Processo nº 17/2011/A
Data do Acórdão: 10MAR2011
Assuntos:
Acto de conteúdo positivo
Suspensão de eficácia do acto administrativo
SUMÁRIO
1. A suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralização dos efeitos ou da execução de um acto administrativo. Assim, o acto administrativo cuja suspensão se requer tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.
2. O acto de exclusão de um concorrente já admitido no concurso é um acto de conteúdo positivo, susceptível de suspensão.
3. Para o preenchimento do requisito previsto no artº 121º/1-a) do CPAC, é preciso que tais prejuízos sejam de consequência adequada, directa e imediata da execução do acto suspendendo.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 17/2011/A
Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância
I – Relatório
A, devidamente identificada nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., na pendência do resecptivo recurso contencioso de anulação, requerer a suspensão de eficácia do acto adminstrativo do Senhor Chefe do Executivo que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pela requerente da deliberação de exclusão tomada pela Comissão de Abertura de Propostas do Concurso Público Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, alegando que:
1.º
A requerente interpôs recurso contencioso do acto do Senhor Chefe do Executivo da RAEM que ora se junta como Doc. n.º 1 e se dá por devidamente identificado, e integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, nomeadamente em matéria de inexistência de contra-interressados.
2.º
O acto recorrido, ora suspendendo, excluíu a concorrente A, ali recorrente, ora requerente, do Concurso Público Internacional denominado “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, aberto por Anúncio publicado no Boletim Oficial, n.º 13, II Série, de 31 de Março de 2010.
3.º
Vejamos como no caso sub judicando está preenchido todo o requisitório processual - de admissibilidade e também de procedibilidade -- de que depende a concessão da providência requerida.
4.º
Começando pelo pressuposto previsto no artigo 120.º do CPAC, é mister salientar que, in casu, mau grado o acto recorrido, ora suspendendo, revestir a natureza de um acto de conteúdo negativo, tem uma manifesta vertente positiva, porquanto com a exclusão da requerente do Concurso Internacional esta ficará impedida da eventual adjudicação para continuação de operação da ETAR de Macau, através da sua subsidária, onde detém posição dominante, o que vem fazendo desde 1995.
5.º
Lançando mão da mais recente jurisprudência do Tribunal de Última Instância, contida em aresto sobre matéria e circunstâncias, de direito e de facto, bastante idênticas às dos presentes autos, resulta claro, mutatis mutandis, que:
“a recorrente já é concessionária [...] isto é, a ainda concessionária é dotada de hipótese de renovação do contrato de concessão, situação que é diferente de uma nova empresa a aspirar a adjudicação [...].
Neste quadro de circunstâncias, a não admissão da recorrente ao respectivo concurso determinará a alteração da sua situação jurídica que traduz em retirar-lhe definitivamente a possibilidade de renovação do contrato que de outro modo existiria.
Assim, o acto impugnado é de conteúdo negativo com vertente positiva, passível de suspensão de eficácia.” (a fls. 11 do Acórdão do TUI de 14 de Maio de 2010, proferido no Proc.º n.º 15/2010).
6.º
Com efeito, a entidade ora requerente tem uma estreita relação genética, de domínio societário, de operacionalidade e de recursos humanos - melhor dizendo, um vínculo caracterizado pela confundibilidade -- com a actual operadora B: esta sociedade é uma subsidiária criada e dominada pela requerente unicamente para a exploração da ETAR de Macau e, através dela (onde detém 80% do capital social, sendo os restantes 20% detidos pela própria sociedade B), o A opera a Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de Macau, desde 15 de Junho de 1995 (Doc.s n.ºs 2, 3 e 4).
7.º
Fornece a requerente à sua subsidiária, B, todo o processo tecnológico, sustentado por uma experiência de oito décadas, bem como todos os recursos humanos necessários à operação da Estação de Tratamento, constituídos pelos 29 trabalhadores afectos à ETAR de Macau. (Doc. n.º 5).
