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Proc. n º 144/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Novembro de 2011
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
- Reconvenção
SUMÁRIO:
I- A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II- É de anular oficiosamente a sentença da 1ª instância, com vista à repetição de julgamento, se a decisão não esclarece quais os dias específicos que considerou no cômputo do valor indemnizatório apurado no quadro dos dias de descanso semanal e de feriados obrigatórios não gozados, ao mesmo tempo que consigna a existência de um período de trinta dias atribuição de férias remuneradas.












Proc. N. 144/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 2.031.570,00, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Na contestação, a ré suscitou a excepção de prescrição, defendeu-se por impugnação e deduziu reconvenção contra a autora.
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No despacho saneador, o tribunal de 1ª instância julgou prescritos os créditos anteriores a 27/07/1989 e julgou verificada a execepção dilatória de falta de interesse em agir por parte da reconvinte quanto à parte declarativa do pedido (declaração de validade do contrato celebrado).
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Deste despacho saneador foi interposto recurso pela STDM, em cujas alegações foram apresentadas as seguintes conclusões:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e Juízo, deve proceder a Reconvenção deduzida pela Ré e Recorrente,
2. Conhecendo-se dos dois pedidos ínsitos na mesma Reconvenção, nos artigos 251º e seguintes da Contestação e Reconvenção.
3. Pelo que, salvo melhor entendimento, improcede o douto Despacho Saneador que, a fls. 167 e seguintes dos autos, absolveu da instância o Autor e aqui Recorrido do pedido da ora Reconvinte, de declaração de validade do contrato por pretensa falta de interesse em agir.
4. Não existe falta de interesse processual nem falta de interesse em agir por parte da Ré e aqui Recorrente,
5. Tendo em vista o peticionado nos artigos acima referidos e tendo em vista o valor da Reconvenção (MOP 7.231.961,00),
6. Bem como o prejuízo objectivo e grave que sobre a Recorrente impende com a presente acção judicial laboral em que são exigidos pelo Autor/Reconvindo e aqui Recorrido, a quantia pecuniária peticionada nos autos, que é de MOP 2.031.570,00, acrescidas de juros de mora legais vencidos e vincendos a contar da data do termo da relação contratual.
7. Pelo que, não existe fundamento para, quanto ao segundo pedido Reconvencional, absolver-se o A./Reconvindo da instância, por falta do pressuposto processual (interesse em agir) previsto nos artigos 72º e 73º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por remissão legal expressa do Código de Processo do Trabalho (CPT),
8. Tendo sido deduzida a presente Reconvenção no presente litígio justamente, em ordem à celeridade, oportunidade e rapidez processuais do processo laboral,
9. Escusando a Ré e Recorrente de instaurar novo pleito judicial para reaver o montante das gratificações ou gorjetas recebidas pelo Autor e ora Recorrido, dos terceiros/clientes dos casinos que a Ré explorou até final de Março de 2002,
10. Levando em linha de conta o expendido na Contestação / Reconvenção, para requerer a V. Exas do douto Tribunal ad quem que revoguem o douto Despacho recorrido, desde logo, na parte em que absolveu o aqui Recorrido da instância por alegada falta de “situação objectiva e grave” e por falta ou inexistência de uma “situação de carência que justifique o recurso às vias judiciais”, como ficou expresso no referido Despacho que aqui se recorre inter1ocutoriamente.
11. Sobre o “outro” pedido Reconvencional, decidido na segunda parte do douto Despacho ora em crise e em recurso, o locupletamento sem causa do Reconvindo à custa da Ré e Recorrente, em MOP 2.031.570,00, tal quantia monetária traduz o valor das luvas ou gorjetas que recebeu e que,
12. De uma forma repetida e excessiva, procura agora no presente pleito, enriquecer-se novamente à custa da Ré e aqui Recorrente, ao peticionar mais de dois milhões e trinta e uma mil patacas por pretensa falta de descansos semanais, anuais e feriados obrigatórios,
13. Descurando-se o facto essencial de ter auferido um elevadíssimo rendimento ao longo dos anos em que prestou serviço e foi funcionário ou empregado ou prestador de serviços da Ré e Recorrente,
14. Desde logo, por mor das luvas, gratificações ou gorjetas prestadas pelos Clientes e distribuídas pela Ré e aqui a Recorrente.
15. O Mmo Juiz a quo não se pronunciou sobre o primeiro pedido reconvencional, “do enriquecimento sem causa”, mas aqui se refere, alega e conclui, por cautela de patrocínio e salvaguarda dos interesses da Recorrente.
16. Pedido que foi deduzido nos artigos 251º a 276º da Contestação / Reconvenção e que deve proceder integralmente, até pela revelia do A./Recorrido, que é operante, não se tendo pronunciado em face da contra-acção da Ré/Reconvinte.
