Processo n. 435/2011 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Setembro de 2011
Descritores: - Prescrição de créditos laborais
- Trabalho doméstico
SUMÁRIO:
I- Entre o prazo de 15 anos para a verificação da prescrição, fixado no Cod. Civil de 1999, e o de 20, estabelecido no Código Civil de 1966, aplicar-se-á o segundo, se o seu termo ocorrer primeiro, face ao disposto no art. da aplicação da regra do art. 290º, n.1.
II- Para esse efeito, não se aplica ao contrato entre um trabalhador do casino e a STDM as normas dos arts. 318, al. e) do Cod. Civil de 1966 e 311º, al. c) do Cod. Civil vigente porque a relação laboral assim firmada entre as partes é de trabalho e não equivalente à do contrato doméstico.
Proc. nº 435/2011
(recurso cível e laboral)
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I- Relatório
A intentou no TJB acção laboral com processo ordinário pedindo a condenação da STDM no pagamento de Mop$ 1. 175.873,00 por créditos referentes a descansos semanal, anual e feriados obrigatórios não gozados e não pagos durante o tempo da relação laboral que manteve com a ré.
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Na contestação, a ré defendera-se por excepção, invocando a prescrição, o pagamento da dívida e a renúncia expressa a quaisquer outras quantias por parte do autor.
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No saneador, a 1ª instância conheceu apenas da matéria da prescrição, cuja excepção julgou improcedente, relegando para a sentença a restante matéria exceptiva.
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Desse despacho, na parte em que conheceu da prescrição, recorreu a STDM, que foi admitido com subida diferida.
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Prosseguiram então os autos, tendo na oportunidade sido proferida sentença, onde foi apreciada a excepção do pagamento e remissão, que foi declarada procedente, em consequência do que foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.
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Foi interposto recurso pelo então autor contra esta sentença, que por este TSI foi julgado provido, tendo sido ordenado o conhecimento do recurso interlocutório (saneador).
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Entretanto, foi interposto recurso para o TUI.
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A fls. 361 o autor desistiu parcialmente do pedido e, perante isso, o M.mo juiz deu sem efeito o despacho de fls. 354 que havia recebido o recurso interposto para o TUI (v. fls. 365).
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Remetidos os autos à 1ª instância, foi lavrado despacho a ordenar a subida ao TSI a fim de, cumprida a determinação do acórdão anterior deste mesmo Tribunal a fls. 331 a 335, se proceder ao conhecimento do recurso do saneador.
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Nas conclusões das alegações respectivas, a recorrente STDM asseverou o seguinte:
a) Os créditos peticionados pela ex-trabalhadora, Recorrida, reconduzem-se às compensações por descanso semanal, anual e em feriados obrigatórios remunerados, alegadamente não gozados;
b) Porém os referidos créditos laborais que a Recorrida invoca, porque anteriores a 17 de Maio de 2002, encontram-se prescritos, pelo decurso do prazo de 5 anos, previsto na alínea f) do artigo 303º do CC e na alínea g) do artigo 310º do CC de 1966, relativamente a cada uma das prestações peticionadas;
c) Foi acordado pelas partes que a retribuição era devida por cada dia de trabalho, sendo que caso o trabalhador não prestasse qualquer actividade laboral em determinado dia não seria remunerado;
d) Cada dia de trabalho era um único dia, independente dos demais, e que o A. apenas seria remunerado se prestasse efectivamente a sua actividade, não lhe sendo pago qualquer retribuição caso essa actividade não fosse prestada;
e) O mesmo se diga em relação aos créditos respeitantes a dias de descanso;
f) Assim, em cada sete dias de trabalho, vence-se o direito a um dia de descanso semanal; em cada 365 dias vence-se o direito a seis dias de descanso anual; e em cada feriado obrigatório vence-se o direito ao gozo desse dia;