8.º
A requerente, e a sua subsidiária B, operam juntamente, há 15 anos, a ETAR de Macau, tendo esta última sociedade celebrado os contratos com o Governo da RAEM relativos quer à Fase Líquida, quer à Fase Sólida; tais contratos têm vindo a ser prorrogados semestralmente, desde o ano transacto, até à conclusão do concurso dos autos, com o último desses instrumentos outorgado em 31 de Dezembro de 2010, prorrogando aqueles contratos até 31 de Março de 2011 (Doc.s n.ºs 6 e 7 e 8).
9.º
Assim, mais se reforça a legitimidade da ora requerente, a qual, para além de ser processual em sentido restrito, nos termos do proémio do artigo 121.º, n.º 1, do CPAC, convoca ainda uma inegável substancialidade ao nível da composição dos interesses em presença na lide, por ser sobre a requerente que incide precisamente a vertente positiva do acto negativo recorrido, ora suspendendo, pois a ele está associado um efeito secundário ou acessório, ablativo do bem jurídico preexistente, que irremediavelmete afastará a requerente da operação da ETAR de Macau.
10.º
Quanto ao preenchimento do requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, alínea a) do CPAC, os prejuízos que advêm à requerente da sua exclusão do concurso dos autos são de difícil reparação, pois irremediavelmente ficará afastada de poder participar no referido concurso, por um lado, e, por via dessa exclusão, ficará irradiada de uma eventual adjudicação do Contrato para a Renovação e Operação da ETAR, com o consequente encerramento da sua Subsidiária em Macau, bem como o despedimento colectivo dos seus trabalhadores.
11.º
Na verdade, a sua não admissão ao concurso levará ao encerramento e liquidação da empresa subsidiária da requerente, ao despedimento de todos os trabalhadores, com as consequências daí advenientes e que se devem considerar como constituindo prejuízos prováveis a ser causados pelo acto impugnado e de difícil reparação para a recorrente para os efeitos da al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
12.º
Na realidade, com a não admissão da recorrente ao procedimento do concurso público, a proposta daquela fica excluída da possibilidade de ser vencedora do mesmo e, em consequência, obter a renovação do contrato de prestação de serviços da ETAR Macau, na qual opera com a sua sociedade subsidiária em Macau -- onde, repita-se, detém 80% do respectivo capital social e à qual fornece desde 1995 o processo tecnológico e os recursos humanos para aquela operação,
13.º
ascendendo tal prejuízo a um montante nunca inferior a MOP$25.000.000,00 (25 milhões de patacas) somente para os primeiros cinco anos de operação, a título de lucros cessantes directos, sem contar com outros prejuízos não contabilizáveis desde já, consequência directa da cessação da actividade.
14.º
O processo de encerramento da subsidiária da ora requerente, nomeadamente a sua liquidação e o despedimento dos seus trabalhadores é irreversível e com encargos imediatos, quer para a empresa, quer para os seus trabalhadores, com a cessação da prestação de serviços a ocorrer já em 31 de Março de 2011.
15.º
Os direitos dos trabalhadores da requerente, muitos dos quais com antiguidade igual ao tempo da operação da ETAR, em matéria indemnizatória face à cessação do contrato de trabalho correspondem a um valor nunca inferior a MOP$2.000.000,00 (2 milhões de patacas), a título de danos emergentes directos a serem liquidados pela requerente.
16.º
Por outro lado os trabalhadores, ficarão em situação de desemprego e de incerteza quanto ao futuro como consequência necessária da cessação da prestação de serviços da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau pela subsididária da requerente, não produzindo quaqluer efeito útil a sentença de eventual provimento que venha a ser produzida no processo principal, pois nessa altura já se terá realizado a adjudicação do contrato a um dos dois candidatos admitidos.
