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Processo nº 556/2011 Data: 13.10.2011
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Qualificação jurídica.





SUMÁRIO

1. O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo










Processo nº 556/2011
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar os (1° e 2°) arguidos A e B, com os sinais dos autos, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador” p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 conjugado com os art.°s 254°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b), todos do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão; (cfr., fls. 926-v a 927-v).
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Inconformados os arguidos recorreram:

O arguido A, pedindo a redução e suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 974 a 979).

O arguido B, concluindo que:

“1. Da matéria dada como provada não resulta a prática pelo recorrente em autoria material do crime de Passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, p.p.p. artigo 254.°, n.° do CPM.
2. O douto acórdão padece do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão.
3. O tribunal a quo condenou o recorrente pelo aludido crime de Passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador com base em elementos factuais inverificados na audiência de julgamento nem nos autos, uma vez não logrou demonstrar factos determinados e concretos da prática de facto de concertação com o falsificador.
4. Existirá erro notório quando, sendo usado um processo racional ou lógico se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
5. Está o recorrente convicto de que, com os elementos constantes dos autos, o reenvio do processo para ampliação da matéria fáctica para o Tribunal de julgamento não poderá determinar o apuramento de factos diferentes daqueles que – na sua modesta opinião – estão subjacentes às afirmações contidas supra transcritas, de onde decorre que o recorrente não praticou o crime de “Passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, mas tão só cometeu 1 crime de “Passagem de moeda falsa”, p.p.p. artigo 255.° n.° 1 do CPM.
6. Do exposto decorre que nos encontramos perante um caso de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista na al. a) do n.° 2 do artigo 400.° do C.P.P. e ao abrigo do disposto do artigo 418.° n.° 1 do C.P.P., anular esta parte, passando o recorrente a ser condenado por 1 crime de “Passagem de moeda falsa” p.p.p. artigo 255.° n.° 1 do CPM”; (cfr., fls. 969 a 973-v).

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Em resposta, pugna o Exm° Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência dos recursos; (cfr., fls. 984 a 990).

