Processo nº 970/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 20 de Outubro de 2011
ASSUNTO:
- Livre convicção do tribunal a quo
- Artº 856º, nº 3 do CPC de 1961
- Artº 427º do CC de 1966
- Falta de fundamentação
- Contrato promessa de compra e venda
- Sinal
SUMÁRIO:
- Não é susceptível de alteração a matéria de facto fixada em 1ª instância quando resulta da livre convicção do tribunal, com apreciação devida das provas legalmente admissíveis e com respeito das regras de experiência comum.
- A Ré, como confirmou ao Tribunal a existência do direito de aquisição arrestado da Autora relativa às 3 fracções autónomas em referência, tem o dever de comunicar ao mesmo Tribunal os eventuais factos extintivos daquele direito logo o conhecimento dos mesmos.
- Não o fazendo, sofre as consequências legais, ou seja, a obrigação da Ré perante à Autora deve considerar-se, nos termos do nº 3 do artº 856º do CPC então vigente (nº 3 do artº 742º do CPCM), continuar existente.
- Nos termos do artº 421º do CCM (artº 427º do CC de 1966), a Ré apenas tem o direito de opor à Autora os meios de defesa provenientes do contrato promessa de compra e venda, mas já não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser que os tenha reservado ao consentir na cessão.
- Não há falta de fundamentação quando o tribunal a quo especifica de forma clara e suficiente, os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, na medida em que uma pessoa de diligência média consegue perceber o alcance da decisão e as respectivas razões justificativas.
- Tendo em conta a natureza do contrato promessa, que é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura (o contrato prometido), todo o preço pago deve ser interpretado como antecipação do pagamento do preço, uma vez que ainda não foi celebrado o contrato prometido.
- Não é de aplicar o regime previsto no artº 434º do CCM (artº 440º do CC de 1966) nos contratos promessa.
- Assim, continua a valer como sinal todo o preço pago pela Autora.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 970/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 20 de Outubro de 2011
Recorrente: Sociedade de Fomento Predial A, Lda (Ré)
Recorrida: Companhia de Investimento Predial B, Lda. (Autora)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 01/06/2009, decidiu-se julgar parcialmente procedente a acção por provada e, em consequência:
- declararam-se resolvidos os 3 contratos-promessa de compra e venda celebrados entre a Autora “COMPAHNIA DE INVESTIMENTO PREDIAL B, LDA” e a Ré “SOCIEDADE DE FOMENTO PREDIAL A, LDA.”, que tiveram por objecto as 3 fracções autónomas “PR/C”, “QR/C” e “RR/C” identificadas nos autos, por incumprimento culposo da Ré.
- condenou-se a Ré a restituir em dobro à Autora a quantia que esta última entregou a título de sinal, ou seja no valor total de HKD$28,008,320.00, equivalem MOP$28,290,058.20.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão o seguinte:
1. É sobre a prova testemunhal e documental oferecida na audiência de discussão e julgamento e ao longo do processo e a convicção que as mesmas produziram no Julgador que as próximas considerações irão incidir .
2. Cumpre, antes de mais, e para os efeitos do art. 599º do CPC, especificar os concretos pontos da matéria de facto que a Recorrente considera incorrectamente julgados, as passagens constantes da gravação dos depoimentos das testemunhas e a indicação dos documentos juntos aos autos que, na opinião da Recorrente, uma vez interpretados correctamente impunham sobre esses pontos uma decisão diversa da recorrida.
3. As principais questões de facto que a Recorrente impugna têm que ver com (i) o pagamento à Ré dos montantes constantes do quesito n.º 1 da base instrutória, e (ii) a condição suspensiva que tinha sido imposta nas cessões de posições contratuais dos contratos promessa das fracções autónomas "OR/C", "PR/C" e "QR/C", que o Juiz a quo simplesmente ignorou, fazendo tábua rasa do alegado pela ora Recorrente, pelos Réus intervenientes, dos documentos juntos aos autos (não impugnados pela Autora) e dos depoimentos das 3 testemunhas arroladas pela Recorrente.
4. O Tribunal considerou provado que, em virtude da cessão referida na alínea J)da matéria de facto assente, a Autora entregou o valor de HKD$4.261.830,00 pela fracção autónoma "OR/C", o valor de HKD$3.541.111,00 pela fracção autónoma "PR/C" e o valor de HKD$6.201.220,00 pela fracção autónoma "QR/C".
5. Para além disso considerou como não provado que as cessões das posições contratuais dos contratos promessa relativos das três lojas à Autora e estavam dependentes do pagamento de oito milhões de dólares de Hong Kong pela Autora ao Sr. C, tendo atribuído, sem concretizar, a culpa pelo incumprimento dos contratos promessa exclusivamente à 1ª Ré. Surpreendentemente, porém, nenhuma responsabilidade foi assacada ao cedente da posição contratual dos contratos promessa, Réu interveniente nos autos que foi quem outorgou o contrato de cessão da posição contratual com a Autora.
6. Quanto aos fundamentos que o Meritíssimo Juiz a quo referiu como decisivos para a formação da sua convicção, os mesmos traduziram-se, entre outros, “nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 13 a 112, 151 a 169, 291 a 301, 318 a 327, 377 a 410, 421 a 436 ,469 a 476 e 561 a 563, nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, que depuseram com isenção e imparcialidade sobre os quesitos constantes da acta, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e que tinham conhecimento pessoal, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos.”