17.º
Conforme entende a melhor doutrina, importa fazer um juízo de prognose e colocarmo-nos “na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela ou por, entretanto, se ter produzido prejuízo de difícil reparação para quem dela devia beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica.” (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 4.ª ed., Almedina, p. 298).
18°
Também a jurisprudência do STA, para preceito equivalente ao nº1, a) do artigo 121° do CPCA (artigo 76° nº1 da LPTA), entende que “são de difícil reparação os prejuízos, quando não sendo decretada a suspensão da eficácia, o eventual provimento do recurso não permita já a reconstituição da situação que existiria se a ilegalidade não tivesse sido praticada, concretamente em virtude do acto consequenciar a cessação de actividade profissional do interessado ..... sendo certo ser normalmente impossivel (ou revestida de fortes dificuldades) a reconstituição da clientela.....” in www. dsgi.pt, Acordão nº 0196-A/03, STA, 2ª Subsecção do CA,
19°
Por fim, refira-se que a decisão a proferir sobre o recurso contencioso de anulação do acto suspendendo nunca será em tempo útil para reintregrar, como se espera, a requerente no Concurso Público Internacional denominado “Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
20º
ln casu, verifica-se o requisito previsto na al. a) do n.º 1 do art.º 121.º do CPAC.
21.º
No que diz respeito ao preenchimento do pressuposto plasmado no artigo 121.º, n.º 1, alínea b) do CPAC, cumpre explicar que, para efeitos deste concurso, a requerente, até pela sua longa experiência, é considerada a titular da proposta “benchmark” ou padrão, pois com ela fica o Governo da RAEM mais apto tecnicamente a escolher, de entre os vários candidatos a concurso, a proposta que melhor sirva o interesse público da RAEM, por conter as melhores soluções técnico-ambientais face ao Caderno de Encargos.
22º
Por conseguinte, o afastasmento da requerente não beneficia o interesse público, antes pelo contrário: dificulta a escolha do Governo da RAEM, o qual, no estádio a que chegou o concurso, só poderá ponderar duas propostas na fase de adjudicação.
23.º
De tal forma é lesado o interesse público com a prolação do acto recorrido, ora suspendendo, que nem à regra basilar da consulta a três empresas/propostas, obrigatória para uma mera aquisição de serviços de pequeno valor, o presente procedimento, atinente a um importante concurso internacional, obedece.
24.º
Tanto mais que o Governo terá de escolher soluções, no médio e no longo prazo, no âmbito de uma política de sustentabilidade ambiental para a RAEM, consabidamente uma área de grande sensibilidade e exigência técnicas e científicas.
25.º
De resto, não se vislumbra, com a suspensão do acto recorrido, qualquer prejuízo possível para o interesse público prosseguido neste procedimento concursal: como ficou demonstrado, foi o próprio acto em crise que efectivamente lesou o interesse público.
26.º
Nem se diga que a readmissão da recorrente, ora requerente, ao concurso - consequência necessária da procedência do recurso contencioso -- poderia vir a gerar prejuízos ou inconvenientes à operação da ETAR de Macau, ou ao sector económico em causa: a EHdML continuará, como no artigo 8.º supra ficou demonstrado, a assegurar o pleno e regular funcionamento da ETAR até que outro eventual adjudicatário do concurso dos autos inicie efectivamente a sua actividade.
27.º
Em relação ao preenchimento do pressuposto plasmado no artigo 121.º, n.º 1, alínea c) do CPAC, dir-se-á que dos autos principais resultam fortes indícios de ilegalidade, sem dúvida, mas assacáveis ao acto recorrido, o qual excluíu do concurso a recorrente, ora requerente, em violação das regras do Programa de Concurso, tendo realizada uma errada interpretação e aplicação dos princípios e regras do direito administrativo concursal.
28.º
Dá-se aqui por reproduzida toda a matéria de facto e de direito peticionada no recurso já interposto, a qual permite aferir, de forma inequívoca, que não existe indício algum de interposição ilegal do dito recurso.
