打印全文
Processo nº 682/2008
Data: 27 de Outubro de 2011

Assuntos: - 2ª perícia
- Prazo
   - Reclamação


SUMÁRIO
1. A lei prevê expressamente o mecanismo de reclamação da perícia apresentada e a outro passo o de requerer a 2ª perícia.
2. Para o requerimento da segunda perícia, as partes estão obrigadas a indicar concretamente os fundamentos da discordância com a primeira perícia no seu requerimento, nos termos do n° 1 do citado artigo 510° do Código de Processo Civil.
3. A iniciativa das partes no sentido de requerer a 2ª perícia há-de ter lugar no prazo de 10 dias após a notificação do relatório (artigo 507º nº 1) ou dos esclarecimentos e aditamentos requeridos em reclamação apresentada (artigos 508º nº 4).
4. Sem estarem esclarecidos todos os elementos constantes da primeira, não se começa a contar o prazo do requerimento da 2ª, porque elas não podem perícia, cumprir a obrigação de indicação da discordância.
O Relator,
Choi Mou Pan

Recurso nº 682/2008
Recorrentes: A, B e C – representados pelo seu pai D
Recorridos: Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau (澳門特別行政區衛生局)
Dr. E (XXX)





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
   
   A, B e C, representados pelo seu pai D, intentaram a acção de responsabilidade civil extracontratual contra Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau e Dr. E, de nacionalidade chinesa, médico, a desempenhar funções no Centro Hospitalar Conde São Januário, pedindo que se condenavam os réus a pagar aos autores a quantia global de MOP$4.923.924,00, sendo:
a. a quantia de MOP$28.000,00, a título de despesas de funeral.
b. a quantia de MOP$800.000,00, pela perca do direito à vida da mãe dos AA..
c. a quantia global de MOP$3.495,924,00 título de indemnização por lucros cessantes atribuída aos AA. da seguinte forma:
i) A a quantia de MOP$1.042.644,00;
ii) B, a quantia global de MOP$1.103.976,00; e,
iii) C a quantia de MOP$1.349.304.
d. a quantia de MOP$600.000,00 a título de danos morais sofridos pelos AA. pela perca da vida da sua mãe.
- Requer a V. Exª que, distribuído e autuado, se digne ordenar a citação dos RR. para contestarem, querendo, no prazo e sob cominação legais, correndo por conta dos RR. todos os encargos decorrentes da presente acção, seguindo-se os ulteriores termos até final.
- Deverá ainda ser concedido, em virtude dos AA. não possuirem sustento próprio, apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e custas.
   Citados os réus, contestaram.
   Elaborado o despacho saneador com a selecção da matéria de facto, entrou na fase de produção da prova, inclusive da realização da prova pericial.
   Nomeados os peritos, estes apresentaram, respectivamente em 28 de Maio de 2007 e 23 de Maio de 2007 as respostas periciais aos quesitos formulados.
   Notificados das respostas periciais, os autores apresentaram a reclamação, em 12 de Junho de 2007.
   A este requerimento, o Mm° decidiu que o pretendido esclarecimento podia feito durante a audiência de julgamento (despacho de fl. 430), e ordenou os autos conclusos para a Mmª Juiz-Presidente para a marcação da data de audiência.
   Interposto recurso do despacho que relegou a apreciação da reclamação na audiência por ter entendido ser o indeferimento da reclamação, e ao mesmo tempo, pediram a segunda perícia (requerimento de fl. 434).
   Não admitido o recurso do despacho, indeferiu o pedido de 2ª perícia, por ser extemporânea, nos termos do seguinte despacho(fl. 437):
   “Sem prejuízo do disposto do n° 2 do artigo 510 do CPCM, indefiro o pedido da realização de segunda perícia dos AA. por extemporaneidade, já que nos termos do n° 1 do artigo 510 do CPCM, o mesmo deve ser apresentado no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira perícia, e nunca do resultado da sua reclamação.”
   Deste último indeferimento foi interposto recurso, alegando que:
   1 – O despacho
1. O despacho recorrido a fls. 437 indeferiu o pedido de realização da 2ª perícia por considerar que este é devido ao prazo de 10 dias se iniciar com o conhecimento do resultado da 1ª perícia, e nunca do resultado da sua reclamação.
2. A 2ª peritagem foi reguerida porque a reclamação, apresentada foi indeferida – os peritos não foram notificados para suprirem por escrito as contradições, obscuridades e deficiência invocadas na reclamação (artigo 508º, nº 3 do C. P. Civil).
3. Tendo os recorrente sido notificados do indeferimento da sua reclamação aos relatórios periciais, pediram, no prazo de 10 dias, a contar da notificação, a realização da 2ª perícia.
4. Os recorrentes no seu pedido da 2ª perícia também alegaram fundamente a sua discordância em relação aos relatórios periciais da 1ª perícia.
5. Não faz sentido que o prazo requerer a 2ª perícia se contasse do conhecimento do resultado da 1ª perícia, de scujos relatórios, os recorrentes reclamaram, sem esperar pela posição do tribunal ou dos peritos quanto à reclamação, que podem tornar inútil uma 2ª perícia ou, pelo menos, desmotivar os recorrentes de a requerer.
6. O prazo para requerer a 2ª perícia, havendo reclamação quanto aos relatórios da 1ª perícia, nos termos do artigo 508º, nºs 2 e 3 do C. P. Civil, conta-se do conhecimento do esclarecimento ou fundamentação escrita, pelo perito (s), do relatório da pericial ou da decisão do tribunal que desatenda as reclamações (artigos 510º, nº 1 do C. P. Civil).
7. Tendo os recorrentes requerido a 2ª perícia no prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão do tribunal que desatendeu à reclamação, essa 2ª perícia foi requerida tempestivamente, sendo infundamentada a posição firmada no despacho recorrido.
8. O despacho recorrido violou o artigo 510º, nº 1 do C. P. Civil).
9. O recurso interposto merece provimento, o que implica a realização da 2ª perícia requerida com a anulação de todo o processado subsequente ao despacho que a indeferiu.
  Termos em que o presente recurso deve ser julgado procedente, devendo, em consequência, ser ordenado a realização da 2ª perícia requerida com a anulação de todo o processado subsequente ao despacho que a indeferiu.
  Deverá ainda ser concedido, em virtude dos recorrentes serem menores, não possuírem sustento próprio e beneficiarem de apoio judiciário, a dispensa e isenção de pagamento de preparos e custas do recurso ora interposto.
  Vão cópias legais.

   Resposta ao recurso.
   O Mm° Juiz do Tribunal Administrativo julgou a acção improcedente e consequentemente absolveu os réus dos pedidos.
   Com esta decisão não conformaram recorreram os autores, alegando que:
1. O diagnóstico não foi feito no momento oportuno e em tempo útil, e, consequentemente, não foram utilizados os medicamentos adequados para tratar e eliminar a encefalite viral de que a paciente padecia.
2. Encefalite viral que, nos termos da certidão de óbito, surge como causa clínica da morte da mesma paciente, e que, conjuntamente com outros factores (edema cerebral e pneumonia) provocou a paragem cardíaca da paciente e a sua morte.
3. Não obstante ter ficado provado que “A punção lombar era desaconselhada por ter consequências jurídicas perigosas (morte imediata) para a paciente em virtude do edema cerebral que apresentava” (al. xii) da base instrutória), o certo é que a mesma foi feita, embora só no dia 4/1/2001, numa altura em que o estado da paciente tinha-se agravado e já era muito crítico, correndo a paciente risco de vida.
4. Ora, se esse diagnóstico foi feito é porque se chegou à conclusão que era imperioso que esse exame tivesse lugar não obstante o risco que a realização do mesmo envolvia.
5. O que não se pode aceitar é que tiveste sido realizado tarde e a más horas, numa altura em que o estado da paciente era muito crítico, débil, correndo esta já risco de vida.
6. Concluindo-se assim que esse diagnóstico foi tardio, realizado em momento inoportuno e fora e tempo.
7. O que, a par do inexistente tratamento para eliminação daquela patologia, contribuiu para que a paragem cardíaca da paciente ocorresse e provocando ainda para a morte clínica da paciente.
8. Durante o internamento da paciente não foram utilizados os meios de diagnostico adequados no momento oportuno por parte dos RR.
9. Se o 2º R. tivesse feito a punção lombar logo no dia da entrada da paciente no CHCSJ, poder-se-ia ter confirmado de imediato que a paciente tinha encefalite viral e podia-se ter ministrado os medicamentos mais adequados à sua situação clínica concreta.
