ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base, por Acórdão de 26 de Fevereiro de 2011, condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada dos seguintes crimes:
- Um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, na pena de 7 (sete) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- Um crime de detenção de estupefaciente para consumo, previsto e punível pelo artigo 14.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão;
- Um crime de detenção de utensílio para consumo de estupefaciente, previsto e punível pelo artigo 15.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão.
E, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 18 de Outubro de 2012, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido.
Ainda inconformado, recorre o arguido para este Tribunal de Última Instância (TUI), terminando com as seguintes conclusões úteis:
- Imputa o Recorrente à decisão recorrida, erro de direito integrado no fundamento indicado na alinea a) do n.º 2 do art. 400º do Código de Processo Penal - "erro notório na apreciação da prova", Tudo como, infra, se tentará demonstrar.
- Segundo a fundamentação do douto acórdão recorrido, a decisão teve por base as declarações dos agentes policiais, prestadas na audiência e julgamento, que, duma forma clara, descreveram a investigação, sendo que o Tribunal fundamentou ainda dizendo, que teve também em consideração as declarações das demais testemunhas que depuseram com a imparcialidade devida, ponderado os seus interesses e o concreto posicionamento em relação aos factos, baseando-se ainda no exame dos documentos, nomeadamente os relatórios dos exames laboratoriais às substâncias apreendidas e dos objectos apreendidos juntos aos autos, realizado na audiência e julgamento.
- Independentemente da convicção do Tribunal "a quo", a qual, o Recorrente bem conhece como sendo insindicável, o que está em causa é a notoriedade do erro na apreciação da prova que foi produzida em juízo relativamente à detenção e utilização do apartamento sito no [Endereço (1)], por parte do arguido e, a consequente detenção dos produtos estupefacientes que lá foram encontrados.
- Resulta claro que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício constante do art. 400°, n° 2 alínea c) do Código de Processo Penal - erro notório na apreciação da prova.
- Não tendo o Recorrente sido sequer detido no interior da referida fracção, e a esta tendo sido encaminhado, unicamente, por se encontrar na posse das chaves da mesma, não é suficiente para se poder afirmar que a fracção estava na posse do Recorrente e por isso tudo o que lá se encontrasse seria da sua pertença.
- Acresce que, se foi dado como provado que "Na data dos factos e, desde Junho de 2009, o arguido residia, com a sua esposa e uma das suas filhas, ainda menor, em Macau, no [Endereço (2)]." e, se de acordo com o artigo 7.º do Código de Registo Predial se reconhece uma presunção juris tantum de que o direito registado existe e emerge do facto registado, pertence ao titular inscrito e tem a substância que o registo define, não é a posse das chaves de um apartamento, que por si só, é susceptível de fazer prova da utilização exclusiva da fracção, bem como da sua disponibilidade.
- E, muito menos é prova da ligação do arguido aos produtos estupefacientes e utensílios de consumo nela apreendidos.
- Mas sim, para concluir que por falta de prova deveria o arguido ter sido absolvido da prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, previsto pelo art. 8°, n° 1 da Lei n° 17/2009 de 10 de Agosto e de um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento previsto pelo art. 15° do mesmo diploma.
- E, salvo devido respeito, em virtude de ter ficado provado que o arguido no momento da sua detenção trazia consigo Ketamina (substância abrangida pela tabela II-C anexa a Lei n.º 17/2009) no peso total e líquido de 2,753 gramas (0.818+ 1.935), Mentanfetamina (substância abrangida pela tabela I-B anexa a Lei n.° 17/2000, deveria o arguido apenas ter sido condenado pela pratica de um crime de tráfico de menor gravidade p.p. p. artigo 11.° da Lei n.º 17/2009 de 10 de Agosto.
- Quanto à fixação da medida concreta da pena, ponderando o facto de o arguido ser primário e não esquecendo que a quantidade de estupefaciente encontrado na sua posse no momento da sua detenção era de 2,753 g de Ketamina, afigurar-se-ia ajustada uma pena nunca superior a 3 anos de prisão.