29.º
Ademais, tem sido entendimento pacífico nesse Venerando Tribunal, que,
“Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.” (a fls. 27 do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14 de Junho de 2007, proferido no Proc. n.º 278/2007/A).
TERMOS EM QUE se requer que seja decretada a providência de suspensão da eficácia do acto recorrido, com todas as legais consequências.
Terminou pedindo que seja decretada a suspensão da eficácia do acto recorrido.
Citada a entidade requerida, veio comunicar a este TSI o reconhecimento de grave prejuízo para o interesse público na não imediata execução e contestar nos termos de fls. 191 e 201 dos autos, pedindo:
Termos em que requer a V. Ex.ª se digne rejeitar o pedido da requerente:
1) Quando não supra ou corrija as deficiências ou irregularidades na sua instrução decorrentes da não indicação dos contra-interessados, nos termos do n.º 4 do artigo 51.º, aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 125.º, por incumprimento do n.º 3 do artigo 123.º, todos do CPAC; e,
2) Por ser o acto de conteúdo puramente negativo, não podendo a eficácia do acto administrativo ser suspensa, nos termos do artigo 120.º do mesmo Código.
E, para o caso de assim não se entender, sempre se requer a V. Ex.ª se digne:
3) Considerar não verificados, muito menos cumulativamente, qualquer dos requisitos a que se referem as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 121.º do CPAC,
- Por não se descortinarem prejuízos de difícil reparação para a requerente ou para os seus interesses, que possam resultar da execução do acto;
- Por a suspensão do acto em causa determinar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido; e
- Por resultarem fortes indícios de ilegalidade do recurso interposto.
E, em consequência, dando razão à entidade ora requerida, considerar improcedente o pedido da requerente.
Notificada a requerente da comunicação do reconhecimento do grave prejuízo para o interesse público, nada disse aos autos.
Perante o silêncio por parte da requerente sobre a não suspensão provisória comunicada pela entidade requerida, o relator não se pronunciou acerca da eventual execução indevida.
Citadas as contra-interessadas, veio apenas uma delas, o Consórcio entre a C, constestar, nos termos de fls. 209 – 226, pugnando pelo indeferimento do pedido da suspensão de eficácia.
O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 246 a 252, no qual opiniou no sentido de indeferimento do requerimento da suspensão de eficácia, por inverificação do requisito cumulativo contemplado no artº 121º/1-a) do CPAC.
Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
De acordo com os elementos constantes doa autos, são os seguintes factos relevantes à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:
* Por aviso do Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas publicado no Boletim Oficial nº 13, II Série, 31 de Março de 2010, foi aberto o Concurso Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau;
* Foram entregues sete propostas, uma das quais foi apresentada pela ora requerente;
* Na sessão de abertura das propostas, a proposta do 6º concorrente, ora requerente, foi admitida;
* Abertas as propostas admitidas, incluindo a proposta submetida pelo 6º concorrente, por deliberação da Comissão este foi excluído do concurso devido a deficiência no documento a que se refere a cláusula 13.1 f) , mais propriamente pela falta da lista de quantidades para a operação e manutenção, indicada na subalínea 2) do Programa do Concurso;
* Da deliberação reclamou o 6º concorrente, ora requerente, para a Comissão, que manteve a deliberação que o excluiu do Concurso;
* Da deliberação da Comissão que julgou improcedente a reclamação, veio o 6º concorrente, ora requerente, recorrer hierarquicamente para o Senhor Chefe do Executivo;
* Por despacho datado de 04NOV2010 do Senhor Chefe do Executivo, foi indeferido o recurso hierárquico e mantida a decisão impugnada;
* Não se conformando com esse despacho do Senhor Chefe do Executivo, veio a ora requerente interpor recurso contencioso em 21DEZ2010; e
* Na pendência do recurso contencioso, veio a ora requerente formular o presente requerimento de suspensão de eficácia do acto recorrido.