7. Conforme impõe o disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 da supra citada norma legal, passar-se-á a especificar os concretos meios probatórios constantes do processo que, na opinião da Recorrente, impunham uma decisão diversa da recorrida.
8. É evidente que, na ponderação, análise e decisão da matéria factual acima referida, e que ora se impugna, o Meritíssimo Juiz a quo apenas tomou em consideração parte dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Autores, tendo ignorado por completo o que foi dito pelas testemunhas arroladas pela ora Recorrente, assim como os documentos juntos aos autos.
9. Como tal, são esses os concretos meios probatórios - o depoimento das testemunhas quer da Autora quer da 1ª Ré, assim como os oito documentos juntos com a contestação da Ré e os quatro documentos juntos com o requerimento datado de 23 de Abril de 2009 que, diga-se, depuseram e versam, respectivamente, em especifico sobre esta matéria - que correctamente ponderados e valorados apontam em sentido inverso àquele que foi acolhido pelo Meritíssimo Juiz a quo.
10. Ou seja, em face dos referidos elementos probatórios deveria, pelo menos, ter sido diferente a resposta ao quesito n.º 1 da base instrutória. De salientar que não consta sequer do quesito a quem é que os montantes foram entregues, fazendo-se somente referência "em virtude da cessão referida em J)" que, de resto, foi entre o D, C, E, e F (cfr. alínea J) da Matéria de Facto Assente), como cedentes e a Autora como cessionária.
11. Conforme é demais consabido, porquanto é também prática usual em Macau, nas cessões de posição contratual em contratos promessa de compra e venda, os montantes acordados para a cessão são pagos pelo cessionário ao cedente e não ao promitente vendedor. Este último apenas intervém na cessão com o propósito de consentir na mesma, por força das disposições legais aplicáveis às cessões de posição contratual.
12. Não obstante, sem proceder a uma análise da estrutura negocial negocial e obrigações que impendem sobre cada parte contratual, o Juiz a quo de . inexplicável e arbitrariamente, em sentido contrário, e condena o premi vendedor a pagar ao cessionário o dobro do montante eventualmente pa cedente por força daquela cessão.
13. Para além disso, dever-se-iam também ter sido dados como provados os quesitos nº 6 a 41°, ou, pelo menos, ter-se considerado provada a existência da condição de pagamento dos oito milhões de dólares de Hong Kong (quesito n.º 8 da Base Instrutória) para a plena e efectiva cessão da posição contratual do contrato de compra e venda das três lojas acima melhor identificadas, porquanto os documentos juntos aos autos com a contestação da 1ª Ré assinados por representantes da Autora nunca foram devidamente impugnados pela Autora e as testemunhas arroladas pela ora Recorrente confirmaram, na sua plenitude, os factos alegados pela 1ª Ré.
14. A fim de demonstrar o acerto desta posição transcreveu-se acima as passagens gravadas do depoimento das referidas testemunhas que sustentam a pretensão da Recorrente.
15. Das declarações supra transcritas e documentos juntos aos autos pode, facilmente, extrair-se que não existe qualquer prova documental ou testemunhal satisfatória que comprove o pagamento dos montantes que constam do quesito n.º 1 da base instrutória. As próprias testemunhas arroladas pela Autora e que depuseram em audiência de discussão e julgamento declararam, explicitamente, que não assistiram ao pagamento, que não sabem como foi feito ou mesmo a quem, depondo apenas em favor da existência de pagamento por força do que está declarado nos contratos de cessão da posição contratual.
16. Ora, a prova do pagamento de um preço num contrato não se pode fazer somente com o comprovativo do contrato assinado entre as partes, no qual se prevê expressamente que o pagamento da grande parte dos montantes devidos é diferido no tempo.
17. Ora vejamos, na data da outorga dos contratos de cessão de posição contratual em 18 de Janeiro de 1995, o pagamento previsto para essa mesma data era de : HKD1.065.457,00 para a loja O, 1.550.305,00 para a loja Q e HKD885.278,00 para a loja P, sendo que o pagamento do remanescente dos montantes devidos seria feito quinze (15) dias após a emissão da licença de utilização.
18. Assim e tendo em conta que as testemunhas da Autora declararam que o pagamento integral dos montantes tinha sido feito porque assim constava dos contratos, e tendo ainda em conta que os mesmos não contêm qualquer declaração de quitação, não compreende a Recorrente como pode ter o Tribunal considerado como provado que os montantes no total de HKD14.004.160,00 tenham sido entregues pela Autora.
19. Mais, é de referir que este facto foi expressamente impugnado pelas Rés, tendo por isso, e muito bem, sido integrado na base instrutória. Assim, competia à Autora o ónus de carrear para o processo provas efectivamente esclarecedoras do referido pagamento, o que efectivamente não aconteceu.
20. Não obstante, sem apresentação de qualquer prova satisfatória ou permita retirar ilações ou clarificar o quesito em causa, o Exmo. Sr. Juiz a quo deu como provado o pagamento dos montantes do quesito 1º da base instrutória, que repita-se eram devidos "por força da cessão".
