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Proc. nº 216/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 03 de Novembro de 2011
Descritores: declaração de remissão e quitação

SUMÁRIO:

Seja pela remissão, seja pela quitação, se o declarante trabalhador assume livremente nada mais ter a receber do beneficiário da declaração, devem considerar-se realizadas todas as prestações derivadas da relação laboral.




























Proc. N. 216/2011


Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I- Relatório

A, com os demais sinais dos autos, moveu contra a STDM e a SJM acção de processo comum de trabalho pedindo a condenação desta no pagamento da indemnização no valor de Mop$ 120.692,00, correspondente aos descansos semanais, feriados obrigatórios e descansos anuais não gozados desde o início da relação laboral até ao seu termo.
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Na contestação, a ré a STDM excepcionou a prescrição dos créditos, o pagamento das quantias em dívida e a renúncia por parte do autor a quaisquer outras.
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No saneador, foi julgada improcedente a matéria da excepção de prescrição, relegando para a sentença o conhecimento das demais questões exceptivas.
Não houve recurso deste despacho.
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Prosseguiu o processo para julgamento, tendo na oportunidade sido proferida sentença que julgou a acção improcedente com absolvição da ré do pedido.
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É dessa sentença que ora vem interposto o recurso principal pelo autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Resultando da matéria de facto dada por provada que “A Ré e o Autor acordaram que o segundo recebia duas quantias, uma fixa e outra variável e denominada por “gorjetas” e que “O Autor nunca teria aceite estabelecer uma qualquer relação de trabalho com a Ré caso recebesse apenas a quantia fixa (...) e dispondo o n.º 2 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril (aplicável aos autos) que: “Entende-se por salário toda e qualquer prestação susceptível de avaliação em dinheiro (...) fixada por acordo entre empregador e trabalhador (...)”, já se deixa ver ter sido vontade expressa das partes incluir o montante das “gorjetas” como sendo parte do salário devido ao Recorrente;
2. Durante toda a relação contratual existente entre o Recorrente e a Ré, sempre o primeiro auferiu uma remuneração, composta por uma parte fixa e outra variável;
3. Sempre o Recorrente entendeu que o seu salário era integrado por duas quantias: uma fixa e outra variável composta pelas “gorjetas” ;
4. Tal qual tem vindo a ser sublinhado pelo douto Tribunal de Segunda Instância para casos em todo similares aos presentes, a quota-parte de gorjetas distribuída ao Autor não pode deixar de integrar o seu salário, pois face à desproporção do montante variável pago a título de “gorjetas” em relação à retribuição fixa estabelecida no contrato, aquela nunca teria aceite estabelecer qualquer relação de trabalho com a Ré caso a sua quota-parte no valor daquelas não fizesse parte do vencimento;
5. Acaso se entenda que o salário do Recorrente não era composto por duas partes: uma fixa e uma variável, então o mesmo será manifestamente injusto - porque intoleravelmente reduzido ou diminuto - e, em caso algum, preenche ou respeita os condicionalismos mínimos fixados no Regime Jurídico das Relações Laborais da RAEM;
6. Do mesmo modo, tal qual tem vindo a ser sublinhado pelo Tribunal de Segunda Instância, as gorjetas dos trabalhadores dos Casinos durante todo o período da sua relação laboral com a Ré, em ultima ratio devem ser vistas como «rendimentos do trabalho», porquanto são devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectivamente dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, sendo que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário insuficiente para prover às necessidades básicas resultantes do próprio trabalho;
7. Ao contrário do que parece ter concluído o Tribunal a quo o salário acordado pelo Recorrente com a Ré, desde o início da relação de trabalho, sempre foi um salário mensal e nunca um salário fixado em função do período de trabalho efectivamente prestado;
8. Ademais, fácil é de ver que se o salário do Recorrente fosse um salário determinado ao dia ou por em função do trabalho efectivamente prestado, seria a própria actividade de exploração de Jogos da Ré que sairia prejudicada, porquanto a mesma nunca saberia com quantos trabalhadores poderia contar...
9. Ao contrário do que terá concluído o Tribunal a quo a parte variável do salário do Recorrente, deveria ter sido contabilizada nos montantes indemnizatórios devidos pela Ré, em virtude da prestação de trabalho em dia de descanso semanal e anual.
10. Não tendo levado em conta o valor da parte da retribuição variável do salário do Recorrente, a douta decisão faz uma errada aplicação da Lei e do Direito (maxime do Regime Jurídico das Relações Laborais), o que conduz à sua nulidade;
11. Ou melhor, a douta decisão, na parte em que não aceita que o montante de “gorjetas” auferido pelo Recorrente durante toda a relação de trabalho com a Ré fosse considerado como sendo parte variável do seu salário, fez uma interpretação incorrecta do disposto nos artigos n.º 5.º; 7.º, n.º 1, al. b); 25.º; 26.º e n.º do art. 27.º todos do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, devendo ser substituída por outra que respeite o disposto na mesma Lei.
12. Para cálculo das quantias a pagar em virtude do trabalho prestado nos dias de descanso semanal e anual obrigatórios, deverá seguir-se o que tem sido a jurisprudência unânime ao nível do Tribunal de Segunda Instância;
13. Assim, é o Recorrente credor da Ré na quantia de MOP$94,048.00 correspondente ao n.º de dias de descanso semanal vencidos e não gozados X média diária do salário normal X 2, não se incluindo o dia de salário que integra o salário mensal;
14. Do mesmo modo, deve a Ré ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$16,905.00 - a título de compensação pelo número de dias de descanso anual que deix0u de gozar no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, equivalente matematicamente ao triplo da retribuição normal (na qual deverá fazer parte as gorjetas enquanto parte variável desta mesma retribuição), tal qual tem sido unanimemente seguido pelo Tribunal de Segunda Instância.
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A ré STDM apresentou resposta ao recurso, concluindo assim as suas alegações:
1 - Com o devido respeito por entendimento diverso, as gratificações ou gorjetas recebidas dos clientes pelos empregados de casino não fazem parte do salário de um trabalhador.
2 - A retribuição ou salário, em sentido jurídico (laboral), encerra quatro elementos essenciais e cumulativos:
i. É uma prestação regular e periódica;
ii. Em dinheiro ou em espécie;
iii. A que o trabalhador tem direito por título contratual e normativo e que corresponde a um dever jurídico da entidade patronal;
iv. Como contrapartida pelo seu trabalho.
3 - No caso dos autos, estando em causa gorjetas comprovadamente oferecidas por clientes de casino, dependendo o seu recebimento do animus donandi de terceiros, estranhos à relação jurídico-laboral, nunca poderia o(a) trabalhador(a) ter exigido à sua entidade empregadora o seu pagamento inexistindo aquela oferta por parte dos clientes.
4 - Se, por hipótese, em determinado mês, não existissem quaisquer gorjetas entregues pelos clientes da Recorrida a distribuir pelo(a) A., ora Recorrente, e restantes trabalhadores, nenhum dever jurídico impendia sobre a Recorrida no sentido de suprir aquela falta e nenhum direito de crédito podiam os seus trabalhadores exigir a este respeito.
