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Processo nº 742/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 13 de Outubro de 2011

ASSUNTO:
- Falta de citação
- Convicção do tribunal

SUMÁRIO:
- Há falta de citação quando se mostre que foi efectuada depois da morte do citando.
- A citação por éditos de pessoa certa só tem lugar quando a citação pessoal for infrutífera, daí que os herdeiros do falecido nunca podem ser considerados como citados por éditos sem ter sido realizada a respectiva citação pessoal.
- Não é susceptível de alteração a matéria de facto fixada em 1ª instância quando resulta da livre convicção do tribunal, com apreciação devida das provas legalmente admissíveis e com respeito das regras de experiência comum.

O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 742/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 13 de Outubro de 2011
Recorrente: A (O Autor)
(Recurso Interlocutório e Final)
Recorridos: - Herdeiros de B ou XXX, de C ou XXX ou XXX
- Ministério Público
- Interessados Incertos (Os Réus)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 06/09/2004, decidiu-se:
- declarou-se nula a citação de B.
- determinou-se a citação dos seus herdeiros.
- Determinou-se a anulação de todos os actos praticados pelos demais réus após a sua citação.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão o seguinte:
I. Desconhecendo o A., aquando da apresentação da PI a juízo, o falecimento do seu tio, B, requereu a sua citação, mas requereu também a citação de todos os demais interessados incertos.
II. Neste sentido, o Professor Lebre de Freitas "A necessidade de citação de incertos pode resultar da Petição inicial, de requerimento de intervenção de terceiro ou de requerimento de habilitação. (...). Outro tipo de incerteza é constituída pelos casos em que, o falecido é o titular da situação jurídica oposta à do autor, os respectivos herdeiros são desconhecidos. Se o falecimento (...) ocorrer posteriormente [à propositura da acção] ou só for conhecido em consequência das diligências para a citação do réu há que proceder à habilitação dos incertos", (in ob. citada).
III. Deste modo, no caso sub judice, deve considerar-se que os presumíveis herdeiros de B foram citados na qualidade de interessados incertos.
IV. Quando a lei prevê a citação de interessados incertos, pretende exactamente prevenir casos como o se ora verifica, em que o A. desconhece a existência ou o desaparecimento de determinados interessados não podendo assim requerer em concreto a sua citação;
V. Nesses casos, requer-se ao Tribunal a citação de demais interessados incertos.
VI. Não deve assim considerar-se aplicável ao presente caso a cominação prevista no art. 140º do CPC, por não existir, em concreto, falta de citação.
VII. Viola assim o despacho em crise o disposto nos arts. 140º e 141º do CPC, bem como o art. 8º do Código Civil, por errada interpretação dos preceitos processuais civis referidos.
VIII. Não sendo certa a qualidade dos Requerentes da declaração de nulidade como herdeiros do B, por estar pendente o processo de inventário com o n.º CIV-004-04-4, no caso sub judice, impor-se-a a suspensão dos presentes autos, em ordem a clarificar, primeiro, a qualidade dos referidos Requerentes.
IX. Só depois de estar confirmada a qualidade dos presumíveis herdeiros de B, poderão os mesmos intervir nos presentes autos.
   Pedindo no final que seja revogada o despacho recorrido, e orderna o normal prosseguimento dos autos, assim se fazendo a tão costumeira justiça.
*
Os Réus, os herdeiros de B ou XXX, ora recorridos, responderam à motivação do recurso interlocutório do Autor, nos termos constantes a fls. 593 a 600 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*
   Por sentença de 14/04/2009, decidiu-se julgar a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido.
   Dessa decisão vem recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusão o seguinte:
I. A sentença de que ora se recorre é nula por erro manifesto na apreciação da prova que foi produzida, designadamente, a prova testemunhal e os depoimentos de parte produzidos em sede de Audiência de Julgamento.
II. Desde logo, face à matéria dada como provada, importa concluir que ninguém utiliza o prédio, paga despesas, sejam elas de conservação ou manutenção, e bem assim, de água e luz, e a contribuição predial, durante tantos anos, sem que tais actuações sejam do conhecimento geral e, em particular, do conhecimento dos interessados nos presentes autos.
III. Todos os comportamentos adoptados pelo Autor foram forçosamente do conhecimento de todos os interessados uma vez que, também eles, eram responsáveis pelas respectivas quotas.
IV. Sobretudo quando os interessados são os RR., e aqueles valores pagos pelo A. a título de contribuição predial, eram subtraídos dos rendimentos da propriedade que o Autor recebia e depois distribuía aos RR., nas respectivas proporções, sem que estes alguma vez se opusessem a tal procedimento.
