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Proc. nº 385/2011
(Recurso cível e laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 6 de Outubro de 2011
Descritores: - Salário
- Gorjetas
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II- Na vigência do DL 24/89/M, terá o trabalhador a auferir, durante os dias de descanso anual, o triplo da retribuição, mas apenas se tiver sido impedido de os gozar pela entidade patronal. À falta de prova do impedimento desse gozo de descanso, tal como sucedeu com o DL n. 101/84/M, que continha disposição igual (art. 24º, n2), também aqui, ao abrigo do art.21º, n.2 e 22º, n.2, deverá receber também um dia de salário (salário médio diário x1).


















Proc. N. 385/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, representado pelo Ministério Público, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 107.764,53, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais e licença de maternidade não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.

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O processo prosseguiu, entretanto, os seus normais trâmites e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de Mop$ 61.719,19, acrescida de juros legais.
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Dessa sentença recorre agora a STDM, em cujas alegações apresenta as seguintes conclusões:
1- Em momento algum ficou claro ou resulta inequívoco da prova junta aos autos e da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, e em especial no que toca aos dois quesitos, 19º e 20º, aditados posteriormente à Base Instrutória,
2- Que a Ré/Recorrente tenha alguma vez durante o período da relação laboral utilizado a montante das “gorjetas”, oferecidas pelos clientes dos casinos, para proceder o pagamento do salário, ou seja, da sua obrigação contratual para com o(a) Autor(a) / Recorrido(a).
3- Com o devido respeito, o Mmo. Juiz de Direito do Tribunal a quo fez uma errada avaliação e ponderação das provas produzidas, na medida em que não resulta claro que a Ré tenha efectivamente dado o destino referido na Sentença de “pagamento/cumprimento da sua prestação contratual”.
4- A quantia fixa diária paga pela Ré foi sempre ao longo de toda a relação laboral de MOP 32.00, à qual acrescia uma outra quantia, variável, em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designada por gorjetas.
5- Uma coisa bem diferente terá sido o valor “aproximado” que tais gorjetas poderiam totalizar ao fim do mês, isto é, que poderão ter rondado durante algum tempo, mais coisa menos coisa, as MOP $4,000.00.
6- Ora, a errada avaliação e ponderação da prova constitui um erro de julgamento da matéria de facto,
7- E, atento o disposto no artigo 571º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi legis do artigo 1º do CPT), só se pode concluir pela nulidade da Sentença, o que expressamente se requer no presente Recurso.
8- As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.
9- A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos: i) é uma prestação regular e periódica; ii) em dinheiro ou em espécie; iii) a que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal; e iv) como contrapartida pelo seu trabalho.
10- No caso dos presentes autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do espírito de animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
11- O(a) Recorrido(a) sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir ao(à) ora Recorrido(a) a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
12- Na Jurisprudência e Doutrina de Portugal, é entendimento maioritário que as gorjetas oferecidas pelos clientes não constituem parte do salário. E, na verdade, a única diferença relevante entre os dois sistemas é a circunstância de as regras / critérios de distribuição das gratificações / gorjetas serem definidas, em Macau, pela entidade empregadora, enquanto que em Portugal, esses critérios / regras encontram-se definidas pelo membro do Governo responsável pelo sector do turismo, ouvidos os representantes dos trabalhadores.
13- Também em Portugal os trabalhadores dos casinos estão proibidos de fazerem suas, a título individual, as gorjetas recebidas, devendo depositá-las, após o recebimento, em caixa própria, sendo as ditas gorjetas distribuídas, posteriormente, pelos trabalhadores de acordo com os ditos critérios definidos por via legislativa.
14- Cremos que o facto de a definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações, até porque, nem quando começou a trabalhar para a ora Recorrente, nem durante toda a relação contratual, o(a) Recorrido(a) alguma vez se interessou por esta questão, aceitando tais critérios sem questionar.
15- Deste modo, entende a ora Recorrente que as gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário,
16- Pelo que se requer que seja a Sentença recorrida revogada e os cálculos da compensação pelo trabalho prestado em dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios efectuados com base no salário base auferido pelo(a) Recorrido(a).
17- Admitindo a Ré, aqui Recorrente, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) A., ora Recorrido(a), tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.024/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.032/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n. º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.024/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.032/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.024/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.032/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
18- Quanto aos juros, com o devido respeito, a R., ora Recorrente, entende que não se encontra em mora relativamente a quaisquer compensações enquanto o crédito reclamado não se tomar líquido, com o trânsito em julgado da decisão condenatória, e que ainda que “apenas pela ré [fosse] interposto [recurso] e [este] [viesse] a ser julgado improcedente ou não a [viesse] a condenar a pagar quantia inferior”, os juros só seriam devidos a partir do trânsito em julgado de uma eventual decisão condenatória que a final viesse a ser proferida.
19- É que, como se sabe, nos termos do disposto no artigo 794º, número 4 do Código Civil, se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tomar líquido e, no entendimento da ora R., tal iliquidez não lhe é imputável.
20- Quanto à natureza ilíquida do crédito não restam dúvidas, pois logo na Petição Inicial e na Contestação, A. e R. deixaram bem patente que não estão de acordo quanto ao quantum de um montante indemnizatório eventualmente devido.
21- Quanto à origem de tal iliquidez, resulta claro que a mesma reside na diferente interpretação que as partes (e o próprio Tribunal a quo) fazem das normas jurídicas aplicáveis ao caso dos autos, não devendo a R. ser prejudicada por fazer uso do direito de defesa jurisdicional que lhe assiste, salvo mais douto entendimento.
22- Assim, em qualquer caso, considerando que a R., aqui Recorrente, e o(a) A., ora Recorrido(a), não estão de acordo quanto ao quantum indemnizatório eventualmente devido, este apenas se toma líquido com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
23- E porque o montante da indemnização apenas foi definido no âmbito da presente acção, aquele só poderá ser considerado líquido com trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo.