17. Houve revelia operante do A., ora Recorrido, notificado para responder à reconvenção em sede de resposta à contestação, manteve o silêncio.
18. Ou seja, não contestou nem replicou, logo, sibi imputet, devendo ser condenada de preceito porque,
19. Tal silêncio tem a cominação dada pelo número 1 do artigo 32º do CPT, i.e., consideram-se reconhecidos os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito.
20. Em consequência todos os factos alegados nos artigos 251º e seguintes (a 284º) da Contestação/Reconvenção deveriam ter sido considerados reconhecidos e, em consequência, provados.
21. O Mmo Juiz a quo não se pronunciou sobre tal revelia operante em relação à Reconvenção da ora Recorrente, a qual é uma contra-acção, que deve seguir os mesmos termos de uma petição inicial.
22. O A. e aqui Recorrido deveria ter sido condenado de preceito no pedido reconvencional, como se aludiu.
23. A causa para o enriquecimento do A. e aqui Recorrido assenta e assentava na sua renúncia expressa à remuneração em dias de descanso (semanal, anual e feriados obrigatórios).
24. Apenas por ter aceitado não ser remunerado (além do seu salário diário, exposto na Contestação) durante a relação laboral, a R., ora Recorrente, permitiu ao A., ora Recorrida, participar no esquema das gratificações, luvas, prémios irregulares ou “gorjetas”, entregues pelos terceiros, os Clientes da Recorrente nos casinos explorados até 31 de Março de 2002,
25. Verdadeiras liberalidades ou doações remuneratórias, e não salário nem obrigação legal ou factual da ora Recorrente,
26. Isto é, a causa deixou de existir no momento em que a acção foi intentada, passando, no entendimento da Recorrente, o A./Recorrido a estar obrigado a restituir o indevidamente recebido a título de gorjetas,
27. Ao receber parte das gorjetas, cuja causa para o seu recebimento era o não ser remunerado nos seus dias de descanso, parece forçoso concluir que o Recorrido enriqueceu à custa do empobrecimento da Ré, ora Recorrente, quando intentou a presente acção.
28. Não é só quando não há nenhuma causa para as deslocações pecuniárias que o instituto do enriquecimento sem causa poderá ser invocado, mas, ao invés, quando a causa para essa deslocação deixa de existir.
29. Em conclusão, requer-se a V. Exas o conhecimento da Reconvenção e dois dois (2) pedidos nela ínsitos, seguindo-se os demais termos do processo e, assim, fazendo sempre a costumada e habitual Justiça.
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O processo prosseguiu, entretanto, os seus normais trâmites e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de HK$ 6.960,00 acrescida de juros legais.
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É dessa sentença que o trabalhador/autor interpôs o presente recurso, tendo concluído do seguinte modo as suas alegações:
A - O Pedido Reconvencional formulado teria que ter sido indeferido, por falta de cumprimento dos requisitos previstos no art. 17º do Código de Processo de Trabalho, sendo o Despacho que o admitiu nulo - cfr. art. 417º, nº 4 e 571º, nº 1 alínea b) do C.P.C.
B - O MMº Juiz ad quo, por que o pedido reconvencional não cabe dentro do âmbito do Processo Comum de Trabalho interposto, nem em nada se relaciona com os Direitos e Deveres do A. e a relação laboral estabelecida com a ora recorrida, deveria tê-lo desentranhado e remetido para os meios comuns, sendo incompetente para o julgar - cfr. art. 17º do C.P.T. e 30 e ss. do C.P.C, com o que a Sentença está ferida da nulidade prevista no art. 571º, nº 1 alínea d) do C.P.C.
C - Ao abrigo do disposto no art. 25º do RJRT, as gorjetas são parte integrante do salário do recorrente, sob pena de, não o sendo, o salário não ser justo;
D - A Sentença recorrida viola o Princípio da Igualdade, pois os direitos dos trabalhadores nas mesma circunstâncias do recorrente têm vindo a ser acauteladas pelos Tribunais da RA.E.M., existindo sobre a questão Jurisprudência Assente e que considera serem as gorjetas parte integrante dos salário dos trabalhadores da recorrida.
E - Ao não considerar as gorjetas parte integrante do salário do recorrente, a Sentença proferida viola o constante do art. 25º do RJRT, o art. 23º, nº 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, entre outros, com a consequente abertura de portas à violação do direito a uma existência decente e minimamente digna, sujeitando os trabalhadores a uma subsistência miserável, indigna, semelhante a uma possível “escravatura moderna”.
F - Tendo considerado provado que a R., recorrida, pagava à recorrente quantias nas quais se incluíam as gorjetas recebidas e distribuídas aos trabalhadores pela própria, não pode vir o MMo Juiz ad quo, a posteriori e em sede de Sentença, decidir que, afinal, tais montantes não integram o seu salário.