V. Como seria possível que tais comportamentos, por parte do Autor, se prolongassem por tantos anos, se alguma vez tivesse havido oposição por parte dos RR., interessados?
VI. Em parte alguma fica feita a prova de que o Autor distribuísse aos interessados, ora RR,., a quota parte dos rendimentos do prédio, correspondente ao 1/8 cuja declaração de propriedade por parte do A. agora se peticiona.
VII. O mesmo se diga em relação à quota de 1/8 das despesas com a contribuição predial, que nunca foi descontada dos rendimentos dos RR., uma vez que quem a suportou sempre foi o A ..
VIII. A contribuição predial é um encargo fiscal cujo sujeito passivo é o proprietário do prédio.
IX. Pagando sempre o A. a quota de 1/8 daquele imposto, estava indubitavelmente a comportar-se como proprietário da mesma quota.
X. Facto de que, mais uma vez, os RR. e interessados tinham conhecimento, uma vez que nunca pagaram o valor equivalente ao 1/8 da contribuição predial, e este valor foi sempre liquidado junto da Repartição e Finanças pelo Autor.
XI. Perante a transparência do seu comportamento, o conhecimento do mesmo comportamento por parte dos RR., e a falta de oposição destes últimos, o Autor sempre actuou na convicção do seu direito de propriedade sobre a quota de 1/8 do prédio acima identificado.
XII. Com o devido respeito, o Autor não aceita nem se conforma qne o Tribunal a quo tenha desconsiderado, em absoluto, o teor dos depoimentos quer da sua testemunha, a Senhora XXX, quer da Parte, XXX, no que respeita ã existência de uma declaração de Vontade, expressa verbalmente, por parte de XXX, no sentido de que o Autor, A, ficasse com o 1/8 da parte que cabia àquele seu Tio.
XIII. A Senhora XXX vivia com XXX, e presenciou aquela declaração verbal deste último, que, aliás, lhe foi dirigida, no sentido de depois ser lransmitida ao Autor. Refira-se que a Sra. XXX trata o Autor por "A X",
XIV. Concretamente, oiça-se as seguintes afirmações efectuadas pela Sra. XXX, e que ficaram gravadas no periodo de gravação número 001 (tradução para português) aos minutos 27.47, 28.18, 30.43, 49.09 em que a mesma declara, sem margem para dúvidas, de que era a vontade de XXX que A ficasse com a sua quota de 1/8 no prédio, e que tal vontade foi verbalmente transmitida pelo primeiro à Sra. XXX.
XV. Tais afirmações foram confinnadas pela Parte XXX no periodo de gravação 012 aos minutos 1.31 e 1.50.
XVI. Face à prova testemunha feita em sede de Audiência de discnssão e julgamento, e acima transcrita, o Autor não se confonna nem aceita que não tenham sido dados como provados os factos constantes do quesito 1º da Base lustrotória, designadamente: "Antes de falecer, no ano de 1982, o Senhor XXX (XXX) declarou doar ao Autor a sua quota de 1/4 da metade daquele prédio -1/8 do total?".
XVII. Tratando-se de um facto de natureza verbal, apenas a prova testemunhal ou o depoimento de Parte se apresentavam Como possíveis. E tal prova foi produzida por pessoas idóneas, tendo uma delas que presenciado os factos e outra, a Parte, possuindo um interesse contrário ao do Autor, uma vez que é Ré na acção.
XVIII. Termos em que, face ao exposto, se requer a V. Exa. se digne revogar a decisão do Tribunal a quo relativamente 1ª matéria de facto constante do quesito 1º, devendo o mesmo dar-se como provado.
XIX. A relevância jurídica da prova de que, efectivamente, XXX declarou que era sua vontade que A ficasse com a sua quota no prédio, prende-se com a questão da boa fé do Autor ao agir como proprietário de tal quota.
XX. A partir do momento que A soube que era vontade de seu Tio, XXX, que a quota de 1/8 deste último ficasse para si, A, legitimamente, e de boa fé, passou a actuar, relativamente a esse 1/8, como proprietário, apropriando-se das rendas do prédio que correspondiam a esse valor,
XXI. E, por sua iniciativa, dispondo das mesmas como melhor entendia, designadamente, oferecendo-as à Senhora XXX.
XXII. Ficou feita a prova, por via dos depoimentos da testemunha do Autor, Sra. XXX e do depoimento de parte de XXX, de que a posse do Autor foi uma posse pública e pacífica, designadamente aos minutos 32.05, 32.16, 33.11, 37.37 e 39.09 do período de gravação 001.