10. O 2º Réu não administrou os medicamentos adequados para eliminar a encefalite viral e o edema causado, centrando-se unicamente no controlo das convulsões.
11. O 2º Réu fez uma utilização inadequada de barbitúricos e benzodiazepinas, através da administração de quantidades “exorbitantes”, que contribuiu para a pagarem cardíaca e morte da paciente.
12. Houve falta de assistência médica adequada à paciente durante o internamento.
13. A paciente contraiu durante o internamento uma pneumonia de aspiração em virtude da falta de assistência médica.
14. A paciente não foi transferida para a ICU após o 1º dia de internamento por ser a unidade que mais se adequava ao agravar do seu estado clínico.
15. A paciente, em facto do seu estado de saúde crítico, devia estar monitorizada para fiscalizar as suas funções vitais.
16. A assistência médica não foi permanente, nem célere, pelo que não foi detectada imediatamente a paragem cardíaca da paciente, o que demorou o tempo útil dos primeiros socorros, contribuído para a sua morte.
17. Os factos constantes da fundamentação da sentença que não foram dados como provados não podem ser admitidos para serem tomados em consideração pelo juiz, devendo os mesmos serem considerados como não escritos, sob pena de violação do artigo 562º, n.º 2 e 3 do CPC.
18. Dos factos provados, da prova documental, da peritagem efectuada, conclui-se que existe negligencia médica no comportamento do 2º Réu porque teve culpa ao não providenciar condições exigidas que permitisse criar condições e possibilidade de sobrevivência à paciente no que concerne à doença que padecia.
19. Perante os factos provados existe culpa funcional ou culpa do serviço, por parte do Hospital e verifica-se todos os pressupostos da responsabilidade extracontratual dos Serviços de Saúde.
20. Os AA. tem o direito serem indemnizados.
21. Foram violados os artigos 477º, 480º, 490º, 556º, 558º, todos do C.C, n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/91/M e artigo 562º, n.º 2 e 3 do CPC.
    Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e condenando-se os Recorridos nos pedidos formulados na petição inicia.

   A este recurso respondeu apenas os Serviços de Saúde que se alegou para concluir o seguinte:
i. Todos os fundamentos do presente Recurso estão relacionados com a apreciação da matéria de facto, apontando os Recorrentes quatro tipos de erro por parte do Mmo. Juiz : (a) Invocação de factos, para fundamentação da decisão, que não constam nem da matéria assente nem da base instrutória; (b) Falta de prova dos factos invocados pelo Mmo. Juiz para fundamentação da decisão; (c) Oposição entre os fundamentos e a decisão; (d) Errada valoração dos factos dados como provados;
ii. Os factos que alegadamente não constariam nem da matéria assente nem da base instrutória seriam os seguintes: “(...) ainda que se tivesse confirmado logo o diagnóstico de encefalite viral com aquele meio de diagnóstico, não era possível eliminar-se desde logo esta patologia bem como o respectivo edema, já que existem vários tipos de encefalite viral e sem saber em concreto qual é o agente etiológico, não é possível ministrar medicamentos adequados à paciente. (...)”;
iii. Não se percebe nem aceita a alegação de que aqueles factos não tivessem sido seleccionados como matéria relevante para a boa decisão da causa uma vez que o teor dos quesitos 1º e 2º da Base Instrutória era, precisamente, o seguinte: Quesito 1º - “Se o 2º R. tivesse efectuado logo de início a punção lombar e um encefalograma teria confirmado desde logo a encefalite viral?’’; Quesito 2º - “E poderia ter eliminado a encefalite viral e o edema que estava a causar, ministrando logo o medicamento adequado?”
iv. Saber se a encefalite viral e o edema poderiam ter sido logo eliminados assim que fosse confirmado o diagnóstico de encefalite viral, ministrando-se o medicamento adequado, foi desde logo uma matéria considerada relevante para a boa decisão da causa.
v. O que os Recorrentes não mencionam é que o quesito 2º foi dado como “Não provado”.
vi. E a razão pela qual o quesito 2º foi dado como não provado foi o facto de ter sido feita a prova documental, e pericial em sede de audiência de discussão e julgamento, através dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, de que “(...) existem vários tipos de encefalite viral e sem saber em concreto qual é o agente etiológico, não é possível ministrar medicamentos adequados à paciente.”.
vii. Repare-se como, apesar de alegaram que as matérias supra indicadas não fazem parte dos factos seleccionados como relevantes para a boa decisão da causa, nem em sede de matéria assente, nem em sede de base insrutória, os Recorrentes acabam por vir assumir que juntaram elementos probatórios relativamente à mesma, designadamente os docs. de fls. 531 a 540, 556 a 562, 563 a 632, 646 a 668.
viii. Se aquelas matérias não foram seleccionadas como relevantes, porque é que os Recorrentes se preocuparam em tentar fazer prova das mesmas? Não faz sentido.
ix. Cai assim por terra o primeiro argumento apresentado para a nulidade da sentença por erro na apreciação da matéria de facto, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 571º, uma vez que os factos apresentados pelo Mmo. Juiz para fundamentação da decisão foram seleccionados como relevantes para a boa decisão da causa, havendo por isso um dever de pronúncia em relação aos mesmos.
x. Termos em que deve o presente Recurso ser indeferido por falta de fundamento quanto a esta parte.
Ainda concluindo:
xi. Os factos que alegadamente não ficaram provados nos autos seriam os seguintes: ”(...) ainda que se tivesse confirmado logo o diagnóstico de encefalite viral com aquele meio de diagnóstico, não era possível eliminar-se desde logo esta patologia bem como o respectivo edema, (...)”; “(...) existem vários tipos de encefalite viral e; “(...) sem saber em concreto qual é o agente etiológico, não é possível ministrar medicamentos adequados à paciente. (...)”; (...) A simples punção lombar não permite detectar qual é o agente etiológico, mas somente distingue se tratar de encefalite viral ou bacteriana.”; “(...) ser necessário primeiro controlar as convulsões para evitar a apneia.”; “(...) que o aumento das dosagens de medicamentos era para controlar a apneia.”; “(...) que não houve morosidade na prestação da assistência médica por parte dos RR. na detecção da paragem cardíaca e nos serviços de socorros prestados.”;
xii. Nos termos do n.º 1 do artigo 599º do Código de Processo Civil, “Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso: a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.” – negro nosso.
xiii. Inversamente, pretendendo os Recorrentes que determinada matéria dada como provada seja dada como não provada (como é o caso), devem trazer à colação todos os meios probatórios juntos aos autos e alegar que nenhum deles faz prova dos factos considerados como provados, e porquê.
xiv. Em momento algum os AA. alegam que nenhum dos meios de prova constantes dos autos permite a prova dos factos que consideram como não provados.
xv. Termos em que deve o presente recurso ser rejeitado por omissão de alegação dos meios probatórios que não permitem a prova dos factos dados como provados, e porquê.
Contudo, e caso assim não se entenda, o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de bom patrocínio, sempre se dirá o seguinte:
xvi. Os Recorrentes limitam-se a fazer uma selecção facciosa e incompleta dos meios probatórios, cingindo-se apenas aos documentos por si apresentados a fls. 556 a 562, 563 a 632 e 646 a 668, à transcrição da gravação do depoimento do Dr. XXX de fls. 531 a 540 e aos Relatórios Periciais Juntos a folhas 397 e 399.
xvii. “Esquecendo-se”, convenientemente, de mencionar os esclarecimentos prestados, em sede de audiência de discussão e julgamento, pelos Senhores Peritos, incluindo o indicado pelos AA. ora Recorrentes, relativamente ao teor dos respectivos Relatórios Periciais, em que estes, calara e explicitamente declaram, sem qualquer margem para dúvidas, que “(...) ainda que se tivesse confirmado logo o diagnóstico de encefalite viral com aquele meio de diagnóstico, não era possível eliminar-se desde logo esta patologia bem como o respectivo edema, já que existem vários tipos de encefalite viral e sem saber em concreto qual é o agente etiológico, não é possível ministrar medicamentos adequados à paciente. A simples punção lombar não permite detectar qual é o agente etiológico, mas somente distingue se tratar de encefalite viral ou bacteriana.”.