G - Inexiste qualquer identidade ou paralelismo entre a situação dos trabalhadores dos casinos em Portugal e os de Macau, porque aqueles recebem, desde logo, da entidade patronal um salário justo, i.e., que permite a sua normal subsistência, nunca inferior ao salário mínimo Nacional, sendo que caso as gorjetas não fizessem parte integrante do salário dos trabalhadores de Macau, seria o seu salário miserável e incapaz de prover à sua alimentação, quanto mais às restantes necessidades do ser humano.
H - Também, em Portugal, as gorjetas não são recebidas e distribuídas ao belo prazer da entidade patronal, segundo regras e critérios desconhecidos dos trabalhadores, sendo a questão clara e transparentemente regulada por Lei.
I - A Lei nº 7/2008 veio, e bem, regular estas situações em que se integra o recorrente, prevendo claramente que o sistema de recebimento de “gorjetas” criado pela R. e a que A. esteve sujeita, não foge do que se vem alegando, sendo certo que as gorjetas são parte integrante do salário dos trabalhadores.
J - De acordo com o disposto no art. 17º, nºs 1, 3 e 6 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula correcta de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de descanso semanal é 2 x valor da remuneração média diária x número de dias de descanso semanal vencidos e não gozados e não a constante da Douta Sentença proferida.
L - De acordo com o disposto nos arts. 20º, nº 1 e 19º, nºs 2 e 3 do D.L. nº 24/89/M, a fórmula de cálculo da indemnização do recorrente por trabalho efectivo prestado em dias de feriado obrigatório é 3 x valor da remuneração média diária x os feriados obrigatórios vencidos e não gozados e não qualquer outra fórmula.
M - A Douta Sentença proferida padece da nulidade prevista no art. 571º, nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil.
N - Atento o inderrogável Princípio do Favor Laboratoris, elaborado atentas as especificidades do Direito de Trabalho e a necessidade de proteger o trabalhador, encontrando-se a solução jurídica que lhe seja mais favorável, uma vez que é a parte débil em qualquer relação laboral, deve sempre encontra-se a solução que mais favorável seja ao ora recorrente.
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A STDM contra-alegou, concluindo as suas alegações do seguinte modo:
1- Com todo o respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário.
2- A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3- No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4- Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5- Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o(a) Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6- O(A) Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7- Cremos que o facto da definição dos critérios de distribuição das gorjetas caber, em Macau, à entidade empregadora não altera a natureza não salarial daquelas prestações.
8- Tampouco as gorjetas que o(a) A. recebeu enquanto trabalhou para a R. se transmutam em remuneração por efeito das alíneas 4) e 5) do artigo 2º da nova Lei das Relações de Trabalho (LRT), aprovada pela Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto.
9- Na verdade, mesmo que se entenda que à luz dessas disposições as gorjetas dadas por clientes de casino integram a remuneração dos trabalhadores, sempre se dirá que, como se sabe, a LRT não se aplica ao caso dos autos, nem a outras situações totalmente passadas anteriormente à sua entrada em vigor (cfr. o seu artigo 93º, n.º 1).
10- Mais: o facto da alínea 5) do artigo 2º da nova LRT especificar que as “gorjetas cuja cobrança seja incontornável pelo empregador” integram se no conceito de “remuneração” demonstra apenas que, à luz do direito anterior, tais quantias não integravam os conceitos de retribuição - precisamente, porque as normas equivalentes que vigoravam enquanto durou a relação laboral não continham qualquer referência semelhante (vide artigos 27º, n.º 2, e 25º, n.º 2, do Regime Jurídico das Relações Laborais de 1984 e de 1989, respectivamente).
11- Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
12- Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
13- Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto Tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”.
14- Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
15- Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
16- Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
17- Trabalho prestado em dias de feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
18- Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida ao(à) Recorrente, remete-se para as fórmulas adoptadas nos já referidos Acórdãos do TUI, proferidos no âmbito dos Processos n.ºs 28/2007, 29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença recorrida deu por verificados a seguinte factualidade:
1. A Ré teve por objecto até 31 de Março de 2002, a exploração de jogos de fortuna e azar em casino, a indústria hoteleira, de turismo, transportes aéreos, marítimos e terrestres, construção civil, operações em títulos públicos e acções nacionais e estrangeiros, comércio de importação e exportação. A começou a trabalhar para a Ré STDM, em 4 de Fevereiro de 1975 e deixou de trabalhar para a mesma Ré em 30 de Novembro de 1996.
3. O rendimento do Autor era constituído por uma quantia fixa diária e por uma quantia variável correspondente a uma quota-parte das gratificações ou gorjetas diárias recebidas dos clientes do casino e distribuídas pela ré de acordo com critérios por esta estabelecidos.
