Processo nº 300/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Setembro de 2011
ASSUNTO:
- Denúncia do contrato de arrendamento
- Compropriedade
SUMÁRIO:
- Se a lei exige que o contrato de arrendamento por um prazo igual ou inferior a 6 anos depende do acordo dos comproprietários que representam mais de metade do valor da coisa (artº 972º, nº 1 do C.C.), a mesma regra deve também aplicar-se no caso de denúncia, uma vez que a celebração e a denúncia são actos da mesma natureza (actos de administração ordinária, para arrendamento não superior a 6 anos), pelo que não faria sentido só exigir maioria na primeira e deixaria de precisar na última.
O Relator,
Ho Wai Neng
Proc. nº 300/2009
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 15 de Setembro de 2011
Recorrente: A (o Réu)
Recorridos: B e outros (os Autores)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 03/12/2008, decidiu-se julgar a acção procedente e provada e em consequência:
a) declarou-se cessado por denúncia o contrato de arrendamento no fim do dia 31/08/2005; e
b) condenou-se o Réu a despejar imediatamente da fracção arrendada e esta ser entregue aos Autores devoluto de pessoas e bens.
Dessa decisão vem recorrer o Réu, alegando, em sede de conclusão o seguinte:
1. A presente causa é uma acção de despejo que pressupõe a existência de um arrendamento válido que se pretende fazer cessar com fundamento na caducidade do respectivo contrato, mediante denúncia que devia ter sido comunicada na forma e no tempo previstos na lei.
2. A questão, cuja reapreciação se pretende se faça por essa Alta Instância, é a validade da comunicação da denúncia do contrato de arrendamento por caducidade.
3. Fundamenta o douto Tribunal recorrido a sua decisão invocando o art.º 1301.° do Código Civil, norma que se entende ter aplicação, apenas, quando se quer deitar mão à acção de reivindicação prevista no art.° 1235.º do Código Civil, o meio idóneo para defender o direito de propriedade e, aliás, qualquer direito real de gozo, em quaisquer circunstâncias (art.º 1240.º do CC).
4. O art.º 1013.°, n.º 3, estipula, expressamente, que todas as normas integradas no capítulo III do Livro II do Código Civil de Macau, dedicado à "locação", designadamente as que respeitam à resolução, à caducidade, à revogação unilateral e à denúncia são normas que têm natureza imperativa.
5. Nos termos do art.º 971.°, constitui para o locador um acto de administração ordinária, excepto quando for celebrada por prazo superior a 6 anos; sendo o prazo de arrendamento aqui em apreciação de apenas dois anos, tem-se que a locação para os comproprietários é um acto de administração ordinária.
6. Nessa conformidade, o direito à denúncia do contrato por caducidade, também, determina a prática de um acto de administração ordinária, pelo que tem que se recorrer às regras da administração da compropriedade previstas no art.º 1304.° do Código Civil, segundo as quais, os actos que devam ser praticados conjuntamente estão dependentes do acordo dos consortes que representem mais de metade do valor total da coisa.
7. O acto pretendido comunicar - denúncia do contrato de arrendamento por caducidade -, tendo sido praticado apenas por co-proprietários (C e sua mulher) que representam 1/3 da totalidade do imóvel arrendado, é totalmente ineficaz face ao réu, pela evidência com que se demonstra nos autos inexistir a prática pelos comproprietários de um tal acto.
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8. A comunicação da denúncia feita pelo co-autor C, apenas, é eficaz relativamente à co-autora B por ser seu cônjuge, atento o disposto no art.º 1543.°, n.º 3, do Código Civil.
9. Sendo válido o contrato de arrendamento por se ter renovado automaticamente, nos termos do art.º 1038.°, n.º 1, do CC, não podem os autores, através da presente acção, requerer ao douto Tribunal que seja declarada a cessação do contrato de arrendamento existente, por caducidade, com a consequente condenação do réu no despejo imediato.
10. Não podia o douto Tribunal a quo ter concluído pela caducidade do contrato de arrendamento sub judice, porque tal contrato se renovou por falta de comunicação de denúncia válida.
11. Na sua decisão, o Tribunal recorrido violou a norma do art.º 1301.° do Código Civil por a ter aplicado, constituindo um erro na determinação das normas aplicáveis ao caso em apreciação.
12. Para a decisão, deviam ser aplicadas as normas dos art.ºs 971.º e 972.º (natureza da locação); 977.º e 983.º (obrigações do locador e do locatário); 1004.º (transmissão da posição do locador); 1013.º, n.º 3 (natureza imperativa das normas relativas à locação); 1038.º (renovação automática do contrato se nenhuma das partes o denunciar nos termos da lei); 1039.º (comunicação da denúncia) e 1304º, n.º 3, alínea a) (regras de administração da compropriedade).
13. O Tribunal a quo devia considerar que o direito à denúncia de um contrato de arrendamento por prazo inferior a 6 anos, em caso de compropriedade, deve ser exercido pelos proprietários que representem mais de metade do valor total do bem imóvel arrendado.
14. Outrossim, a norma do art.º 1301.° do Código Civil só podia ser aplicada se o que estivesse em causa fosse uma posse ilícita do imóvel por parte do réu, ora recorrente.