xviii. Ainda, os documentos de literatura médica juntos aos autos pode ler-se “Na Ásia, a encefalite Japonesa é uma forma comum de encefalite viral. Novos patogéneos tais como o Nipah e o enterovirus surgiram como causas de epidemias de encefalite na Malásia, em Singapura e na Formosa.” – negro nosso – (...) “A encefalite é uma inflamação do cérebro, normalmente causada por um vírus e conhecida como encefalite viral. (...) Vários tipos de vírus podem infectar o cérebro e a medula espinal (...).” – negro nosso – “(...) A diferenciação clínica da encefalite VHS relativamente a outras encefalites virais, infecções focais, ou processos não – infecciosos é difícil.” – negro nosso – “Mais de 100 vírus são causadores de encefalite viral aguda. (...)” e alguns desses vírus (Herpesvírus) que podem causar encefalite, como o “Vírus Varicela-Zóster (VZV)”, “Vírus Epstein- Barr (EBV)”, “Citomegalovírus (CMV)”; “HHV-6”, sendo certo que muitos outros podem causar encefalite viral aguda.
xix. Dos docs. de fls. 531 a 540, 556 a 562, 563 a 632 e 646 a 668, não é possível retirar a contraprova de que “(...) sem saber em concreto qual é o agente etiológico, não é possível ministrar medicamentos adequados à paciente. (...)”, insistindo na afirmação de que “(...) Confirmando-se a encefalite viral não resta dúvidas que seriam ministrados medicamentos adequados ao seu tratamento, nomeadamente, o 2º Réu poderia administrar um medicamento antiviral (...).”.
xx. O doc. junto a folhas 531 a 540 é omisso quanto a esta matéria, e em parte alguma dos restantes documentos pode ler-se que a partir do momento em que se confirma a existência de encefalite viral sem, contudo, estar identificado o vírus, se deve administrar logo um medicamento antiviral.
xxi. Não tem razão de ser a conclusão apresentada pelos Recorrentes quanto dizem que “Tal administração pelo menos permitiria retardar a expansão do vírus (...).”, uma vez que, como acima se demonstra, assenta numa premissa não verdadeira que, de resto, foi considerada, e bem, pelo Mmo. Juiz a quo, como não provada (cfr. resposta ao quesito 2º).
xxii. Os Recorrentes não indicam, nem podiam, por não existir, qual o elemento de prova que evidencia o contrário de que a “A simples punção lombar não permite detectar qual é o agente etiológico, mas somente distingue se tratar de encefalite viral ou bacteriana.”;
xxiii. A prova feita em juízo quanto a esta matéria foi produzia pelos Senhores Peritos, incluindo o perito indicado pelos Recorrentes, em sede de audiência de discussão e julgamento, cujo depoimento os Recorrentes intencionalmente omitem por saberem que é claro e peremptório na afirmação de que a punção lombar não permite detectar qual é o agente etiológico, mas somente distingue se tratar de encefalite viral ou bacteriana.
xxiv. Já quanto à alegada falta de prova de que era “(...) necessário primeiro controlar as convulsões para evitar a apneia.”, mais uma vez os Recorrentes, convenientemente, omitem os Relatórios Periciais, designadamente as respostas às perguntas 6 a 9 do Objecto da Perícia, que aplaudem toda a actuação relativa à terapêutica aplicada à paciente.
xxv. Veja-se ainda o depoimento da própria testemunha dos Recorrentes, Dr. XXX, transcrito a folhas 531 a 540 verso dos autos, sobretudo a fls. 539 verso, em que afirma “(..) No contexto das convulsões, a anóxia é uma complicação plausiva. (...) dá-me ideia que o estado convulsivo seria muito persistente e mantido (...)” e a fls. 540 verso, em que afirma “(...) percebo que as circunstâncias que essa doente estaria, essas convulsões em estado de anóxia, não restam muita alternativa ao médico que a viu. A não ser continuar a tentar travar essas convulsões. (...) Ele terá que, a todo o custo, parar essas convulsões (...). Nunca existe uma saída para isso. Porque senão parar essas convulsões, ela morre em anóxia cerebral. Não há muita escolha, tem que se continuar a tentar (...)” – negro nosso;
xxvi. Já no que diz respeito à alegação de falta de prova de “(...) que o aumento das dosagens de medicamentos era para controlar a apneia.”, não se vislumbra onde os Recorrentes leram, na douta sentença, tal fundamento. O que foi dito pelo Mmo. Juiz a quo foi que “(...) os referidos medicamentos destinam-se para controlar as convulsões da paciente, só que como ela não estava a reagir à medicação prescrita, daí que é necessário aumentar a dose dos mesmos para o efeito, sob pena de apneia (fato provado n.º x)).”.
Ainda concluindo:
xxvii. Quando à contradição entre os fundamentos e a decisão, os Recorrentes alegam que《(...) a fundamentação na parte: “por um lado, mesmo sem ter realizado a punção lombar, o 2º R. conseguiu, com apoio noutros exames médicos e nos sintomas que a paciente apresentava, diagnosticar provisoriamente de se tratar de encefalite viral (factos assentes n.ºs 8 e 11)” incorre em contradição com os factos provados no facto 8º e 1º da matéria assente.》, importa esclarecer que a epilepsia é etiologicamente classificada como sintomática ou idiopática: sintomática significa que a causa provável foi identificada a tempo, permitindo um curso específico da terapia para eliminar aquela causa; idiopática significa que não foi encontrada uma causa evidente. Quando as crises ocorrem na sequência de uma lesão cerebral identificável, como por exemplo, no caso de neoplasias, traumatismo e infecções, temos uma epilepsia sintomática.
xxviii. Dizer que o diagnóstico provisório era de epilepsia sintomática ou encefalite viral, é o mesmo que dizer que foi diagnosticada uma epilepsia cuja causa provável foi identificada, sendo, neste caso, a causa provável, a encefalite viral.
xxix. Termos em que deve ser o Recurso interposto julgado improcedente quanto a esta parte, devendo manter-se a sentença recorrida.
Ainda concluindo:
xxx. Na alegação de errada valoração da matéria dada como provada, os Recorrentes vão para além do razoável, colocando em causa a valoração feita pelos Senhores Peritos relativamente ao acerto das decisões médicas tomadas pelo 2º Réu.
xxxi. Designadamente, alegam que《(...) não valorou a sentença o factos dos peritos médicos e da testemunha Dr. XXX terem respondido afirmativamente à questão de “haver graves riscos de uma paragem cardíaca e de uma pneumonia por aspiração devido à pressão do edema cerebral e estado inconsciente agravado pelo tratamento excessivo e intensivo por calmantes das convulsões.”》.
xxxii. Desde logo, a pergunta os Recorrentes se reportam é a pergunta 25 do Objecto da Perícia, e o seu teor não corresponde ao transcrito pelos Recorrentes, mas sim o seguinte:
“Existe graves riscos de uma paragem respiratória e de uma pneumonia por aspiração, devido à pressão do edema cerebral e estado inconsciente da paciente, agravado pelo tratamento excessivo e intensivo por calmantes das convulsões?” – negro nosso.
xxxiii. Por outro lado, mais uma vez, é feita uma interpretação restritiva e tendenciosa do teor das respostas dos Senhores Peritos, que não vai de encontro à interpretação apresentada.
xxxiv. São ainda omitidos os esclarecimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, em que todos os Senhores Peritos confirmam, unanimemente, que a prioridade, face ao quadro clínico da paciente, era controlar as convulsões, sob pena de a paciente morrer.
xxxv. Chama-se também a atenção para a conveniente e incompleta transcrição do depoimento da testemunha dos AA., ora Recorrentes, Dr. XXX. Com efeitos, logo a seguir a “A minha consciência respondeu que sim.” A mesma testemunha acrescenta: “Mas também percebo que as circunstâncias que essa doente estaria, essas convulsões em estado de anóxia,, não restam muita alternativa ao médico que a viu. A não ser continuar a tentar travar essas convulsões. (...) Ele terá que, a todo o custo, parar essas convulsões (...). Nunca existe uma saída para isso. Porque senão parar essas convulsões, ela morre em anóxia cerebral. Não há muita escolha, tem que se continuar a tentar (...)” – negro nosso;
xxxvi. Em momento algum a resposta dada pelo Mmo. Juiz é contraditória com a resposta dos peritos médicos, sobretudo as respostas dadas às perguntas 7ª a 9ª e 26ª do Objecto da Perícia, e muito menos com o depoimento da referida testemunha.
xxxvii. Ainda, os Recorrentes alegam que “(...) verificamos que o facto 15º da matéria assente e os factos iii), iv) e v) da base instrutória, permitem concluir que a pneumonia só poderia ter vindo de aspiração de fluidos.”.
xxxviii. Não pode evitar-se o pasmo na leitura daquela conclusão, perante sua contradição com as respostas que foram dadas pelos Senhores Peritos à pergunta 25 do Objecto da Perícia, e as declarações do Dr. XXX, testemunha dos AA., ora Recorrentes a fls 531 verso e 532.
xxxix. Por último, importa dizer que a alegação de que “Também é de considerar que o 2º réu, erradamente, deu excessiva atenção e preocupação do tratamento das crises convulsivas através de calmante, tendo como consequência a desvalorização do edema cerebral, indicados de uma possível infecção cerebral (...).” trata-se de uma mera conclusão empírica dos Recorrentes, que vai contra toda a prova produzida nos autos, inclusivamente ultrapassando a valoração feita pelos Senhores Peritos.
xl. Alegar o erro na valoração da prova por parte do Tribunal é bem diferente de colocar em causa a valoração efectuada pelos Senhores Peritos e esta, com o devido respeito, só um médico ou alguém com reconhecidos conhecimentos médicos na área teria competência para o fazer, em sede própria, designadamente, em sede de peritagem.
xli. Contudo, nem sequer o Perito apontado pelos Recorrentes sufraga da opinião destes, de que terá havido qualquer negligência no tratamento do edema, como se pode ler no respectivo Relatório Pericial que já acima se transcreveu quanto a esta matéria.
xlii. Termos que também quanto a esta parte deve o presente recurso ser considerado improcedente por falta de fundamento.