g) Os créditos peticionados pelo A., reportam-se a direitos que se renovam periodicamente; e, se os créditos ora peticionados se reportam a direitos renováveis periodicamente, também eles (os créditos) são renováveis periodicamente;
h) Estando sempre em causa prestações que são independentes umas das outras e que se vencem sucessivamente, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos para cada um dos salários e compensações reclamados pelo A., pelo facto de serem periodicamente renováveis (prestações sucessivas, continuativas, periódicas, continuadas, com trato sucessivo ou reiteradas);
i) Não se pode aplicar (analogicamente) ao prazo de prescrição dos créditos reclamados nos autos a causa bilateral da suspensão prevista pela alínea e) do artigo 318º do CC de 1966;
j) Não existe qualquer lacuna no Ordenamento Jurídico de Macau, no que respeita à matéria das causas bilaterais de suspensão do prazo da prescrição;
k) Esta matéria, em especial no que concerne a créditos decorrentes do contrato de trabalho, está contida na alínea c) do número 1 do artigo 311º do CC;
1) Desta sorte, a favor da inaplicabilidade da causa bilateral da suspensão prevista na alínea e) do artigo 318º do CC de 1966 ao caso dos autos, dir-se-á que:
m) É inverossímil que o legislador se tenha esquecido de proceder ao alargamento de âmbito de aplicação de um regime que estabeleceu para uma especial forma de prestação de trabalho (doméstico) ao trabalho subordinado comum;
n) Tendo o legislador previsto especialmente essas relações laborais no artigo 318º do Código Civil de 1966, crê a Recorrente que aquele pretendia excluir todas as outras;
o) A alínea e) do artigo 318º do CC de 1966 é uma norma excepcional, que tem em consideração características próprias do contrato de trabalho doméstico e que impõem um tratamento diferenciado relativamente às demais relações laborais;
p) Enquanto norma excepcional, a alínea e) do artigo 318º do CC de 1966, não comporta aplicação analógica, nos termos do abrigo do disposto no artigo 11º do CC de 1966;
q) Salvo o devido respeito, as relações de trabalho doméstico são expressamente excluídas do âmbito de aplicação dos Regimes Jurídicos das Relações de Trabalho de 1984 e 1989 (cfr. n.º 3 dos artigos 3º dos Decreto-Lei n.º 101/84/M de 25 de Agosto e Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril); assim, por maioria de razão;
r) Se a legislação estabelecida para o trabalho subordinado comum não se aplica ao trabalho doméstico, a norma excepcional da al. e) do artigo 318º do CC de 1966 prevista para o trabalho doméstico não se aplica ao trabalho subordinado comum;
s) Deste modo, a aplicação da norma contida no alínea e) do artigo 318º do CC de 1966 aos créditos reclamados nos autos, conjugada com a determinação de que o prazo de prescrição aplicável aos mesmos é de 20 anos, conduz a uma situação claramente iníqua, que certamente não corresponde à intenção do legislador português (mens legislatoris);
t) Note-se: o Ordenamento Jurídico português, a que o Mmo. Juiz do Tribunal a quo se socorreu para integrar uma alegada lacuna, prevê (e previa) o prazo de prescrição de 1 Ano e não de 20 anos para créditos como os peticionados nos presentes autos;
u) Por outro lado, caso existisse no Ordenamento Jurídico de Macau uma lacuna no que concerne à matéria da prescrição de créditos resultantes do contrato de trabalho, de acordo com os critérios enunciados no douto despacho recorrido, seria na norma contida no número 1 do artigo 38º da LCT (idêntico ao actual número 1 do artigo 381º do CT português), que encontraríamos o caso análogo a que nos socorrer para integrar a alegada lacuna;
v) Demonstrada que está a inaplicabilidade ao caso dos autos da alínea e) do artigo 318º do CC de 1966, deve entender-se que “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido” e que se encontram prescritos os créditos reclamados pelo A. anteriores a 17 de Maio de 2002, pelo decurso do prazo de 5 anos, previsto na alínea f) do artigo 303º do Código Civil de Macau (CC).