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Não houve contra-alegações.

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Cumpre decidir.

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II- Os Factos

A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
1. O autor começou a trabalhar para a Ré STDM, a 1 de Janeiro de 1992 e cessou I a sua relação laboral em data posterior a 14 de Fevereiro de 1996 e anterior a 2 de Abril de 1996.
2. Foi admitido como empregado de casino, recebia de dez em dez dias, da ré, duas quantias, uma fixa, no valor de MOP$32,00 por dia, desde 1 de Abril de 1992 até à sua cessação, e outra variável, esta em função do dinheiro recebido dos clientes dos casinos, dependente do espírito de generosidade destes, vulgarmente designada por gorjetas.
3. As “gorjetas” eram distribuídas pela ré segundo critério por esta fixado, a todos os trabalhadores dos casinos da ré, e não apenas aos que tinham contacto directo com os clientes nas salas de jogo.
4. O autor, entre os anos de 1992 a 1996, auferiu as seguintes quantias, pagas pela ré:
a) 1992 - MOP. 52.284,00;
b) 1993 - MOP. 71.650,00;
c) 1994 - MOP. 74.832,00;
d) 1995 - MOP. 77.076,00;
e) 1996 - MOP. 18.488,00.
5. Foi acordado entre o autor e a ré que o autor tinha direito a receber as “gorjetas” conforme o método vigente na ré.
6. A ré pagou sempre regular e periodicamente ao autor a sua parte nas 3 “gorjetas”.
7. O autor, como empregado de casino, era expressamente proibido pela ré de guardar para si quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes do casino.
8. As “gorjetas” sempre integraram o orçamento normal do autor, o qual sempre teve a expectativa do seu recebimento com continuidade periódica.
9. O autor prestou serviço por turnos, conforme os horários fixados pela entidade patronal.
10. A ordem e o horário dos turnos eram os seguintes:
1. 1 º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00
11. O autor podia pedir licença para ter dias de descanso sem qualquer remuneração
12. O autor nunca gozou qualquer dia de descanso semanal durante o tempo em que trabalhou para a ré.
13. E a ré não lhe pagou qualquer compensação por não ter gozado tais dias de descanso.
14. Ao autor nunca foi pago qualquer acréscimo salarial.
15. O autor nunca gozou dias de descanso anual.
16. E não recebeu qualquer compensação salarial por não os ter gozado.
17.A quantia fixa referida em B) dos factos assentes foi de MOP$4.000,00 por mês, desde do seu início do trabalho até 31 de Março de 1992.
18. Desde o início da relação laboral até 31/03/1992, o autor não recebeu qualquer quantia proveniente das gorjetas dadas pelos clientes da ré.
19. A partir dessa data, por iniciativa da ré, esta e o autor acordaram que o autor receberia, em lugar de MOP$4.000,00 por mês que vinha recebendo, a quantia fixa diária de MOP$32,00 e uma comparticipação nas gorjetas dadas pelos clientes da ré.
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III- O Direito
1- Da nulidade da sentença
Começa a recorrente por imputar a nulidade à sentença, por errada avaliação e ponderação das provas produzidas.
Não tem razão.
Em 1º lugar, cumpriria à recorrente indicar as passagens da gravação em que se funda para infirmar a decisão sobre a matéria de facto (art. 599º, n.2, do CPC). E não o fez.
Em 2º lugar, a decisão em causa repousa na soberania da convicção do julgador que, sem outros dados adicionais que possamos conferir, é impossível de controlar.
Aliás, se a questão também é de facto, deveria a recorrente, mais do que invocar a inexistente nulidade com esse fundamento (que, na realidade, escapa à previsão do citado art. 571º do CPC), ter impugnado especificamente a respectiva factualidade, nos termos do art. 599º do CPC, o que não foi feito.
Assim sendo, teremos que concluir pela improcedência da invocação da falta de prova/nulidade como forma de alegação impeditiva do direito reclamado pelo autor
2- Do mérito da sentença
A recorrente insurge-se a seguir contra a tese afirmada na sentença recorrida a propósito da composição do salário do trabalhador/autor. Mas, como bem sabe a STDM, a posição dos tribunais, nomeadamente deste TSI, está definitivamente cristalizada e não vemos motivo para dela divergir.
Lembremos, por exemplo, o que dissemos no Ac. proferido no Proc, nº 128/2009, de 7/07/2011:

“…tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
“…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo”.
Quer dizer, a causa para a percepção daqueles valores a título de gorjeta foi encontrada! A entrega daquele dinheiro aos trabalhadores do casino não foi feita a pretexto de mera liberalidade ou inerte generosidade do ponto de vista jurídico, é o que asseveramos.
Assim, improcedem as conclusões do recurso nesta parte.
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Por fim, a recorrente mostra discordância da sentença no que se refere às fórmulas de cálculo utilizadas para apuramento das indemnizações pelos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
Conntudo, se bem se reparar, a divergência apenas se detecta em relação ao cálculo indemnizatório quanto aos dias de descanso anual, pois enquanto a sentença aí aplicou o factor 3, a STDM recorrente acha que deve ser aplicado o factor 1.
Mas vejamos, em pormenor, tendo em atenção que a relação começou e terminou no âmbito temporal apenas do DL nº 24/89/M.

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Descanso semanal
A sentença considerou que no ano de 1992 houve dois períodos (1/01 a a 31/03 e 1/04 a 31/12), em que os salários foram diferentes: Mop$133,33 no primeiro e Mop$149,20 no segundo. Esta não é matéria de discórdia, assim como não é objecto do recurso o número de dias relevantes para esse ano.
E se a sentença achou que para 1992, 1993, 1994 1995 e entre 1/01/1996 e 15/02/1996 a fórmula devia ser formada pelo salário médio diário vezes 1vezes os dias de descanso, assim também o defendeu a STDM nas alegações. Não há dissensão, portanto.
Temos, pois, que a indemnização, considerando o valor auferido pelo trabalhador (ver matéria dos factos provados) a este título é de Mop$ 34.755,48.
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Descanso anual
A sentença atribuiu o factor 3 e a recorrente defende ser o factor 1.
Vejamos.
São seis os dias a que o trabalhador tem direito em cada ano civil e, tal como na legislação anterior, sem perda de salário (art.21º, n.1). Se a duração da relação for inferior a um ano, o período de descanso será proporcional segundo a regra do n.2.
No que respeita à violação do direito ao descanso anual, dispõe o art. 24º que “O empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que deixou de gozar “ (bold nosso).
O triplo, diz a norma. Contudo, o pressuposto nela estabelecido é o de que o trabalhador tenha sido impedido de exercer o seu direito! Ora, este impedimento deveria ter sido provado e não foi.
Como compensar o trabalhador que prestou serviço nos dias de descanso anual sob o império deste diploma?
A nosso ver, o legislador nenhuma alteração introduziu em relação ao que havia plasmado no corpo de normas do diploma de 1984. Na verdade, em tudo são iguais os textos legais quanto a este aspecto. Por isso, se concluímos que o trabalhador tem direito a mais um dia de valor remuneratório ao abrigo do DL n. 101/84/M, não se vê motivo para, com base em preceitos precisamente iguais no DL n. 24/89/M (arts. 21º, n.1 e 22º, n. 2), se entender que neste último o legislador não ponderou a hipótese, que não previu o caso e que não lhe deu estatuição.
Claro que o art. 24º deste último preceitua uma fórmula de cálculo de compensação para as situações em que o empregador impedir o seu empregado de gozar o dia de descanso anual. É verdade. Mas será legítimo pensar que, ao estatuir dessa maneira para esse caso, omitiu o legislador a solução para os casos ali não incluídos? Não, a nosso ver. A forma como o preceito está redigido reforça ainda mais a ideia de que, fora esta situação excepcional (que o legislador quis expressamente introduzir, numa clara opção pela defesa da parte contratual mais desfavorecida), em todos os restantes casos a solução é aquela que já vinha do articulado de 1984 e ao qual nenhuma alteração quis introduzir. E temos que pensar, não esqueçamos, que o legislador se exprimiu da maneira mais correcta e adequada ao seu pensamento (art. 8º, n.3, do Cod. Civil).
Portanto, em nossa opinião não existe qualquer lacuna que deva ser suprida pela técnica analógica.
Assim, valem aqui mutatis mutandis, as considerações que se podem tecer relativamente ao modo de compensar o trabalhador que preste trabalho nos dias de descanso anual ao abrigo do diploma de 1984. Sendo elas também prestáveis à interpretação do DL 24/89/M, somos a concluir: Ou o empregador pagou o devido ou o prestado. No primeiro caso, falta pagar o prestado; no segundo, falta pagar o devido. A fórmula não pode deixar de ser sempre esta: salário médio diário x 1. Todavia, a sentença fixou o factor 3, a que a recorrente STDM contrapôs o factor 1. Por isso, é de proceder o recurso da STDM nesta parte.
A indemnização a atribuir, uma vez mais com base no mapa de fls. 13 da sentença (no que concerne aos dias a considerar) e tendo em atenção o valor do salário médio diário auferido, ascende a Mop$ 4.857,56.
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Feriados obrigatórios
A sentença utilizou o factor 1 e nessa parte a recorrente também não diverge.
Assim, uma vez seguindo o mapa citado, temos como indemnização a atribuir neste capítulo, o valor de Mop$ 4.968,28.
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Significa isto que a indemnização total se fica no valor de Mop$ 44.581,32.
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Juros
A sentença, ao valor indemnizatório obtido, fez acrescer a incidência de juros de mora à taxa legal desde a notificação da sentença à ré, caso não fosse interposto recurso, ou caso interposto recurso pela ré (ora recorrente) julgado improcedente. Noutro qualquer caso, a mora só ocorreria quando a obrigação se tornasse líquida por decisão futura. Isto o disse a sentença.
A recorrente, servindo-se de jurisprudência sobre o tema, acha que só a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória são devidos juros.
Vejamos.
Não tendo o pagamento sido feito em tempo, considera-se que o empregador se constituiu em mora, ficando a partir desse momento obrigado a reparar os danos causados ao trabalhador-credor (art. 793º do C.C.).