XXIII. Já no seu depoimento de Parte, a todas as perguntas do Tribunal a quo relativamente ao facto de nunca, até à data da entrada da acção em juízo, os Réus terem questionado a postura de A relativamete ao 1/8, o Sr. XXX repetiu inúmeras vezes que A é que decidia, que ele, XXX, não tinha direito de questionar.
XXIV. Por diversas vezes esta Parte deu resposta evasivas, fugindo às perguntas do Tribunal, tendo mesmo sido chamado à atenção por este seu comportamento. Trouxe à colação um período durante o qual A se terá ausentado de Macau, alegando que se tratou de um intervalo de tempo de cerca de dez anos, facto que depois já não soube precisar e que havia sido desmentido pela Parte, XXX, irmã do Autor, que declarou que esse intervalo de tempo foi de um ano.
XXV. Mesmo na altura em que o próprio depoente, Sr. XXX, alega ter sido ele a recolher a renda, a forma de distribuição continuou a ser a que havia sido determinada pelo Autor. Nesta fase, em que o Sr. XXX teve o poder de alterar a forma como os valores da renda eram distribuídos, em que teve o poder de alterar a decisão tomada pelo Autor quanto ao destino do valor da renda relativa a XXX, XXX nada fez e cumpriu com a determinação de A.
XXVI. De todo o depoimento prestado por XXX transparece um sentimento de mágoa que resulta de desavenças pessoais, mas não é afirmado nunca, em momento algum, que este alguma vez se opôs às determinações do Autor relativamente ao 1/8 do Tio de ambos, XXX. Afirmou por várias vezes que era o Autor quem decidia e que ele não tinha o direito de questionar.
XXVII. Se é o próprio XXX que reconhece que não lhe cabia o direito de questionar, e que, por isso mesmo, nunca questionou, nem nunca actuou de forma a demonstrar qualquer desagrado quanto ao destino que estava a ser dado à quota parte das rendas que correspondiam ao 1/8 do Tio, XXX, nem mesmo quando podia tê-lo feito,
XXVIII. Só poderia o Tribunal a quo ter concluído que XXX e seus irmãos aceitaram sempre a postura de A relativamente ao 1/8 que verbalmente havia recebido de seu Tio, postura essa que era a de um verdadeiro proprietário, uma vez que, por decisão sua, nas palavras de XXX, esse valor era distribuído a XXX, agindo A com verdadeiro poderes de disposição relativamente a esse valor.
XXIX. Todas estas declarações se encontram gravadas no período de gravação 018, aos minutos 15.05, 15.18, 15.55, 17.05, e no período de gravação 019, aos minutos 2.34, 0.24, 1.04.
XXX. A razão pela qual XXX não recebe agora renda é o facto de ter vendido, juntamente com os seus irmãos o direito à herança que lhe cabia por óbito de seu Pai.
XXXI. Por outras palavras, a única razão pela qual XXX e seus irmãos deveriam ainda receber renda, seria pela quota Parte de seu Tio XXX. Contudo, não recebem tal renda nem nunca vieram opor-se à determinação de A de dar, na qualidade de proprietário, tal valor tal valor a XXX.
XXXII. Este facto é, só por si, salvo o devido respeito, prova de que todos os herdeiros chamados aos presentes autos sabiam que A mandava no destino do valor da renda correspondente à quota de XXX, dispondo do mesmo como se fosse seu, e nunca, nenhum deles, se opôs a tais actos de disposição.
XXXIII. Termos em que devia o Tribunal a quo ter considerado provado que o Autor exercia o direito na qualidade de proprietário de 1/8 da quota do imóvel, de forma pública, de modo a poder ser conhecida por todos os herdeiros do seu Tio XXX.
XXXIV. Face aos depoimentos supra transcritos, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a posse de A relativamente ao 1/8 de seu Tio XXX foi sempre uma posse pacifica, uma vez que era pública, ou seja, do conhecimento de todos os herdeiros, e nunca, nenhum deles, se veio a opor a qualquer das decisões ou actos de disposição que o primeiro praticou relativamente a esse mesmo 1/8.
XXXV. Do ponto de vista da continuidade da posse, se torna irrelevante saber se o Autor se ausentou ou não do Território, uma vez que o que interessa averiguar é se os actos de disposição que o mesmo praticou relativamente ao 1/8 que pertenciam a seu Tio XXX foram praticados de forma ininterrupta ao longo de todos estes anos e, quanto a esta matéria, com o devido respeito, não há margem para que se considere que não, pelo que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado os factos constantes dos quesitos 9º a 11º, o que desde já se requer.