21. Já no que respeita às cessões de posição contratual das lojas autónomas "OR/C", PR/C" e "QR/C" pelo C à Autora, não restam dúvidas que a eficácia das mesmas estava sujeita ao pagamento do montante adicional de HKD8.000.000,00. Assim o comprovam os documentos juntos aos autos com a contestação, assim como o demonstram as testemunhas da 1ª Ré que confirmaram a factualidade alegada pela 1ª Ré.
22. Aliás, outra interpretação não faria sentido, senão como se explica que relativamente às restantes 30 lojas e 30 parques de estacionamento do mesmo edifício cuja posição de promitente-comprador também havia sido cedida à Autora tenham sido celebradas as respectivas escrituras de compra e venda com quem a Autora na altura própria indicou, conforme ficou provado testemunhalmente na audiência de discussão e julgamento, ficando apenas de fora as escrituras de compra e venda das três lojas em causa.
23. Daqui resulta claramente que a cessão das referidas três lojas esteve, por acordo das partes, sujeita a formalidades e condições diferentes da cessão da posição contratual das restantes lojas e parques de estacionamento. Assim tanto o foi que as partes chegaram a acordar por escrito o pagamento diferido do montante de HKD8.000.000,00, conforme consta dos documentos juntos com a contestação da 1ª Ré, pagamento este que nunca se chegou a verificar.
24. Ora, tendo a Autora, em sede de discussão e julgamento, alegado que à data a outorga dos referidos contratos adicionais à cessão, os representantes da ociedade já não tinham poderes para a representar, entende a Recorrente que ste facto não deverá nem poderá alterar o que foi então acordado.
25. Senão vejamos: A Autora veio requerer a junção, em sede de audiência de discussão e julgamento, de uma certidão do registo comercial comprovativa da alteração do pacto social da mesma antes da data da outorga dos referidos contratos adicionais à cessão de posição contratual, ou seja 24 de Fevereiro de 1995, e, consequentemente, alegar que os representantes da sociedade à data da assinatura não tinham já poderes de representação.
26. Ora, esses mesmos representantes, ou pelo menos um deles, foi o mesmo que representou a sociedade Autora na outorga dos contratos de cessão de posição contratual com o Sr. C e se comprometeu nessa data, em nome da sociedade, a assinar os documentos adicionais às cessões de posição contratual das três loja, cuja outorga veio a ter lugar cerca de um mês após a outorga das cessões em 18 de Janeiro de 1995.
27. Sucede que, aparentemente, em 23 de Janeiro de 1995, houve uma cessão quotas na sociedade Autora, assim como, uma alteração ao pacto social, tendo alguns dos sócios - gerentes renunciado aos cargos de gerência que desempenhavam.
28. No entanto, as referidas cessão e alteração foram somente submetidas a registo em 13 de Maio de 1995, ou seja, em data muito posterior à data da outorga dos contratos adicionais em que a Autora se comprometeu a pagar o montante de HKD8.000.000,00 ao Sr. C, conforme se pode comprovar pelos carimbos de entrada e datas de entrada na Conservatória do Registo Predial na certidão junta pela Autora na audiência de discussão e julgamento.
29. Assim, e uma vez que os actos acima referidos se encontram sujeitos a registo - sob pena de não oponíveis a terceiros - não pode agora a sociedade Autora alegar que os referidos contratos foram assinados por indivíduos que não obrigavam a sociedade, descartando-se, assim, das responsabilidades e que os seus alegados representantes se obrigaram perante terceiros.
30. Pelo exposto, não se vislumbra o fundamento em que o Meritíssimo Juiz a quo se baseou para considerar que a cessão da posição contratual nos contratos promessas de compra e venda relativo às três lojas - as fracções autónomas "OR/C", PR/C" e "QR/C" - foi feita livre de qualquer condição suspensiva, ou seja, que não se encontrava ainda por pagar parte do preço relativa àquelas cessões e que o mesmo nunca chegou a ser pago.
31. Termos em que, deverá ser revogada a decisão de facto proferida a fls. 636 por forma a que, com base nos meios probatórios acima mencionados, designadamente, nos documentos juntos aos autos e acima melhor identificados, assim como nas passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas que acima se transcreveram, passe a ser dado como não provado a resposta ao quesito nº 1 e como provado a resposta aos quesitos 6º a 41º ou, caso assim não se entenda, que a totalidade dos quesitos tenha ficado provada, no minimo se considere como provados os quesitos n.º 8, 9 15, 17°, 18°, 22°, 23°, 24°, 34° e 35º.
32. A consequência da revogação da decisão de facto proferida quanto aos supra mencionados pontos concretos da matéria de facto tradUZ-se na ausência de fundamentos ou requisitos legalmente exigidos para a procedência da acção no que respeita aos pedidos relativos à resolução dos três contratos promessa, por incumprimento culposo da l' Ré e, consequentemente, a devolução do montante (em dobro!) alegadamente entregue.
33. Mais, cumpre referir que a decisão não obstante ser longa, parecendo abordar extensamente e de forma profunda as questões suscitadas nos autos, resume-se somente a uma frustrada tentativa de fundamentação e se traduz numa transcrição de disposições legais que, a final, não são aplicadas em concreto à matéria do caso sub judice.
