Proc. nº 537/2009
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 6 de Outubro de 2011
Descritores: Administração de condomínio
Administrador de facto
Pressupostos do enriquecimento
Causa de pedir.
SUMÁRIO:
I- Se alguém vem praticando actos de administração sem nunca ter sido investido no cargo pelo modo previsto na lei, diz-se que é administrador de facto.
II- Não pode proceder a acção se o autor reclama de algum condómino o pagamento de despesas de condomínio apenas com base em factos alegadamente conformadores da gestão de negócios considerada inexistente pelo tribunal.
III- Para a pretensão ser procedente, quando fundada em enriquecimento sem causa, é necessário que o autor alegue e prove os factos que constituem os requisitos do enriquecimento, não podendo o tribunal substituir-se ao autor nesse plano, em razão do princípio do dispositivo e da substanciação.
Proc. nº 537/2009
(Recurso cível e laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A “A”, com sede na Rua Quatro do Bairro Iao Hon, nº XX, edif. “XX”, r/c, loja G, Macau, moveu acção de condenação com processo ordinário contra B e esposa C, e “D”, um e outro com os demais sinais dos autos.
Foi, na oportunidade, proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou os RR “…a pagar solidariamente à autora a quantia total das despesas gastas pela autora desde Junho de 1996 até à data de execução da mesma, cujo montante será determinado em sede de execução de sentença, mediante as contas de despesas a apresentar pela Autora, divididas por 661 fracções autónomas (vezes 6 fracções tituladas pelos Réus), referente ao período em causa, acrescido de juros de mora …”.
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É dessa sentença que vem interposto o presente recurso jurisdicional pelos Réus, em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:
I. Nos termos dos factos provados inexiste qualquer contrato celebrado entre A. e RR., i.e. um acordo vinculativo, colocado sob a alçada do direito, assente sobre duas ou mais declarações de vontades, contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses, pois nunca a A. sequer dirigiu qualquer proposta à aceitação dos RR.
II. Ainda que se admitisse, por simples exercício académico, que tal contrato havia sido celebrado, e que a A. se havia obrigado para com os condóminos a prestar serviços de administração de condomínio - resultado do seu trabalho intelectual e manual - ainda, assim, dos factos provados não resultaria igualmente a existência de acordo de vontades para a retribuição - teria sido indevidamente interpretado e aplicado o artigo 1080.º do C. C.
III. Logo que metade das fracções estejam alienadas ou 30% ocupadas, o administrador de facto ou o promotor do empreendimento que não convoque a primeira reunião da assembleia-geral do condomínio para os efeitos de escolha da administração, aprovar o orçamento desse ano, fixar o montante do seguro contra o risco de incêndio e elaborar o regulamento do condomínio, se necessário (obrigatório sempre que o prédio em regime de propriedade horizontal tenha mais de 10 fracções autónomas), passa a ter uma actuação ilícita de ingerência não autorizada na gestão de negócio alheio, e fica constituído na obrigação de indemnizar pelos danos causados, solidariamente com o promotor do empreendimento - entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 1344. º n .º 1, do C.C.)
IV. Não basta que se não prove nos autos a falta de uma causa justificativa para o enriquecimento para que quem pede a restituição possa ver o seu pedido considerado procedente, já que a falta de causa terá de ser alegada e provada, nos termos das regras de ónus de prova, que impõem a quem invoque um direito fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado - entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 310.º do C. C.
V. Tendo sido os RR. condenados a pagar à A. crédito a liquidar em execução de sentença, não lhe sendo imputável a falta de liquidez, inexiste mora no cumprimento até à data em que se opere a liquidação do crédito na referida sede, não podendo, consequentemente, os RR. ser condenados a pagar juros de mora desde a data do trânsito em julgado da sentença - entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 794.º, n.º 4, do C. C.
VI. Os condóminos só estão obrigados pagar os encargos com a conservação e fruição das partes comuns do condomínio na proporção do valor relativo da(s) sua(s) fracção(ões) a sentença fez indevida interpretação e aplicação do artigo 1332.º, do C. C.
VII. O promitente adquirente com tradição da fracção, bem como, o usufrutuário da fracção só estão obrigados ao pagamento dos encargos com a administração corrente - a sentença fez indevida interpretação e aplicação do art. 1343.º do C. C.
