Processo n.º 285/2011
(Recurso civil e laboral)
Data: 24/Novembro/2011
RECORRENTE :
- A
RECORRIDA :
- S.T.D.M.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, patrocinado por advogado, melhor identificado nos autos, propôs contra a Ré, "Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM)", acção para efectivação do direito ao pagamento da compensação pelo dias de descanso semanal anual e feriados obrigatórios, por si não gozados, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia MOP$115.005,22 e ainda no pagamento de juros vencidos e vincendos sobre tal quantia desde a cessação da relação laboral.
Veio esta, a final, a ser condenada, agora, depois de um primeiro julgamento anulado, absolvida o pedido.
Da decisão final vem recorrer a parte A., alegando basicamente que as gorjetas devem integrar o salário do trabalhador e defendendo a existência de contradição entre os fundamentos e a decisão proferida a final.
A STDM, Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A.R.L. defende a bondade do decidido.
Oportunamente, foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“1. A partir de 1 de Novembro de 1990, o Autor começou a trabalhar na STDM, onde exercia funções de observador-controlador de monitores do grupo de inspecção das salas de casino, sendo o funcionário n.º 12143 e tendo terminado em 30 de Setembro de 2002.
2. O autor recebeu anteriormente indemnização da ré, no valor de $29,840.00 patacas, tendo a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego sido mediadora nas negociações respectivas e tendo o autor assinado a declaração de fls. 90 (com tradução a fls. 100), cujo teor aqui se dá por reproduzido.
3. O A. só recebeu retribuição da ré pelos dias em que trabalhou.
4. O A. podia repartir as gorjetas provenientes dos clientes da ré.
5. O Autor apresentou queixa contra a ré nos Serviços de Trabalho e Emprego (Q. 7°).
6. O A. recebeu MOP$29,840.00, a título de compensação relativa aos direitos a descansos semanais, anuais, feriados obrigatórios e rescisão por acordo do contrato de trabalho (Q. 12°).
7. Os trabalhadores da ré, até 2002, corno o autor, desde que solicitassem à ré e esta autorizasse, podiam gozar dias de descanso.
8. Aquando da contratação, A. e R. acordaram que o primeiro viria a auferir urna quantia diária que era paga pela STDM e, eventualmente, urna quota parte das gorjetas referentes a cada período, caso fossem oferecidas pelos clientes.
9. Enquanto durou a relação laboral, o autor recebeu da ré a quantia fixa diária de MOP$ 32,00.
10. Aquando da celebração do contrato, a R. acordou com o A. que esta partilharia de uma determinada parte, incerta, maior ou menor, a título de gratificações ou gorjetas entregues pelos Clientes da ora Ré.
11. Estes montantes eram recebidos pelos croupiers, dos Clientes, e guardados diariamente, contabilizados e administrados de acordo com as directrizes e instruções de uma Comissão Paritária com a seguinte composição:
a) Um funcionário do Departamento da Inspecção de Jogos de Fortuna ou Azar:
b) Um membro do Departamento da Tesouraria da Ré;
c) Um Gerente de Andar ou Floor Manager;
d) Um ou Mais Trabalhadores / Croupiers das mesas de Jogo.
12. A distribuição fazia-se pelos trabalhadores da Ré, sendo distribuídos montantes pecuniários das gorjetas a todos os trabalhadores da R., independentemente do local de trabalho em que se encontravam (Q. 28°).
13. As gorjetas eram colocadas em caixa e contadas diariamente.
14. Aquando da contratação, A. e R. acordaram o seguinte:
a) A retribuição seria paga à razão diária, mas apenas pelos dias em que de facto o trabalhador se apresentasse ao emprego;
b) Caso pretendesse gozar de descanso (lato sensu, ou seja, descanso semanal, anual e feriados obrigatórios) e a ré autorizasse, tais dias não seriam retribuídos.
15. Enquanto durou a relação laboral do autor com a ré, o autor não descansou um dia remunerado em cada período de sete dias (Q. 32°).
16. Enquanto durou a relação laboral do autor com a ré, o autor não descanso seis dias remunerado em cada ano civil (Q. 35° epigrafado). “
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Do caso julgado
- ónus da prova
- Da contradição na sentença
- Da natureza jurídica do acordo celebrado entre recorrente e recorrida;
- Do salário justo; determinação da retribuição; as gorjetas auferidas pelos trabalhadores de casino integram ou não o seu salário?
- Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos; prova do impedimento do gozo;
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual, feriados obrigatórios;
- Integração da natureza do salário; mensal ou diário;
- Determinação dos montantes compensatórios dos dias de trabalho prestado em dias descanso e festividades.
Importa assinalar que nas contra alegações da ré, esta invoca uma declaração - doc. de fls 92 - eventualmente remissiva dos créditos reclamados e discuta ainda as fórmulas adoptadas, mas trata-se de questões que, à falta de recurso pela sua parte, delas não se curará.
2. Segundo a sentença recorrida, a acção foi julgada improcedente, designadamente :
- porque por força do caso julgado;
- porque também por força do caso julgado, há a ponderer que os dias em que efectivamente se provou que o autor trabalhou e que eram dias de descanso semanal, anual e de feriado obrigatório podem ser considerados;
Não existe caso julgado na presente situação.