Ainda concluindo:
xliii. No que respeita a outras contradições e incongruências alegadas pelos Recorrentes, afirmam aqueles ser《Também de salientar que o 2º Réu ao fazer a punção lombar 4 dias após o internamento (facto 18º da matéria assente) demonstra que não tinha ainda o diagnóstico clínico certo e que falhou ao não efectuar a punção lombar por ser considerado um “exame fundamental” para o diagnóstico precoce de encefalites (facto xi) da base instrutória).》.
xliv. A demonstração pretendida pelos Recorrentes não tem fundamento nem razão de ser. Se a punção lombar foi efectivamente ralizada 4 dias após o internamento, não foi porque o diagnóstico inicial não era o certo ou, por outras palavras, foi errado, mas sim para a confirmação do mesmo.
xlv. Errado seria avançar com qualquer terapêutica antiviral, como pretendem fazer crer os Recorrentes, sem se saber à partida de que tipo de encefalite se tratava, se bacteriana, se viral.
xlvi. Mais alegam os Recorrentes que a conclusão do Tribunal a quo de que “(...) a conduta do 2º Réu estaria justificada pelo facto de que esta era desaconselhada, por ter consequências perigosas (morte imediata) para a paciente, em virtude do edema cerebral (...) cai por terra, se considerarmos que o 2º Réu, no 4º dia – quando o estado da paciente já era muito crítico e corria risco de vida (facto 17º da matéria assente) – decidiu realizar o exame de punção lombar.”.
xlvii. Quanto a este argumento diga-se que o risco de “morte imediata” resultava da existência de um edema no cérebro que, como pode ler-se, por exemplo nas respostas dada a fls. 397 pelos Senhores Peritos Drs. XXX e XXX, à pergunta n.º 9 do Objecto da Perícia, e pelo senhor Perito Dr. XXX a fls. 399, às perguntas n.º 5, 8 e 9º do Objecto da Perícia, “atacado” com um tratamento de desidratação, aconselhado para este tipo de casos.
xlviii. A conclusão dos Recorrentes de que ao 4º dia de internamento o risco de morte imediata na realização da punção lombar em virtude da existência de um edema se mantinha, desconsidera que desde o momento em que foi detectado o edema foi imediatamente administrado o tratamento aconselhado e que, muito provavelmente, ao quarto dia, o grau do “risco imediato” de morte na realização do exame era muito menor.
xlix. Os Recorrentes confundem o risco de vida associado à realização do exame, decorrente da existência de um edema no cérebro, com o risco de vida associado ao quadro clínico geral da paciente, para a seguir tirar conclusões infundadas e baseadas em hipóteses e não em factos concretos.
Ainda concluindo:
l. No que respeita à matéria da falha no diagnóstico, face aos factos dados como provados em sede de matéria assente, com maior ênfase a matéria das al. E), H), L), N), S) e AR) conjugada especialmente com as respostas aos quesitos 2º e 18º, resultam inequívocas as seguintes conclusões:
li. Não houve qualquer omissão por parte do 2º R. ao não ter realizado a punição lombar aquando do internamento da paciente, porquanto tal exame se mostrou desaconselhado face ao estado clínico da mesma;
lii. Ainda que tal exame tivesse sido efectuado, e se tivesse confirmado logo o diagnóstico de encefalite viral, não teria sido possível eliminar-se desde logo esta patologia bem como o edema que estava a causar pelo que;
liii. Não foi a falta deste exame aquando do internamento que inviabilizou a eliminação, de imediato, da encefalite e do edema;
liv. O diagnóstico provisório de “encefalite viral” estava correcto, do que resulta que a não realização da punção lombar no momento do internamento não induziu a que o diagnóstico fosse errado, pelo que;
lv. O 2º R. socorreu-se, nos momentos certos, de todos os exames úteis, necessários e sobretudo adequados ao estado clínico da paciente, proferiu um diagnóstico provisório acertado, que confirmou logo que a situação clínica da paciente assim o permitiu, e mais não podia ter-lhe sido exigido.
lvi. Termos em que, outra decisão não se podia ter tomado, salvo o devido respeito, a não ser no sentido de não houve qualquer omissão por parte dos médicos da R., ora Recorrida, no que respeita aos meios de diagnóstico.
Ainda concluindo:
lvii. Relativamente à terapêutica adoptada, face à matéria dada como provada em sede de matéria assente, sobretudo nas al. C), H), M), Q), R) e Z) conjugada especialmente as respostas aos quesitos 2º, 3º, 13º a 16º, 36º e 39º a 41º, resultam inequívocas as seguintes conclusões:
lviii. Que face ao quadro clínico da paciente, não era possível ministrar o medicamento adequado à eliminação da encefalite viral e do edema;
lix. Que quando a paciente deu entrada no hospital, no dia 31 de Dezembro de 2000, se verificou pelos médicos que tinha, entre outros sintomas, convulsões;
lx. Que lhe foi diagnosticada provisoriamente epilepsia sintomática ou encefalite viral, tendo sido detectado um edema cerebral;
lxi. Que no dia 2 de Janeiro de 2001, o 2º R. disse que o diagnóstico da paciente, apesar de ser reservado, indicava encefalite viral;
lxii. Que na noite do dia 2 de Janeiro a paciente sofreu várias convulsões, pelo que dois dias depois do internamento esta sintomatologia ainda não se encontrava controlada;
lxiii. Que devido ao facto da al. precedente, a grande preocupação que o Dr. E tinha, de momento, era controlar os espasmos;
lxiv. Que durante o dia de dia 2 de Janeiro a paciente continuava com convulsões, que foram inclusivamente presenciadas pelos familiares aquando da visita;
lxv. Que no dia 2 de Janeiro de 2001, o 2º R. informou o pai dos AA. que o estado da paciente se tinha agravado;
lxvi. Para o 2º R. o estado clínico da paciente, neste dia, era muito crítico e corria risco de vida;
lxvii. Que não ficou provado que no dia 3 de Janeiro o estado clínico da paciente melhorou e se conseguiu diminuir as convulsões;
lxviii. Que não ficou provado que no dia 4 de Janeiro de 2001 o estado clínico da paciente se manteve igual ao dia anterior;
lxix. Que a grande preocupação do Dr. E, continuava a centrar-se na impossibilidade de controlar as convulsões;
lxx. Que a paciente não estava a reagir à medicação prescrita, baseada em calmantes, pelo que se decidiu aumentar a dose dos calmantes por forma a tentar controlar as convulsões;
lxxi. Que ao 5º dia o estado clínico da paciente era cada vez mais debilitante e crítico;
lxxii. Que não ficou provado que na reunião do dia 5.1.2001 o Dr. XXX se mostrou surpreendido com as quantidades muito elevadas de barbitúricos e benzodiazepinas apresentadas no sangue da paciente, apesar de fazer constar no seu relatório que eram exorbitantes;
lxxiii. Que não ficou provado que o edema não foi tratado convenientemente e que as quantidades de barbitúricos eram exorbitantes e contribuíram para a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA.;
lxxiv. Que não ficou provado que o estado da paciente foi agravado por um tratamento excessivo e intensivo das convulsões por calmantes;
lxxv. Decorre do exposto que a terapêutica ministrada à paciente foi adequada e necessária ao seu estado clínico, que piorava de dia para dia não obstante os esforços envidados no sentido de contrariar tal tendência.
lxxvi. A terapêutica ministrada foi inclusivamente sendo adaptada àquela evolução, com um acompanhamento contínuo, vigilante e interventivo.
lxxvii. Outra medicação não seria de esperar no caso concreto, nem no que respeita ao tipo, nem no que respeita à dosagem.
lxxviii. Mais se diga que a medicação em causa também não teve influência no agravamento do seu estado clínico ou foi causa do falecimento da paciente.
lxxix. Termos em que, mais uma vez, fica feita a prova indubitável de que nada pode ser imputado à R. ou a qualquer dos seus médicos no que respeita à opção terapêutica adoptada.