5 - Com efeito, é sabido que em anos em que o montante das gorjetas era inferior ao do ano anterior (variação que se constata pela análise dos rendimentos do(a) A., ora Recorrente), nunca o(a) Recorrente reclamou da ora Recorrida o seu pagamento.
6 - O(a) Recorrente sabia que a parte do rendimento respeitante às gorjetas dependia exclusivamente das liberalidades dos clientes de casino, nada podendo exigir à ora Recorrida a esse título caso essa parte do seu rendimento fosse zero.
7 - Dispõe o artigo 25º, n.º 1 do RJRT que “Pela prestação dos seus serviços ou actividade laboral, os trabalhadores têm direito a um salário justo.”.
8 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, analisando a certidão de rendimentos do(a) Recorrente, não se pode dizer que ao(à) A. não foi proporcionado um rendimento justo, maxime porque os rendimentos globais auferidos eram claramente superiores à média do rendimento / remuneração auferida por cidadãos de Macau com formação académica e profissional equivalente às suas que não trabalhassem em casino, os quais eram mais que bastantes para prover a uma vida digna e decente do(a) Recorrente e sua família.
9 - Deste modo, na esteira do entendimento do mais Alto Tribunal da RAEM, do douto tribunal Recorrido e, bem assim, da doutrina maioritária, é entendimento da R. que “As gratificações ou gorjetas recebidas pelos empregados de casino dos clientes não fazem parte do salário.”
10 - Admitindo a Recorrida, apenas por cautela e por hipótese, que de forma alguma se concede, a obrigação de indemnizar o(a) Recorrente tendo em conta o valor das gorjetas oferecidas pelos clientes de casino, devem ser as seguintes as fórmulas aplicáveis para aferir das compensações adicionais devidas:
i. Trabalho prestado em dias de descanso semanal:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n. º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga).
ii. Trabalho prestado em dias de descanso anual:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x3, porque uma parcela já foi paga e a R. não impediu o(a) A. de gozar quaisquer dias de descanso).
iii. Trabalho prestado em dia feriado obrigatório:
a. Decreto-Lei n.º 101/84/M: salário diário x0 (e não x1, porque uma parcela já foi paga);
b. Decreto-Lei n.º 24/89/M: salário diário x1 (e não x2, porque uma parcela já foi paga);
c. Decreto-Lei n.º 32/90/M: salário diário x1 (e não x2 porque uma parcela já foi paga).
11 - Caso se entenda que as fórmulas supra expostas não são adequadas para o cálculo de uma indemnização eventualmente devida à Recorrente, remete-se para as fónnu1as adoptadas nos já referidos acórdãos do Tribunal de Última Instância, proferidos no âmbito dos Processos n.º 28/2007,29/2007 e 58/2007, datados de 21 de Setembro de 2007, 22 de Novembro de 2007 e 27 de Fevereiro de 2008, respectivamente.
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A STDM apresentou ainda um recurso subordinado, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. Sem prejuízo de melhor entendimento e juízo, deve improceder o recurso principal já interposto pelo(a) A. e aqui Recorrido(a) Subordinado(a), mantendo-se a douta Sentença recorrida, que absolveu integralmente a Ré e Recorrente Subordinada do(s) pedido(s) do(a) mesmo(a), ainda que a Sentença não tenha apreciado a excepção peremptória supra referenciada, nos termos e com a extensão alegados pela ora Recorrente Subordinada.
2. O fundamento do presente recurso subordinado prende-se com a pretensão da Recorrente de ser absolvida pela procedência da segunda excepção peremptória deduzida nos artigos 27º a 43º da contestação e titulada no Documento n. º 1 da Contestação
3. E não, apenas, com facto de o montante de MOP$4,515.49 pago pela ora Recorrente Subordinada ao A, constante na referida Declaração de remissão ou de pagamento ao(à) A, aqui Recorrido(a) Subordinado(a), ser superior ao valor doutamente decretado pela Sentença recorrida, que é de MOP$3,993.60.
4. Salvo mais douto entendimento, o Mmo. Juiz do TJB deveria ter conhecido da excepção deduzida pela Ré, nos termos e com a extensão apresentada pela mesma, a qual configura uma excepção peremptória extintiva de todos os direitos do A, aqui ora Recorrido Subordinado, decorrentes da relação laboral mantida com a ora Recorrente Subordinada.
5. Se o douto Tribunal a quo tivesse conhecido do efeito extintivo dos factos articulados pela ora Recorrente nos artigos 27º a 43 º da Contestação nos termos ali expostos, mormente do efeito peremptório extintivo da Declaração referenciada como Documento n. º I da Contestação (doravante a Declaração), junta aos autos em 13.12.2007, o pedido do(a) A/Recorrente nem sequer chegaria a ser conhecido.
6. Pese embora o exposto, o Mmo. Juiz a quo limitou-se a considerar o pagamento tout court da quantia indemnizatória acima referida, descontextualizado do acordo remissivo celebrado pelas partes.
7. Note-se o A não se limitou a declarar ter recebido o montante indemnizatório dos autos, não. O Autor declarou expresamente que o referido montante se referia ao pagamento de todos os dias de descanso nos termos da lei, pelo que forçoso é concluir que o A. abdicou ou remitiu quaisquer outros créditos de que pudesse eventualmente pretender reclamar.
8. Ora, sendo as partes IV (Direito) e V (Dispositivo) da douta sentença recorrida absolutamente omissas quanto à eficácia remissiva da Declaração assinada pelo ora A., padece a mesma sentença de nulidade, nos termos do artigo 5710, n.º 1, al. d) do CPC, requerendo-se seja a mesma revogada por V. Exas., em conformidade, após o que requer ao douto Tribunal a quo profira outra sentença que conheça e julgue procedente a excepção de pagamento de todos os créditos reclamados pelo A., ora Recorrido, considerando-se este “totalmente ressarcido dos créditos relativos ao descanso semanal, anual e feriados obrigatórios” (cfr. artigo 39º da Contestação) (negro nosso).
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Cumpre decidir.
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II- Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
1. Entre 1 de Março de 1997 e 22 de Agosto de 2001, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “segurança” e trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da mesma.
2. A qual fixava, em regime de turnos, o horário de trabalho do Autor de acordo com as suas exclusivas necessidades.
3. De 10 em 10 dias o Autor recebia da Ré uma quantia fixa e outra variável, a primeira calculada com base no valor de MOP$12,8 por dia de trabalho e a segunda determinada em função do montante das “gorjetas” oferecidas pelos clientes, as quais eram distribuídas pela Ré a todos os seus trabalhadores.
4. As “gorjetas” eram contabilizadas diariamente e não se destinavam, em exclusivo, aos trabalhadores que lidavam directamente com os clientes de casinos mas também a outros trabalhadores, nomeadamente, gerentes administrativos e pessoal da área de informática.
5. O autor, por regra, não podia guardar para si quaisquer “gorjetas” que lhe fossem entregues pelos clientes.
6. Em meados Julho de 2003, o Autor foi convidado a dirigir-se ao Departamento da Direcção de Trabalho e Emprego, tendo, na sequência do convite cujo fundamento era receber uma determinada quantia monetária por “compensação” dos dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios, que ao longo da sua relação laboral com a STDM não lhe haviam sido permitidos gozar, tendo assinado o documento de fls. 25 e 136 com o seguinte teor:
聲明書
本人A (持編號X/XXXXXX/X澳門居民身份證),就投訴澳門旅遊娛樂有限公司沒有給予假期補償一案,現作出如下聲明:
本人聲明在勞工暨就業局勞工事務稽查廳收到大西洋銀行支票一張,支票號碼為 MA 803189 ,金額為肆仟伍佰壹拾伍元肆角玖分正澳門元 (MOP$4,515.49),本人知悉該款項為上述公司按勞工暨就業局處理此案意見書之分析結果支付予本人在職期間的一切法定假期補償,確認收訖無訛。