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Nesta Instância, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Concordamos com o ponto de vista apresentado pelo Magistrado do Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso, considerando que o recurso interposto pelo recorrente A deve ser rejeitado por ser improcedente.
Segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o recorrente A era membro de uma associação de falsificação de cartão de crédito em Hong Kong, responsabilizando pela recepção dos produtos adquiridos em diversas lojas em Macau pelo pessoal subordinado (conhecido por "piloto") através do uso de cartões de crédito e bilhetes de identidade de residente de Hong Kong falsos.
Assim sendo, o Tribunal a quo condenou o recorrente, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, p. e p. pelo art.° 252°, n.° 1, conjugado com o art.° 254°, n.° 1 e art.° 257°, n.° 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão efectiva.
O recorrente considerou que a aludida pena aplicada pelo Tribunal a quo era notoriamente excessiva, requerendo a nova determinação da pena, no sentido de o condenar numa pena de prisão inferior a 3 anos, bem como solicitando a suspensão da execução da pena de 3 anos de prisão efectiva que lhe foi aplicada ou a suspensão da execução da pena de prisão inferior a 3 anos que, eventualmente, lhe fosse aplicada após a nova determinação da pena.
Não concordamos com a pretensão do recorrente A.
O tribunal tem certo grau de discricionariedade para proceder à determinação da pena, dentro da moldura penal definida na lei, com a observância do disposto nos art.°s 40° e 65° do Código Penal.
Do acórdão recorrido, sabemos que, na determinação da pena, o Tribunal a quo não ignorou os fundamentos e os critérios da medida da pena definidos na lei, por contrário, atendeu ás situações concretas da causa para proceder à determinação da pena concreta aplicada ao recorrente A.
O recorrente A é punido com pena de prisão até 5 anos pela prática do crime de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador.
Além de ser delinquente primário, o recorrente A não tem qualquer outra circunstância da medida da pena que lhe favorece.
O recorrente A negou os factos criminosos. Quanto à culpa, o recorrente A prestou, de forma livre, voluntária e consciente, auxilio no uso de cartões de crédito falsos nas compras, com o intuito de obter interesses ilícitos.
Do ponto de vista de prevenção do crime, o crime praticado pelo recorrente A não é de ocorrência rara em Macau, provocando influência negativa aos bens jurídicos que o legislador pretende proteger, bem como à segurança dos bens alheios, pelo que se necessita de elevar as exigências de prevenção geral.
Atendendo à natureza e gravidade do crime cometido pelo recorrente, à moldura penal aplicável, às situações concretas da causa e às exigências de prevenção criminal (tanto da prevenção especial como da prevenção geral), concluímos que não se mostra notoriamente excessiva a pena aplicada pelo Tribunal a quo ao A.
É de salientar que, no reconhecimento do facto de que o recorrente A, ao usar os cartões de crédito falsos, usou também o bilhete de identidade de residente de Hong Kong falso, o Tribunal a quo interpretou e aplicou a “absorção do crime menos grave pelo crime mais grave” aos dois crimes que visam a proteger os bens jurídicos distintos –“crime de uso de documento falso de especial valor” e “crime de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, razão pela qual o recorrente A foi simplesmente condenado, pela prática de um crime de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, na pena de 3 anos de prisão efectiva, daí, podemos imaginar se mantivesse a ideia da acusação do M°P°, como seria o resultado da condenação resultante do concurso material dos dois crimes acima referidos?
Deste modo, concluímos que a pena de 3 anos de prisão efectiva aplicada ao recorrente A é precisamente uma pena mais leve para o mesmo.
A par disso, também não concordamos com o pedido da suspensão da execução da pena de prisão deduzido pelo recorrente A.