34. Mais, a falta de rigor e precisão é patente, traduzindo-se, por vezes, na transcrição de partes de outras sentenças, certamente com objecto diferente da presente. Senão vejamos: "a Ré, ao abster-se de proceder ao pagamento voluntário e atempado das prestações a que se encontrava vinculado" e "por culpa da Ré que não cumpriu as prestações a que estava vinculado" (págs. 112 e 113). Ora, uma vez que não se levantam nos autos quaisquer questões relativas a pagamento voluntário e atempado de prestações por parte da Ré, claramente resulta que esta transcrição não se aplica a este caso!!!!
35. Adiante, no capítulo decisório, o Juiz a quo decide diferentemente do pedido da Autora, pois nunca foi levantada qualquer questão relativa ao contrato promessa respeitante à fracção autónoma RR/C e, não obstante, aquele decidiu declarar resolvido o contrato promessa relativo a essa fracção. Certamente, será um lapso de escrita, passível de ser corrigido, nos termos do art. 570 do CPC, no entanto, não deixa de ser ilustrativo da falta de rigor e precisão acima referidas.
36. Dispõe o n.º 3 do artigo 562.° do CPC que "Na fundamentação da sentença. o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer" (realçado da Recorrente).
37. Ora, salvo o devido respeito, há que dizer que, no caso sub judice, o Tribunal não levou a cabo a tarefa de analisar criticamente todas as provas do processo, como lhe é exigido. E, nessa medida, a solução de direito que a Ré preconizou para a presente lide não foi considerada no seu verdadeiro alcance e plenitude.
38. Salvo melhor entendimento, um caso complexo como o presente, em que urgia analisar criticamente todas as provas que as partes carrearam para os autos, mereceria sempre, da parte de quem proferiu a decisão, não só uma cuidadosa análise da matéria de facto com base na prova produzida nos autos, mas também uma mais desenvolvida e precisa fundamentação, independentemente do sentido em que vá essa decisão.
39. Em suma, a Recorrente não pode deixar de lamentar a pobreza e falta de precisão da fundamentação que, de uma forma confusa que em nada contribui para o reforço do prestígio das decisões judiciais, resolveu aderir por completo à versão da Autora, tentando a todo custo justificar-se e esquivar-se sem atender aos factos e às questões que já haviam sido decididas por este mesmo tribunal.
40. Na medida em não foi feita em sede de fundamentação uma análise precisa, completa e crítica de toda a prova produzida nos autos, violou-se de forma frontal o disposto no n.º 3 do artigo 562.° do CPC.
41. Caso o recurso relativo à matéria de facto não seja procedente, o que apenas por mera hipótese de patrocínio se admite, e se considerasse que há responsabilidade contratual da 1ª Ré para com a Autora, ainda assim, nunca a Ré poderia ser condenada a pagar à Autora o dobro do montante peticionado, uma vez que a sentença ora recorrida padece, ainda, de manifesto erro na sua fundamentação de facto que, salvo o devido respeito, contradiz de forma evidente o que já havia sido decidido nos autos, nomeadamente, por acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo em 13 de Maio de 2009.
42. Senão vejamos, no Ponto 2 da sentença em recurso, o Tribunal condena a 1ª Ré a restituir em dobro à Autora a quantia que esta entregou a título de sinal-ou seja, o valor total de HKD28.008.320.
43. Conforme acima já se referiu, o quesito 1° da base instrutória não faz referênci a quem é que os mencionados montantes foram alegadamente entregues sendo apenas referido que foram entregues "em virtude da cessão" ente a Autora e o Sr. C. Nessa conformidade, a eventual entrega de qualquer montante só poderia ter sido feita ao cedente e não ao promitente vendedor que é quase alheio à cessão, porquanto, em regra, apenas dá o respectivo consentimento a uma transacção já acordada entre cedente e cessionário.
44. Como ensina Antunes Varela, in "Das obrigações em geral": "há, por um lado, o contrato de cessão da posição jurídica de certo contraente, o contrato que opera a transmissão, que é o instrumento dela; e há, por outro, o contrato de onde nasceu a· posição que um dos contraentes transmite a terceiro." Ou seja, os contratos de cessão da posição contratual consubstanciam-se no primeiro tipo de contrato, não se podendo confundir com o contrato base que é o contrato promessa de compra e venda.
45. "As mais das vezes a aquisição da posição contratual tem como correspectivo o preço e a cessão reveste, consequentemente, a fisionomia de uma compra e venda", refere ainda Antunes Varela, salientando a existência autónoma do contrato de cessão de posição contratual.
46. Ou seja, é indubitável que, pela cessão da posição contratual, é devido um preço pelo cessionário ao cedente, uma vez que aquele adquire a possibilidade de suceder o cedente na respectiva posição contratual.
47. Acresce que foi dada como provado o quesito n.º 42 da base instrutória: "as quantias entregues no âmbito do acordo referido em G) (leia-se J)) dos factos assentes eram entregues por conta do preço?".
48. Aliás, esta matéria foi levada para a base instrutória, pois a Ré na contestação impugnou expressamente, por mera cautela de patrocinio, que, caso as quantias constantes do quesito 1º da Base Instrutória se considerassem como. entregues e lhe fosse assacada qualquer responsabilidade contratual, não poderia a mesma ser condenada a restituir a quantia alegadamente paga em dobro, pois se algumas quantias foram entregues não foram, com certeza, nem à 1ª Ré, nem a título de sinal.