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Não houve contra-alegações.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
Está assente nos autos a seguinte factualidade:
a) A Ré tem por objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar, a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação.
b) A Ré foi concessionária, até 31 de Março de 2002, de uma licença de exploração, em regime de exclusividade, de jogos de fortuna e azar ou outros, em casinos.
c) Para levar a cabo o seu escopo, designadamente na área dos casinos, a Ré contratava com pessoas individuais a fim de exercerem a actividade de croupier, como foi o caso do Autor.
d) Em 1 de Dezembro de 1965, o Autor iniciou uma relação laboral com a Ré mediante retribuição por parte desta.
e) O Autor exerceu as funções de “croupier”, até 20 de Julho de 2002, data em que celebrou um contrato de trabalho com a SJM.
f) O horário de trabalho do Autor foi sempre fixado pela Ré, em função das suas necessidades, por turnos diários, em ciclos de três dias, num total de 8 horas, alternadas de 4 em 4 horas, existindo apenas o período de descanso de 8 horas diárias durante dois dias e um período de 16 horas de descanso no terceiro dia.
g) A retribuição do Autor tinha uma componente fixa, a qual foi de MOP$4.10 desde o início da relação laboral e até 30 de Junho de 1989, de HKD$10,00 desde 1 de Julho de 1989 até 30 de Abril de 1995 e de HKD$15.00 desde 1 de Maio de 1995 até à cessação da relação laboral.
h) Além disso, o Autor, ao longo do período em que se manteve a relação laboral com a Ré, recebeu uma quota-parte, variável, do total das gorjetas entregues pelos clientes da Ré e que eram distribuídas, de dez em desz dias, pelos mesmos de acordo com a categoria profissional a que pertenciam.
i) Entre os anos de 1984 e 2002, o Autor recebeu, ao serviço da Ré, os seguintes rendimentos anuais:
1984 - MOP$127,249.00
1985 - MOP$133,212.00
1986 - MOP$121,252.00
1987 - MOP$135,562.00
1988 - MOP$145,795.00
1989 - MOP$170,364.00
1990 - MOP$191,870.00
1991 - MOP$182,324.00
1992 - MOP$189,595.00
1993 - MOP$198,917.00
1994 - MOP$210,206.00
1995 - MOP$223,968.00
1996 - MOP$212,898.00
1997 - MOP$209,480.00
1998 - MOP$185,973.00
1999 - MOP$169,617.00
2000 - MOP$166,632.00
2001 - MOP$162,594.00
2002 - MOP$180,561.00
j) O Autor só auferia retribuição quando prestava trabalho efectivo.
k) No dia 18 de Julho de 2003, o Autor subscreveu a declaração, que foi aceite pela Ré e que consta de fls. 72, com o seguinte teor: Em língua chinesa: “本人A,持澳門居民身份證編號X/XXXXXX/X,自願收取由澳門旅遊娛樂有限公司(以下簡稱“澳娛”)發放的服務賞金MOP$(澳門幣)31,225.00,作為支付本人過往在“澳娛”任職期間一切假期(周假、年假、強制性假日及倘有之分娩假期)及協議終止與“澳娛”的僱傭關係等所可能衍生權利的額外補償。同時,本人聲明及明白在收取上述服務賞金之後,本人因過往在“澳娛”任職而可能衍生之權利已予終止,因此,本人不會以任何形式或方式,再行向“澳娛”追討或要求任何補償,即本人與“澳娛”就僱傭關係補償的問題上,從此各不拖欠對方。”. Em língua portuguesa: “Eu, (....) , titular do BIR nº (…..) recebi, voluntariamente, a título de prémio de serviço, a quantia de MOP$(…..) da STDM, referente ao pagamento de compensação extraordinária de eventuais direitos relativos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios, eventual licença de maternidade e rescisão por acordo do contrato de trabalho, decorrentes do vínculo laboral com a STDM. Mais declaro e entendo que, recebido o valor referido, nenhum outro direito decorrente da relação de trabalho com a STDM subsiste e, por consequência, nenhuma quantia é por mim exigível, por qualquer forma, à STDM, na medida em que nenhuma das partes deve' à outra qualquer compensação relativa ao vínculo laboral”.
1) O Autor recebeu da Ré a quantia referida na alínea anterior e, bem assim, a quantia de MOP$15,612.50.
m) Desde o início da relação laboral e até à sua cessação, nunca a Ré autorizou o Autor a gozar um único dia de descanso semanal nem lhe qualquer compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
n) Durante o mesmo período, a Ré não autorizou o Autor a gozar o período de descanso anual nem lhe pagou a compensação pecuniária pelo trabalho prestado naquele período.
o) Durante o tempo em que durou a relação entre Autor e Ré, esta nunca autorizou que o Autor gozasse descanso nos feriados obrigatórios nem lhe pagou qualquer compensação pecuniária pelo trabalho prestado nesses dias.