- Sendo de se aplicar uma pena de prisão não superior a 3 anos ao Recorrente, nos presentes autos, entende o Recorrente que se verificam, em concreto, todos os elementos necessários e suficientes para permitir ao Tribunal um juízo de prognose favorável ao Recorrente e conducente à suspensão de uma eventual pena de prisão.
Na resposta à motivação do recurso o Ex.mo Procurador-Adjunto defendeu que deve ser negado provimento ao recurso.
No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
II – Os factos
As instâncias consideraram provados e não provados os seguintes factos:
1. Pelas 00:45 horas do dia de 6 de Janeiro de 2010, um indivíduo macaense, conhecido por “B”, conduzia uma carrinha, da cor verde, da chapa de matrícula MD-XX-XX, a chegar ao exterior do Edifício, na Rua de Viseu, e parou.
2. Após estar ali parado uns 15 minutos, o recorrente pôs a carrinha a funcionar, pretendendo ir-se embora.
3. Face a tal, os investigadores que conduziam duas viaturas ligeiras, uma da cor preta e com chapa de matrícula MM-XX-XX (a chapa de matrícula do governo MB-XX-XX) e a outra da cor branca e com chapa de matrícula MM-XX-XX (a chapa de matrícula do governo MD-XX-XX), pararam as viaturas, uma na frente da carrinha do recorrente e a outra na parte de trás, a fim de impedir que o mesmo fugisse.
4. Os investigadores saíram das viaturas para irem ao encontro do recorrente, identificaram-se como sendo agentes da P.J. e pediram ao recorrente para sair da carrinha.
5. O recorrente de imediato acelerou a sua carrinha e embateu na viatura da P.J. (MD-XX-XX), e de seguida, bateu na outra viatura da P.J. (MB-XX-XX) e fugiu.
6. Face a tal, os investigadores da P.J. foram atrás do recorrente, perseguindo-o e quando chegaram ao cruzamento entre a Rua de Viseu e a Rua de San Tau, a parte traseira da carrinha do recorrente subiu o passeio e embateu em duas barreiras metálicas ali existentes, o que o obrigou a parar.
7. De seguida os investigadores abordaram-no e puxaram-no para fora da sua viatura e fizeram-lhe uma revista corporal.
8. Dessa revista foi-lhe encontrado, no bolso direito do casaco, um saco plástico transparente, que continha pó branco (conforme auto de apreensão de fls. 10, etiqueta n° 1).
9. Este produto de cor branca em forma de cristais submetido a exame laboratorial e com o peso total de 1.118 g, revelou ser Ketamina, que está abrangida pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009, com a percentagem de 73.15% e o peso líquido de 0.818 g.
10. Foi ainda encontrado na sua posse:
– um molho com 8 chaves (com um porta-chaves) do apartamento [Endereço (1)];
– a quantia de HKD900.00 e MOP1,200.00;
– dois telemóveis, um da cor prateada, da marca SONY ERICSSON, com um cartão SIM da C.T.M. n° XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, e outro da cor vermelha escura, da marca SONY ERCISSON, com um cartão SIM da C.T.M. n° XXXXXXXXXXXXXXXXXXX (conforme auto de apreensão 10 etiqueta n° 2).
11. Dentro da viatura do recorrente, debaixo do assento da frente do lado esquerdo da viatura, foi encontrado uma caixa plástica transparente, da forma rectangular, da cor azul, que continha dois sacos plásticos transparentes, com pó branco, e, seis comprimidos de cor alaranjada, embalados em papel de estanho da cor vermelha (conforme auto de apreensão de fls. 13, etiquetas n°s 3 e 4).
12. Este produto de cor branca submetido a exame laboratorial e com o peso total de 2.631 g, revelou ser Ketamina, que está abrangida pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009, com a percentagem de 73.53% e o peso líquido de 1.935 g.
