do CC se prevê a possibilidade de o portador poder reclamar daquele contra quem exerce o direito de cação “... as despesas do protesto, as dos avisos e as outras despesas”
Comporta essa previsão os honorários do advogado?
Defende o recorrente que sim, pois que tratando-se de acção (executiva) em que é obrigatória a constituição de advogado, as despesas com a cobrança" (honorários ao advogado), porque estritamente necessárias, devem ter-se por incluídas nas legalmente previstas "outras despesas", podendo em consequência, o exequente, em execução cambiária, pedir o seu pagamento.
Existiria assim uma íntima ligação entre as despesas efectuadas e a sua necessidade no seio da efectivação do direito titulado pelo título de crédito em causa, seja este uma letra ou, por força do artigo 1210º, n.º 1, al. d) do Código Comercial ou do artigo 77º da LULL, uma livrança.
É verdade que na presente acção executiva é obrigatória a constituição de advogado, pois que o valor da execução (MOP$14.843.656,03) em muito que ultrapassa a alçada fixada para o Tribunal de Segunda Instância de Macau (MOP$1.000.000,00 nos termos do artigo 18º, n.º 1, da Lei n.º 9/1999).
Que as despesas de honorários se prefiguram como uma despesa necessária a suportar pelo exequente - pelo menos enquanto recorre a juízo para satisfação do seu crédito - mostra-se apodíptico. Mas nada de mais e nada de diferente aqualquer outro interessado a requerer a tutela judicial do seu direito.
Mas sobre que venha a ser responsável por essas despesas essa é outra questão e não é pelo facto de o credor se ressarcir dessas despesas pelo título que o seu direito é negado.
3. Que a letra da lei, numa primeira aparência, não afasta uma interpretação descontextualizada como pretende o recorrente parece resultar da própria expressão outras despesas.
Mas já quanto ao alcance do que sejam outras despesas, quanto ao seu conteúdo, não é fácil determinar quais elas sejam. O Prof. Pinto Coelho1, citando Mossa, reporta-se para esse efeito a um critério genérico de necessidade e oportunidade, mais dizendo que essa determinação deve confiar-se ao prudente arbítrio do julgador quando o regresso seja exercido por via judicial.
Não se observa sobre a matéria, na doutrina consultada, um autor que seja que se pronuncie claramente, preto no branco, no sentido de que aí devem ser incluídos os honorários dos advogados.2
Gonçalves Dias, no seu tratado, fala apenas em despesas judiciais desde que oportunas e necessárias, mas é esse mesmo autor que rejubila com uma decisão do Supremo que considerou nula uma claúsula penal indeterminada inserta no título, prevendo-se o pagamento dos honorários do advogado no caso de recurso às vias judiciais. E estávamos perante uma cláusula penal expressa... ,3
Ressalta e realça-se a ideia de que só podem reclamar-se as despesas estritamente necessárias para a efectivação do direito.4
4. Que razões podem então levar a que se considere que essas despesas estão excluídas da previsão normativa, na esteira, aliás da Jurisprudência comparada5 que exclui expressamente da previsão “outras despesas” o pagamento de honorários do mandatário?
Poderia ser uma preocupação em evitar uma situação abusiva e exagerada de honorários indevidos e ilegítimos, liquidados à cabeça em desconformidade até com as regras deontológicas e sem que o executado tivesse possibilidade de contraditar as contas.
Teremos então de analisar e inserir essa previsão na doutrina e teleologia subjacente à disciplina dos títulos cambiários.
5. Desde logo se verifica que o artigo 48º da LU fala de despesas do protesto, as dos avisos e as outras despesas.
O que inculca no sentido de que as despesas já se devem mostrar realizadas, o que não é o caso dos honorários pedidos à cabeça. É certo que o seu montante poderia vir a ser liquidado mais tarde, mas tal possibilidade afasta-se da certeza que se deve revelar face ao título. Poder-se-ia argumentar aqui que também as outras despesas em relação às quais não subsistem dúvidas não resultam do título; só que essas podem à partida ser contabilizadas e com elas contar o devedor, porque previamente taxadas por lei.
Depois, a inserção dessa previsão normativa faz com que se propenda para considerar tão somente as despesas que tenham uma natureza similar às do protesto e avisos, isto é as que se prendam com o exigir-se o pagamento da letra6(v.g. impostos ou taxas7, selo, corretagem, comissão do banco, porte do correio) e não já aquelas que tenha a ver com o incumprimento, como acontece com os honorários ou até com a reforma das letras.