49. Desde logo, em parte nenhuma, a Autora alegou sequer ter pago qualquer montante à 1ª Ré nem atribui carácter de sinal às quantias alegadamente entregues, requerendo somente a final, sem concretizar, a devolução do montante pago em dobro. Aliás parece-nos que será difícil conceber que as quantias entregues tenham sido a título de sinal, uma vez que os montantes coincidem com o preço integral da cessão estipulados nos contratos de cessão de posição contratual.
50. A regra geral é a de que a entrega de coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que um dos contraentes esteja adstrito é havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal, atribuição esta que não decorre do contrato de cessão de posição contratual, nem de qualquer outra prova oferecida pela Autora.
51. E é esta disposição geral que terá que se aplicar ao caso sub judice. Se houve entrega de quaisquer montantes ao cessionário pela Autora foi-o tão só por conta do preço, aliás, como decorre da já mencionada resposta ao quesito n. 42°.
52. Não obstante, o Meritíssimo Juiz decidiu em sentido contrário ao que já havia, sido fixado por acórdão nos autos, no qual foi dado como provado que as quantias foram entregues por conta do preço e decide agora, arbitrariamente, sem qualquer justificação ou fundamento, atribuir-lhe carácter de sinal, condenando a 1ª devolver em dobro as quantias pagas!!!! Ora, como pode ora Recorrente conformar-se com uma decisão de restituição, em dobro, de um montante que nunca recebeu?
53. Mesmo que, por hipótese, se admitisse que os montantes entregues eram por conta do preço da compra e venda das lojas "O", "P" e "Q" e não por força da cessão, continuaria a não existir base legal para condenar à restituição dos montantes em dobro, conforme adiante se explicitará
54. O regime aplicável a contratos promessa de compra e venda é diferente, porquanto o art. 435º do Código Civil de Macau ("CC") dispõe o seguinte: "no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador, ainda que a título de antecipação ou principio de pagamento do preço."
55. Ou seja, não obstante, ser já reprovada doutrinalmente a existência desta presunção legal nos contratos promessa, conforme expressa Ana Prata, in "O contrato promessa e o seu regime civil": "as motivações económicas de tais antecipações de cumprimento são muito diversas das que justificam o sinal, inexistindo, em consequência, fundamento para esta presunção e sendo por isso mais adequado à realidade contratual, que para os contratos promessa, como para quaisquer outros valesse a regra geral (...) nos termos do qual o sinal é a cláusula que só pode ter-se por acordada quando a vontade das partes se tenha manifestado nesse sentido.", a mesma é passível de ser ilidida.
56. E no caso concreto foi, uma vez que ficou provado (cfr. resposta quesito n.º 42) que as quantias entregues foram por conta do preço, por oposição a princípio ou antecipação do pagamento.
57. Caso não se entenda que a referência feita no quesito n.º 42 é ao acordo referido em K) dos factos assentes - que parece ser a adequada , uma vez que apenas se fala em quantias entregues por força da cessão que é referida em J) (cfr. quesito 1º da base instrutória) - e se entenda que a referência à alínea G) dos factos assentes é a que deverá ser levada em conta, então dúvidas também não restam que não deverá haver lugar a qualquer restituição de montantes. Ou seja, nessa hipótese, se o Tribunal considerou provado que os montantes entregues no âmbito do contrato promessa de compra e venda entre a 1ª Ré e os originários, promitentes-compradores foram por conta do preço, não pode agora condenar a 1ª Ré a devolver à Autora montantes que nunca dela recebeu.
58. Em suma, inúmeras são as deficiências e ilegalidades da sentença ora recorrida, devendo assim proceder o presente recurso, revogando-s consequentemente, a mesma.
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A Autora, ora recorrida, respondeu à motivação do recurso da Autora, nos termos constantes a fls. 743 a 794 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
1. A Autora e a Ré são sociedades comerciais por quotas devidamente constituídas e registadas na Conservatória do Registo de Bens Móveis de Macau (alínea A) da Especificação).
2. Por Despacho nº 62/SATOP/92, publicado a fls. 2376 a 2379, do Boletim Oficial de Macau de 15 de Junho de 1992, e Despacho nº 105/SATOP/98, publicado a fls. 6585 a 6589, do BOM de 30 de Setembro de 1998, foi atribuída à R. a concessão, por arrendamento, do terreno com a área de 6.480 metros quadrados, correspondente ao lote 11 (A2/F) do NAPE, para a construção de um edificio em regime de propriedade horizontal (alínea B) da Especificação).
3. O edificio foi construído, denominado Jardim Brilhantismo (Kwong Fai, em cantonense), o prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 22217, a fls. 138 do Livro B3K, e a concessão registada a inscrição nº 1537 do Livro-F6K mediante Apresentações nº 89 de 04 de Agosto de 1992, n° 43 de 27 de Outubro de 1998 (alínea C) da Especificação).
4. A constituição de propriedade horizontal encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 9625, a fls. 309 do Livro-37K e Apresentação nº 41, de 21 de Novembro de 1996 (alínea D) da Especificação).