13. Os comprimidos de cor alaranjada submetidos a exame laboratorial e com o peso total de 1.122g, revelaram ser Nimetazepam, que está abrangida pela Tabela IV da Lei n° 17/2009.
14. Em cima do pneu dianteiro direito da viatura, foram encontrados quatro sacos plásticos transparentes com pó branco (conforme auto de apreensão de fls. 13 etiqueta n° 5).
15. O pó branco submetido a exame laboratorial, com o peso total de 4.950 g, revelou ser Ketamina, que está abrangida pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009, com a percentagem de 71.44% e o peso líquido de 3.536 g.
16. Da busca efectuada ao apartamento utilizado pelo recorrente, sita no [Endereço (1)], tendo sido encontrado:
– Em cima de uma mesa de mármore da cor bege, na sala de estar:
– duas embalagens com 19 comprimidos, em adesivo da cor vermelha e papel de estanho da cor prateada;
– um saco plástico transparente com pó branco cristalizado;
– um saco plástico transparente com substância cristalizada transparente;
– dois saquinhos plásticos transparentes com substância cristalizada transparente;
– um saco plástico com vestígios de pó branco (conforme auto de apreensão de fls. 16, etiqueta nº 6).
17. Os comprimidos submetidos a exame laboratorial e com o peso total de 3.525g, revelaram ser Nimetazepam, que está abrangida pela Tabela IV da Lei n° 17/2009.
18. O pó branco submetido a exame laboratorial, com o peso total de 14.705 g, revelou ser Ketamina, que está abrangida pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009, com a percentagem de 75.22% e o peso líquido de 11.0611 g.
19. A substância cristalizada transparente, nos dois sacos, submetidos a exame laboratorial, revelaram ser Metanfetamina que está abrangida pela Tabela II-B da Lei n° 17/2000, sendo um com o peso total de 1.620g, com a percentagem de 74.13% e o peso líquido de 1.201g, e, o outro com o peso total de 0.570 com a percentagem de73.30% e peso líquido de 0.418 g.
20. Os vestígios de pó no outro saco submetidos a exame laboratorial revelaram ser Ketamina, que está abrangida pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009.
21. Foi ainda encontrado na sala de estar:
– um saco de pano da cor verde escura, com os dizeres “Eaudorange Verte”, com trinta e cinco saquinhos plásticos;
– no referido saco de pano da cor verde escura ainda havia quatro sacos plásticos transparentes, dois grandes e dois pequenos, todos com vestígios de pó branco;
– uma balança eléctrica, da cor preta, com dizeres “Pocket Scale;
– um frasco de água mineral, da marca “Bonaqua”, com líquido transparente, cuja tampa está ligada por tubos e palhinhas;
– um recipiente de vidro transparente com líquido da cor amarela clara, com a base plástica da cor preta; na parte prateada da tampa há dois orifícios, orifícios estes com tubos de plástico e vidro;
– um recipiente de vidro transparente com líquido transparente, com dois orifícios no topo;
– um recipiente de vidro transparente com líquido transparente. O seu interior tem um dispositivo feito de vidro da cor castanha amarelada, e no seu topo há dois orifícios;
– um recipiente de vidro transparente, da cor azul, com líquido, cujo topo tem dois orifícios, conde se encontram tubos de plástico, de borracha e metálicos;
– um isqueiro da forma cilíndrica e da cor vermelha;
(tudo conforme auto de apreensão de fls. 17 e 18, etiquetas 7, 8, 9, 10 e 11).
22. Os dois sacos grandes e os dois sacos pequenos com vestígios de pó branco, submetidos a exame laboratorial, estes vestígios revelaram ser Ketamina e Metanfetamina que estão abrangidos pela Tabela II-C e II-B da Lei n° 17/2009.