Antes de mais, tanto a entidade requerida como a contra-interessada contestante suscitaram a questão sobre a natureza do acto administrativo cuja suspensão se requer, defendendo que o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, e consequentemente não susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.
Assim sendo, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.
Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralização dos efeitos ou da execução de um acto administrativo. Assim, o acto administrativo cuja suspensão se requer tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.
Para a entidade requerida e a contra-interessada contestante, estamos perante um acto administrativo de conteúdo puramente negativo, sendo assim insusceptível de suspensão.
Todavia, de acordo com os factos que elencámos supra com relevância à boa decisão do presente pedido, verificamos que o 6º concorrente, ora requerente, foi liminarmente admitido ao concurso mediante a deliberação da Comissão da Abertura das Propostas, e só depois de abertas as propostas, veio a ser excluído do concurso por alegada deficiência na instrução de determinada parte dos documentos conforme se exige no respectivo caderno de encargos.
Assim, é de notar que in casu, não estamos perante um acto de não admissão de um concorrente a um concurso, mas sim perante um acto de exclusão de um concorrente já admitido, embora formal e liminarmente, e este, pela simples circunstância de ter sido admitido liminarmente, fica com a expectativa a ser classificado a final.
Vistas as coisas sob outro prisma, a ora requerente, enquanto o 6º concorrente, foi excluída no decurso de uma das fases integrantes do concurso para o qual foi admitido, estamos desta maneira perante um acto de conteúdo positivo, susceptível de suspensão.
Então avançamos.
A requerente defende no seu requerimento naturalmente a verificação in totum dos requisitos previstos no artº 121º do CPAC.
Ao passo que tanto a entidade requerida como a contra-interessada contestante entendem que se verifica apenas alguns e não todos esses requisitos.
Vejamos.
Como requisitos para o deferimento da suspensão de eficácia de um acto administrativo, o CPAC exige no seu artº 121º que:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Tais requisitos são de verificação cumulativa, sendo o previsto na al. a) de carácter positivo, ou seja, causar prejuízo de difícil reparação e os restantes dois de carácter negativo, isto é, não lesar interesse público e inexistência dos fortes indícios de ilegalidade do recurso.
Começamos então por este último que nos aparenta mais simples e de fácil averiguação.
De acordo com os elementos existentes quer no presente apenso que no processo principal do recurso contencioso, não se vislumbram indícios, muito menos fortes indícios de ilegalidade do recurso, no que diz respeito nomeadamente à recorribilidade do acto adminstrativo, à legitimidade da recorrente e à tempestividade da impugnação por via de recurso contencioso.
Então passemos à análise do requisito previsto na al. a).
Aqui a lei exige que a execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso.
Como se sabe, vigora na actividade administrativa o princípio da legalidade, expressamente consagrado no artº 3º do CPA, e o seu corolário da vinculação da Administração ao cumprimento das suas atribuições e competências legalmente definidas justifica o chamado privilégio da execução prévia de que goza a Administração na sua actividade administrativa.
Assim, em regra, por força do tal privilégio, a impugnação por via de recurso contencioso que visa à declaração da nulidade ou à anulação de um acto administrativo alegadamente ilegal, não tem a virtude de paralisar a execução ou suspender a eficácia do acto recorrido.
Todavia, acontece que, em certas situações, o efeito em regra não suspensivo do recurso contencioso cassatório pode vir a causar prejuízos de difícil reparação ou até irreversíveis ao particular destinatário do acto recorrido, de modo a que o recurso contencioso, a ser julgado procedente, nenhuma utilidade possa ser dele adveniente.
É justamente para obviar estas situações extremas que a lei consagra o instituto da suspensão de eficácia.
