Processo nº 400/2011 Data: 29.09.2011
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “consumo ilícito de estupefacientes”.
Revogação da suspensão da execuão da pena.
SUMÁRIO
1. Constatando-se que a arguida insiste na sua conduta delinquente, violando também as obrigações que lhe foram fixadas aquando da decisão da suspensão da execução de uma pena aplicada pela prática de 1 crime de consumo ilícito de estupefacientes, correcta é pois a decisão de se revogar a decretada suspensão da pena.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 400/2011
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença em 22.02.2011 pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida nos Autos de Processo Sumário n° CR1-11-0030-PSM, decidiu-se condenar A, com os sinais dos autos, como autora da prática de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes” p. e p. pelo art. 14° da Lei n° 17/2009, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 período de 2 anos, “sob a condição de se apresentar no D.R.S. a fim de proceder ao tratamento e submeter-se ao exame de pesquisa de estupefaciente no organismo todas as semanas”; (cfr., fls. 29 a 32 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Posteriormente, em 12.05.2011, por despacho proferido após audiência da arguida, decidiu-se revogar a decretada suspensão da pena assim como de uma outra aplicada no âmbito de outro processo; (cfr., fls. 71 a 73 e 114 a 122-v).
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Do assim decidido, e porque inconformada, vem a arguida recorrer, e limitando o seu recurso ao segmento decisório que revogou a suspensão da execução da pena aplicada nos presentes autos, assaca àquele o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e “violação do art. 54° do C.P.M.”; (cfr., fls. 78 a 88).
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Em Resposta e posterior Parecer, pugnam os Exm°s Magistrados do Ministério Público pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 93 a 94-v e 182).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
2. Mostra-se útil aqui transcrever, na parte que interessa, a decisão objecto do presente recurso.
Tem o teor seguinte:
“Em 16 de Novembro de 2009, a condenada foi condenada no processo n.º CR1-08-0264-PCS, pela prática, no mesmo dia, de um crime de detenção ilícita de drogas para consumo pessoal, p. e p. pelo art.º 14º da Lei n.º 17/2009, e de um crime de detenção indevida de cachimbos e outra utensilagem, p. e p. pelo art.º 15º da mesma Lei, respectivamente, na pena de 1 mês e 15 dias e de 2 meses de prisão e, em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo n.º CR1-09-0349-PSM, foi a mesma condenada numa pena única de 4 meses de prisão, com pena suspensa por 2 anos, sob condição de a mesma se dirija, no decurso da suspensão da execução da pena de prisão, à Divisão de Tratamento e Reinserção Social do Instituto de Acção Social para receber o tratamento de desintoxicação, acompanhado do regime de prova. A respectiva decisão transitou em julgado em 26 de Novembro de 2009.
No decurso de suspensão da execução da pena de prisão decretada no processo n.º CR1-08-0264-PCS, foi detectada que a condenada continuou o uso de drogas, pelo que o Tribunal ouviu as declarações da mesma em 23 de Abril de 2010, atendendo à situação desta, o Tribunal concedeu-lhe mais uma oportunidade de se corrigir, no sentido de a conduzir ao lar de desintoxicação em Coloane (Centro Desafio Jovem) para receber o tratamento de desintoxicação. Depois, atendendo ao serviço prestado pelo Centro Desafio Jovem, assim como à doença e ao estado físico da condenada, em 20 de Julho de 2010, o Tribunal ordenou que se mantivesse temporariamente a dirigi-la, no restante período de suspensão da execução da pena de prisão, à Divisão de Tratamento e Reinserção Social do Instituto de Acção Social para continuar a receber o tratamento de desintoxicação consoante o seu estado físico (incluindo o serviço de internamento a curto prazo fornecido pela Divisão de Tratamento e Reinserção Social em caso necessário) e submeter-se ao exame toxicológico de urina, a fim de a desintoxicar gradualmente, mas, por seu turno, foi detectada que ainda não deixou o consumo de drogas.
Todavia, posteriormente, em 22 de Fevereiro de 2011 a condenada foi condenada no processo n.º CR1-11-0030-PSM, pela prática, em 21 de Fevereiro de 2011, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p. e p. pelo art.º 14º da Lei n.º 17/2009, na pena de 3 meses de prisão, com pena suspensa por 2 anos, sob condição de a mesma seja acompanhada por técnico social do Departamento de Reinserção Social e receba semanalmente o tratamento do exame de desintoxicação. A respectiva decisão transitou em julgado em 4 de Março de 2011.
No decurso de suspensão da execução da pena de prisão decretada nos aludidos dois processos, a condenada submeteu-se ao tratamento de desintoxicação e ao exame toxicológico de urina na Divisão de Tratamento e Reinserção Social do Instituto de Acção Social, mas o resultado foi infrutífero e foi detectada que a mesma ainda não deixou o consumo de drogas. Embora a condenada consumisse drogas durante muito tempo, fosse extremamente difícil tirar o seu vício em drogas num curto período de tempo e tentasse submeter-se ao tratamento de desintoxicação na Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau, a situação desta era instável, abandonou o lar de desintoxicação após dois meses de internamento, voltou a consumir drogas e, sob vários pretextos, recusou-se a internar-se no lar (a Associação de Reabilitação de Toxicodependentes de Macau não recebeu o dito boletim de inscrição que tinha sido apresentado pela condenada).