5. Fazem parte do edificio, entre outras, as lojas "AR/C", "BR/C", "CR/C" "ER/C", "FR/C", "GR/C", "HR/C", IR/C", JR/C", "KR/C", "LR/C", "OR/C", "PR/C", "QR/C", "SR/C", "TR/C", "UR/C", "VR/C", "WR/C", "AAR/C", "ABR/C", "ACR/C", "ADR/C", "AER/C", "AFR/C", "AGR/C", "AIR/C", "AJR/C", "ARR/C", "ASR/C", "ATR/C", "AUR/C" "AVR/C", todas do rés do chão. (alínea E) da Especificação).
6. Fazem também parte do edificio os lugares de estacionamento C.P. N°s 1 a 7, 11 a 22 e 25 a 35 (alínea F) da Especificação).
7. A Ré prometeu vender as 33 fracções autónomas referidas em E) e os 30 lugares de estacionamento referidos em F) a G e a H que por sua vez os prometeram comprar (alínea G) da Especificação).
8. Posteriormente, G e a H cederam a sua posição contratual de promitentes compradores a D, o chamado C, D e F, tendo a R. consentido nessa cessão (alínea H) da Especificação).
9. Após várias negociações e cedências, desde meados de 1995 o verdadeiro e único titular dos direitos emergentes da posição de promitente comprador das 33 fracções e 30 lugares de estacionamento passou a ser o chamado C (alínea Especificação).
10. Em 18 de Janeiro de 1995, D, o chamado C, E e F cederam todas as posições de promitentes compradores das 33 lojas e dos 30 lugares de estacionamento à Autora (alínea J) da Especificação).
11. A Ré deu o seu consentimento a essa cessão (alínea K) da Especificação).
12. Em virtude da cessão referida em J) dos factos assentes, A Autora entregou o valor de HKD$4.261.830,00 pela fracção autónoma "OR/C", o valor de HKD$3.541.110,00 pela fracção autónoma "PR/C" e o valor de HKD$6.201.220,00 pela fracção autónoma "QRC/C" (resposta ao quesito 1º).
13. Por sentença de 22 de Fevereiro de 2002, a Autora foi declarada falida (CFI-001-01-02) (resposta ao questão 2º).
14. Em 27 de Julho de 1999, a R. foi notificada de que os direitos de aquisição resultantes da cessão referida em J) dos factos assentes foram apreendidos à ordem dos respectivos autos de falência (cfr. fls. 107 a 110) (resposta ao quesito 3º).
15. Por escritura pública de 11 de Outubro de 2001, a R. vendeu ao chamado I as fracções autónomas "OR/C", "PR/C" e "QR/C" pelo preço global de MOP$14.424.285,00 (cfr. fls. 40) (resposta ao quesito 4º).
16. A aquisição encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Preidal sob o n° 34378G, de 12 de Outubro de 2001 (cfr. fls. 40) (resposta ao quesito 5º).
17. Provado o que consta de fls. 171 a 173 dos autos (resposta aos quesitos 29º e 30º).
18. Provado o que consta de fls. 175 (resposta ao quesito 31º).
19. As quantias entregues no âmbito do acordo referido em G) dos factos assentes eram entregues por conta do preço (resposta ao quesito 42º).
Factos provados em sede da presente instância:
- Em 15/09/1999, na consequência da notificação referida no facto provado nº 14, a Ré vem negar a existência de qualquer direito de aquisição da Autora, com fundamento da falta de cumprimento por parte desta nos termos acordados, conforme consta da sua exposição de fls. dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzida.
- No entanto, em 02/03/2000, a Ré, na sequência da sua exposição acima em referência, apenas negou a existência do direito de aquisição da Autora quanto às fracções “D/RC” e “R/RC”, com fundamento de que a Autora já tinha cedido a sua posição contratual a outrém.
- No que respeita ao direito de aquisição da Autora relativo às 3 fracções autónomas em referência, a Ré confirmou a sua existência (fls. dos autos), reconhecendo ainda que a Autora já pagou o preço integral das mesmas.
- Em 09/11/1998, C e XXX requereram a notificação avulsa da Autora no sentido de que se considerava resolvido o contrato de cessão da posição contratual do promitente-comprador relativa às 3 fracções autónomas em referência, por falta de pagamento do preço de HKD$8.000.000,00 por parte da Autora (fls. 173, 564 e 565 dos autos), cujo resultado foi negativo.
- Em face da certidão negativa da notificação, C e XXX, em 02/02/1999, mandaram publicar no Jornal Va Kio de Macau, o conteúdo da pretendida notificação avulsa (fls. 629 e 630 dos autos).
- Em 06/01/2000, a Autora e a Ré acordaram nos termos constantes do acordo de fls. 624 e 625, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
III – Fundamentos
Na óptica da Ré, face aos documentos juntos aos autos e a prova testemunhal, deveriam considerar-se provados os quesitos nº 6 a 41º, especialmente provada a existência da condição de pagamento dos oito milhões de Hong Kong doláres para a plena efectivação da cessão da posição contratual do contrato promessa de compra e venda das 3 fracções autónomas em referência, factos esses que são impeditivos do direito alegado pela Autora.
Como é sabido, a decisão do tribunal da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada por este Tribunal de recurso nos termos do artº 629º do CPCM.