O art. 794º do Cod. Civil estabelece, por seu turno, o momento da constituição em mora, apresentando como regra geral o da interpelação judicial ou extrajudicial para o respectivo cumprimento feita pelo credor (n.1), ao mesmo tempo que estabelece excepções (n.2). Contudo, para os casos em que o crédito é ilíquido no momento em que é reclamado judicialmente – como sucede nos autos – a mora só existe a partir do momento em que ele se torna líquido (n.3), o que, em regra, sucederá com a sentença da 1ª instância pois é nesse instante que o direito fica materialmente definido e revelada toda a sua dimensão.

Só que a definição do direito pode não ter ainda um carácter definitivo, atendendo ao facto de poder haver recurso jurisdicional da sentença. Portanto, o trânsito da sentença é crucial, na medida em que estabiliza o julgado. Mas também aqui há que distinguir entre duas situações, conforme a decisão do recurso confirma ou não a sentença recorrida. Se a confirmação é total, a liquidez definida na 1ª instância mantém-se e, então, entende-se que a mora se reporta à data da sentença. Se a decisão do recurso altera a dimensão quantitativa do direito (leia-se, do crédito), então a mora começa a contar-se somente a partir da data desta e, mesmo assim, somente na parte alterada. Esta tem sido a posição deste TSI (v.g., Acs. de 22/06/2006, Proc. n. 14/06 e de 12/03/2009, Proc. n. 683/2007), recentemente confirmada em acórdão do TUI tirado em sede de uniformização de jurisprudência (Ac. de 2/03/2011, Proc. n. 69/2010).


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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, revogando consequentemente a sentença na mesma medida, e condenando a STDM a pagar ao autor a importância de Mop$ 44.581,32, acrescida de juros definidos pelo modo e termos definidos no Ac. do Tui de 2/03/2011, no Proc. nº 69/2010.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.

TSI, 06 / 10 / 2011.


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José Cândido de Pinho
(Relator)

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Lai Kin Hong (com declaração de voto)
(Primeiro Juiz-Adjunto)

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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)

















Processo nº 385/2011
Declaração de voto

Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.

RAEM, 06OUT2011

O juiz adjunto


Lai Kin Hong