Ainda concluindo:
lxxx. Quanto ao Acompanhamento Médico antes da paragem cardíaca, face à matéria dada como provada em sede de matéria assente, conjugada especialmente as respostas aos quesitos acima transcritas, resultam inequívocas as seguintes conclusões:
lxxxi. No dia da admissão da paciente, esta encontrava-se num quarto dos Serviços de Medicina I (Neurologia), com soro e tubo gástrico;
lxxxii. Não obstante o estado de saúde da paciente aconselhar uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina, e a Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) possuir, à data dos factos, dois quartos individuais, estes não eram quartos de isolamento próprios para as situações clinicas iguais à da paciente;
lxxxiii. Os Serviços de Cuidados Intensivos não são considerados a unidade hospitalar com melhor capacidade de resposta para o caso em apreço;
lxxxiv. Os doentes internados na UCI ficam mais expostos a qualquer agente patológico;
lxxxv. Não obstante ser possível à data da admissão da paciente no hospital o seu internamento na UCI, quando esta foi admitida no dia 31 de Dezembro de 2000, não estava em situação clínica que exigisse ser internada na UCI, porquanto tal unidade do Centro Hospitalar de Conde São Januário se destina ao internamento de doentes com instabilidade hemodinâmica;
lxxxvi. A evolução do estado clínico da paciente nem sempre desaconselhou a sua transferência para UCI mas não fica feita a prova de que mesmo que a paciente tivesse sido internada na UCI, tal influenciaria a evolução do seu estado clínico;
lxxxvii. A paciente foi transferida para a Unidade de Cuidados Intensivos na sequência da paragem cardíaca que sofreu e não porque já não havia na altura outras alternativas;
lxxxviii. Não ficou feita a prova de que a paciente devia obrigatória e necessariamente ter sido transferida para a UCI antes da paragem cardíaca. Fica inclusivamente feita a prova de que a sua situação clínica desaconselhava tal transferência, pelo que não pode aqui ser apontada qualquer omissão à R., devendo as decisões tomadas pelos seus médico quanto a esta matéria ser consideradas adequadas ao estado clínico da paciente.
lxxxix. Não obstante a paciente ter estado sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos enquanto a permaneceu no Serviço de Medicina I (Neurologia), o seu estado de saúde não implicava a necessidade de estar monitorizada desde o momento do seu internamento, nem exigia uma assistência médica permanente, não obstante aconselhar uma assistência médica mais atenta;
xc. Não ficou feita a prova de que a falta de monitorização da paciente diminuiu a celeridade da prestação da assistência médica, nomeadamente a detecção da paragem cardíaca;
xci. Em virtude da prova produzida, é indubitável que o estado clínico da paciente não implicava a necessidade de estar monitorizada, bem como resulta claro que a falta de monitorização não teve quais quer consequências negativas na assistência médica prestada, designadamente na detecção da paragem cardíaca, pelo que também neste ponto se mostram infundadas as acusações do AA.;
xcii. Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata a às vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala;
xciii. Não fica feita a prova de que os factos constantes na linha precedente consubstanciem comportamentos ilícitos;
xciv. O número de enfermeiras durante o turno não era reduzido;
xcv. Não obstante a pneumonia ter sido contraída durante o internamento e ter contribuído para o agravamento do estado clínico da paciente, não fica feita a prova de que a causa foi a aspiração de fluídos e muito menos que tenha sido contraída por falta de assistência médica;
xcvi. Por último, fica também feita a prova inequívoca de que todo o processo foi sendo discutido e comunicado à família da paciente, desde o primeiro dia e durante todos os dias do internamento.
xcvii. A família da paciente foi informada da evolução do seu estado clínico e de todas as decisões, e da respectiva fundamentação, relacionadas com a terapêutica e assistência e acompanhamento médico.
Ainda concluindo:
xcviii. Quanto à questão da assistência médica durante a paragem cardíaca, para a avaliação desta questão, ficaram desde logo consagrados como provados os factos constantes das als. AA), AB), AC), AD) e AE) da matéria assente, e foi levada à base instrutória a matéria constante dos quesitos 28º a 32º, 33º, 33º-A, 35º, 38º e 43º.
xcix. Face à matéria dada como provada e à prova que ficou por fazer, podem retirar-se as seguintes conclusões;
c. Não obstante a paragem cardíaca ter sido detectada casualmente, não fica feita a prova de que houve qualquer atraso na sua detecção em virtude do facto de a paciente não estar monitorizada;
ci. Também não fica feita a prova de que os médicos ou pessoal de enfermagem da R. podiam e deviam ter detectado a paragem cardíaca mais cedo e de que forma;
cii. Uma vez detectada a paragem cardíaca foram prestados de imediato à paciente os primeiros socorros e a reanimação ocorreu 45 minutos depois após várias tentativas;
ciii. 15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis, sendo certo que a lesão por anóxia cerebral, resultante da paragem cardíaca, não foi o facto mais importante para o falecimento da paciente.
cix. Resulta novamente claro que nem no momento da detecção da paragem cardíaca, nem na assistência que foi dada à paciente, houve qualquer acto ou omissão por parte dos médicos ou pessoal de enfermagem da R. que, respectivamente, não devesse ou devesse ter sido practicado;
cv. Não fica feita a prova de que era esperado qualquer outro tipo de comportamento, ou que os comportamentos adoptados foram errados.
Ainda concluindo:
cvi. No que respeita à ilicitude, de todos os factos alegados pelos AA. para fundamentar as acusações de negligência médica pela R., os únicos cuja prova parcial logrou fazer são os seguintes:
cvii. Enquanto a paciente permaneceu no Serviço de Medicina I (Neurologia), o seu estado de saúde aconselhava uma assistência médica mais atenta – resposta ao quesito 20º;
cviii. Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata e às vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala – respostas aos quesitos 5ém dentro da sala – respostas aos quesitos 5º e 6º;
cix. Não obstante o referido na resposta ao quesito 20º, ficou provado que a assistência médica mais atenta não passava pela necessidade de a paciente estar monitorizada desde o momento do seu internamento, nem exigia uma assistência médica permanente – resposta ao quesito. 37º
cx. Assim, quanto à matéria da necessidade de uma assistência médica mais atenta, fica-se sem saber em que deveria ter consistido esse acréscimo de atenção.
cxi. É contudo inequívoco que, sem embargo do que fica provado na resposta ao quesito 20º, ficou também provado, sem qualquer sombra de dúvida, que o CHCSJ não dispunha, à data dos factos, de condições que permitissem dar o necessário acréscimo de atenção – respostas aos quesitos 21º a 24º.
cxii. Não era possível, à data dos factos, dar mais atenção do que a que foi prestada à paciente, nem era exigível do pessoal interveniente esse acréscimo de atenção, uma vez que não havia condições para o dar.
cxiii. Nem em Macau nem fora de Macau, uma vez que, como depõe a própria testemunha dos Recorrentes, Dr. XXX a fls. 535 verso e 536.
cxiv. Pelo que, não foram violadas quaisquer normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devessem ter sido tidas em consideração.
cxv. Já no que respeita às respostas aos quesitos 5º e 6º, em parte alguma fica feita a prova de que era possível e exigível sempre, por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, a assistência imediata durante as convulsões, e que esta assistência fosse sempre prestada por detecção presencial das mesmas, sem necessidade de chamamento através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala.
cxvi. Pelo contrário, tendo em conta a resposta que foi dada aos quesitos 20º e 37º, em que acabou por se considerar que o estado de saúde da paciente não exigia uma assistência médica permanente nem monitorizada, dúvidas não restam que não era possível exigir da equipa médica, em especial da equipa de enfermagem, que estivesse alguém sempre ao lado da paciente sempre ponto para prestar assistência de imediato assim que surgissem as convulsões, sem que fosse necessário chamar pela campainha ou através de alguém de dentro da sala.
cxvii. Mais se diga quanto a esta questão, que as alegações feitas pelos AA., ora Recorrentes foram feitas num contexto de visita dos familiares à paciente. É natural que, estando os familiares no quarto com a paciente, o pessoal da equipa médica ou de enfermagem faça uso desse momento de vigilância para prestar atenção a outros paciente que necessitem de assistência.
cxviii. É por isso também natural que os familiares da paciente tenham chamado o pessoal de enfermagem para prestar assistência durante o período da visita.
cxix. Destarte, também aqui não houve a violação de quaisquer normas técnicas, legais ou regulamentares por parte da equipa médica ou de enfermagem.
cxx. Nunca em momento algum os actos practicados pela Ré ou qualquer dos seus médicos ou enfermeiros padeceram do vício da ilicitude.
cxxi. Todas as decisões tomadas pela Ré foram-no sempre no estrito cumprimento da lei e de acordo com os elementos disponíveis face aos meios técnicos existentes.