4. O Autor, entre os anos de 1989 e 1996, recebeu as seguintes quantias:
a)1989: 602.120,00;
b)1990: 727.820,00;
c)1991: 757.420,00;
d)1992: 796.656,00;
e)1993: 770.620,00;
f)1994: 812.020,00;
g)1995: 807.620,00;
h)1996: 686.960,00.
5. O Autor prestou serviços em turnos, conforme horários fixados pela entidade patronal.
6. Os turnos eram os seguintes:
1. 1º e 6º turnos, das 07h00, às 11h00 e das 03h00 até às 07h00:
2. 3º e 5º turnos, das 15h00 às 19h00 e das 23h00 às 03h00 (do dia seguinte);
3. 2º e 4º turnos, das 11h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h00.
7. O autor gozou anualmente 30 dias remunerados de férias durante o período em que durou a sua relação laboral com a ré.
8. Enquanto esteve ao serviço da Ré, esta nunca autorizou o Autor a gozar descansos semanais remunerados.
9. A Ré também não autorizou o Autor a gozar os feriados obrigatórios remunerados.
10. Nunca a ré pagou ao autor qualquer acréscimo salarial.
11. Autor e ré acordaram que aquele auferia uma remuneração diária fixa por cada dia de trabalho efectivo, de valor simbólico e uma quota nas gorjetas doadas pelos clientes da ré, de montante imprevisível.
12. A referida quantia fixa foi de MOP$27,00 (vinte e sete patacas) por dia, desde o início do trabalho até ao fim da relação laboral.
13. Acordaram ainda Autor e Ré que caso o trabalhador pretendesse gozar dias de descanso ou se por qualquer motivo não pudesse prestar o seu trabalho, perdia o direito aos montantes referidos em 11).
14. O autor, para além dos 30 dias de férias que gozou, como referido em G) dos factos assentes, nunca viu retirada a possibilidade de pedir dias de ausência ao emprego quando bem desejasse e entendesse fazê-lo.
15. As gratificações do terceiros/clientes dos casinos que a mesma explorou até 31 de Março de 2002 eram recebidos pelos croupiers que as ofereciam se quisessem e diariamente reunidas, contabilizadas e guardadas por um Comissão Paritária com a seguinte composição: um funcionário do Departamento da Inspecção e Jogos de Fortuna ou Azar, um membro do Departamento de Tesouraria da Ré, um gerente de Andar ou Floor Manager e um ou mais Trabalhadores/croupiers da Ré a operar nas mesas de jogo.
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III- O Direito
1- Recurso do despacho saneador
No despacho saneador, o M.mo Juiz, a respeito da reconvenção, decidiu julgar procedente a excepção dilatória de falta de interesse em agir relativamente à parte dela em que a ré pedia a declaração de validade do contrato celebrado com a autora, absolvendo esta da instância reconvencional.
Apreciemos.
O saneador afirmou que não estavam reunidos os requisitos do interesse em agir, tal como definido nos arts. 72º e 73º, nº1, conjugados com o art. 11º, nº2, al. a), do CPC.
Está em apreciação a matéria que, alegadamente, diria respeito às condições da própria contratação: que o salário seria pago à razão diária e apenas pelos dias de trabalho efectivamente prestado e que os dias de descanso, que podiam ser realmente gozados, quando pedidos, não seriam remunerados.
Ora, esta matéria, se bem a entendemos, é ligada à substância da acção e constitui, em vez de matéria reconvencional, um feixe de questões que representam facticidade que à excepcionante cumpria demonstrar. E tanto assim é que foi levada à base instrutória (quesitos 6 e 7). Acontece, por outro lado, ela não foi relevada no âmbito da reconvenção, antes acabou por merecer um tratamento de relevo substantivo no quadro da acção/defesa. Basta ver a sentença onde a fls. 8 e 9 está muito claramente dito que a circunstância de ter sido acordado o pagamento apenas nos dias de trabalho efectivo não tinha eficácia jurídica extintiva por versar direitos indisponíveis. Quer isto dizer que a questão que a ré/reconvinte queria discutir acabou por sê-lo realmente, ainda que sob o prisma da excepção e não sob o da reconvenção. De qualquer modo, o assunto foi tratado no tribunal “a quo” e na presente, tal como unanimemente vem acontecendo, também a questão é julgada contra a arguição da STDM. Desta vez não será diferente, pois o assunto será tratado unitariamente no recurso da sentença.
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Recurso da sentença
1- Importa começar por esclarecer que o saneador considerou prescritos os créditos anteriores a 27/7/1989.