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III- O Direito
O que está, simplesmente, em causa neste passo é analisar da bondade jurídica da decisão constante do despacho saneador da excepção de prescrição, cujo prazo a ré contestante STDM considerava ser de 5 anos, nos termos da alínea f), do art. 303º do CC e reitera no presente recurso jurisdicional. Com efeito, a excepcionante havia defendido que todos os créditos laborais invocados pelo A., porque anteriores a 17/05/2002 estariam prescritos, tendo em atenção que havia sido citada em 17/5/2007.
Antes de entrarmos na análise do caso, importa frisar que o processo terá que prosseguir até nova decisão final que aprecie o pedido - pois a sentença da 1ª instância de 6/03/2008 (fls. 278/286), revogada pelo acórdão de fls. 331/335, apenas havia conhecido da excepção do pagamento - a não ser que no presente aresto venhamos a concluir que todos os créditos estão prescritos.
Vejamos, pois. A ré foi, efectivamente, citada em 17/05/2007 e os créditos reclamados espalham-se por todo um período temporal que vai desde pelo menos 1/12/1965 (início da relação laboral) até 20 de Julho de 2002 (termo dessa relação).
No saneador, foi entendido que o ordenamento jurídico de Macau apresenta uma lacuna, a ser suprida, pela analogia, através do recurso ao art. 318º, al. e), do CC., ou seja, na consideração de que o prazo de prescrição só se inicia a partir da cessação do contrato de trabalho.
Ora, a respeito deste tema, tem este TSI já uma posição cimentada e não será neste momento que iremos divergir dela.
Em primeiro lugar, importa dizer que a legislação laboral de Macau (DL n. 101/84/M, de 25/08 e, posteriormente, o DL no 24/89/M, de 3/ de Abril) nada estatuem, especificamente, sobre o regime de prescrição dos créditos emergentes das relações laborais. E se é certo que o Código Civil previa a figura do contrato de trabalho, a verdade é também que não regulamentou o seu regime, remetendo-o para legislação especial (arts. 1152º e 1153º). Assim, em matéria de prescrição, haverá que recorrer ao regime do Código Civil, importando apenas averiguar se o anterior de 1966, se o de 1999.
O art. 290º, n.1 do Cod. Civil actual (que entrou em vigor em 1 de Novembro de 1999) estabelece que o prazo fixado em lei nova, desde que mais curto do que o fixado em lei anterior, será aplicado aos prazos que já estiverem em curso. Contudo, ainda de acordo com a referida norma, o início desse prazo só se dá a partir da entrada em vigor da nova lei, “a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, caso em que essa será a lei aplicável.
Ora, o prazo ordinário de 15 anos fixado na lei nova (art. 302º, do C.C. vigente) contado desde 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014, enquanto o de 20 anos (art. 309º, C.C. anterior) se completaria antes disso. E para tanto se concluir basta pensar que, mesmo contado o prazo a partir do limite máximo – o correspondente ao termo da relação laboral, ocorrido em Junho de 1992 (tese do recorrente) – o período de 20 anos terminaria em Junho de 2012. E se isto é assim tendo por base de contagem a data da cessação da relação laboral, por maioria de razão se haverá de concluir se atendermos como “dies a quo” qualquer data em que, antes daquela cessação, se entenda que o direito pudesse ser exercido pelo trabalhador em relação a cada um dos seus autonomizados créditos.
Tratando-se a prescrição de um instituto que beneficia o credor, em razão da lassidão do devedor e em vista da estabilização das relações e da segurança do comércio jurídico, cremos, assim, que o regime da lei antiga será o aplicável ao caso em apreço.
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Mas, obtida esta conclusão, outra questão já se coloca.
Deverá ter-se em conta o disposto no art. 318º, al. e), do C.C. de 1966, segundo o qual a prescrição não começa, nem corre “entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar” (negrito nosso), tal como o defende o recorrente?
Recordemos que a legislação laboral da RAEM nada diz sobre o assunto. E, por tal motivo, entende o recorrente que se deve aplicar a referida norma como forma de integração da lacuna. Isto é, o prazo só deve começar a correr após a cessação da sua relação laboral, tal como acontecia com as relações de trabalho doméstico. E em apoio dessa opinião, chama à colação o art. 311º, al. c), do C.C. vigente, segundo o qual “a prescrição não se completa entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo empregador por todos os créditos, bem como entre as partes de quaisquer outros tipos de relações laborais, relativamente aos créditos destas emergentes, antes de 2 anos decorridos sobre o termo do contrato de trabalho”.