Nos termos do art.° 48° do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão não é um mecanismo automaticamente aplicável aos casos com a medida da pena de prisão não superior a 3 anos, cuja sua aplicação depende ainda de outros requisitos previstos na lei, designadamente, depende do provimento ou não do requisito material:
Antes de decretar a suspensão da execução da pena de prisão, o tribunal deve atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. O tribunal só pode decretar a suspensão da execução da pena de prisão se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Isto é, o tribunal não deve decretar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada se, atendendo genericamente às circunstâncias acima expostas, ainda não conseguir confiar em que o agente jamais se dedicará à criminalidade, ou seja, a simples ameaça da prisão não é suficiente para prevenir o novo cometimento de crimes nem para realizar as finalidades da punição.
Como é sabido, nos termos do art.° 40°, n.° 1 do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Por outro lado, ao determinar a suspensão da execução da pena de prisão, não devemos deixar de atender às necessidades de reprovação e prevenção do crime.
Segundo o Professor Jorge de Figueiredo Dias, “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”. Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”. (citação do livro Direito Penal Português, p. 340)
Pelas razões acima expostas, concluímos que há necessidade de aplicar a pena de prisão efectiva ao recorrente A. O recorrente não possui razão suficiente para que o tribunal lhe conceda a suspensão da execução da pena de prisão.
Nestes termos, consideramos que o recurso interposto pelo recorrente A deve ser rejeitado por ser improcedente.
***
Mais, o recorrente B alegou na sua motivação do recurso que o acórdão recorrido padecia de vício referido no art.° 400°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal, considerando que, nos termos do art.° 418°, n.° 1 do mesmo Código, se deve decretar nula a parte do acórdão recorrido respeitante ao recorrente B e condená-lo, por convolação, como autor do crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.° 255°, n.° 1 do Código Penal.
Concordamos com o ponto de vista apresentado pelo Magistrado do Ministério Público na sua resposta à motivação do recurso, considerando que o recurso interposto pelo recorrente B deve ser rejeitado por ser improcedente.
Tendo analisado as situações concretas da causa e os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, constatamos facilmente que nesta causa não existe o vício alegado pelo recorrente.
As jurisprudências de Macau concluíram por unanimidade que o vício referido no art.° 400°, n.° 2, al. a) do Código de Processo Penal consiste em que os factos provados são incompletos e insuficientes por existir omissão na averiguação destes pelo tribunal, e, consequentemente, não é possível proferir a decisão judicial da sentença consoante os factos em apreço.
Segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o acto do recorrente B reúne completamente os requisitos constitutivos do crime de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, p. e p. pelo art.° 252°, n.° 1, conjugado com o art.° 254°, n.° 1 e art.° 257°, n.° 1, al. b) do Código Penal, nomeadamente, apurou-se que o recorrente B e os outros réus da ora causa eram membros da mesma associação de falsificação de cartão de crédito e, dividindo tarefas entre si, usaram os cartões de crédito falsos em Macau.
Os aludidos factos mostram-se que, quer de forma directa quer indirecta a intervenção, o recorrente tinha precisamente determinado consenso e acordo com a associação criminosa em causa (abrangendo o falsificador dos cartões de crédito) para que pudesse atingir a finalidade de obter benefícios ilegítimos para a aludida associação e para os seus membros, através do uso dos cartões de crédito falsos sob forma de divisão de tarefas.
Pois, entendemos que os factos dados como provados pelo Tribunal a quo são suficientes para condenar o recorrente B pela prática do crime de passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador, p. e p. pelo art.° 252°, n.° 1, conjugado com o art.° 254°, n.° 1 e art.° 257°, n.° 1, al. b) do Código Penal.
Nestes termos, consideramos que o recurso interposto pelo recorrente B deve ser rejeitado por ser improcedente”; (cfr., fls. 1007 a 1008-v e 1022 a 1029).