Depois não esqueçamos que apenas estão em causa os créditos relativos ao não gozo dos descansos semanais e feriados obrigatórios, visto que quanto aos anuais não foram objecto da pretensão indemnizatória na petição inicial.
Recorreu o autor por considerar que a sentença padece de nulidade e por defender que o salário não era só composto pela parte fixa, mas também pela variável (gorjetas). Impugna ainda as fórmulas de cálculo da indemnização para os créditos referentes aos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios não foram correctamente apurados.
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2.1- Antes de tudo isso, porém, imputa à sentença a nulidade de que trata o art. 571º, nº1, al. b) e d), do CPC:
No primeiro caso por defender que o pedido reconvencional deveria ter sido indeferido, por falta dos respectivos requisitos e por erro na aplicação do direito.
No segundo, por não se ter declarado incompetente e por ter remetido o reconvinte para os meios comuns para a análise desse pedido.
Parece evidente que o recorrente nenhuma razão tem em qualquer dos ângulos da invocação.
Na verdade, tanto no que respeita à falta dos requisitos da reconvenção, como da eventual incompetência, o autor não recorreu do saneador na altura própria. E, por isso, não pode a sentença padecer de um vício que se pretende imputar ao saneador. Quanto ao argumento relativo ao erro na aplicação do direito (esse erro traduzir-se-ia na circunstância de ter a sentença prosseguido um caminho contrário ao da jurisprudência assente neste TSI, patente se torna que o caso não é de nulidade, mas de eventual erro de julgamento, que importa ou não, consoante o que vier a ser julgado, a revogação ou confirmação da decisão aqui impugnada. Portanto, improcede a nulidade invocada com tais fundamentos.
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2.2- Não se ficou, no entanto, por aqui o recorrente. Na verdade, também invocou a nulidade do art. 571º, nº1, al. c), do CPC, com o argumento da oposição entre fundamentos e decisão, concretamente, por, em sua opinião, a sentença ter dado como provado que entre 1989 e 1996 o trabalhador recebeu determinadas quantias e que nessas quantias se incluíam as gorjetas, para depois vir a concluir que o salário diário era apenas a quantia fixa.
Efectivamente, a alínea c) da matéria de facto apresenta o rendimento do autor como sendo constituído por uma quantia fixa diária e outra quantia variável correspondente às gratificações recebidas dos clientes dos casinos. E tal rendimento, em cada ano, era o que vem especificado na alínea D). Todavia, a sentença não deixou de, através de um exercício de remissão para outras decisões anteriores em que esse assunto era tratado, considerar que as gorjetas não faziam parte do salário. Ou seja, o rendimento total recebido pelo trabalhador era independente do valor do salário, que em sua óptica era constituído somente pela parte fixa. É um ponto de vista, que não sufragamos, mas que tem os seus seguidores. Isso não está em causa, por ora. O que se não pode é dizer que o facto de ter sido entendido que aquele rendimento equivalia ao salário. Pelo contrário, o que a sentença acabou por concluir é que o salário fazia parte dele, mas não se confundia com ele. E nisto não há qualquer contradição, como aquela que o art. 571º, nº1, al. c), do CPC estabelece. Em suma, também esta arguição de nulidade é de improceder.
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3- Analisemos, agora, a parte substantiva do recurso do autor.
Discute-se, portanto, se as gorjetas devem ou não fazer parte do salário. A sentença recorrida considerou que não, e é dela que ora vem interposto o presente recurso.
O recorrente começou a trabalhar para a recorrida como empregado do casino, recebendo como contrapartida diária uma quantia fixa, desde o início até à cessação da relação laboral. Para além disso, recebia uma quantia variável em função de gorjetas recebidas dos clientes do casino, que a recorrida reunia, contabilizava e posteriormente distribuía por todos os seus empregados.
Ora, tal como o TSI tem defendido, o contrato em causa é de trabalho, porque reúne todas as características próprias deste.
Socorramo-nos do aresto lavrado no Ac. de 19/03/2009, Proc. nº 690/2007:
“Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre a autora e a ré, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar”.
Concordamos com a posição e nada mais temos a acrescentar-lhe.
No que se refere ao valor do salário, pergunta-se: Será que ele apenas é constituído pela parte fixa ou também englobará a parte variável em resultado das gorjetas?
Também neste ponto estamos de acordo com a posição deste TSI, no sentido de que as gorjetas não foram sendo atribuídas a título de mera liberalidade. A liberalidade, em princípio, para assim ser entendida, não deveria ter sido atribuída com carácter de regularidade. E o que está demonstrado nos autos é, precisamente, o contrário.