Daí se vislumbra que, depois de tantas oportunidades, a condenada ainda não tem a consciência de se corrigir e, tendo praticado crime e consumido drogas no decurso de suspensão da execução da pena de prisão, não apreciou a suspensão da pena decretada nos dois processos, assim, infringindo grosseira e repetidamente os deveres da suspensão que lhe foram impostos, pelo que, atendendo a demais situações da condenada, nos termos do art.º 54º, n.º 1, al.s a) e b) do Código Penal, o Tribunal decide revogar a suspensão da execução da pena de prisão decretada nos aludidos dois processos (CR1-08-0264-PCS e CR1-11-0030-PSM), sendo imediata a execução das penas de prisão de 4 meses e de 3 meses, consecutivamente 7 meses, que lhe foram impostas.
(…) ”; (cfr. fls. 119 a 122).
3. Com o presente recurso busca a arguida ora recorrente a revogação da decisão atrás transcrita na parte que lhe revogou a suspensão da execução da pena de 3 meses de prisão aplicada nos presentes autos.
Patente sendo a inexistência do assacado vício de “insuficiência”, já que o Tribunal a quo proferiu a decisão recorrida após ouvir a arguida, seu Defensor e Magistrado do Ministério Público, tendo consignado, em acta, tudo o que dito foi, tendo, igualmente, seriado os factos relevantes para a decisão, resta ver se incorreu em “erro de direito”.
Vejamos.
Preceitua o art. 19° da Lei 17/2009 que:
“1. Se o arguido tiver sido condenado pela prática dos crimes previstos nos artigos 14.º ou 15.º e tiver sido considerado toxicodependente nos termos do artigo 25.º, o tribunal suspende a execução da pena de prisão, sob condição, para além de outros deveres ou regras de conduta adequados, de se sujeitar voluntariamente a tratamento ou a internamento em estabelecimento adequado, o que comprovará pela forma e nas datas que o tribunal determinar.
2. Todavia, nos casos em que anteriormente tenha sido suspensa a execução da pena de prisão, aplicada pela prática dos crimes previstos nos artigos 14.º ou 15.º, o tribunal pode decidir aplicar ou não a suspensão da execução da pena.
3. Se durante o período da suspensão da execução da pena de prisão o toxicodependente culposamente não se sujeitar a tratamento ou a internamento ou deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos pelo tribunal, aplica-se o disposto no Código Penal para a falta de cumprimento desses deveres ou regras de conduta.
4. Quando revogada a suspensão, o cumprimento da pena de prisão terá lugar em zona apropriada do estabelecimento prisional.
5. A sujeição do toxicodependente a tratamento ou a internamento em estabelecimento adequado durante o período de suspensão é executada mediante mandado emitido, para o efeito, pelo juiz, com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, em articulação com os Serviços de Saúde ou com o Instituto de Acção Social.
6. Os serviços de reinserção social informam o juiz da evolução e termo do tratamento ou do internamento, podendo sugerir medidas que considerem adequadas à cura do toxicodependente”.
Por sua vez, nos termos do invocado art. 54° do C.P.M.:
“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
Ora, no caso, é manifesto que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena se mostra justificada, pois que a ora recorrente não observou, culposamente, as obrigações que lhe tinham sido impostas como condição da suspensão da execução da pena.
Aliás, é caso para se dizer que a ora recorrente “insiste” em se dedicar ao consumo de estupefacientes, já que depois de condenada no Processo n.° CR1-08-0264-PCS, e, posteriormente no Processo n.° CR1-09-0349-PSM, em 23.04.2010, após lhe ser dada mais uma oportunidade, em 22.02.2011, voltou a ser condenada no âmbito dos presentes autos, desrespeitando também as obrigações que nesta última decisão lhe foram impostas.
Assim, e sem necessidade de mais alongadas considerações, adequada se nos apresenta o juízo em que assenta a decisão ora recorrida.
–– Contudo, deparamo-nos com uma questão.
É que o despacho pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferido revogou não só a pena aplicada nos presentes autos, mas também a imposta no Processo n.° CR1-08-0264-PCS e objecto de cúmulo jurídico no Processo n.° CR1-0349-PSM.
Cremos que se alcança a razão do assim decidido. Certamente, por motivos de “economia processual”.
Porém, sendo processos autónomos, e enquanto se mantiver tal autonomia, não se vê fundamento legal para em sede do presente processo se revogar a suspensão de uma pena decretada noutro processo, (e que entretanto tinha sido objecto de cúmulo com uma outra de outro processo).
Seja como for, visto que limitou a recorrente o objecto do seu recurso ao segmento decisório que lhe revogou a suspensão da execução da pena aplicada nestes autos, e sendo do nosso conhecimento oficioso que em relação à parte em que se decidiu revogar a suspensão da execução da pena aplicada no referido Processo n.° CR1-08-0264-PCS interpôs também a arguida recurso que neste T.S.I. corre termos com o n.° 415/2011, nada mais se nos mostra de acrescentar.
Decisão
4. Nos termos que se deixam expostos, nega-se provimento ao presente recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários aos Defensor no montante de MOP$1000.00.
Comunique aos Processos n.° CR1-08-0264-PCS e CR1-09-0349-PSM.
Macau, aos 29 de Setembro de 2011
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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