*
Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos seguintes:
  
   “Os 1º e 2º arguidos eram membros de uma associação de falsificação de cartão de crédito em Hong Kong que ainda contava com vários indivíduos não identificados incluindo “A Dick”, “A Man” e “Fei Po” (肥婆). A associação dedicava-se a fornecer cartões de crédito falsos e bilhetes de identidade de residente de Hong Kong falsos para ser utilizados pelo seu pessoal subordinado (conhecido por “piloto”) no consumo em lojas de Macau. Se o piloto conseguisse usar com sucesso os cartões falsos para efectuar o pagamento de mercadorias, as mercadorias seriam entregues ao 1º arguido e cabendo-lhe entregar as mercadorias aos membros da associação. Se o piloto conseguisse usar com sucesso os cartões de crédito falsos no consumo, ele podia ter como retribuição 10% do montante de mercadoria pago com os cartões de crédito falso.
   A fim de realizar o supracitado plano, a associação de falsificação de cartão de crédito decidiu-se a organizar “pilotos” para deslocarem-se a Macau, no sentido de usar os cartões de crédito falsos para efectuar o pagamento de mercadorias nas compras.
   O 2º arguido tem relação de parentesco com o 1º arguido. No encontro de amigos, o 2º arguido sabia que o 1º arguido podia fornecer cartões de crédito falsos e arranjar pessoas para deslocarem-se a Macau, a fim de usar os cartões de crédito para efectuar o pagamento de mercadorias no consumo e nas compras, e que todas as mercadorias compradas pertencem ao 1º arguido, enquanto o “piloto” pode obter como recompensa 10% do montante de mercadoria pago com os cartões de crédito falso. Através do 1º arguido, o 2º arguido conheceu “A Man”, sabendo que este se dedicava a falsificar cartões de crédito falsos. Em Agosto de 2010 (cuja data se desconhece), a pedido do 1º arguido, o 2º arguido, em Hong Kong, entregou ao 1º arguido uma fotografia dele próprio, a fim de se falsificar um bilhete de identidade de residente de Hong Kong, com igual nome do portador de respectivo cartão de crédito falso, no sentido de se identificar quando o 2º arguido usar o cartão de crédito falso no consumo.
   Nos dias 2, 3 e 6 de Setembro do mesmo ano, o 1º arguido, o “A Dick” e “A Man” acompanhando os “pilotos” incluindo C, “Fei Po”, “Kou Mui” (高妹), “Ngai Mui”(矮妹), bem como dois indivíduos do sexo masculino provenientes do Interior da China, chegaram de Hong Kong a Macau. Após a chegada, o 1º arguido distribuiu a todos os “pilotos” os cartões de crédito falsos que lhe tinham sido fornecidos por “A Dick” e “A Man”, levando todos os “pilotos” para deslocarem-se às lojas exclusivas dos produtos “L.V”, Channel, Cartier, Miumiu e Prada, instaladas nos hotéis Wynn e MGM, para usar os cartões de crédito falsos para efectuar o pagamento de objectos valiosos tais como relógios de pulso, jóias, malas e carteiras, e nessa altura o 1º arguido ficou no local distante para fazer vigilância e aguardar a entrega de mercadorias. Quando os “pilotos” conseguiram usar com sucesso os cartões de créditos falsos para efectuar o pagamento no consumo, foram entregues as mercadorias ao 1º arguido, cabendo-lhe entregar a “A Dick” e “A Man” para tratamento. Por isso, o 1º arguido recebeu como recompensa HK$2.000 por dia.
   No dia 11 de Setembro do mesmo ano, quando o 4º arguido passava o tempo divertindo-se num estabelecimento nocturno sito no distrito de Tsim Sha Tsui, Hong Kong, entrou em discussão com indivíduos desconhecidos, e nessa altura encontrou o 1º arguido, “A Man” e “Fei Po”, tendo o 1º arguido lhe exigido que se deslocasse a Macau no dia seguinte para usar cartão de crédito falso no consumo, tendo-lhe tirado os bens na sua posse. Pelo que, o 4º arguido aceitou esse pedido.
   No dia seguinte, ou seja dia 12 de Setembro, os 1º, 2º, 3º, 4º arguidos, bem como “Fei Po” e “A Hou” (阿豪) chegaram respectivamente de Hong Kong a Macau. No caminho, o 1º arguido entregou ao 2º arguido, três cartões de crédito falsos com nome de titular D, n.ºs XXXX-XXXXXX-XXXX (cartão Diners Club Citibank), YYYY-YYYY-YYYY-YYYY(Platinum) e ZZZZ-ZZZZZZ-ZZZZZ (American Express), e um bilhete de identidade de residente de Hong Kong n.ºPXXXXX(X), com nome de titular D.
   Ao obter o supracitado bilhete de identidade de residente de Hong Kong, o 2º arguido já soube que o bilhete não corresponde à verdade, ainda detinha-nos para usar em Macau. Além disso, o 2º arguido também tinha perfeito conhecimento de que os três cartões de crédito falsos que detinha são falsificados, uma vez que nunca foi a respectiva instituição para tratar as formalidades. A fim de evitar a fuga do 2º arguido, o 1º arguido tirou-lhe o seu bilhete de identidade de residente de Hong Kong, distribuindo-lhe um cartão de telemóvel pré-pago.
   Após a chegada a Macau, os 1º, 2º, 3º, 4º arguidos, bem como o “Fei Po” e “A Hou” dirigiram-se aos Hotéis Wynn e MGM, cabendo aos 2º, “Fei Po” e “A Hou” que serviam como “pilotos” entrarem em várias lojas famosas existentes naquele local tais como LV, Channel e Cartier, etc., no sentido de efectuar o pagamento com os cartões de crédito nas compras, enquanto o 1º arguido estava nas proximidades para fazer vigilância e aguardar a entrega de mercadorias.