Depois, não eram gorjetas que o trabalhador do casino guardava para si vindas directamente do cliente apostador. Se assim fosse, poderia dizer-se que o empregador a elas era totalmente alheio, que nenhuma interferência exercia nem na sua distribuição, nem no seu quantitativo e que, portanto, apenas pagava ao seu subordinado o valor remuneratório previamente determinado. Mas não. Eram somas de dinheiro que o trabalhador recebia, sim, mas que tinha que entregar à sua entidade patronal, de quem, posteriormente, apenas recebia uma parte. Locupletamento à custa alheia seria a situação se, tendo o jogador entregue pessoalmente o dinheiro ao trabalhador, a entidade patronal dela, sem mais, se apropriasse totalmente. Mais, haveria aí uma manifesta superioridade de parte a roçar a ilicitude se, contra a vontade do empregado, este fosse obrigado a abrir mão daquilo que o jogador voluntariamente lhe tinha dado. Nenhuma relação laboral assente numa base lícita toleraria tal atitude de ingerência na vida do trabalhador por parte do empregador se não tivesse havido entre ambos um acordo que permitisse a distribuição das gorjetas, que não haviam sido dadas a este, mas àquele. Só um modelo de distribuição pré-determinado confere licitude à acção do empregador. Mas, ao mesmo tempo que assim acontece, não podemos deixar de pensar que, afinal, a entidade empregadora tinha alguma margem de superioridade nessa relação, pois era ela quem geria o dinheiro e, posteriormente, o distribuía segundo um esquema para o qual nenhuma contribuição o trabalhador dera. Ou seja, há aqui assim uma atitude que é própria da supremacia do empregador e que revela bem que este não era um simples “guardador” ou mero “depositário” do dinheiro proveniente das gorjetas.
De resto, mal se compreenderia que qualquer trabalhador aceitasse trabalhar por tão poucas patacas diárias (a parte fixa), se não soubesse que, a elas, acresceria uma quantia bem mais razoável em resultado da distribuição da soma de todas as gorjetas recebidas por si e pelos restantes colegas do casino. Se o salário tem uma função social, que visa conferir dignidade de vida ao trabalhador e ao seu agregado familiar, e de que o empregador dos tempos modernos já não pode alhear-se, então parece que esta entrega permanente ao trabalhador de dinheiro recebido do jogador não pode deixar de ter um sentido remuneratório.
E neste quadro, todos – jogadores, trabalhadores e empregador - ficam bem. Os primeiros, porque satisfeitos, cumprem o seu desejo de generosidade e altruísmo (mas é questão que aqui não tem valor jurídico); os segundos, porque, ao cabo e ao resto, vêem devidamente compensado o resultado do seu trabalho; e o último, porque vê feliz e empenhado o seu empregado, a quem vai pagar com dinheiro que nem sequer sai do seu bolso.
E, já agora, não deixaria de ser contraditório e injusto, e por isso mal se perceberia, que a reclamada “unidade do sistema” consentisse que, para efeito de salário, a gorjeta assim distribuída ficasse de fora do conceito, enquanto para efeito tributário já passasse a ser considerada como “rendimento do trabalho variável” (cfr. art. 2º, Lei n. 2/78/M, de 25 de Fevereiro).
Tudo isso, para concluir que a composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
É para nós, portanto, questão ultrapassada a de que o salário integra uma parte fixa e outra variável. Problema é como calculá-lo: se ao dia, se ao mês e qual o seu valor.
Verdade que o trabalhador recebia uma quantia fixa diária. Verdade também que nos dias em que não trabalhava não recebia remuneração. Mas, o certo é que, para estes casos, a questão está consolidada neste TSI em termos tais que deles não somos capazes de divergir. Veja-se, por exemplo, o que foi dito no Ac. de 14/09, no Rec. N. 407/2006:
  “…a “quota-parte” de “gorjetas” a ser distribuída ao Autor, em montante definido unilateralmente pela Ré, integra precisamente o salário mensal do Autor, pois caso contrário e vistas as coisas à luz de um homem médio colocado na situação concreta do ora Autor, ninguém estaria disposto a trabalhar por conta da Ré em tantos anos seguidos nos seus casinos em horários de trabalho por esta fixados…ou seja, em horários de turnos necessariamente árduos para qualquer pessoa humana, se tivessem de ser cumpridos continuadamente em anos seguidos, sabendo entretanto, de antemão, que a prestação fixa do seu salário era de valor muito reduzido”.