Termos em que, deve a sentença recorrida ser ser revogada e substituída por outra que considere os pedidos da A. totalmente improcedentes e não provados.
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A autora contra-alegou em termos que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos.
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Cumpre decidir.
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II- Os factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à administração de imóveis e condomínios (alínea A da Especificação).
- Os 1° e 2° Réus são promitentes - adquirentes das fracções autónomas E e F e possuidores com uso e fruição das fracções autónomas A, B, C e D, todas do XX° andar do edf. “ Centro Comercial Tong Nam Ah” , sito no Rua de Londres, nº 101, em Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 21936, a fls. 34 do Livro B104A, fracções essas que se destinam a instalação de escritórios, estando nelas sediadas a 30 R, Sociedade Comercial “ D” , bem como várias empresas comerciais pertencentes aos 1° e 2° Réus, pelo menos desde Junho de 1996 (alínea B da Especificação).
- O referido edifício ocupa uma área de 6480.0000 metros quadrados; é composto por cave, rés-do-chão, sobreloja e 22 andares; sendo integrado por 661 fracções autónomas e foi construído pela sociedade comercial “ E”, Limitada, com sede na Rua Nova à Guia, nº 5, XXº Andar, em Macau (alínea C da Especificação).
- Concluída a sua construção, aquela sociedade iniciou a comercialização das várias fracções autónomas que compõem o edifício, através da empresa de mediação imobiliária, “ F” (alínea D da Especificação).
- Que, simultaneamente, se responsabilizou pela administração, conservação e manutenção das respectivas partes comuns (alínea E da Especificação).
- F, porque não estava vocacionado para administrar prédios, mal iniciou as vendas das fracções autónomas, acordou com a Autora no sentido de esta passar a gerir e administrar o edifício (alínea F da Especificação).
- Foi com o conhecimento dos RR. que a Autora começou praticar actos correspondentes ao cargo de administrador ;'0 condomínio do edifício (alínea G da Especificação).
- A Autora pratica actos correspondentes ao cargo de administrador do condomínio do edifício, desde Junho de 1996 até à presente data (alínea H da Especificação).
- Todos os meses, a Autora comunica verbalmente e por escrito aos Réus para que entregue as prestações mensais pela conservação e fruição das partes comuns (alínea I da Especificação).
Da Base Instrutória:
- Foi com o conhecimento de todos então promitentes - adquirentes das fracções que compõem o e edifício, que a Autora começou a praticar actos correspondentes ao cargo de administrador do condómino do edifício referido em B) dos factos assentes (resposta ao quesito 2º ).
- Todos os ocupantes das várias fracções autónomas, com excepção dos Réus, têm vindo a entregar mensalmente as prestações pela conservação e fruição das partes comuns à Autora (resposta ao quesito 3º).
- A Autora fixou o valor das prestações mensais pela conservação e fruição das partes comuns, correspondentes às seis fracções autónomas identificadas em B) dos factos assentes, no montante de MOP$1.80 por pé quadrado (resposta ao quesito 4º).
- A Autora tem vido a suportar todas as despesas relativas às partes comuns, nomeadamente gastos com a electricidade e água (resposta ao quesito 6º).
- A Autora tem vindo a assegurar a conservação e limpeza do edifício (resposta ao quesito 7º).
- A Autora tem vindo a garantir a prestação de todos os serviços comuns tais como fornecimento de gás, intercomunicadores e recepção de televisão, em relação aos blocos de habitações (resposta ao quesito 8º).
- A Autora tem ao seu serviço 11 empregados assalariados para desempenharem as funções requeridas para conservações, manutenção e limpeza das partes comuns e, ainda, para guarda e segurança do edifício (resposta ao quesito 9º).
- Com a presente acção a Autora já gastou MOP$20,000.00 a título de honorários e MOP$2,500.00 a título de despesas com a obtenção de documentos e traduções (resposta ao quesito 11º).
- À medida que cada uma das fracções eram alienadas, a Autora foi obtendo o acordo dos novos proprietários das fracções para a administração, conservação e manutenção das partes comuns (resposta ao quesito 11°-A).