Pedindo no final que seja substituída a sentença recorrida por outra que absolva o Réu do pedido, bem como ser reconhecido o seguinte:
1. a nulidade do acto praticado pelo co-Autor C;
2. o contrato de arrendamento celebrado em 1 de Setembro de 2003 é válido e foi renovado por não ter sido denunciado pelas partes; e
3. o Réu, quando foi proposta a presente acção, mantinha a qualidade de arrendatário nesse contrato.
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Os Autores, ora recorridos, responderam à motivação do recurso do Réu nos termos constantes a fls. 146 a 155, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
II – Factos
Vêm provados os factos seguintes:
- Os autores são legítimos proprietários da fracção autónoma designada por rés-do-chão "D" do edifício XX, situada no Istmo Ferreira do Amaral n.º XX, por a terem comprado aos seus ante-proprietários D e sua mulher E.
- D e sua mulher E deram a referida fracção de arrendamento ao réu A, para fins comerciais, válido por dois anos, com início no dia 1 de Setembro de 2003 e termo no dia 31 de Agosto de 2005, muito embora o respectivo contrato tenha sido deduzido a escrito apenas no dia 5 de Novembro daquele ano.
- O Autor comunicou ao réu que cumpriria "com o contrato até a data de 31 de Agosto de 2005. Posteriormente a essa data, o signatário retomará a propriedade para outras finalidade, não havendo lugar à renovação do contrato."
- Por carta datada de 3 de Maio de 2005, o autor C comunicou ao réu que o mesmo contrato terminaria no dia 31 de Agosto e que não seria renovada.
- O réu, até à data da propositura da presente acção ainda não desocupou a fracção autónoma a que alude a alínea A) da matéria dos factos assentes.
- O réu despendeu MOP$33.000,00 para contratar os serviços dos seus mandatários forenses para prepararem a sua defesa.
III – Fundamentos
O objecto do presente recurso consiste em saber se é válida a denúncia do contrato de arrendamento feita por comproprietários que representam menos de metade do valor total do imóvel.
O tribunal a quo entendeu no sentido afirmativo, por considerar que “O por termo do arrendamento e consequentemente a sua restituição trata-se de uma forma de reivindicação da coisa”, pelo que nos termos do nº 2 do artº 1301º do C.C., cada consorte pode o fazer.
Salvo o devido respeito, o nosso entendimento é o contrário.
O arrendamento é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa imóvel, mediante retribuição (artºs 969º e 970º do C.C.).
Trata-se de um contrato bilateral uma vez que existem direitos e deveres para ambas as partes.
Assim sendo, a sua denúncia iria exonerar, simultaneamente, direitos e deveres para ambas as partes.
Uma vez que estão em causa também direitos e deveres de outros comproprietários, não é razoável e correcta que a denúncia do contrato de arrendamento seja feita por consortes que representam menos de metade do valor total do imóvel.
A denúncia do contrato de arrendamento não equivale a reivindicação da coisa.
A reivindicação da coisa pressupõe a ofensa da propriedade dos comproprietários, daí que qualquer consorte é legítimo de exigir a restituição da coisa, pois, está simplesmente defender o direito da propriedade no seu todo, não estando em causa a dispor direitos e deveres dos comproprietários.
Se a lei exige que o contrato de arrendamento por um prazo igual ou inferior a 6 anos depende do acordo dos comproprietários que representam mais de metade do valor da coisa (artº 972º, nº 1 do C.C.), a mesma regra deve também aplicar-se no caso de denúncia, uma vez que a celebração e a denúncia são actos da mesma natureza (actos de administração ordinária, para arrendamento não superior a 6 anos), pelo que não faria sentido só exigir maioria na primeira e deixaria de precisar na última.
Aliás, nos termos da al. a) do nº 3 do artº 1304º do C.C., os actos de administração ordinária da compropriedade devem ser praticados pelos consortes que representam mais de metade do valor total da coisa, cuja violação determina a anulabilidade dos mesmos, nos termos do artº 1306º do C.C.
Sendo a denúncia em causa um acto anulável, o Réu tem o prazo de um ano para anulá-la, sob pena de ficar sanado o vício (artº 280º do C.C.).
No caso em apreço, a denúncia viciada foi feita em 03/05/2005, só que o Réu, apesar já conhecer a existência do vício em causa pelos menos em 29/08/2005 (v. fls. 44 dos autos), apenas requereu a declaração da “nulidade” (que deve ser anulabilidade) da mesma em sede do presente recurso, isto é, em 06/02/2009 (fls. 128 a 138 dos autos).
Independentemente da razoabilidade e admissibilidade do referido pedido formulado em sede do recurso, o certo é que já decorreu mais de um ano, daí que o vício em causa já se encontra sanado no momento do pedido, jamais pode ser atacado.
Pelo exposto, é de concluir a improcedência do recurso, mantendo a sentença recorrida com fundamentos algo diversos.
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso do Réu, mantendo a sentença recorrida com fundamentos algo diversos.
Custas pelo Réu.
Notifique e registe.
RAEM, aos 15 de Setembro de 2011.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
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300/2009