聲明人:
日期: 03-7-15
確認付款之工作人員
OS funcionários que confirma o pagamento
Traduzida para português, a declaração tem o seguinte conteúdo:
“Eu, A) (portador do Bilhete de Residência de Macau n.º X/XXXXXX/X), que na sequência do processo da queixa (não recompensação dos dias de descanso) contra a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, declara o seguinte:
Declara por mim, que foi recebido um cheque do Banco Nacional Ultramarino de Macau, sob n.º MA803189 (escrito em mão-vide original), no montante de quatro mil e quinhentas e quinze patacas e quarenta e nove avos (MOP$4,515.49), no Departamento da Inspecção do Trabalho, da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. O signatário teve conhecimento que o referido montante foi recompensada pela sociedade acima mencionada, referente a todos os dias descanso nos termos da lei, durante a sua prestação de serviços em efectivos, de acordo com a conclusão da análise determinada na proposta elaborada pela Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego. Confirma que recebi o original”.
7. Tal quantia cifrou-se em MOP$4,515.49 valor que, efectivamente o Autor já recebeu.
8. A Ré e o Autor acordaram que o segundo recebia as duas quantias, uma fixa e outra variável e denominada por “gorjetas”, referidas em 3).
9. As “gorjetas” eram obrigatoriamente colocadas, por ordem da Ré, numa caixa destinada exclusivamente para esse efeito e eram contadas diariamente, também por funcionários por ela incumbidos, sob vigilância da Direcção de Coordenação de Inspecção e Coordenação de Jogos, a fim de serem distribuídas de 10 em 10 dias aos empregados consoante uma dada percentagem anteriormente fixada por aquela.
10. O Autor nunca teria aceite estabelecer qualquer relação de trabalho com a Ré caso recebesse apenas a quantia fixa referida em C) dos factos assentes.
11. O Autor recebeu da ré, entre 1997 e 2001, os seguintes valores médios diários:
  1997 - MOP$221;
  1998 - MOP$208:
  1999 - MOP$180:
  2000 - MOP$192;
  2001 - MOP$210.
12. Desde o início da relação de trabalho entre o Autor e a Ré, o primeiro jamais beneficiou ou gozou de qualquer dia de descanso por cada semana de trabalho e por cada ano de trabalho.
13. O Autor nunca beneficiou de qualquer acréscimo salarial.
14. A Ré nunca marcou o período de férias anuais do Autor.
15. Tal como sucedeu com os restantes trabalhadores da ora Ré, quando da celebração do contrato de trabalho, o A. foi devidamente informado que aos dias de descanso gozados não corresponderia qualquer remuneração.
16. O A. foi informado aquando da sua contratação que recebia o seu salário diário quando se apresentasse ao trabalho nas instalações da Ré.
17. Aquando da celebração do contrato, a R. informou o A., que este eventualmente partilharia de uma determinada parte, incerta e aleatória maior ou menor, a título de gratificações, luvas ou gorjetas recebidas pelos Clientes da ora Ré.
18. Estes montantes eram recebidos pelos croupiers, dos Clientes, e guardados diariamente, contabilizados e administrados de acordo com as directrizes e instruções de uma Comissão Paritária com a seguinte composição:
a) Um funcionário do Departamento da Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar;
b) Um membro do Departamento da Tesouraria da Ré;
c) Um Gerente de Andar ou Floor Manager;
d) Um ou Mais Trabalhadores/Croupiers das mesas de Jogo.
19. Embora estivesse prevista a possibilidade de qualquer trabalhador do ramo do jogo em casino receber gratificações, em nenhum contrato de trabalho ou afim, estavam garantidas ou asseguradas gorjetas como contrapartida do trabalho dos antigos colaboradores da ora R., como o A..
20. A distribuição fazia-se pelos trabalhadores da Ré, sendo distribuídos montantes pecuniários das gorjetas a todos os trabalhadores da R, independentemente do local de trabalho em que se encontravam.
21. Quando o A. celebrou o contrato com a ora Ré, não desconhecia de todo que as quantias das gratificações eram variáveis, incertas e eventuais.