- Para a prossecução da sua actividade, a Autora contratou por diversas vezes os serviços de terceiros (resposta ao quesito 11°-B).
- A Autora tem também desenvolvido actividade no âmbito da assistência e manutenção dos elevadores (resposta ao quesito 11°-C).
- Provado o que consta da resposta ao quesito 4° (resposta ao quesito 12º).
- Os Réus nunca concordaram com o montante das prestações fixado pela Autora (resposta ao quesito 13º).
- Provado o que resulta das alíneas E) e F) dos factos assentes (resposta ao quesito 15º).
- Apesar do facto referido em H), a Autora nunca os condóminos para a primeira reunião da assembleia - geral com vista a: i) escolha da administração; ii) aprovação do orçamento; iii) elaboração do regulamento; e iv) fixação do montante do seguro contra o risco de incêndio (resposta ao quesito 16º).
- A Autora nunca convocou a assembleia do condomínio nos meses de Janeiro de cada ano para discutir e apresentar contas e discutir e aprovar o orçamento das despesas (resposta ao quesito 17º).
- A Autora nunca presta contas com excepção dos meses de Setembro e Outubro de 2002 (resposta ao quesito 18º).
- A Autora nunca apresentou um regulamento do condomínio para discussão e aprovação (resposta ao quesito 20º).
- A Autora nunca convocou a assembleia - geral do condomínio para que esta fixasse o montante das prestações pela conservação e fruição das partes comuns a cargo da casa condómino (resposta ao quesito 21º).
- As facturas que a Autora enviou aos Réus não discriminam quais são as despesas certas e fixas e quais as despesas certas mas variáveis (resposta ao quesito 22º).
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III- O Direito
A essência factual dos autos, só para recordar, é a seguinte:
- E (promotor imobiliário) construiu um prédio;
- Uma vez construído, entregou a F (mediador mobiliário), a comercialização das suas fracções e a responsabilização pela administração, conservação e manutenção das partes comuns do prédio;
- B, por seu turno, por não estar vocacionado para tal, acordou com A (administradora de condomínios), autora da acção, a administração das partes comuns edifício em apreço, o que sempre tem feito desde 1996 até ao momento.
- Os RR, além de outra importância equivalente a um fundo de maneio, não pagaram as prestações correspondentes a 78 meses relativas ao encargo que, enquanto condómino, lhes incumbiria suportar.
Qual o objectivo da acção intentada no TJB?
Forçar o cumprimento de uma obrigação e obter uma sentença condenatória dos RR no pagamento das importâncias em dívida a esse título.
Para atingir tal desiderato, a autora traçou os factos que integrou juridicamente na seguinte causa de pedir:
O cargo de administração por si assumido no prédio, em nome e no interesse dos condóminos (e portanto, também, no dos RR demandados), tem sido desempenhado na qualidade de gestão de negócios! Circunstância que, em seu entender e ao abrigo do art. 462º do Código Civil, lhe confere o direito de exigir as prestações mensais dos condóminos em falta, nomeadamente dos RR.
Vejamos, pois.
Os actos de administração vêm sendo praticados desde Junho de 1996. Significa isto que aplicável ao caso era, nessa altura, o Código Civil de 1966. Ora, enquanto o art. 1430º dispunha que a administração das partes comuns do edifício competia à assembleia de condóminos e a um administrador, o art. 1435º prescrevia que o segundo (administrador) devia ser eleito e exonerado pela primeira (assembleia dos condóminos). Mas o segundo preceito também permitia que se a assembleia o não elegesse, ele poderia ser nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.
Dá para inferir, pois, que a lei exigia que o cargo de administrador era não só necessário, como implicava uma investidura formal, seja através de deliberação electiva pela assembleia, seja através de uma nomeação judicial.
Com a Lei nº 25/96/M, de 9/09 foram revogadas as disposições do Código atinentes a esta matéria, mas a exigência a que acima nos referimos passou para o corpo geral do diploma, nomeadamente para o art. 22º e 31º. E a verdade é que este diploma chega a considerar não escritas as cláusulas de quaisquer contratos, subscritos pelos condóminos, das quais possa resultar o seu consentimento ao exercício da administração por entidade não eleita pela assembleia de condóminos ou nomeada pelo tribunal, bem como a cláusula que estipule a renovação automática da prestação de serviços de administração de condomínio e a reputar nulos os acordos de transmissão da administração do condomínio celebrados sem o consentimento da assembleia (art. 32º).