XXXVI. Face aos factos considerados provados, não pode deixar de considerar-se que o Autor, desde Janeiro de 1987 até hoje (2007) ou seja, há mais de 15 anos vem exercendo a sua posse sobre a mencionada quota de uma forma legitima, pública (cfr, art. 1186º CC), contínua e pacífica (cfr. art. 1185º nº 1 CC), e de boa-fé (art. 1184° CC).
XXXVII. Ainda, o A. sempre teve animus possedendi sobre o bem, e a sua posse nunca foi sujeita à oposição de quem quer que fosse, designadamente, dos ora RR. e interessados.
XXXVIII. Termos em que a posse exercida pelo Autor nos termos descritos lhe confere o direito de invocar usucapião como modo legítimo de aquisição, nos termos do art. 1212° do CC:
XXXIX. Nos termos do artigo 1241° do CC, o Usucapião é uma das formas de aquisição do direito de propriedade.
XL. In casu, não existe registo de título aquisitivo de mera posse e o Autor estava de boa fé (ao adquirir a posse e durante todo o tempo do seu exercício ignorou que pudesse estar a lesar o direito de outrem, visto que o direito que se arroga nunca foi posto em causa por qualquer dos interessados), o prazo aplicável é o de 15 anos, nos termos do artigo 1221° do CC, encontrando-se preenchidos os requisitos legalmente exigidos nos arts. 1184° a 1187° e 1221° do CC.
Pedindo no final que seja revogada a sentença recorrida relativamente à matéria de facto cuja prova se reivindica, e que deverá ser dada como provada sendo, consequentemente, o pedido considerado procedente e os Réus condenados em conformidade.
*
Quer MP, quer os herdeiros de B ou XXX, ambos responderam à motivação do recurso final da ora recorrente, nos termos constantes, respectivamente, a fls. 935 a 936v e 938 a 972 dos autos, cujos teores aqui se dão integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
  *
Foram colhidos os vistos legais.

II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
A) O Senhor XXX ou XXX ou XXX, avô do ora A., era o antigo proprietário de 1/2 do prédio n.º 3 e 3-A, da Rua de São Domingos, sita em Macau.
B) Esse prédio está hoje (à data de 31 de Outubro de 2002) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 735, a fls. 7v, do livro B5 e inscrito a favor de :
1. B ou XXX (XXX), sob o n.º 13822, a fls. 161, do livro G13, sendo a quota de que é titular de 1/4;
2. XXX ou XXX (XXX), sob o n.º 13823, a fls. 161 v, do livro G13, sendo a quota de que é titular de 1/8.
3. A (XXX), ora A., sob o n.º 24864 e sob o n.º 48933, do livro G, sendo a titular duas quotas de 1/16, respectivamente.
C) Na matriz predial, está inscrito sob o n.º 11038, com o valor matricial de MOP$168,008.00, em nome de XX (1/2), B (1/4), XXX (1/8) e A (1/16+1/16), atribuindo-se-lhe, no entanto, o valor de MOP$400,008.00, de modo que o valor atribuído à quota de XXX (1/8 do prédio em causa) é de MOP$50,001.00, e
D) Tem as seguintes confrontações:
N – Rua da Palha, nºs 35-37 (n.º 5819) e Rua de São Domingos n.º5 (n.º 5180);
S – Rua de São Domingos;
E – Rua de São Domingos n.º 5 (n.º 5180);
W – Rua da Palha, nºs 35-37 (n.º 5819).
E) Em 8 de Dezembro de 1932, o Senhor XXX ou XXX ou XXX faleceu e deixou como seus únicos herdeiros três filhos – B ou XXX (XXX), XXX ou XXX (XXX) e C ou XXX ou XXX(XXX).
F) Não tendo o falecido pai deixado qualquer testamento, doações ou qualquer outra disposição de última vontade, os três irmãos fizeram, então, um acordo de partilha extra-judicial, outorgado por escritura pública.
G) Nos termos desta, o irmão mais velho - B ou XXX (XXX) - por ser o filho primogénito, ficou habilitado a 1/2 da metade do prédio (equivalente a 1/4 do total do prédio) de que seu Pai era titular, e cada um dos irmãos mais novos – XXX ou XX (XXX) e C ou XXX ou XXX (XXX) – ficou habilitado 1/4 da metade do prédio de que o seu Pai era titular, equivalente a 1/8 do total prédio.