   Nessa altura, o 2º arguido pôs o nome D no reverso dos três cartões de crédito falsos e depois entrou na loja de Cartier, no Hotel MGM, e seleccionou um relógio de pulso que custa MOP37.000, entregou à empregada um cartão de crédito de Diners Club n.ºXXXX-XXXXXX-XXXX, exigindo o pagamento do referido relógio com esse cartão de crédito, mas não foi aprovado. Pelo que, o 2º arguido saiu da loja, de imediato telefonou para o 1º arguido, tendo este indicado ao 2º arguido que usasse o cartão de crédito para efectuar o pagamento de mercadoria, por várias vezes, em valor diminuto.
   No mesmo dia, por volta da 1H00 do meio dia, o 2º arguido entrou na loja exclusiva de Louis Vuitton, no Hotel MGM, escolheu uma carteira para mulher, de cor castanha (modelo MXXXXX PF. Sarah Mono Etoile, custa MOP8.050), depois entregou à empregada o supracitado cartão de crédito de Diners Club n.ºXXXX-XXXXXX-XXXX e exigiu o pagamento com o referido cartão de crédito, tendo a empregada lhe exigido a exibição do documento de identidade, o 2º arguido, por sua vez, para provar, exibiu o supracitado bilhete de identidade de residente de Hong Kong com nome do titular D, tendo, em nome do titular do referido cartão de crédito, assinado a factura e saído da loja. (vd. fls. 9 e 35 dos autos). Mais tarde, o 2º arguido novamente entrou na supracitada loja, tendo escolhido uma carteira para homem de cor preta (custa MOP4.000, do modelo MXXXXX PTE 9CC Fenetre DG noir) e de novo exigido à empregada o pagamento com tal cartão de crédito de Diners Club e usado com sucesso o cartão para efectuar o pagamento às 1H13 do meio dia do mesmo dia. (vd. fls. 13 dos autos)
   Depois, o 1º arguido combinou com o 2º arguido para se encontrar nas proximidades junto da paragem de táxi sita entre o Hotel Wynn e Hotel MGM, tendo ainda exigido ao 2º arguido que levasse saco de papel de LV, fingindo como turista para tentar efectuar pagamento com tal cartão de crédito na Loja de Cartier no Hotel Wynn. Por isso, o 2º arguido, por volta das 14H00 da tarde do mesmo dia, deslocou-se à loja de Cartier, na “rua de lojas famosas” do Hotel Wynn onde escolheu um relógio de pulso para homem e de novo exigiu o pagamento com o tal cartão de crédito de Diner Club. Quando foi informado pela empregada de que a loja não aceita o pagamento com tal cartão de crédito, o arguido, de imediato, entregou um outro cartão de crédito de American Express n.ºZZZZ-ZZZZZZ-ZZZZZ, bem como o supracitado bilhete de identidade de residente de Hong Kong, no sentido de efectuar o pagamento. Por via telefónica, a empregada solicitou ao Banco Nacional Ultramarino a confirmação sobre os dados de identidade do titular do tal cartão de crédito, verificando que os dados de identidade do seu titular não corresponde ao tal cartão de crédito, a empregada então comunicou segurança para interceptar o 2º arguido.
   De seguida, agentes policiais encontraram na posse do 2º arguido a supracitada carteira para mulher, da loja de Louis Vuitton, bem como, encontraram na sala de depósito de bagagem do Hotel MGM, uma outra carteira para homem de cor preta, pertencente à Loja de Louis Vuitton.
   Feito o exame pericial, verificou-se que os três cartões de crédito e o bilhete de identidade de residente de Hong Kong que detinha o 2º arguido, são falsificados (vd. fls. 83 a 84 dos autos)
   Os 1º e 2º arguidos, com dolo, agindo de forma livre, voluntária e consciente, praticaram as condutas acima referidas, e para obter interesses indevidos para si ou para outra pessoa, falsificaram o bilhete de identidade de residente de Hong Kong que não pertence ao próprio 2º arguido, bem como exibiram cartões de créditos falsos aos empregados de lojas para pagamento das compras, com intenção de ocultar a sua identidade verdadeira. Pelo que, os dois arguidos, com as condutas praticadas, intentaram afectar a fé pública deste tipo de documento e a segurança e a confiança que este tipo de documento transmite na relação geral, bem como, prejudicaram o interesse da RAEM e de terceiro.
  Os 1º e 2º arguidos agiram de comum acordo, em conluio e em conjugação de esforços, dividindo tarefas entre si, ao praticarem as condutas acima referidas, bem como em concerto com o falsificador de cartão de crédito, puseram em circulação em Macau os tais cartões de crédito falsos para serem usados como cartões de crédito verdadeiros.
  Os 1º e 2º arguidos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidos e punidos por lei.
*
Além disso, também ficaram provados os seguintes factos:
O 1º arguido, há quatro anos em Hong Kong, por ter utilizado documento de outra pessoa e conduzido em estado de embriaguez, foi condenado na pena de prisão de 6 meses, bem como nas penas de multa e de inibição de condução.
O 2º arguido, em Hong Kong, foi condenado em 1989, na pena de prestação de trabalho por 4 meses pela prática de crime de furto; em 2004, foi condenado na pena de prestação de serviço social por 12 minutos pela prática de ofensa à integridade física de outra pessoa.
O 1º arguido A declarou que, antes exercia funções de segurança, e antes de ser preso, encontrava-se desempregado por 6 meses, tendo a seu cargo os pais, sua esposa e três filhos. Tem como habilitações literárias 11º ano de escolaridade do ensino secundário.
O 2º arguido B declarou que exercia funções de motorista, auferindo um salário mensal de HK$11.000, tendo a seu cargo os pais, sogros, sua esposa e três filhos. Tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade do ensino secundário.
(…)”; (cfr., fls. 922 a 924 e 1040 a 1049-v).
Do direito