Assim compreende-se que é ao requerente cabe alegar e provar o requisito previsto nessa al. a) a fim de convencer o tribunal de que, in casu, que, ponderados os interesses em jogo, o privilégio de execução prévia haja de ceder perante o grave prejuízo de difícil reparação ou irreversível do particular.
Alegou a requerente nos artºs 10º a 20º do requerimento as razões de facto e de direito para concluir pela verificação do requisito previsto no artº 121º/1-a) do CPAC.
Em síntese, entende que, pela circunstância de ser afastada do concurso, fica impossibilitada de ser vencedora do mesmo e obter a renovação do contrato de prestação de serviço da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau. O que dará lugar à cessação da sua actividade que lhe causará um prejuízo, a título de lucros cessantes, no valor nunca inferior a MOP$25.000.000,00, somente para os primeiros cinco anos de operação. E por outro lado, o processo de encerramento da sua sociedade subsidiária actualmente adjudicária e operadora daquela Estação, nomeadamente a sua liquidação e o despedimento dos seus trabalhadores é irreversível e com encargos imediatos, quer para a empresa que terá de suportar o pagamento de indemnizações por despedimento no valor nunca inferior a MOP$2.000.000,00, quer para os seus trabalhadores que ficarão em situação de desemprego e de incerteza quanto ao futuro.
Serão estes alegados prejuízos integráveis no conceito previsto no citado artº 121º/1-a)?
Ora, como se sabe, para serem integráveis nesse conceito, é preciso que tais prejuízos sejam de consequência adequada, directa e imediata da execução do acto suspendendo.
Compulsando os elementos constantes dos autos, verifica-se que a requerente é uma sociedade sócia da sociedade B, que é adjudicária e corrente operadora da Estação.
A sociedade B não é concorrente no concurso em causa e a ora requerente é sócia dela detendo 80% do seu capital.
Assim, todos os prejuízos aqui alegados, à excepção dos que se prendem com o eventual despedimento dos trabalhadores por ela directamente contratados que apreciamos infra, não são mais do que os prejuízos a sofrer pela B, que só indirectamente reflectem na esfera jurídica da ora requerente, pois a ora requerente, enquanto uma sociedade comerical autónoma, goza da personalidade jurídica distinta da da B, embora detenha 80% do seu capital.
Portanto, os prejuízos resultantes da não continuação da B na prestação dos serviços na ETAR da Península de Macau não constituem prejuízos directos na esfera jurídica da ora requerente, quanto muito prejuízos indirectos.
Além disso, a requerente alegou também prejuízos a resultar do despedimento dos trabalhadores na Estação.
De acordo com os documentos que se juntam com requerimento, nomeadamente as autorizações emitidas pelo Gabiente para os Recursos Humanos para a contratação dos trabalhadores não residentes e as relações nominais dos empregados apresentadas aos Serviços das Finanças para efeitos de imposto profissional, não nos repugna aceitar que a ora requerente é entidade patronal desses trabalhadores que prestam serviço na Estação.
Não se sabendo embora de que tipo de relação existente entre a requerente e a corrente adjudicária e operadora da Estação, por força da qual os trabalhadores contratados pela requerente são afectados aos serviços na Estação, o certo é que existe uma relação de colaboração entre elas.
Assim, os tais prejuízos, alegados pela requerente como seus, só podem ser originados pela cessação dessa relação de colaboração, que todavia nada tem a ver com a exclusão da ora requerente do concurso.
Na esteira desse raciocínio, podemos concluir que nenhuns prejuízos alegados pela requerente podem ser considerados prejuízos directamente causados à requerente pela execução imediata do acto suspendendo.
Ademais, todos os prejuízos ora alegados pela requerente são, pelo menos para ela própria, quantificáveis em dinheiro, o que significa que os tais prejuízos hipotéticamente causáveis à requerente podem ser sempre pecuniariamente ressarcíveis, estando longe de ser qualificados como prejuízos de difícil reparação, muito menos irreversíveis.