O certo é que durante o período de vigência do CC de 1966 ou da Lei acabada de referir não chegou a verificar-se a referida investidura.
Surgiu, entretanto, o C.C. actualmente vigente, que apresenta dois tipos de administração: uma, simples; outra, complexa. Presumindo que a situação aqui encaixe na primeira, deparamo-nos à mesma com a necessidade de órgãos formais de administração: a assembleia-geral de condomínio (órgão de natureza deliberativa) e a administração (órgão de natureza executiva): art. 1329º.
Como se vê, a sucessão de regimes não trouxe alteração de monta e em todos eles o exercício da administração obriga à existência de órgãos próprios dotados de legitimação formal. E isso aqui não chegou a acontecer.
E assim, a “F” (mediador mobiliário), porque não tinha poderes para o exercício da administração, também não os podia transferir para a autora da acção. Se eram meros poderes de facto os que aquela detinha, os que esta recebeu não mudaram de natureza através do acordo a que se refere a alínea g), da especificação!
Serve isto para retirar uma primeira conclusão: a administração que tem vindo a ser praticada pela autora da acção, ora recorrida, não está alicerçada numa base jurídica de legalidade e, portanto, não é uma administração de iure, mas, em vez disso, é uma mera administração de facto.
Temos, portanto, que este administrador de facto deveria ter convocado uma assembleia-geral do condomínio com vista à confirmação da sua posição de administrador no prazo imposto no art. 44º da Lei nº 25/96/M. E tal não foi feito. Tal como não foi promovida nenhuma assembleia-geral de condomínio para escolha da administração, aprovação do orçamento e elaboração de regulamento de condomínio, nos termos e moldes do art. 1344º do Código Civil vigente.
Temos, em suma, uma pessoa colectiva que vem praticando actos de administração, mas aos quais falta o necessário substrato formal de legalidade.
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Pergunta-se, de qualquer maneira se pelas despesas decorrentes de tais actos não pode, ou não deve, o administrador de facto ser ressarcido.
É aqui que entra a autora a defender que a situação se enquadra juridicamente na gestão de negócios.
Ora, a gestão de negócios só se dá quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada (art. 462º do CC). Quer dizer, a gestão sublinha a noção de intervenção por parte de alguém em nome e no interesse de outrem, de quem não é colhida autorização legal ou convencional prévia e para quem serão transferidos os proveitos e encargos da actividade. A gestão tem por pressuposto, então, que a actividade desenvolvida pelo gestor seja feita de harmonia com o interesse objectivamente considerado do dono do negócio e segundo a vontade real ou presumível deste.
Ora, no caso dos autos, se todos os donos ou ocupantes das fracções autónomas do prédio vêm pagando as prestações mensais referentes ao encargo da conservação e fruição das partes comuns (resposta ao quesito 3º), já os RR nunca concordaram com o montante das prestações fixado pela autora (resposta ao quesito 13º). Aliás, os RR nunca pagaram tais prestações apesar de todos os meses a autora lhes comunicar, verbalmente e por escrito, para o fazerem (alínea I da especificação). Ou seja, os RR, deviam suportar as despesas correspondentes à sua quota-parte no condomínio (arts. 1332º, nº1, do CC), mas o certo é que vêm manifestando a sua oposição a isso. Donde, claramente resulta que os RR não aceitam que a actividade desenvolvida pela autora seja feita no interesse deles.
E este singelo conjunto de factos revela que ao menos aquele requisito da gestão se não mostra verificado aqui.
De resto, nem tampouco se poderia falar em gestão de negócios no campo da administração, porquanto o administrador (mesmo quando actua somente de facto) age motivado pela realização de interesses que são seus e muito próprios, na mira da prossecução de um lucro próprio da actividade que desenvolve. Claro que se pode dizer que a actuação do administrador de condomínio “resolve os problemas dos condóminos” naquilo que lhes é comum e que, nessa perspectiva, da sua acção advém uma utilidade para esses beneficiários. Sim, é certo. Simplesmente, daí não se segue que a actividade desenvolvida seja feita no interesse exclusivo dos condóminos. Na realidade, o efeito útil para aqueles nasce de um sinalagma que deriva da contratualização da actividade comercial que aquela prossegue e que lhe proporciona a utilidade do lucro. Como se vê, os autos mostram-nos que existe um interesse próprio do administrador de condomínio, circunstância que afasta o espectro da gestão de negócios.