H) XXX ou XX (XXX) faleceu em 13 de Março de 1984.
I) C ou XXX ou XXX (XXX), pai do ora Autor faleceu a 16 de Outubro de 1998, tendo deixado como herdeiros os seus filhos e a sua mulher.
J) No processo de Inventário no qual se procedeu à meação dos bens do falecido pai e marido, cuja verba única era a sua quota naquele prédio, equivalente a 1/4 da metade daquele prédio (1/8 do total), ficou o Autor com uma quota de 1/8 (equivalente a 1/16 do total do prédio), e a sua mãe com outra equivalente.
K) Entretanto, a Mãe do Autor – a Senhora XXX – declarou vender a este, a sua quota tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 337 a 338, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
L) B ou XXX (XXX) faleceu a 7 de Fevereiro de 1981 deixando como filhos os Requerentes melhor identificados a fls. 492.
M) Correu termos, no 4º Juízo desse Tribunal, o Inventário Obrigatório com o n.º CIV-004-04-4, por óbito de B, a favor de quem se encontrava registado 1/4 do prédio sito em Macau, Rua de São Domingos, n.º 3.
N) Inventário que se encontra, nesta data, concluído, tendo essa quota parte do prédio sido adjudicado a um dos herdeiros, XXX (XXX) que, por sua vez, a vendeu a XXX, actual proprietário desse 1/4 do prédio.
O) Desde Janeiro de 1987 até aos dias de hoje, o Autor vem utilizando aquele prédio.
P) Pagando algumas despesas de manutenção e conservação do prédio.
Q) O Autor requereu ao Instituto Cultural de Macau a concessão de um subsídio para o efeito e tendo-lhe sido dada uma resposta.
R) O Autor tem pago algumas despesas da luz e da água em relação ao 1º andar do prédio.
S) Desde Janeiro 1987 o Autor passou a receber as rendas do estabelecimento sito no rés-do-chão do prédio.
T) O Autor dividia e entregava periodicamente a proporção dos rendimento da propriedade (as rendas da loja do rés-do-chão que se encontrava arrendada para comércio) aos ora Réus.
U) Subtraindo-lhe as despesas relativas a contribuição predial e despesas de manutenção do prédio.
V) Assim, a título de rendimentos partilhados, desde 1986, os RR. receberam um total de MOP$62,175.30 (sessenta e duas mil cento e setenta e cinco patacas e trinta avos), entregues da seguinte forma:
a) Em 1986, MOP$1,459.00;
b) Entre 1989 e 1992, MOP$8,221.00;
c) Em 1994, MOP$5,265.30;
d) Em 1997, MOP$5,815.00;
e) Em 1998, MOP$6,115.00;
f) Em 1999, duas entregas de MOP$6,115.00 e MOP$2,815.00;
g) Em 2000, duas entregas de MOP$3.300.00 e MOP$2,815.00;
h) Em 2001, duas entregas de MOP$3,300.00 e MOP$2,815.00;
i) Em 2002, duas entregas de MOP$3,300.00 e MOP$2,990.00;
j) Em 2003, cinco entregas: uma de MOP$3,300.00, outra de MOP$2,900.00 e três de MOP$550.00.
W) E desde o ano de 2000, que os rendimentos da propriedade são entregues por depósito em conta titulada por XXX (XXX).
X) A loja sita no rés-do-chão do prédio foi dada de arrendamento em 1 de Maio de 1946, por B ou XXX, pai dos ora RR., ao então gerente da firma “XXX”.
Y) O Autor tem liquidado a contribuição predial do mesmo prédio.
 Factos provados relativos ao recurso intercalar:
- Por despacho de 05/01/2004 (fls. 414), foi determinada a citação por éditos do Réu B ou XXX, citação essa que foi concretizada pela afixação de editais nas instalações do Tribunal Judicial de Base e do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais da RAEM, em 01/03/2004 (fls. 433), bem como pela publicação de anúncio, em 26/02/2004 e 27/02/2004, nos dois jornais locais (fls. 434 a 438).
- O referido citando faleceu em 07/02/1987 (fls. 517).
 Factos provados em sede da presente instância após audição da gravação da audiência de julgamento:
- As rendas da quota parte do falecido XXX ou XX são cobradas pelo Autor e entregues à XXX mais tarde, às quais são subtraídas as despesas da quota parte correspondente relativas a contribuição predial e manutenção e conservação da fracção autónoma.