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III- O Direito

1- Introdução

Recordemos os principais momentos deste processo:
No despacho saneador, o tribunal “a quo” julgou improcedente a excepção de prescrição suscitada pela STDM na sua contestação. Mas a contestante também havia deduzido a excepção do pagamento (arts. 27º a 43º) dando à declaração assinada pelo trabalhador (declaração constante do ponto 6 da matéria de facto) o valor e sentido de “quitação” (art. 31º da contestação).
No referido despacho saneador, esta questão não foi conhecida e, por entender o tribunal que não havia elementos suficientes para tal, relegou a sua análise para “momento posterior”.
Chegado, porém, o momento da sentença, o que foi ali decidido?
a)- Que as gorjetas não fazem parte do salário;
b)- Que a indemnização, calculada em função do salário sem gorjetas, pelos dias de descanso semanal e anual (quanto aos feriados, entendeu não ter ficado provado que o trabalhador não os tivesse gozado) – aplicando na respectiva fórmula de cálculo o factor 1, quanto aos primeiros e o factor 3, quanto aos segundos – importaria em Mop$ 3.993,60;
c)- Que, tendo o trabalhador recebido da STDM já a quantia de Mop$ 4.515,49 – valor superior ao do crédito reclamado – procedia a excepção do pagamento, improcedendo a acção com a consequente absolvição da ré do pedido.