E também o Ac. de 15/07/2010, Proc. n. 928/2010:
“…o qual o trabalhador estava obrigado a trabalhar por turnos de seguinte forma:
1º e 6º turnos: das 07h00 às 11h00, e das 03h00 às 07h00;
3º e 5º turnos: das 15h00 às 19h00, e das 23h00 às 003h00 do dia seguinte;
2º e 4º turnos: das 11h00 às 15h00, e das 19h00 às 23h00
Como se sabe, é por imposição legal e pelos termos do contrato de concessão para exploração dos jogos de fortuna e azar que os casinos têm de funcionar ininterruptamente durante 24 horas. Ora, se é compreensível e justificável a fixação dos turnos, nos termos que vimos supra, pela entidade patronal para fazer face à necessidade de assegurar o funcionamento contínuo legalmente imposto dos seus casinos, já custa perceber como é quê é possível os seus trabalhadores afectados aos casinos, em vez de auferirem um salário mensal, que é única forma de pagamento conciliável com a organização dos turnos durante 24 horas para assegurar a continuidade do funcionamento dos casinos, auferirem antes um salário diário determinado em função do número de dias de trabalho em que quis trabalhar e efectivamente prestou serviço. Na verdade, basta dar uma vista de olhos aos turnos fixados e à forma como os turnos estão organizados e distribuídos durante as 24 horas, em especial o 5º turno que se inicia às 23h00 num dia e termina às 03h00 de madrugada no dia seguinte, já se apercebe da impossibilidade prática de determinar o período de trabalho diário para efeitos de cálculo do alegado salário diário”.
Assim sendo, tal como este TSI tem admitido em casos similares, é de considerar que o salário era mensal, para cujo apuramento médio diário entrará o valor conjunto da parte fixa e da variável, tal como feito nos autos.
Neste sentido, entre os mais recentes, vejam-se os acórdãos proferidos nos Processos nºs 780/2007, de 31/03/2011, 423/2008, de 23/06, por exemplo.
Significa isto que a sentença não pode manter-se e deverá ser revogada nesta parte.
Quanto resto, ela segue a posição deste TSI de que, com a devida vénia, transcrevemos um trecho significativo (Proc. nº 780/2007, de 31/03/2011):
“….liberdade contratual. Pergunta-se: é possível que as partes da relação laboral afastem o conteúdo das normas que conferem o direito ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios?
Toda a gente tem estado de acordo que as normas laborais sedimentam a opinião do favorecimento da parte mais fraca económica ou socialmente, que é o trabalhador. E é por isso que, quando o legislador positiva direitos em favor do trabalhador fá-lo de forma impostergável. Isto é, não se tem entendido ser permitido que, contra a vontade do legislador vertida na norma, o trabalhador acorde com o empregador um regime de trabalho que lhe retire direitos. Estamos, pois, a falar de direitos irrenunciáveis, que de alguma maneira, o art. 30º, da Lei Básica traduz ou acolhe à luz do princípio da inviolabilidade da dignidade humana. Pode o trabalhador acordar com o empregador o valor do salário, dentro de certos limites. O que não pode é prescindir de certos direitos nascidos apenas em seu exclusivo benefício. É o caso, por exemplo, do direito ao descanso.

Disso, aliás, nos dá conta o art. 5º, do DL n.101/84/M e 5º, do DL n.24/89/M ao estabelecer o princípio do tratamento mais favorável.
E não se diga que o acordo firmado entre recorrente e recorrido neste caso concreto é mais favorável ao trabalhador, que durante décadas, recebeu “salários elevadíssimos” (repare-se como o lapso traiu a STDM recorrente ao considerar elevado o salário; para ser elevado o salário era forçoso que nele se incluíssem as gorjetas) para as suas qualificações, tal como o afirma a recorrente (fls. 277 v.). Tanto no caso da natureza do contrato, no da composição do salário, como no do gozo de dias de descanso e feriados, nada do que se provou encaixa bem no princípio, antes pelo contrário.
Assim, mesmo que se tivesse provado a renúncia a tais direitos – e não se provou - ela seria inoperativa, porque prejudicial aos interesses do trabalhador.
Isto não quer dizer, bem entendido, que trabalhar nesses dias de descanso signifique uma renúncia totalmente abdicativa do correspondente direito. Pode acontecer que o trabalhador preste voluntariamente serviço nesses dias (ver art. 17º, n.5, do DL n. 101/84/M), mas para isso mesmo é que a própria lei prevê formas substitutivas compensatórias (v. art. 566º, do Cod. Civil). Ou seja, tanto é um direito forte (embora não intangível) que só pode ser quebrado num contexto favorável ao trabalhador. E isto é o que a própria lei prevê, de nada valendo a invocação dos usos e costumes, porque estes, pelo modo como a recorrente os desenha, não afastam minimamente as normas imperativas a que nos vimos referindo. O trabalho praticamente contínuo dos “croupiers”, devido à escassez de mão-de-obra especializada para o serviço nas bancas dos casinos de Macau, teria que ser compensado como manda a lei e nunca como o terá querido o empregador ou como, em tese geral, o admitisse o próprio trabalhador. Os usos e costumes nunca poderiam sobrelevar-se ao domínio normativo”.