 
III – Fundamentos
Do recurso intercalar:
Na óptica do Autor, ora recorrente, como requereu também a citação dos interessados incertos, devem assim os herdeiros do falecido considerados como citados, pelo que não há lugar a nulidade de citação.
Adiantamos desde já que o Autor não tem minimamente razão, já que se assim fosse, nunca teria necessidade de citar os interessados certos, uma vez que estes já estão abrangidos nos incertos.
Por outro lado, nos termos da lei processual civil vigente, a citação por éditos de pessoa certa só tem lugar quando a citação pessoal for infrutífera, daí que os herdeiros do falecido B ou XXX nunca podem ser considerados como citados por éditos sem ter sido realizada a respectiva citação pessoal.
Por fim, a lei (artº 141º, al. d) do CPCM) é clara no sentido de que há falta de citação (e não nulidade da citação conforme referida na sentença recorrida) quando se mostre que foi efectuada depois da morte do citando, que é o caso.
É de concluir, sem necessidade de desenvolvimentos mais profundos, a improcedência do recurso intercalar.

Do recurso da sentença final:
Para o Autor, a sentença recorrida é nula por erro manifesto na apreciação da prova que foi produzida.
Pois para ele, devem considerar-se provados todos os factos constitutivos da existência do animus da posse, nomeadamente que lhe foi feita a doação verbal da quota 1/8 da fracção autónoma em causa e ele tenha agido como fosse verdadeiro proprietário da referida quota ideal, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer fosse.
Vamos ver se ele tem razão.
Após de ouvir a gravação da audiência de julgamento, não nos afigura a convicção do tribunal a quo merecer censura em não considerar provados os factos constitutivos do animus da posse do Autor.
É certo que os depoimentos de parte de XXX (tia do Autor) e de XXX (irmã do Autor) confirmam a existência da declaração verbal da doação, mas isto não significa que ocorreu de facto esta doação e o Autor a tinha aceite.
De acordo o depoimento das mesmas, a quota parte pertencente ao XXX ou XX seria doada ao Autor após a morte do primeiro.
Porém, o XXX ou XX faleceu em 13/03/1984 e o Autor só passou a tomar conta da fracção autónoma desde Janeiro de 1987.
Ora, se tivesse ocorrido de facto a doação alegada pelo Autor, ele deveria ter lugar em 1984.
Por outro lado, esta tomada conta da fracção autónoma por parte do Autor consiste numa mera gestão da mesma, pois, o depoimento de XXX é clara no sentido de que a renda da fracção é divida por 3 partes e a parte pertencente ao seu falecido marido/companheiro é cobrada pelo Autor e lhe entregue mais tarde, após as deduções devidas para pagar a quota parte correspondente das despesas da manutenção e do imposto inerente à fracção autónoma em referência.
Não é de acolher a tese do Autor no sentido de que ele cobrava as rendas, apropriando-se das mesma e as oferecendo posteriormente à tia XXX.
Se o Autor prestava alimentos naturais à tia, os mesmos devem consistir num quantum mais ou menos estável, cujo montante pode até ser igual ao valor da renda que recebia, mas já nunca é variável em função de haver ou não dedução de despesas de manutenção e impostos inerentes à fracção autónoma em causa.
Tudo isto demonstra que o Autor não agiu como fosse o verdadeiro proprietário da quota ideal da fracção autónoma em referência.
Nem pagou, por conta própria, a quota parte correspondente das despesas de manutenção e de imposto inerente à dita fracção autónoma.
Por fim, salienta-se que a redacção da resposta aos quesitos nºs 4º, 8º e 19º da Base Instrutória, a saber:
Resposta do quesito 4º - “Pagando (o Autor) algumas despesas de manutenção e conservação do prédio”
Resposta do quesito 8º - “Desde Janeiro de 1987 o Autor passa a receber as rendas do estabelecimento sito no rés-do-chão do prédio”
Resposta do quesito 19º - “O Autor tem liquidado a contribuição predial do mesmo prédio”
é um pouco infeliz, na medida em que pode criar confusão de que foi o próprio Autor que recebia as rendas e quem pagava, por conta própria, as despesas de manutenção e da contribuição predial da fracção autónoma, o que não corresponde à realidade, conforme já demonstramos anteriormente.
Tudo ponderado, resta decidir.

IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos do Autor, confirmando as decisões recorridas.

Custas dos recursos pelo Autor.
Notifique e registe.

RAEM, aos 13 de Outubro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong




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742/2009