Num primeiro momento, toda a tese da Ré afigura-se lógica, pertinente e comprovada pelos elementos probatórios por si carreados aos autos.
Contudo, melhor analisada a questão, a resposta não deixa de ser outra.
Vejamos porquê.
Resultam dos próprios documentos juntos pela Ré que a alegada não verificação da “condição suspensiva” da cessão da posição contratual, caso efectivamente existisse, ocorreria-se em 1995.
Assim, ressalta desde logo a pergunta de que quando é que a Ré tomou conhecimento desta não verificação da “condição suspensiva”.
A Ré disse que só tomou conhecimento em meados de Setembro de 2001 (cfr. artº 82º da contestação), isto é, passados cerca de 6 anos sobre a não verificação da “condição suspensiva”, o cedente C é que lhe contou pela primeira vez, o que não nos afigura ser normal.
Resulta dos autos que os cedentes C e XXX, em 09/11/1998, requereram a notificação avulsa da Autora no sentido de que se considerava resolvido o contrato de cessão da posição contratual do promitente-comprador relativa às 3 fracções autónomas em referência, por falta de pagamento do preço de HKD$8.000.000,00 por parte da Autora.
E em face da certidão negativa da notificação, os referidos indivíduos mandaram publicar, em 02/02/1999, no Jornal Va Kio de Macau, o conteúdo da pretendida notificação avulsa.
Ora, já é estranho que os referidos cedentes só reagiram cerca de 3 anos depois da alegada não verificação da “condição suspensiva”.
De qualquer forma, se os referidos cedentes tiveram o cuidado de requerer a aludida notificação judicial avulsa e mandar publicar no jornal o respectivo conteúdo para defender o seu direito, seria lógica presumir que os mesmos teriam comunicado oportunamente também à Ré a sua pretensão, uma vez que esta comunicação é indispensável para uma efectiva tutela do seu direito, tendo em conta a qualidade da Ré nos contratos.
Dentro desta linha de pensamento, pergunta-se então porquê a Ré, quando foi notificada nos termos e para os efeitos do artº 856º do CPC então vigente, isto é, o arresto do direito de aquisição da Autora sobre as 33 fracções autónomas e os 30 parques de estacionamento, veio, através do mandatário forense, primeiramente (em 15/09/1999, já decorreu cerca mais de 4 anos a contar da alegada não verificação da “condição suspensiva”) negar a existência do mesmos para todas as fracções autónomas e parques de estacionamento, mas posteriormente (em 02/03/2000) confirmou a existência do mesmo, apenas com excepção quanto às fracções “D/RC” e “R/RC”.
Repara-se, nas duas referidas exposições dirigidas ao tribunal, a Ré nunca referiu a existência da alegada não verificação da “condição suspensiva”.
A Ré, uma sociedade comercial que tinha o cuidado de constituir mandatário forense para responder ao tribunal em consequência da notificação nos termos do artº 856º do então CPC, porquê razão não procedeu da mesma forma cuidadosamente quando foi abordada pelo C em meados de 2001, acreditando pura e simplesmente a versão unilateral do mesmo e vendeu em curto prazo (comunicação pela primeira vez da não verificação da “condição suspensiva” em meados de Setembro de 2001 e escritura pública de compra e venda em 10/10/2001) as 3 referidas fracções autónomas a outrém conforme solicitada pelo C?
Não se esqueça que a Ré tem perfeito conhecimento de que o direito de aquisição da Autora relativo às 3 fracções autónomas em causa já se encontrava arrestado à ordem do Tribunal.
Porquê não consultou primeiro o seu advogado?
Porquê não comunicou ao Tribunal e aguardar a decisão deste?
Por outro lado, a Ré disse na contestação que os cedentes acederam em transmitir para a Autora as posições contratuais antes de esta tinha pago o preço de HKD$8.000.000,00 porque a Autora disse que só após estar formalmente na posição de promitente compradora dos imóveis é que poderia obter o empréstimo bancário que lhe permitiria pagar integralmente a cessão (cfr. 46º a 48º da contestação). No entanto, como tinha medo de que a Autora não pagava a referida quantia, um contrato paralelo onde se estabeleceu a alegada “condição suspensiva” (cfr. 61º a 73º da contestação).
Repara-se, está em causa a cessão da posição contratual de promitente comprador de 33 fracções autónomas e 30 parques de estacionamento, com o valor total de HKD$98.463.060,00, daí que para a Autora conseguir financiamento bancário no valor de HKD$8.000.000,00, não era necessário recorrer a um processo tão complicado.
Mesmo sem ser promitente compradora das 3 referidas fracções autónomas e bastando ser titular do direito de aquisição das restante 30 fracções autónomas e 30 parques de estacionamento, não seria difícil para a Autora obter o financiamento bancário pretendido.
Nesta conformidade, porquê razão há de recorrer um processo tão complicado?
São justamente estas dúvidas que determinaram a improcedência da impugnação da matéria de facto da recorrente.
Ainda que admitisse a existência da alegada não verificação da “condição suspensiva”, a Ré também não por isso ficaria exonerada da sua responsabilidade.
A Ré, como confirmou ao Tribunal a existência do direito de aquisição arrestado da Autora relativa às 3 fracções autónomas em referência, tem o dever de comunicar ao mesmo Tribunal os eventuais factos extintivos daquele direito logo o conhecimento dos mesmos.