Ainda concluindo:
cxxii. Por tudo quanto foi exposto, em momento algum se pode considerar que a Ré ou qualquer dos seus médicos não actuou de forma diligente, face à situação da paciente.
cxxiii. Donde, será forçoso concluir que tal actuação não poderá consubstanciar uma das situações que impõe à Administração, neste caso à Direcção dos Serviços de Saúde, responsabilidade extracontratual, nos termos da interpretação conjugada do disposto nos arts. 2º e 4º do Decreto-Lei n.º 28/91/M e do art. 480º do Código Civil.
cxxiv. Também nos termos do n.º 2 do art. 7º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, refuta-se de forma decisiva a existência de qualquer acto que possa ter ofendido quaisquer regras técnicas e da prudência comum.
cxxv. Todos os cuidados e medidas foram tidos em conta, nada mais havendo a fazer porque nada mais poderia ter sido feito pelos médicos ou enfermeiros intervenientes.
Ainda concluindo:
cxxvi. Os danos alegados não indiscutíveis e reconhecidamente irreparáveis e permanentes e constam das al. A) e AZ) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 47º, 48º, 50º, 51º, e 1º a 4º dos quesitos cuja prova foi feita por documentos autêntico.
Ainda concluindo:
cxxvii. O nexo de causalidade entre os danos cuja prova ficou feita nos autos e os comportamentos dos médicos da Ré e respectivo pessoal de enfermagem não fica provado.
cxxviii. A análise deste requisito está facilitada pelas respostas que foram dadas aos quesitos 39º a 46º e pela matéria considerada provada na al. AR) da matéria assente
cxxix. Da leitura de tais respostas resulta transparente que nenhuma das causas que os AA. apontaram como determinantes para o óbito da paciente e que imputaram à R., resultaram provadas.
    Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por infundado e, a final e em consequência, ser mantida a decisão recorrida de absolvição da Recorrida do pedido.

   O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou o seu douto parecer que se transcreve o seguinte:
   “Compulsado o argumentado pelos recorrentes e vertido nas conclusões das respectivas alegações, poderá constatar-se esgrimirem os mesmos, no essencial, com 3 ordens de razões:
- por um lado, constaram da fundamentação da sentença factos que não foram dados como provados e que, como tal, não poderão ser admitidos;
- por outro, existe oposição entre os fundamentos e a decisão e, por último,
- houve errada valoração da prova, já que, dos factos provados, da prova documental e da peritagem efectuadas deveria ter-se concluído por negligência médica no comportamento do 2º arguido, “ao não providenciar condições exigidas que permitisse criar condições e possibilidade de sobrevivência à paciente” e pela existência de culpa funcional ou culpa do serviço do hospital.
   Por partes:
   No que tange à alegada falta de prova de factos invocados para a fundamentação da sentença, reportam-se os recorrentes fundamentalmente à asserção constante do douto aresto em crise, no sentido de que “... ainda que se tivesse confirmado logo o diagnóstico da encefalite viral com aquele meio de diagnóstico, não era possível eliminar-se desde logo esta patologia bem como o respectivo edema, já que existem vários tipos de encefalite viral e sem saber em concreto qual é o agente étiológico, não é possível ministrar medicamentos adequados à paciente...”
   Pois bem : pretendendo os recorrentes que tal matéria não tenha sido dada como provada, haveria que demonstrar, nos precisos termos do preceituado no artº 599º, CPC, que nenhum dos meios de prova constantes dos autos permite concluir por tal prova.
   Ora, não só o não demonstram como, quer das respostas aos quesitos a tal matéria atinentes (cfr. a título de exemplo, a resposta negativa do quesito 2º), quer da prova pericial e documental carreadas para os autos decorre, com clareza e suficiência, a veracidade e a correspondência entre o que efectivamente foi dado como provado e o constante da motivação externada para a decisão, notando-se, isso sim, alguma tentativa por parte dos recorrentes em “seleccionar” alguns meios probatórios mais propícios aos seus intentos, “esquecendo” o que, de verdadeiramente relevante resultou efectivamente comprovado de toda a prova produzida.
   Relativamente à alegada oposição ou contradição entre os fundamentos e a decisão, pretendem os recorrentes que, tendo sido dado como provado que no 1º dia de admissão (31/1/2000) existia diagnóstico que apontava para 2 possibilidades, epilepsia sintomática ou encefalite viral, é contraditório afirmar-se ter sido logo efectuado diagnóstico provisório de encefalite viral.
   Ora, não é assim, já que aquela terminologia, em termos médicos, significa apenas ter sido diagnosticada uma epilepsia, cuja causa provável seria a encefalite viral e, daí, o reporte provisório a esta enfermidade, inexistindo, pois, qualquer contradição a este nível.
   Finalmente, assacam os recorrentes ao douto aresto em crise errada valoração da prova, entendendo, naquilo que reputamos de fundamental, ter-se comprovado que
- se assistiu a um diagnóstico tardio, não efectuado em tempo útil e oportuno, devido sobretudo ao facto de se ter considerado, numa primeira fase, desaconselhada a punção lombar e só mais tarde (4/1/01), numa altura em que o estado da paciente já se tinha agravado, se ter procedido a tal medida, sendo que, caso a mesma tivesse sido levada a cabo a tempo, ter-se-ia confirmado o diagnóstico de encefalite viral, podendo-se ter iniciado, com sucesso, a terapêutica indicada;
- Por outra banda, utilizou-se inadequada e excessiva dosagem de barbitúricos e benzodiapinas na terapêutica, o que contribuiu para a paragem cardíaca e morte da paciente;
- Por ultimo, existiu falta de assistência médica adequada durante o internamento que determinou uma pneumonia de aspiração e não permitiu que se determinou uma pneumonia de aspiração não permitiu que se detectasse atempadamente a paragem cardíaca da paciente, o que poderia ser evitado se, como se impunha, esta tivesse, em tempo oportuno, sido transferida para a UCI após o 1º dia de internamento, unidade mais adequada à prestação, em tempo útil, do necessário socorro.
   Não se vislumbra, porém, onde os recorrentes encontram apoio probatório válido para o que sustentam.
   Da matéria dada como assente e resposta aos quesitos resulta que, aquando do internamento da paciente, não foi a falta da punção lombar que inviabilizou o diagnóstico da encefalite viral, mostrando-se desaconselhada, nessa fase, tal punção, em função da existência de um edema no cérebro com o risco de vida associado ao quadro clínico geral da paciente, verificando-se que, não obstante, na altura o 2º recorrido se socorreu dos exames úteis, necessários e, sobretudo, adequados ao estado clínico que se apresentava, conseguindo, ainda que provisoriamente, alcançar diagnóstico acertado.
   Por outro lado, resulta também comprovado que, tendo sido diagnosticada provisoriamente epilepsia sintomática ou encefalite viral com detecção de um edema cerebral, a paciente começou a sofrer convulsões, as quais, 2 dias após o internamento ainda não tinham sido controladas, razão por que lhe foram administrados calmantes, dosagem que foi reforçada dado a paciente não estar a reagir à medicação prescrita e à situação crítica criada, sob pena de apneia, não se tendo provado que as quantidades de barbitúricos prescritos e ministrados fossem exorbitantes e contribuíssem para a paragem cardíaca e morte daquela, não se tendo, do mesmo modo, provado que o estado da paciente foi agravado por um tratamento excessivo e intensivo das convulsões por calmantes (cfr. designadamente, a matéria assente em C), H), M), Q), R) e Z) e respostas aos quesitos 2º, 3º, 13º a 16º, 36º e 39º a 41º).