Ora, em primeiro lugar, desta última disposição não decorre que o prazo apenas se inicia com o termo da relação laboral. Ao dizer no seu proémio que “a prescrição não se completa” está a partir de um pressuposto, que é o de haver um prazo já iniciado, o qual não terminará senão ao fim de um período de dois anos após o termo do contrato de trabalho. Trata-se, em suma, de uma disposição que estabelece uma suspensão do prazo prescricional e não um diferimento do “dies a quo”.
Em segundo lugar, na medida em que ela traz à luz do dia uma estatuição até então inexistente, a ideia de uma novação parece sair reforçada. Quis o legislador tomar posição expressa pela primeira vez sobre o assunto, não sendo legítimo inferir que essa sempre fora a sua intenção implícita contida na legislação anterior.
Mas regressemos ao art. 318º do C.C. de 1966. Poderemos ver nela a possibilidade de aproveitamento do seu regime aos casos por ela não abrangidos? Não, em nossa opinião.
Trata-se de uma norma muito particular que o legislador quis aplicável somente ao trabalho doméstico, por o considerar distinto e com especificidades relativamente ao universo geral da contratação laboral. Havendo uma relação de grande proximidade, até mesmo de confiança pessoal entre empregador e trabalhador doméstico, com maior incidência quando o trabalhador é “interno”, qualquer incursão judicial para reclamar créditos deste contra aquele iria abalar definitivamente a relação. Porque foi isso o que o legislador anteviu, logo tratou de trazer para a norma um mecanismo de defesa dos interesses do trabalhador, protegendo-o desse risco. Mas não tendo o legislador avistado idêntico perigo nas demais relações laborais, nenhuma necessidade viu de consagrar a mesma solução para elas. Assim sendo, uma vez que nesta matéria o silêncio da lei sobre os demais casos de serviço não doméstico não representa nenhum vazio legal, não podemos falar de lacuna que mereça ser preenchida pelo recurso à analogia(este é o sentido unânime da jurisprudência produzida sobre o assunto, de que a título de exemplo citamos o Ac. do TSI de 19/03/2009, Proc. n. 690/2007).
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E como proceder para apuramento concreto da prescrição?
Tendo em consideração duas disposições: a do art. 306º, n.1 e a do art. 323º, n.1, do C.C. de 1966. Ou seja, tendo-se em conta que o prazo começa a correr quando o direito puder ser exercido (1ª) e que o prazo se interrompe com a citação (2ª).
Assim sendo, visto que a citação ocorreu em 17/05/2007, este será o marco a considerar.
Quer isto dizer o seguinte: Se o saneador ajuizou que nenhum crédito estava prescrito, e se a recorrente defende que todos estavam sob a alçada temporal da prescrição, a nossa decisão vai no sentido de considerar que apenas alguns estão prescritos: os anteriores a 17/05/1987.
Por conseguinte, não merece o nosso aplauso o despacho saneador recorrido.
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogam o despacho saneador na parte referente à decisão tomada sobre a prescrição invocada e, assim, declaram prescritos os créditos laborais reclamados anteriores a 17/05/1987.
Custas pela recorrente na proporção de vencido.
TSI, 29 / 09 / 2011.
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José Cândido de Pinho
(Relator)
_________________________
Lai Kin Hong (com declaração de voto)
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo nº 435/2011
Declaração de voto
Subscrevo o Acórdão antecedente à excepção da parte que diz respeito à existência dos direitos do trabalhador à compensação e aos factores de multiplicação para efeitos de cálculos de indemnização pelo trabalho prestado nos descansos semanais e anuais e nos feriados obrigatórios, em tudo quanto difere do afirmado, concluído e decidido, nomeadamente, nos Acórdãos por mim relatados e tirados em 27MAIO2010, 03JUN2010 e 27MAIO2010, nos processos nºs 429/2009, 466/2009 e 410/2009, respectivamente.
RAEM, 29SET2011
O juiz adjunto
Lai Kin Hong