6. Reforçando este entendimento que se vem delineando, podemos dizer que as despesas que o credor cambiário haja de fazer resultam de uma outra relação, a contratual com o mandatário, só numa acção causal podendo ser reclamadas. Já não assim se do próprio título resultasse a obrigação de pagamento dessas despesas no caso de ser necessário recorrer à via judicial. Em princípio é de supor que a singeleza e forma expedita alcançada pelos meios cambiários não faz prefigurar aos diferentes intervenientes um pagamento forçado.
É assim que já noutros títulos executivos se prevê expressamente o direito a reclamar tais montantes e, como flui de variada Jurisprudência comparada, só se no título executivo se considera ficarem a cargo dos devedores as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo os honorérios dos advogados, será admissível a reclamação de tais verbas na acção executiva.8
Já assim era em 1945, mesmo para a letra, na medida em que já então se dizia que dispondo-se em uma letra serem da conta do sacado as despesas do advogado, em casos de execução, devem estas ser fixadas, nela, em quantia certa, sob pena de ser julgado inviável o pedido de citação.9
Desde logo a sua característica de literalidade, autonomia e abstracção, conducentes à ideia de que o obrigação flui e está plasmada naquele título, imbuída de uma preocupação de certeza e segurança para os diferentes intervenientes da relação cambiária afasta uma interpretação conducente a uma indefinição do conteúdo da obrigação que se requer certa e concretizada.
7. Não deixamos de observar que o pagamento de despesas ou encargos é autonomamente prevista nos artigos 21º e 22º do CCJ, afastando-nos aqui do entendimento havido no então TSJ10 de que a LU consente a sua inserção na petição inicial da acção executiva, se referente a honorários dos advogados.
Foi aliás com base nesse entendimento que se decidiu já neste Tribunal.11
Invoca-se nos citados arestos até a admissibilidade desse tipo de despesas, na medida em que as quantias peticionadas estariam abrangidas pelo montante titulado. Mas, para além de um causa diferente, por um lado teríamos a abstraccão do título cambiário, por outro, uma fonte diferente, qual fosse a do mandato, sem intervenção ou prefiguração por parte do devedor cambiário no momento da aposição da sua assinatura no título, fica-se sem compreender por que razão numa situação de falta de pagamento parcial – pois só aí o valor já pago deixa margem para as despesas dos honorários – estes podem ser reclamados e já não assim numa situação em que nada tivesse sido pago, sendo dada à execução a totalidade do valor inscrito no título, o que não permitiria já a reclamação das despesas de cobrança, vulgo dos honorários do advogado.
Donde nos apartarmos dessa interpretação.
8. Acresce que a lei do Processo prevê no artigo 383º um mecanismo para pagamento dos honorários, o que deve ser compatibilizado com o pagamento das custas de parte e procuradoria previstos no CCJ, não se compreendendo que as referidas despesas previstas na LU ultrapassassem até, por mera decorrência da lei e sem terem sido configuradas pelos intervenientes, esta destinação específica quanto aos ónus e custos dos credores.
Pelas apontadas razões somos a julgar improcedente o presente recurso.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, com os fundamentos que ora se aduzem, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Macau, 6 de Outubro de 2011,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Suplemento às Lições de Dto comercial, 1962, 96
2 cfr. ainda Pinto Furtado, Títulos de Crédito, 2005, 206; França Pitão, Letras e Livranças, 2007, 350, aqui se fazendo até uma referência a Jurisprudência que os não admite; Abel Delgado, LULL, Anotada, 1996, 280.
3 - José Gonçalves Dias, Da Letra e Livrança, II, 218 e 223
4 - Cfr. mesmo autor, ob. cit., 97, citando Lorenzo mossa e Supino de Semo
5 Ac. RP, de 9/5/94, BMJ 437, 574, Ac. RL, proc. 0004266, de 20/4/99.
6 - Ac. RL, proc. 0043576, de 21/1/93
7 - Ac. RL, de 17/3/94, CJ 1994, II, 89
8 - Acs do STJ98A246, de 6/5/98; 96ª656, de 8/4/97067244, de 27/6/78
9 - Ac. STJ, de 5/1/45, BO, n.º 5, pág. 12, citado por Leite de Campos, in Jurisp Port : o cheque, extracto de factura, a letra e livrança
10 - Ac. do então TSJ, de 24/11/99, CJ II, 458
11 - Ac. do TSI 13/2002, de 23/5/2002, CJ, 2002, I, 421
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718/2010 1/11