23. Os recipientes com líquido, supra referidos, submetidos a exame laboratorial, revelaram:
– um com 300.0 ml, revelou conter Anfetamina, Metanfetamina, N,N-Dimetanfetamina e Ketamina;
– um com 10.20 ml, revelou conter Anfetamina, Metanfetamina, N,N-Dimetanfetamina e Ketamina;
– um com 3.90 ml, revelou conter Anfetamina, Metanfetamina, e Ketamina;
– um com 58.0 ml, revelou conter Anfetamina, Metanfetamina, N,N-Dimetanfetamina e Ketamina;
– um com 74.0 ml, revelou conter Anfetamina, Metanfetamina e Ketamina.
24. A Anfetamina, Metanfetamina, N,N-Dimetanfetamina, estão abrangidas pela Tabela II-B e a Ketamina pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009;
25. No quarto do recorrente, num armário de madeira de cor preta, na gaveta superior do lado direito, foi encontrado:
– uma embalagem com 10 comprimidos, em adesivo da cor vermelha e papel estanho da cor prateada;
– um grande saco plástico transparente com pó branco cristalizado;
– um saquinho plástico transparente com pó branco cristalizado;
– um saco plástico transparente bem embrulhado com jornal, o qual continha uma substância transparente cristalizada;
– um pacote de mortalhas, da marca “Drum”;
– um saquinho plástico transparente;
(conforme auto de apreensão de fls. 18 etiquetas 12 e 13).
26. Os comprimidos submetidos a exame laboratorial e com o peso líquido de 1.876g, revelaram ser Nimetazepam, que está abrangida pela Tabela IV da Lei n° 17/2009.
27. Os sacos de pó branco cristalizado, submetidos a exame laboratorial, revelaram ser Ketamina, que está abrangida pela Tabela II-C da Lei n° 17/2009, sendo um com o peso total de 24.623g, com a percentagem de 73.30% e o peso líquido de 18.049 g, e, o outro, com o peso total de 2.020g, com a percentagem de 73.37% e o peso líquido de 1.482g.
28. A substância transparente cristalizada submetida a exame laboratorial, revelou ser Metanfetamina que está abrangida pela Tabela II-B da Lei n° 17/2000, com o peso total de 9.926g, com a percentagem de 72.48% e o peso líquido de 7.194g.
29. O recorrente abastecia-se dos produtos estupefacientes em “Kong Pak,” da China interior, e para esse efeito, dando uma compensação monetária, contratava terceiros a fim de ali se deslocarem, comprarem os estupefacientes, transporta-los para Macau e entrega-los ao recorrente em local a combinar.
30. O recorrente solicitava tal, pelo menos 3 a 4 vezes e de cada vez entregava para a respectiva compra uma quantia que variava entre MOP 1,000.00 e MOP1,500.00.
31. Depois de receber os produtos estupefacientes, embalava-os no referido apartamento, a fim de os vender em Macau e também para seu consumo próprio.
32. O recorrente vendia os produtos referidos, várias vezes ao dia, em embalagens de MOP200.00 ou MOP300.00, de acordo com o que lhe solicitavam, telefonicamente, e posteriormente combinava o local de encontro para a transacção.
33. A transacção era efectuada ora pelo recorrente ora por outros que o recorrente contratava para o fazer, em diversos locais, nomeadamente, numa paragem de autocarros junto ao Jardim Triangular, junto ao Banco Weng Hang no Mercado Vermelho, perto do restaurante, e perto do Templo Kun Iam.
34. O recorrente agiu livre, voluntária e conscientemente.
35. Sabendo e conhecendo as características e qualidades dos produtos estupefacientes.
36. Tendo adquirido detido e vendido os produtos estupefacientes a terceiros com o fim de obter ou procurar obter compensação remuneratória.
37. Os sacos plásticos e a balança eléctrica, mencionados no auto de apreensão de fls. 16 a 18, etiqueta 6, 9 e 13, são os instrumentos de embalagem para vender os produtos estupefacientes.
38. O recorrente possuía instrumentos, mencionados no auto de apreensão de fls. 17 e 18, etiqueta 10 e 11, que sabia serem proibidos, para utilizar no consumo dos produtos estupefacientes.
39. O recorrente sabia que a aquisição não autorizada e a detenção dos produtos estupefacientes para seu consumo era proibida.