Com o seu recurso, pretende o trabalhador provar que o seu crédito é muito maior do que aquele que foi apurado na 1ª instância. E para isso, traz ao processo uma posição diferente da vertida na sentença, na tentativa de demonstrar que do salário mensal também fazem parte as gorjetas recebidas dos jogadores. Com esta posição, se sufragada por este no âmbito dos presentes autos TSI, parece claro que a decisão não poderia ser de improcedência da acção e de absolvição total do pedido.
Esta, portanto, costuma ser a nossa tarefa em casos similares a este: saber quais as partes de que se compõe o salário.
Mas a verdade é que, independentemente da solução que haveríamos de abraçar nesse estudo, a natureza exceptiva da questão suscitada pela contestante impõe que nos debrucemos, antes de tudo, pelo conhecimento do recurso subordinado, uma vez que, caso proceda, a conclusão que se obtiver pode retirar toda a utilidade ao recurso principal quanto ao seu objectivo central (neste sentido, também o Ac. do TSI de 29/09/2011, Proc. nº 490/2010).

Apreciemos, por isso, desde já o recurso subordinado.

2- Recurso subordinado

A sentença não analisou a declaração constante do facto nº6 da matéria assente na perspectiva veiculada no art. 31º da contestação. Fê-lo, somente, num quadro valorativo ou quantificativo. Isto é, depois de calculada a importância indemnizatória devida, através de simples operação aritmética concluiu que a importância paga era superior à indemnização. E assim mesmo, considerou que nada mais o autor tinha a receber.
Só que para a ré STDM, as coisas não se ficam por essa dimensão, uma vez que a importância da declaração se não resume à importância do valor numérico, mas ao sentido do valor jurídico/substantivo que ela encerra.
Visa-se neste passo, portanto, descortinar qual o efeito e natureza da declaração assinada pelo recorrente principal a que se refere o ponto 6 dos “Factos Provados” da sentença.

Corresponderá a declaração a uma verdadeira remissão? Será quitação, aquilo que ela veicula?

Por comodidade e economia de meios, eis o que se escreveu num aresto do TUI tirado em 30/07/2008, no Proc. nº 27/2008:

“A remissão é o contrato pelo qual o credor, “com a aquiescência do devedor”, renuncia ao poder de exigir a prestação devida, afastando definitivamente da sua esfera jurídica os instrumentos de tutela do seu interesse”1.
E acrescenta ANTUNES VARELA, “o interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente.
A obrigação extingue-se sem haver lugar a prestação2”.
A remissão consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida3.
Aliás, remitir significa perdoar.
Ora, não parece ter sido isto que sucedeu, em face da declaração da autora.
A autora declarou que recebeu a prestação, que quantificou. E reconheceu mais nada ser devido em relação à relação laboral que já se tinha extinguido.
Mas não quis perdoar a totalidade ou mesmo parte da dívida, ou pelo menos não é isso que resulta da declaração, nem foi alegado ter sido essa a sua intenção.
Parece, portanto, tratar-se de quitação ou recibo, que é a declaração do credor, corporizada num documento, de que recebeu a prestação, prevista no art. 776.º do Código Civil.
Explicam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA4 que a “quitação é muitas vezes, como Carbonnier (Droit civil, 4, 1982, n.º 129, pág. 538) justamente observa, não uma simples declaração de recebimento da prestação, mas a ampla declaração de que o solvens já nada deve ao accipiens, seja a título do crédito extinto, seja a qualquer outro título (quittance pour solde de tout compte)”.
Poderá, desta maneira, a quitação, ser acompanhada de reconhecimento negativo de dívida, que é, na lição de ANTUNES VARELA5, o negócio “pelo qual o possível credor declara vinculativamente, perante a contraparte, que a obrigação não existe.
(...)
O reconhecimento negativo de dívida, assente sobre a convicção (declarada) da inexistência da obrigação, não se confunde com a remissão, que é a perda voluntária dum direito de crédito existente”.
Claro que o reconhecimento negativo da dívida pode dissimular uma remissão, mas para isso há que alegar e provar o facto, o que não aconteceu.
Explica VAZ SERRA6 nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, que “o reconhecimento negativo propriamente dito distingue-se da remissão, pois, ao passo que, nesta, existe apenas a vontade de remitir (isto é, de abandonar o crédito), naquele, a vontade é a de pôr termo a um estado de incerteza acerca da existência do crédito”.
E, como ensina o mesmo autor, noutra obra dos mesmos trabalhos preparatórios, a remissão não é de presumir, “dado que, em regra, a quitação não é passada com essa finalidade”7.
O reconhecimento negativo da dívida pode, de outra banda, “ser elemento de uma transacção, se o credor obtém, em troca do reconhecimento, uma concessão; mas não o é, se não se obtém nada em troca, havendo então um contrato de reconhecimento ou fixação unilateral, que se distingue da transacção por não haver concessões recíprocas”8 9.
Mas a transacção preventiva ou extrajudicial não dispensa “uma controvérsia entre as partes, como base ou fundamento de um litígio eventual ou futuro: uma há-de afirmar a juridicidade de certa pretensão, e a outra negá-la”10.
Mas nem da declaração escrita, nem das alegações das partes no processo, resulta tal controvérsia.
Em conclusão, afigura-se-nos mais preciso qualificar a declaração da autora como uma quitação acompanhada de reconhecimento negativo de dívida.
Seja como for, trate-se de quitação, de remissão ou de transacção, os efeitos são semelhantes, já que, como se verá, se está perante direitos disponíveis, uma vez que a relação laboral já havia cessado, pelo que a consequência é a inexistência do direito de crédito contra a ré.
4. Insusceptibilidade de cessão de crédito de salário. Impossibilidade de renúncia a salário. Vícios da vontade
Nas alegações de recurso para o TSI, a autora veio defender que o art. 33.º do RJRL não permite a cedência de créditos, por força do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador. E os trabalhadores estiveram sempre sob alçada económica e disciplinar da ré, já que a B controla a C, pelo que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinaram as declarações.
Mas a declaração de quitação não constitui qualquer cedência de créditos (a quem?).
Acresce que a cedência de créditos só está vedada enquanto durar a relação de trabalho e esta já se tinha extinguido quando foi emitida a quitação.
Por outro lado, ainda que tivesse havido renúncia a créditos, ou seja remissão, ela seria possível porque efectuada após extinção da relação de trabalho.
É o que defende a generalidade da doutrina. Escreve PEDRO ROMANO MARTINEZ11:
  “Relacionada com a irredutibilidade12 encontra-se a impossibilidade de renúncia, de cessão, de compensação e de penhora da retribuição. Estas limitações, excepção feita à penhora, só têm sentido na pendência da relação laboral; cessando a subordinação jurídica, o trabalhador deixa de estar numa situação de dependência, que justifica a tutela por via destas limitações”.
Quanto à alegação de que a autora não teve uma vontade livre e esclarecida quando assinou a declaração, a mesma é irrelevante nesta fase, já que a autora não alegou no momento próprio factos integradores de vícios da vontade.
5. Normas convencionais e declarações negociais. O princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador
O Acórdão recorrido considerou que o art. 6.º do RJRL não permitia o acordo das partes pelo qual a autora, trabalhadora, declarasse remitir a dívida para com a ré, tendo esta declaração violado o princípio de tratamento mais favorável dos trabalhadores.
E acrescentou o mesmo Acórdão, referindo-se ao princípio de tratamento mais favorável, ele “deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir”.
Na feliz síntese de BERNARDO LOBO XAVIER13 “o princípio do tratamento mais favorável, no plano da hierarquia das normas, significa que as normas de mais alto grau valem como estabelecendo mínimos, podendo ser derrogadas por outras subalternas, desde que mais favoráveis para o trabalhador. No plano da interpretação, na dúvida sobre o sentido da lei, deverá eleger-se aquele que seja mais benéfico para o trabalhador. Na aplicação no tempo, aplicar-se-ão imediatamente todas as regras do trabalho, no pressuposto de que, havendo um constante progresso social, as novas normas são mais favoráveis para o trabalhador, conservando este, ainda, as regalias adquiridas à sombra de anterior legislação”.
O art. 6.º do RJRL dispõe o seguinte:
“Artigo 6.º
Prevalência de regimes convencionais
São, em princípio, admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido na presente lei, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei”.
Esta norma prevê que as normas convencionais, estipuladas entre empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos, podem afastar o regime das normas legais desde que o regime convencional não seja menos favorável para os trabalhadores do que o regime legal.
Assim, e em primeiro lugar, as normas convencionais de que fala o preceito são normas relativas ao regime do trabalho, para vigorarem enquanto durar a relação laboral.
O acordo dos autos entre a autora e a antiga entidade patronal não é integrado por normas, isto é, não constituem nenhuma regulamentação normativa atinente às condições de trabalho. São antes declarações negociais, pelas quais a autora declara ter recebido as quantias devidas pela relação laboral já extinta e nada mais ter a receber da antiga entidade patronal.
Parece, portanto, que o art. 6.º do RJRL nada tem que ver com a matéria em apreço.
Por outro lado, o art. 6.º do RJRL prescreve, na verdade, o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, no que respeita à prevalência dos acordos sobre a lei, ao plano da hierarquia das normas.
Mas, no caso dos autos, embora exista um acordo entre partes (entre um ex-trabalhador e uma ex-entidade patronal) não existe nenhuma lei mais favorável ou menos favorável aos trabalhadores ou a ex-trabalhadores, pelo que não se vislumbra, qualquer aplicação do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, na vertente que o art. 6.º do RJRL consagra, que é o da prevalência dos acordos sobre a lei.
Há, é certo, outras vertentes do mesmo princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, por exemplo, no art. 5.º, n.º 1 do RJRL, que é o da manutenção das regalias adquiridas sobre o regime constante do RJRL.
Mas, no caso em apreço não está em causa nenhuma alteração de regime convencional para um regime legal, pelo que a vertente do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, constante do art. 5.º, n.º 1 do RJRL, não aproveitaria à autora.
O Acórdão recorrido invoca, ainda, em abono da sua tese o art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, que institui o regime aplicável à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Tal preceito, no seu n.º 2 fere com a nulidade os actos e os contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos naquele diploma. Ora, nem nos autos está em causa qualquer acidente de trabalho ou doença profissional, nem a quitação operou qualquer renúncia a direitos da autora.
O art. 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M é, pois, inaplicável.
Em suma, a autora não tem o direito que invocou, pelo que a acção estava condenada ao insucesso”.
*
Está ali tudo dito; seja pela remissão, seja pela quitação, o declarante assumiu livremente nada mais ter a receber do beneficiário da declaração, devendo considerar-se realizadas todas as prestações derivadas da relação laboral.
Trata-se de uma posição que temos, de resto, já subscrito noutros recursos em que o aqui relator foi adjunto. Veja-se, por exemplo, o Ac. do TSI de 28/07/2011, Proc. nº 318/2010, ou nº 316/2010. Olhemos, rapidamente, para o que no primeiro deles se disse:
“…O que verdadeiramente caracteriza o contrato de remissão é a renúncia do credor ao poder de exigir a prestação que lhe é devida pelo devedor. Ao contrário do que acontece com o cumprimento (em que a obrigação se extingue pela realização da prestação devida) e ao contrário do que acontece na consignação, na compensação e na novação (em que o interesse do credor é satisfeito, não através da realização da prestação devida, mas por um meio diferente), na remissão, tal como na confusão e na prescrição, o direito de crédito não chega a funcionar. O interesse do credor a que a obrigação se encontra adstrita não chega a ser satisfeito, nem sequer indirecta ou potencialmente e, todavia, a obrigação extingue-se.
O direito romano admitia a acceptilatio (remissão de uma obrigação verbal, mediante reconhecimento de se ter recebido a prestação, remissão que extinguia o crédito ipso jure), o pactum de non petendo (convenção pela qual o credor prometia ao devedor que não faria valer o crédito, definitiva ou temporariamente, contra todos - pactum in rem - ou contra determinada pessoa - pactum in provissem, produzindo o pacto o efeito de atribuir uma exceptio contra o crédito) e o contrarius consensus (convenção pela qual se extinguia toda uma relação obrigacional, derivada de um contrato consensual, o que só era possível se nenhuma das partes tinha ainda cumprido.
Pode-se dizer, num certo sentido, que, hoje, na remissão, - artigo 854ºdo Código Civil - extinguindo-se a obrigação, o interesse do credor não se satisfaz, nem sequer indirecta ou potencialmente.