   Finalmente, através da prova produzia não resulta demonstrado que a contracção de pneumonia derivasse de falta da assistência médica e que, não obstante o estado de saúde da paciente aconselhar uma assistência médica mais atenta, a mesma carecesse de transferência imediata para a UCI antes da paragem cardíaca, dado o seu estado de saúde até à altura não implicar a necessidade de monotorização, resultando também que essa falta de monotorização não teve quaisquer consequências negativas na assistência prestada, designadamente na detecção da paragem cardíaca, não tendo ficado também provado que no momento desta ou na subsequente prestação da assistência médica existisse qualquer acto ou omissão relativamente ao que devesse ter sido praticado, ou que, como se afirma na douta sentença em escrutínio, se provasse “o nexo de causalidade entre a morte da paciente e a sua não transferência à UCI”.
   Daí que, em conclusão, se nos afigurar não sofrer a douta sentença em apreço de qualquer dos vícios assacados, razão por que somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso.”
   
   Cumpre conhecer.
   Foram colhidos os vistos legais.
   
   À factualidade foram consignados por assentes os seguintes factos:
1. XXX, faleceu no dia 6 de Janeiro de 2001, na Unidade dos Cuidados Intensivos do Centro Hospital Conde são Januário, em Macau, após 6 dias de internamento.
2. A paciente deu entrada nos serviços de urgência do CHCSJ, em 31 de Dezembro de 2000, pelas 15 horas e 37 minutos.
3. Examinada pelo Dr. XXX foi verificado que se apresentava com 39º graus de febre, convulsões e inconsciente.
4. Tinha história de gripe de 3 a 4 dias antes da crise de convulsões.
5. Foi ordenada a realização de exames clínicos, de forma a diagnosticar a patologia, que consistiram em análises ao sangue, urina e exames radiológicos à cabeça (TAC, MR2 e NRA).
6. No mesmo dia, pelas 16 horas e 40 minutos no Serviços de Urgência, o médico especialista – neurologista, Dr. E, ora 2º R., é chamado para observar a paciente.
7. Depois de observar a paciente e efectuados os exames devidos, confirmou os dados examinados anteriormente pelo Dr. XXX.
8. Tais meios de diagnóstico conduziram à admissão da paciente a internamento, com diagnóstico provisório de epilepsia sintomática ou encefalite viral, tendo sido detectado um edema cerebral.
9. Na altura, foi dado conhecimento ao pai do AA., que a paciente ficaria internada nos Serviços de Medicina (Neurologia), situado no 2º andar do Hospital.
10. No dia 1 de Janeiro de 20001, o pai dos AA., na hora da visita, deslocou-se ao CHCSJ, afim de se inteirar sobre o seu estado clínico, e, procurou o 2º Réu, médico responsável – Dr. E – no Serviço de Urgência.
11. Este afirmou que possivelmente o estado clínico da paciente poderia ser provocado por uma encefalite viral.
12. Realçou que a grande preocupação que tinha, de momento, era controlar os espasmos, uma vez que durante a noite a paciente tinha sofrido várias convulsões.
13. A punção lombar permite detectar a encefalite viral.
14. No dia da admissão da paciente, esta encontrava-se num quarto dos Serviços de Medicina I (Neurologia), com soro e tubo gástrico.
15. Encontrava-se sem qualquer controlo das suas funções vitais por monitores electrónicos.
16. No dia 2 de Janeiro de 2001, o 2º R. informou o pai dos AA. que o estado da paciente se tinha agravado.
17. Para o 2º R. o estado clínico da paciente, neste dia, era muito crítico e corria risco de vida.
18. O 2º Réu realizou a punção lombar 4 dias após o internamento da paciente.
19. O pai dos AA. nunca foi informado do resultado da punção lombar.
20. No dia 4 de Janeiro de 2001, o pai dos AA. e familiares, contactaram o Chefe de Serviço de Medicina I (Medicina Interna) – Dr. V – e o Director dos Serviços de Saúde à data – Dr. R -, para dar conhecimento das suas preocupações e os auscultar quanto a uma possível transferência para os Serviços de Cuidados Intensivos.
21. Invocaram, para pedir a imediata transferência para o Serviços dos Cuidados Intensivos, que a assistência no Serviços de Medicina I (Neurologia) era deficiente, a vários níveis, incluindo o pessoal de enfermagem e de equipamento, tendo em conta a evidente imagem da gravidade do estado clínico da paciente.
22. O 2º Réu alegou, para não se fazer a transferência da paciente para a Unidade de Cuidados Intensivos, que ali teria uma assistência mais regular e intensiva, mas estaria mais vulnerável a qualquer agente patológico presente na referida Unidade.
23. Era notório que ao 5º dia o estado clínico da paciente era cada vez mais debilitante e crítico.
24. Às 12H30 a enfermeira de serviço constatou que nada de anormal se passava com a paciente.
25. Cerca das 13H00, a paciente tinha sido encontrada sofrendo uma paragem cardíaca.
26. Por volta das 13H00, do dia 5 de Janeiro de 2001, o pai dos AA. recebeu um telefonema de uma enfermeira alertando-o para o agravamento repentino do estado de saúde da paciente e pediu que se deslocasse imediatamente ao Hospital.
27. Já no Hospital foi-lhe vedada a entrada no quarto, por estar a ser feita à paciente uma tentativa de reanimação cardíaca.
28. Após várias tentativas de reanimação cardíaca tinha sido possível à equipa médica, com o apoio de uma equipa médica dos Cuidados Intensivos, que havia sido chamado de urgência, manter o funcionamento cardíaco e respiratório da paciente.
29. Após a reanimação, a paciente foi imediatamente transferida para a Unidade de Cuidados Intensivos.
30. Nos cuidados intensivos, a paciente ficou monitorizada, respirando com auxílio de um ventilador mecânico.
31. Ficou a receber estimulantes cardíacos por via intravenosa por forma a garantir uma circulação sanguínea suficiente.
32. A preocupação da equipa médica do Serviços dos Cuidados Intensivos, era, momento, estabilizar o seu estado clínico.
33. Na noite de 5 de Janeiro de 2001, o pai dos AA. e a família tiveram uma reunião com o Chefe dos UCI – Dr. XXX – a sua solicitação.
34. Nessa reunião, foram informados que o estado de saúde da paciente era muito grave com tendência por piorar, utilizando o dito médico a expressão “a sua vida está por um fio”.
35. O médico disse que a sua maior preocupação era tentar conseguir a estabilização do seu estado clínico, apesar de terem conseguido pôr a funcionar o pulmão atingido pela pneumonia por aspiração.
36. Também disse que era remota a hipótese de uma recuperação, visto as probabilidades de lesões cerebrais definitivas serem extremamente elevadas.
37. Na tarde do dia 6 de Janeiro de 2001, o pai da AA. foi informado, por outro médico da Unidade de Cuidados Intensivos, que nada mais havia a fazer, uma vez que horas antes tinha ocorrido a morte cerebral da paciente, pelo que só restava que o coração parasse de bater, facto que veio a acontecer às 23H40.
38. No dia 7 de Janeiro de 2001 realizou-se a autópsia da paciente falecida.
39. O resultado da autópsia nunca foi comunicado dos familiares da falecida.
41. O pai dos AA. solicitou à Direcção do Hospital a abertura de um inquérito por entender existirem indícios suficientes de actos de negligência aquando do internamento da paciente XXX.
42. Ao pai dos AA. foi comunicado que tinha sido aberto um inquérito, no qual tinha sido nomeado o instrutor Dr. M.
43. Pelo menos até à data da propositura da presente acção não foi comunicado ao pai dos AA. o resultado desse inquérito.
44. O 2º R. trabalhava como médico especialista para a 1ª R. à data dos factos.
45. A falecida vivia separada de facto com o pai dos AA.
46. Os ora viviam em harmonia com a falecida; sofreram e continuam a sofrer com o seu desaparecimento, chorando, por vezes, pela sua morte.
47. A medicação ministrada à falecida durante o período de internamento consta da folha de “Terapêutica Médica”, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
48. O acompanhamento da falecido durante o período de internamento consta da folha de “Registos de 24 Horas”, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido.