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Por outro lado, também não nos parece certo vislumbrar nesta situação uma prestação de serviços (de resto, nem essa matriz foi sequer invocada na petição como causa de pedir). Com efeito, a prestação de serviços (ver art. 1080º do CC) tem uma natureza obrigacional e implica um acordo de vontades bilateral, que no caso nunca foi celebrado entre A e RR.
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A sentença, porém, e como argumento de reserva, apelou ao instituto de enriquecimento sem causa para conceder procedência ao pedido.
Também contra essa fundamentação se insurgem os recorrentes com o argumento de que não existe no elenco da matéria de facto matéria provada que preencha os necessários requisitos do instituto, os previstos no art. 467º do CC.
Recorde-se que a sentença não considerou a existência de gestão de negócios. Se assim o tivesse a sentença concluído, talvez ao apelo às regras do enriquecimento pudesse ter lugar ao abrigo do art. 462º, nº2 do CC, embora sob prévia alegação e prova do quadro de facto demonstrativo do requisito ali previsto.
Ainda assim, a sentença avançou para o enriquecimento, não enquanto decorrência de uma gestão não exercida em conformidade com o interesse e a vontade real ou presumível do dono do negócio, mas como figura dogmática e autónoma e desligada de qualquer associação à gestão (gestão que entendeu não verificada), julgando estarem verificados os necessários requisitos.
E este caminho seguiu-o também um acórdão deste TSI de 21/01/2010, lavrado no Processo nº 741/2009. Contudo, um singular aspecto distingue os dois casos: enquanto naqueles autos, o autor da acção tinha expressamente apelado à gestão de negócios e subsidiariamente ao instituto de enriquecimento sem causa, nos presentes o enriquecimento não foi invocado expressamente. E, como se sabe, a falta de causa do enriquecimento tem que ser alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no art. 335º do CC, por quem pede a restituição.1
Na verdade, a autora não alicerçou a acção com factos jurídicos concretos reveladores dessa causa petendi, isto é, do enriquecimento. Deveria a autora invocar a vantagem patrimonial dos enriquecido (RR) contrapondo o seu empobrecimento relativamente ao património de que se viu privado. Não o fez porque, como se sabe, a impetrância do enriquecimento é sempre subsidiária (ou residual), isto é, só é possível se inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento2. E como se viu, a autora da acção concentrou a sua atenção em torno da gestão de negócios e por aí se ficou.
Sendo assim, mostra-se vedado ao tribunal, face ao princípio do dispositivo ou da disponibilidade objectiva ou do objecto, como também se diz, e à qualificação jurídica dos factos necessários à determinação do direito3, proceder à sua alteração.
Na verdade, está consagrado no nosso ordenamento jurídico o princípio da substanciação, segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer, sendo antes necessária a indicação especificada dos factos constitutivos desse mesmo direito4. Circunstância que, porque aqui não verificada, determina a improcedência da acção.
Portanto, e só por esse motivo, é de reconhecer razão aos recorrentes, com assento na conclusão IV das respectivas alegações do recurso.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando, assim, improcedente a acção.
Custas pela recorrida(autora da acção) em ambas as instâncias.
TSI, 06 / 10 / 2011.
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan
1 Neste sentido, Ver Código Civil anotado, Vol. I, de Pires de Lima e Antunes Varela, 4ª ed., pag. 456; também Ac. do STJ de 2/02/2010, Proc. nº 1761/06. 97UPRT.S1; Ac. STJ de 2/07/2009, Proc. nº 123/07.5TJVNF.S1.
2 Prof. Leite de Campos, “A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento”, 171 e 326
3 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2004, Proc. nº 04B853.
4 A. Reis, CPC Anotado, vol. II, p. 356, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 297 e Castro Mendes, Manual de Processo Civil, p. 299; Tb. Ac. do STJ de 2/07/2009, Proc. nº 123/07.5TJVNF.S1
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