Mas mesmo que, ainda porventura por algum excesso de rigor formal, se considerasse que o documento em causa não pudesse ser qualificado de remissão, por se entender ser necessário que a declaração nele contida tivesse carácter remissivo, isto é, que a parte tivesse declarado que renunciava ao direito de exigir esta ou aquela concretizada prestação, não se deixará de estar sempre perante uma declaração de quitação em que se consideravam extintos, por recíproco pagamento, ajustado e efectuado nessa data, toda qualquer compensação emergente da relação laboral, o que vale por dizer que todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho tinham sido cumpridas.
Como diz Leal Amado, uma quitação com aquela amplitude é, sem dúvida, uma quitação sui generis, uma vez que os credores não se limitaram a atestar que receberam esta ou aquela prestação determinada. Ao declarar que recebia as compensações a determinado título e que mais nenhum direito subsistia, por qualquer forma, nada devendo reciprocamente, atestaram que receberam todas as prestações que lhe eram devidas. E essa forma de quitação, por saldo de toda a conta, não deixa de ser admitida em direito.
Perante isto, em vez de se perguntar se o autor renunciou ao direito às prestações que eventualmente lhe seriam devidas em consequência da cessação da relação laboral, perguntar-se-á se essas prestações já se mostram realizadas ou se se mostram extintas, sendo que a resposta a esta última questão, tida como relevante, é seguramente afirmativa, perante a clareza daquela afirmação.
Na verdade, como inequivocamente decorre do teor do documento, os direitos abrangidos pela declaração emitida são os emergentes da relação contratual de natureza profissional que entre A. e Ré se manteve até àquela data”.

No mesmo sentido, ver ainda o Ac. de 29/09/2011, Proc. nº 490/2010.
E assim sendo, visto o que acaba de citar-se, estamos em condições de, sem mais escusados considerandos, concluir pela procedência do recurso interposto pela STDM no recurso subordinado no que à excepção peremptória analisada se refere, circunstância que torna desnecessária a análise do recurso principal, por prejudicada a sua eficácia e utilidade.

***
IV- Decidindo
1- Conceder provimento ao recurso subordinado apresentado pela STDM, e declarar prejudicado o conhecimento do recurso principal;
2- Revogar a sentença recorrida e, consequentemente, julgar procedente a referida excepção peremptória e, por via disso, improcedente a acção, com a consequente absolvição da ré STDM do pedido.
Custas pelo autor/recorrente A em ambas as instâncias.


TSI, 03 / 11 / 2011

__________________________
José Cândido de Pinho
(Relator)


Com declaração de voto ____
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)

_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)




Processo nº 216/2011
Declaração de voto de vencido

Vencido nos termos seguintes:

No presente recurso está em causa a questão em relação à qual já tomei posição quando subscrevi, entre os outros congéneres, o Acórdão tirado em 24JUL2008, no processo nº 444/2007 deste TSI, dou assim por integralmente reproduzidos aqui todos os argumentos nele expostos.