Naufragam assim in totum os argumentos deduzidos pela requerente para sustentar o preenchimento do requisito previsto no artº121º/1-a).
Finalmente, embora não seja necessário por serem de verificação cumulativa os requisitos exigidos no artº 121º/1 do CPAC, é por mero exercício académico e com o objectivo de evitar um hipotético reenvio pelo Tribunal de Última Instância para a sua apreciação, caso este Venerando Tribunal em sede da apreciação do eventual recurso jurisdicional do presente Acórdão venha a ter entendimento diverso do que defendemos supra, passemos a apreciar a verificação ou não do requisito negativo previsto no artº121/2-b), ou seja, a suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Nos termos do artº 129º/1 do CPAC, quando não haja contestação do órgão administrativo ou alegação de que a suspensão de eficácia do acto causa grave lesão do interesse público, o tribunal, excepto quando, perante as circunstâncias do caso, seja manifesta ou ostensiva essa grave lesão, considera verificado o requisito previsto no artº 121º/1-b).
Todavia, tanto a entidade requerida como a contra-interessada contestante pugna pela não verificação desse requisito negativo.
A entidade requerida alega em síntese que, a ser deferida a requerida suspensão, dele resultaria o congelamento do procedimento do concurso, que se encontra na sua fase final, derivaria a consequência de tornar incertas e provavelmente agravadas, as condições contratuais de uma eventual renovação do contrato em vigor, que caduca em 31 de Março de 2011 e que o deferimento da suspensão teria por efeito impedir a continuação do procedimento do concurso público que visa dotar a RAEM de uma renovada estação de tratamento de águas residuais (ETAR) na península de Macau, que se pretende resulte em claro benefício do meio ambiente e da qualidade de vida dos residentes, modernização esta que urge implementar, pois que é sabido estar a referida ETAR perto do seu limite de capacidade, não funcionando, ademais, com a qualidade que seria de esperar.
Ao passo que para a contra-interessada contestante, a suspensão do acto de exclusão da requerente origina inegável e grave prejuízo ao interesse público, de acordo com as linhas de política ambiental definidas pela RAEM, interesse público que não fica servido, nem se compadece, com o interesse da requerente.
Desta maneira, não podemos fazer funcionar essa presunção da verificação do requisito negativo previsto na al. b), e há que apreciá-la.
Ora, ao contrário do que entendem a entidade requerida e a contra-interessada contestante, a eventual suspensão não determina o congelamento do procedimento do concurso, o que poderá acontecer é ficar suspensa a decisão que determinou a exclusão da ora requerente, que continuará a ser um concorrente admitido no concurso e o concurso poder perfeitamente correr nos seus trâmites com vista à adjudicação final.
Verificando-se embora este requisito negativo previsto no artº 121º/1-b) do CPAC, a requerida suspensão da eficácia não é de deferir por justamente não se ter verificado o requisito previsto no artº 121º/1-a) do CPAC, uma vez que os tais requisitos para o deferimento são de verificação cumulativa.
Tudo visto, resta decidir.
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam indeferir o pedido de suspensão do acto adminstrativo, datado de 04NOV2010, do Senhor Chefe do Executivo que indeferiu o recurso hierárquico necessário interposto pela requerente da deliberação de exclusão tomada pela Comissão de Abertura de Propostas do Concurso Público Internacional para a Modernização, Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau.
Custas pela requerente.
Notifique.
RAEM, 10MAR2011
Lai Kin Hong Presente
Choi Mou Pan Vitor Coelho
João A. G. Gil de Oliveira (Não acompanho a decisão porquanto entendo que se verifica o requisito de al. a) do artigo 121º do CPAL, face à alegação feita pela requerente não só quanto nos prejuízos de sua lasticidade que está a operar, como em relação àquelas que a requerente terá, não só em termos directos, com por via daqueles que respeitam à sua lasticidade.)
Susp.ef. 17/2011-1