Como não fez, sofre as consequências legais, ou seja, a obrigação da Ré perante à Autora deve considerar-se, nos termos do nº 3 do artº 856º do CPC então vigente (nº 3 do artº 742º do CPCM), continuar existente.
Mesmo que não entendesse assim, a Ré continuaria a ser responsável.
Como a Autora respondeu, e bem, que nos termos do artº 421º do CCM (artº 427º do CC de 1966), a Ré apenas tem o direito de lhe opor os meios de defesa provenientes do contrato promessa de compra e venda, mas já não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser que os tenha reservado ao consentir na cessão.
Ora, a alegada “condição suspensiva”, caso a existir, é uma relação interna entre a Autora e os cedentes, daí que a Ré não pode invocá-la para opor à Autora, uma vez que não fez qualquer reserva no momento do consentimento da cessão.
Nos termos acima expostos, é de concluir que a tese da Ré não merece acolhimento.
*
Imputa a Ré ainda à sentença recorrida a deficiência e insuficiência da fundamentação, na medida em que não levou a cabo a tarefa de analisar criticamente todas as provas do processo, bem como não fundamentou de forma clara e suficiente, o que violou o disposto do nº 3 do artº 562º do CPCM.
Não lhe assiste razão.
No que respeita à decisão da matéria de facto da base instrutóira, o tribunal a quo fundamentou a sua decisão pela forma seguinte:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 13 a 112, 151 a 169, 291 a 301, 318 a 327, 377 a 410, 421 a 436, 469 a 476 e 561 s 563, no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência, que depuseram com isenção e imparcialidade sobre os quesitos constantes da acta, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais e que tinham conhecimento pessoal, o que permitiu formar uma síntese quanto à veracidade dos apontados factos” (fls. 639 dos autos).
Pela transcrição supra, facilmente se conclui que o tribunal a quo analisou todas as provas do processo, bem como fundamentou de forma clara e suficiente a sua decisão, apesar ser sintética.
Quanto à decisão da questão de fundo, não obstante existir na sentença recorrida imprecisões e erro de escrita, o tribunal a quo não deixou de cumprir o dever de fundamentação, especificando, também de forma clara e suficiente, os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, na medida em que uma pessoa de diligência média consegue perceber o alcance da decisão e as respectivas razões justificativas.
Não existe, portanto, qualquer violação do disposto do nº 3 do artº 562º do CPCM.
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Por fim, entende a Ré que a sentença recorrida ao condenar-lhe o pagamento do dobro sinal padece de manifesto erro na sua fundamentação de facto que contradiz de forma evidente o que já havia sido decidido quanto à matéria de facto, uma vez que na resposta do quesito primeiro da base instrutória não faz referência a quem o dinheiro era pago, e, por outro lado, ficou provado que os montantes pagos pela Autora eram por conta do preço e não a título de sinal (resposta ao quesito 42º).
O quesito primeiro da base instrutória foi dado como provado na forma seguinte:
- Em virtude da cessão referida em J) dos factos assentes, A Autora entregou o valor de HKD$4.261.830,00 pela fracção autónoma "OR/C", o valor de HKD$3.541.110,00 pela fracção autónoma "PR/C" e o valor de HKD$6.201.220,00 pela fracção autónoma "QRC/C".
Pela leitura da mesma, os montantes que a Autora entregou, tanto podem ser para a Ré, como para os cedentes.
No entanto, segundo cópia dos contratos promessa de compra e venda juntos aos autos (fls. 54 a 56), os referidos montantes são pagos pelas formas seguintes:
- 25%, no momento da assinatura dos contratos em causa; e
- os remanescentes 75%, serão pagos à Ré no prazo de 15 dias a contar da emissão da licença de utilização.
Pela redacção dos contratos em referência, não nos parece que os montantes neles previstos sejam preços da cessão da posição contratual entre a Autora e os cedentes. Pelo contrário, há indicação expressa, pelos menos na parte do remanescente do preço, de que tais montantes destinam-se à Ré.
Nesta conformidade, se conclui que o tribunal a quo interpretou correctamente o sentido da resposta do quesito primeiro.
Passamos agora para análise da alegada contradição entre a decisão da condenação do pagamento em dobro com o provado pelo quesito 42º.
O quesito 42º foi provado pela forma seguinte:
- As quantias entregues no âmbito do acordo referido em G) dos factos assentes eram entregues por conta do preço.
Ora, tendo em conta a natureza do contrato-promessa, que é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura (o contrato prometido), o referido facto provado não pode deixar de ser interpretado como antecipação do pagamento do preço, uma vez que ainda não foi celebrado o contrato prometido.
Dispõe o artº 435º do CCM (artº 441º do CC de 1966) que “No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
Não é de aplicar o regime previsto no artº 434º do CCM (artº 440º do CC de 1966) nos contratos-promessa.
Assim, continua a valer como sinal todo o preço pago pela Autora (no mesmo sentido veja-se o Ac. da RL, de 10/11/1976, BMJ, 263-289).
Não há, portanto, a alegada contradição.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Ré.
Notifique e registe.
RAEM, aos 20 de Outubro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
29
970/2009