3. Vem os (1° e 2°) arguidos A e B recorrer da decisão que os condenou pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de 1 crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador” p. e p. pelo art. 252°, n.° 1 conjugado com os art.°s 254°, n.° 1 e 257°, n.° 1, al. b), todos do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão.

–– Ponderando nas questões pelos arguidos suscitadas, comecemos pelo recurso do arguido (2°) B.

Diz o mesmo arguido que o Tribunal a quo incorreu no vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “erro notório na apreciação da prova”.

Ora, no que toca a tais maleitas, repetidamente tem este T.S.I. afirmado que:

“O vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., o Acórdão de 09.06.2011, Proc. n.°275/2011 e de 02.06.2011, Proc. 198/2011).

Por sua vez, temos entendido que:

“O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”

De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011 do ora relator).

Nesta conformidade, tendo o Colectivo a quo emitido pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, evidente é que inexiste qualquer “insuficiência…”.

E quanto ao assacado “erro notório”, patente é também que limita-se o ora recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, o que não colhe, pois que o Tribunal a quo decidiu em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), certo sendo também que não desrespeitou qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis.
Assim, e não padecendo também a mesma decisão sobre a matéria de facto do vício de “contradição insanável”, nenhuma censura merece aquela.

Diz também (2°) o arguido ora recorrente que não cometeu o crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”, mas tão só o de “passagem de moeda falsa”.

Também aqui não tem o recorrente razão.

   De facto, provado está que “através do 1º arguido, o 2º arguido conheceu “A Man”, sabendo que este se dedicava a falsificar cartões de crédito falsos. Em Agosto de 2010 (cuja data se desconhece), a pedido do 1º arguido, o 2º arguido, em Hong Kong, entregou ao 1º arguido uma fotografia dele próprio, a fim de se falsificar um bilhete de identidade de residente de Hong Kong, com igual nome do portador de respectivo cartão de crédito falso, no sentido de se identificar quando o 2º arguido usar o cartão de crédito falso no consumo”.


Ora, certo sendo que provado também está que “os 1º e 2º arguidos eram membros de uma associação de falsificação de cartão de crédito em Hong Kong que ainda contava com vários indivíduos não identificados incluindo “A Dick”, “A Man” e “Fei Po” (肥婆), que “A associação dedicava-se a fornecer cartões de crédito falsos e bilhetes de identidade de residente de Hong Kong falsos para ser utilizados pelo seu pessoal subordinado (conhecido por “piloto”) no consumo em lojas de Macau”, e que foram os cartões de crédito falsos efectivamente utilizados, dúvidas cremos que não podem haver que incorreu no crime de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador”.

Aqui chegados, outra questão importa apreciar.

É a seguinte:

Foi o ora recorrente condenado como co-autor de 1 só crime.

Porém, tal qualificação jurídico-penal pelo T.J.B. efectuada não nos parece correcta.

De facto, atenta a matéria de facto dada como provada, e motivos não havendo para se “unificar” a conduta do ora recorrente, verifica-se que cometeu o mesmo 1 dos mencionados crimes, na forma tentada – dia 12.09.2010, na loja “Cartier” do Hotel MGM – outros dois na forma consumada – na loja “Louis Vuitton” do mesmo Hotel – e, 1 outro, também, na forma tentada – na loja “Cartier” do Hotel Wynn.

Observado que foi o contraditório, e podendo este T.S.I. alterar, oficiosamente, a qualificação jurídico-penal pelo Tribunal a quo efectuada desde que respeitado seja o princípio da “proibição da reformatio in pejus” consagrado no art. 399° do C.P.P.M., nesta conformidade se decidirá.

–– Quanto ao recurso do 1° arguido A.

Pede este arguido a redução e suspensão da execução da pena.

–– Ora, face ao que se deixou exposto, nenhuma razão há para se acolher o assim peticionado.

De facto, o ora recorrente, sendo co-autor do (2°) arguido B, cometeu, no mínimo, os mesmos crimes que este último.

Assim, e observado que (também) foi o contraditório, há que alterar a qualificação jurídica em conformidade.

Quanto à pena, sendo embora verdade que não pode este T.S.I. alterar a pena em prejuízo do arguido, (cfr., art. 399° do C.P.P.M.), o certo é que face à nova qualificação jurídico penal da conduta do ora recorrente, evidente é que motivos inexistem para qualquer redução ou suspensão da pena decretada.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam alterar oficiosamente a qualificação jurídica operada pelo T.J.B., confirmando-se, no restante, a decisão recorrida, com o que se nega provimento aos recursos.
Custas pelos recorrentes com taxa de justiça de 5 UCs para o (1°) arguido A, e 7 UCs para o (2°) arguido B.

Honorários no montante de MOP$1.000,00 para o Exmo. Defensor do (1°) arguido A, e MOP$1.500,00 para o do (2°) arguido B.

Macau, aos 13 de Outubro de 2011

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José Maria Dias Azedo
(Relator)

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Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Tam Hio Wa
(Segundo Juiz-Adjunto)




Proc. 556/2011 Pág. 30

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