De facto, se é certo que, ao abrigo do disposto no artº 854º do Código Civil, o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor, não é menos verdade que existem restrições legais susceptíveis de invalidar o contrato de remissão, mesmo que este tenha sido celebrado de livre vontade entre ambos os contraentes.

Pois, sendo de natureza contratual que é, a remissão não pode deixar de se sujeitar ao regime geral de validade legalmente estabelecido para negócios jurídicos em geral.

Atendendo ao teor do contrato de remissão que se juntou aos autos, verifica-se que, justamente pelo negócio nele documentado, o autor, ora recorrente, abdicou de todos os créditos, ora peticionados na presente acção, alegadamente gerados a seu favor na execução do contrato de trabalho celebrado entre ele e a ré, em troca de um correspectivo, no valor de MOP$4.515,49.

Confrontando-se este valor com o valor da totalidade dos créditos por ele peticionados na presente acção, vê-se logo que essa correspectivo fica muito inferior àquele valor peticionado, que é, pelo menos, MOP$125.206,00, conforme se vê na petição inicial.

Ora, nos termos do disposto no artº 6º do Decreto-Lei nº 24/89/M de 03ABR, interpretado a contrario, não são admitidos acordos ou convenções, estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores, dos quais resultam condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da lei.

Da leitura da petição inicial, verifica-se que os créditos pelo autor ora recorrente reivindicados na presente acção são (alegados) créditos a seu favor resultantes do alegado incumprimento por parte da ré do mínimo das condições de trabalho estabelecidas nesse citado Decreto-Lei nº 24/89/M de 03ABR.

E facilmente se nota que o benefício que o “prémio de serviço” representa para o autor é claramente inferior ao benefício que lhe trará se a presente acção vier a ser julgada procedente tal qual como é peticionado.

Olhando sob outro prisma, o que o autor e a ré convencionaram no contrato de remissão traduz-se realmente num acordo sobre remunerações e compensações menos favorável para o autor, em comparação do que está estabelecido de acordo com o mínimo dos critérios legais.

Assim, dada a natureza imperativa da norma do artº 6º desse citado decreto, um contrato mediante o qual se convencionaram as condições de trabalho aquém do mínimo da protecção dos trabalhadores não pode deixar de ser julgado nulo, por força do disposto no artº 287º do Código Civil, nos termos do qual, salvo excepção expressa em contrário resultante da lei, são nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo.

Tipo da situação essa que sucedeu exactamente no caso sub judice.

Contra esse entendimento nem se diga que in casu, com a cessação das relações de trabalho entre o autor e a ré, o objecto do contrato de remissão deixa de ser créditos integrantes das condições de trabalho, uma vez que a lei, ou seja, o citado artº 6º, visa assegurar aos trabalhadores o mínimo das condições de trabalho, nas quais estão naturalmente incluídas, entre outras, as remunerações e compensações a que os trabalhadores têm direito e que, pela própria natureza de prestações pecuniárias, mesmo após a cessação das respectivas relações de trabalho, não se extinguem nem perdem a dignidade da protecção jurídica, por força do princípio da protecção mínima consagrado no artº 6º do mesmo decreto.

Portanto, o facto de terem sido entretanto cessadas as relações de trabalho entre o autor e a ré nunca pode ser invocado como argumento válido para afastar os trabalhadores do âmbito da protecção mínima estabelecida no artº 6º do citado decreto-lei.

Assim, dado que foi celebrado contra uma norma imperativa, ao abrigo do disposto no artº 279º do Código Civil, deve ser declarado nulo o contrato de remissão, ora invocado pela ré como excepção peremptória, e em consequência julgar procedente o presente recurso determinando a revogação da decisão recorrida.

Eis as razões que me levaram a não acompanhar o presente Acórdão.

RAEM, 03NOV2011



O juiz adjunto,


Lai Kin Hong

1 ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Coimbra, Almedina, Vol. II, Reimpressão da 7.ª ed. de 1997, 2001, p. 243.
2 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., II vol., p. 243.
3 LUÍS M. TELLES DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, Vol. II, 4.ª ed., 2006, p. 219.
4 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Coimbra, Coimbra Editora, Vol. II, 3.ª ed, 1986, p. 40.
5 ANTUNES VARELA, Das Obrigações..., II vol., p. 252.
6 VAZ SERRA, Remissão, Reconhecimento Negativo da Dívida e Contrato Extintivo da Relação Obrigacional Bilateral, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 43, Julho de 1954, p. 82.
7 VAZ SERRA, Do Cumprimento como Modo de Extinção das Obrigações, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 34, Janeiro de 1953, p. 175.
8 VAZ SERRA, Remissão..., p. 82 e 83.
9 Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1172.º, n.º 1 do Código Civil).
10 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código..., II vol., p. 856.
11 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 2005, p. 597. No mesmo sentido, MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1997, p. 734 e BERNARDO LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa/São Paulo, Verbo, 2.ª ed, 1999, p. 405.
12 O autor está a referir-se ao princípio da irredutibilidade do salário.
13 BERNARDO LOBO XAVIER, Curso..., p. 255.
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