Factos provados da base instrutória:
i. Se o 2º R. tivesse efectuado logo de início a punção lombar teria confirmado desde logo a encefalite viral.
ii. No dia 2 de Janeiro e 2001, 2º R. disse que o diagnóstico da paciente, apesar de ser reservado, indicava uma encefalite viral.
iii. Aquando da visita do pai dos autores e seus familiares, a paciente teve várias convulsões e apresentava dificuldades respiratórias, o que obrigava ao pessoal de enfermagem, na sua presença, a realizar uma aspiração de fluidos das vias respiratórias.
iv. Durante as convulsões, a assistência por parte da equipa médica, especialmente, da equipa de enfermagem, nem sempre era imediata.
v. Às vezes era necessário que a assistência da enfermeira fosse efectuada através da campainha do quarto, ou a pedido directo de alguém dentro da sala.
vi. No dia 3 de Janeiro de 2001 foi comunicado ao pai dos AA. que a paciente sofria agora de uma pneumonia e que estaria ser tratada para o efeito.
vii. A pneumonia foi contraída durante o seu internamento.
viii. A pneumonia contribuiu para o agravamento do seu estado clínico.
ix. A grande preocupação do Dr. E, ora 2º Réu, continuava a centrar-se na impossibilidade de controlar as convulsões.
x. Afirmou que a paciente não estava a reagir à medicação prescrita, baseada em calmantes, pelo que tinha decidido aumentar a dose dos calmantes por forma a tentar controlar essas mesmas convulsões.
xi. A punção lombar é “exame fundamental” para o diagnóstico precoce das encefalites.
xii. A punção lombar era desaconselhada, por ter consequências perigosas (morte imediata) para a paciente, em virtude do edema cerebral que apresentava.
xiii. O estado de saúde da paciente aconselhava uma assistência médica mais atenta do que aquela que estava a receber no Serviço de Medicina (Neurologia).
xiv. A Unidade de Cuidados Intensivos possui, à data dos factos, dois quartos individuais.
xv. Os doentes internados na UCI ficam mais expostos a qualquer agente patológico.
xvi. A paciente, quando foi admitida no hospital no dia 31 de Dezembro de 2000 não estava em situação clínica que exigia ser internada na Unidade de Cuidados Intensivos, porquanto tal unidade do Centro Hospitalar de Conde São Januário se destina ao internamento de doentes com instabilidade hemodinâmica.
xvii. A paragem cardíaca que a paciente sofreu no dia 5 de Janeiro de 2001 aconteceu sem estar presente qualquer pessoal médico ou de enfermagem.
xviii. Foi detectada casualmente, e logo foram administrados à paciente os primeiros socorros pela enfermeira de serviços.
xix. O médico de urgência afirma ter recebido uma chamada às 13 horas e 15 minutos, 15 minutos depois de ter sido detectada a paragem cardíaca, e quando chegou ao local, viu o 2º réu já estava a socorrer a paciente, tendo conseguido a reanimação da paciente às 13 hora e 45 minutos.
xx. 15 minutos são suficientes para provocar lesões cerebrais, cardíacas e renais irreversíveis.
xxi. O pessoal médico e de enfermagem não tinha possibilidade de saber com precisão, há quanto tempo, a paciente tinha tido a paragem cardíaca.
xxii. A paciente foi transferida para a Unidade de Cuidados Intensivos na consequência da paragem cardíaca que sofreu.
xxiii. A médica dos Cuidados Intensivos sobre possíveis lesões cerebrais respondeu que eram elevadas as possibilidades de tal ter ocorrido, sendo que se desconhecia o tempo que teria estado sem respirar, logo sem oxigenação cerebral.
xxiv. Na reunião tida na noite de 5 de Janeiro de 2001, o Dr. XXX referiu que a paciente apresentava quantidades muito elevadas de barbitúricos e benzodiazepinas no sangue, chegando a fazer constar no seu relatório que as mesmas era exorbitantes.
xxv. O que provocou a paragem cardíaca e a morte da mãe dos AA. foi a conjugação do edema cerebral, a infecção viral e a pneumonia.
xxvi. A encefalite herpes simplex (EHS) é uma patologia rara em adultos, geradora de complicações clínicas associadas e de alta mortalidade.
xxvii. A falecida XXX assumia o sustento dos ora AA., incluindo as despesas relativas à segurança, saúde e educação.
xxviii. À data do seu falecimento, auferia um vencimento mensal acima das 23.000 (vinte e três mil) patacas.
xxix. Logo no primeiro dia de internamento foi detectado um aumento de glóbulos brancos no sangue da paciente, o que é o primeiro sinal de infecção.
xxx. A mãe dos autores despendia com o sustento destes 2/3 do seu vencimento.
xxxi. Com o funeral da XXX foi despendida a quantia de 28.000 (vinte e oito mil) patacas, do património dos autores.
xxxii. Os AA. são filhos legítimos da falecida XXX e de D.
xxxiii. A falecida era casada, à data do óbito, com o pai dos autores.
xxxiv. A data de nascimento da falecida XXX é o dia XX de XXX de 19XX.
xxxv. Os autores A, B e C nasceram respectivamente XX/XX/19XX, XX/XX/19XX e XX/XX/20XX.

Conhecendo:
    Há dois recursos a que cumprem apreciar, um foi o recurso interlocutório que indeferiu o pedido de 2ª perícia e o último o recurso da sentença final.
    Comecemos pela apreciação do recurso interlocutório.
    Este recurso foi interposto do despacho que indeferiu a requerimento de segunda perícia com fundamento de extemporaneidade.
    Dos autos podemos ver:
    - Por carta datada em 29/5/2007 foram os autores notificados do relatório da 1ª perícia;
    - Da 1ª perícia, os autores reclamaram, em 11/6/2007, e o Mm° Juiz decidiu, por despacho de 20/6/2007, relegar para os esclarecimento em audiência.
    - Notificados deste despacho por carta de 20/6/2007, os autores interpuseram recurso deste despacho, mas não foi admitido, por entender não haver indeferimento da reclamação.
    - Não houve reclamação desta não admissão do recurso.
    - Em 29/6/2007, foi pedida a 2ª perícia, mas foi indeferida, por extemporaneidade.
    - Foi interposto recurso deste despacho que tinha sido admitido com efeito meramente devolutivo e subida diferida.
    
    Dispõe o artigo 510° do Código de Processo Civil, quanto à realização de segunda perícia, que:
    “1. Qualquer das partes pode requerer segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância com o relatório pericial apresentado.
    2. O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, quando a julgue necessária ao apuramento da verdade.
    3. A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.”
    Como podemos ver, a lei prevê que a parte pode pedir a realização no prazo de 10 dias a partir do “conhecimento do resultado da perícia”. Aqui está em causa o “resultado”, e não da data da notificação.
     A lei prevê expressamente o mecanismo de reclamação da perícia apresentada e a outro passo o de requerer a 2ª perícia.
    A 2ª perícia não constituísse uma instância de recurso, visa sim fornecer ao tribunal novo elemento de prova relativo aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (artigo 511° al. a), e, seu efeito não seria automático, é antes de livre apreciação do tribunal (artigo 512°).
    Para o requerimento da segunda perícia, as partes estão obrigadas a indicar concretamente os fundamentos da discordância com a primeira perícia no seu requerimento, nos termos do n° 1 do citado artigo 510° do Código de Processo Civil.
    Sem estarem esclarecidos todos os elementos constantes da perícia, como é que é possível para as partes cumprirem essa dita obrigação? Ou seja enquanto não esteja esclarecido da primeira perícia, não houve definitivamente “resultado”, momento a partir do qual podia correr o prazo para requerer a segunda.
    Por isso temos de entender que a iniciativa das partes no sentido de requerer a 2ª perícia há-de ter lugar no prazo de 10 dias após a notificação do relatório (artigo 507° n° 1) ou dos esclarecimentos e aditamentos requeridos em reclamação apresentada (artigo 508° n° 4)”.1
    Após a não decisão da reclamação ou esclarecimento da primeira perícia, foi oportunamente requerida a segunda perícia.
    Tem que admitir o pedido, e enquanto o Tribunal não o admitiu, incorrer no vício de nulidade processual de todos os termos ulteriores, o que leva a anulação dos mesmos, devendo baixar os autos para a primeira instância proceder a pedida segunda perícia.
    Decidida esta questão ficou prejudicada a apreciação do recurso da decisão final.
    Ponderado, resta decidir.
    Pelo exposto acordam neste Tribunal de Segunda Instancia em:
- Conceder provimento ao recurso interlocutório interposto pelos autores, anulando todos os termos processuais após o pedido de segunda perícia, que deve ser admitido e procede em conformidade.
- Não conhecer, por ser prejudicada a sua apreciação, do recurso interposto pelos autores da sentença final.
    Sem custas.
    RAEM, aos 27 de Outubro de 2011
    Choi Mou Pan Presente
    João A. G. Gil de Oliveira Victor Manuel Carvalho Coelho
    José Cândido de Pinho
11 J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, anotado, Vol. 2, Coimbra Editora, p.521.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




TSI-682/2008 Página 53