40. O dinheiro mencionado no auto de apreensão de fls. 10, etiqueta 2, foi adquirido através da venda dos produtos estupefacientes, e os dois telemóveis são instrumentos de comunicação para a venda dos produtos estupefacientes.
41. Tinha perfeito conhecimento que as suas condutas não eram permitidas e eram punidas por Lei.
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42. A dada dos factos e, desde Junho de 2009, o recorrente residia, com a sua esposa e uma das suas filhas, ainda menor, em Macau, no [Endereço (2)].
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Mais se provou:
1. Conforme o CRC, o recorrente é primário.
2. O recorrente declara ser comerciante e auferindo mensalmente cerca de 10,000 patacas antes de ser preso preventivamente, tem a seu cargo a mãe, a esposa e uma filha menor.
3. O recorrente tem como habilitações literárias o 2.º ano do ensino secundário.
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Factos não provados:
1. Não ficaram provados os restantes factos constantes da acusação e da contestação, nomeadamente:
2. O recorrente vendeu produtos estupefacientes na discoteca.
3. O apartamento B do [Endereço (1)] é a residência de C.
4. O recorrente nunca teve a disponibilidade dessa residência sita em Macau, [Endereço (1)], a qualquer título que seja.
III - O Direito
1. As questões a resolver.
As questões suscitadas pelo arguido, e que há que conhecer, são as de saber se houve erro notório na apreciação da prova, se a sua conduta não se enquadra na previsão do artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009 (crime de tráfico de estupefacientes), mas antes na do crime de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 11.º da mesma Lei e, em consequência se deveria ter sido punido com uma pena não superior a três anos de prisão, suspensa na sua execução.
2. Erro notório na apreciação da prova
Tem-se entendido que só se verifica o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando se retira de um facto uma conclusão inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
O argumento fundamental em que se baseia a tese do arguido é o de que não foi detido no interior da habitação em que se encontrava o produto estupefaciente e o facto de ter as chaves desta não é suficiente para se afirmar que estava na sua posse. Na verdade, o que o arguido diz é irrepreensível. O problema é que em nenhum local da decisão se diz que lhe é imputada a propriedade do produto apenas por ter as chaves de uma casa onde o mesmo se encontrava. Antes se deu como provado que os produtos lhe pertenciam.
Não se vislumbra que se configure qualquer erro notório na apreciação da prova pelo Tribunal de 1.ª instância, no sentido de erro ostensivo, evidente para qualquer pessoa que examine os factos dados como provados e os meios de prova utilizados.
Improcede a questão suscitada.
3. Crime de tráfico de estupefacientes
Pratica o crime de tráfico de estupefacientes “quem, sem se encontrar autorizado, oferecer, puser à venda, distribuir, ceder, comprar ou por qualquer título receber, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 14.º, plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos” (artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 17/2009).
Ora, provou-se que o arguido adquiriu e deteve para venda a terceiros com o fim de obter ou procurar obter compensação remuneratória, produtos estupefacientes, descritos nas Tabelas II-C e IV da Lei n° 17/2009, designadamente, Ketamina, Nimetazepam e Metanfetamina, em quantidades que excedem largamente cinco vezes as quantidades previstas na lei como referência de uso diário.
Estes factos integram a previsão da norma acima transcrita, pelo que o arguido praticou sem qualquer dúvida o crime pelo qual foi condenado.
Improcede, também, esta questão.
Está prejudicada a questão da fixação de nova pena, apenas suscitada como decorrência da pretendida convolação do crime de tráfico de estupefacientes para o crime de tráfico de menor gravidade.
É, pois, o recurso manifestamente improcedente.
Impõe-se, portanto, a rejeição do recurso (artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
IV – Decisão
Face ao expendido, rejeitam o recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC, suportando, ainda, a quantia de MOP$2.000,00 (duas mil patacas), nos termos do n.º 4 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.
Macau, 12 de Dezembro de 2012.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Lai Kin Hong
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Processo n.º 79/2012