Como se vê, a posição da 1ª instância, no caso concreto, não se afasta da que este tribunal tem vindo reiteradamente a tomar. Enquanto direitos indisponíveis, nunca o contrato, se celebrado com aquela intencionalidade, seria legal, tal como ínsito nas palavras da sentença recorrida..
*
3.1- Ultrapassada esta questão, restaria extrair as devidas consequências indemnizatórias.
Em 1º lugar, para o cálculo da indemnização, teríamos que partir de diferente base salarial, nela englobando, agora, toda a massa remuneratória, incluindo as gorjetas, e não apenas o valor diário-base percebido. Ou seja, considerar-se-ia o valor diário consignado na matéria de facto assente relativamente a cada ano.
Depois, apenas se tomaria em consideração o DL nº 24/89/M, dada a decisão sobre a prescrição tomada no despacho saneador, segundo a qual estariam prescritos os créditos anteriores a 27/07/1989.
Finalmente, apenas tocaríamos na fórmula de cálculo relativa aos créditos concernentes aos descansos semanais e feriados obrigatórios, porque os anuais não foram objecto de pedido inicial.
O percurso a seguir seria o seguinte.
a) Descanso semanal
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda:
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2, tal como o defende o trabalhador autor/recorrente no seu recurso, e não 1, como o concluiu a sentença recorrida e o sustentou a STDM.

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b) Feriados obrigatórios
Na vigência do DL n. 24/89/M
A sentença recorrida utilizou o factor 2, enquanto a STDM defende que seja 1.
Vejamos. Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer não inferior? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3.
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Aqui chegados, restaria aplicar as fórmulas de cálculo de acordo com os factores acima definidos.
Todavia, para tanto, haveria este TSI que dispor dos dias concretos que, dentro do período a considerar na relação (entre 27/07/1989 e 30/11/1996), a STDM não pagou ao trabalhador como devia, pelo facto de ele ter prestado serviço em dias que deviam ser de descanso de acordo com a lei.
Ora, acontece que a sentença (circunstância que vinha já do saneador) afirmou que o autor gozou anualmente (todos os anos?) 30 dias remunerados de férias (ponto 7). Pergunta-se: estes 30 dias foram de férias no sentido estrito do termo? Não parece que sejam, porque a lei não prevê tantos dias a esse título. Mas, então, englobam todos os outros dias de descanso legal, como feriados e descansos semanais? Ou não englobam nenhum deles e apenas se referem aos dias que a concessionário STDM permitiu que o trabalhador gozasse a seu pedido, fora dos períodos legais de descanso? Não sabemos!
E como esses dados são importantes para se aquilatar do número de dias em que consiste a violação em cada um dos créditos peticionados (semanais e feriados obrigatórios remunerados), importa que os autos voltem à 1ª instância para o efeito.
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Uma nota final: O saneador admitiu a reconvenção, mas absolveu da instância o autor na parte do pedido reconvencional referente à declaração de validade do contrato celebrado entre este e a STDM nos moldes já cima descritos. Quanto à parte da reconvenção em que, com assento no enriquecimento sem causa, a STDM pretendia a devolução das gorjetas entretanto pagas ao autor, nada o saneador determinou. Entende-se, pois, que quanto a essa parte, a respectiva matéria ficaria relegada para a sentença final. Porém, a sentença não se pronunciou sobre esse pedido reconvencional e a STDM também não lhe moveu recurso. Razão para este TSI igualmente não se debruçará sobre o assunto.

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IV- Decidindo

Nos termos expostos, acordam em:
a) Anular oficiosamente a sentença, nos termos do art. 629º, nº4, do CPC, na parte em que, por obscuridade e insuficiência da matéria de facto, não consignou com precisão quais os dias efectivos a relevar no quadro dos créditos emergentes dos descansos semanais e feriados obrigatórios, no confronto com os 30 dias de férias que disse ter o autor gozado sem se saber se a título, se de dias legais de descanso, se a pedido do interessado trabalhador fora desses dias, determinando-se a realização de novo julgamento para apuramento daquela factualidade.
b) Conceder parcial provimento ao recurso do autor e revogar a sentença na parte em que decretou que o salário não incluía as gorjetas, devendo os autos voltar à 1ª instância para a reformular, oportunamente, de acordo com o aqui decidido;
c) Julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto do saneador pela STDM quanto à absolvição do autor do 1º pedido reconvencional e, assim, julgar extinta a instância desse recurso por inutilidade superveniente, face à decisão tomada sobre o mérito do recurso no tocante à composição do salário e ao contrato celebrado entre STDM e autor.
Custas pela STDM quanto ao decidido em b), em proporção a fixar a final.

TSI, 03 / 11 / 2011
José Cândido de Pinho
Lai Kin Hong
Choi Mou Pan