Para que este se verifique é necessário que se observe o mesmo pedido, as mesmas partes e a mesma causa de pedir, mutatis mutandis, para o caso em apreço que tenha havido uma decisão sobre o mesmo objecto a decidir e que a fundamentação usada em ambas as situações esteja coberta em ambas os casos, tendo sido apreciada toda a fundamentação que serviu de suporte a uma e outra decisão.
Isto é, de uma forma mais simples, na primeira situação o TSI foi muito claro ao anular o julgamento, enquanto disse que o fazia porque se observava um non liquet sobre os dias efectivamente gozados; tendo o trabalhador gozado alguns, ainda que a pedido, não se sabia se eles coincidiam ou não com aqueles que eram devidos.
Não foi posto em crise o douto entendimento do Mmo Juiz no sentido de que o pedido nada releva; o que foi posto em crise foi a presunção que retirou dessa irrelevância para concluir que nenhum dos descansos legais foi gozado.
A preocupação do TSI foi muito linear e era de ordem matemática; havia que apurar em nome da certeza qual o número dos descansos legais efectivamente não gozados. Se o eram a pedido ou não isso realmente nada interessava.
Não há aí, pois, caso julgado.
Como não há na segunda vertente acima referida de que só são devidas as compensações pelos dias em que o autor trabalhou, devendo descansar. Isso nada tem a ver com a decisão proferida; isso tem a ver os fundamentos do pedido e resulta da lei.
Importa então ver o que se provou a esse propósito.
3. Basicamente e com pertinência para o que ora nos interessa e, diferentemente do que se apurara aquando do primeiro julgamento, vem agora claramente provado que o trabalhador não gozou os dias respectivos de descanso semanal e anual.
Já nada se provou quanto aos feriados obrigatórios.
Aqueles dias, tal como comprovado, não se podem deixar de ter como sendo os devidos.
Em termos de ónus da prova cabia ao autor provar que trabalhou nos dias de descanso legais, mas já cabe à ré, quanto ao que por si foi sustentado nos autos, provar que este era pago ao dia, só recebia quando trabalhava e só descansava quando pedia, sustentando até que a relação laboral firmada estabelecia regras próprias que derrogavam as regras gerais do RJRL.
Neste balanceamento dos diferentes ónus de prova, importa assim fixar a matéria apurada e só na sua falta haverá que resolver o litígio de acordo com tais o ónus.
Em termos de ónus da prova cabia ao autor provar que trabalhou nos dias de descanso legais, mas já cabe à ré, quanto ao que por si foi sustentado nos autos, provar que este era pago ao dia, só recebia quando trabalhava e só descansava quando pedia, sustentando até que a relação laboral firmada estabelecia regras próprias que derrogavam as regras gerais do RJRL.
Neste balanceamento dos diferentes ónus de prova, importa assim fixar a matéria apurada e só na sua falta haverá que resolver o litígio de acordo com tais o ónus.
Ora, face à matéria que vem comprovada, tanto basta, para numa leitura razoável e fazendo apelo ao próprio funcionamento dos casinos, restante matéria provada, o conhecimento do funcionamento, tal como tem chegado até nós em centenas de processos, mas acima de tudo pela formulação dada à matéria provada nos pontos 15 e 16 - não se deixando de assinalar o esforço do Mmo Juiz em tal apuramento -, termos por adquirido que o autor não gozou os descansos que eram devidos.
Ora se assim é, verifica-se uma contradição entre a matéria de facto, a fundamentação e a decisão, pois que tal matéria fáctica possibilita o cálculo das compensações quanto aos descansos semanais e anuais.
E mesmo perante um non liquet sobre o número de dias e quais os dias efectivamente gozados - o que não é o caso -, se gozados, aí, a regra do ónus da prova jogará contra a ré no sentido de demonstrar que esses dias coincidiam com os descansos legais.
Posto isto, entende-se ser de anular a sentença, face ao disposto no artigo 571º, n.º 1, b) e c) do CPC não obstante este Tribunal se substituir ao tribunal recorrido face ao disposto no artigo 630º do CPC, por dispor dos indispensáveis elementos.
4. As diferentes questões foram abordadas em vários e abundantes arestos dos Tribunais de Macau, referindo-se que em praticamente todos eles se conseguiu uma unanimidade de entendimento, tanto na 1ª Instância, como neste Tribunal de Segunda instância.1
Depois disso, sobrevieram algumas decisões do TUI2, que decidiu contrariamente à posição que granjeara unanimidade total numa questão fundamental, qual seja a de saber se as gorjetas dos trabalhadores dos casinos da STDM integravam o salário.
Perante tais decisões daquele Alto Tribunal, essa questão, bem como as outras que se colocavam, foram já tratadas devidamente numa série de acórdãos deste Tribunal de Segunda Instância e nesta secção em particular, aí se explicando, com o devido respeito, as razões do não acatamento da interpretação do TUI, cientes de que a responsabilidade pela uniformização da Jurisprudência não pode depender unicamente do critério de cada julgador, devendo ser implementada pelo legislador.3
Por essa razão, nessa, bem como nas restantes questões, remetemo-nos para a Jurisprudência deste Tribunal de Segunda Instância.
Ressalva-se a inflexão nessa Jurisprudência, a partir de 31/3/2011, v.g. com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI, apenas para os cálculos de algumas compensações relativamente aos descansos não gozados.
5. Posto, isto, passa-se de imediato à abordagem das questões que vêm colocadas no recurso, o que se fará, pelas razões acima aduzidas, em termos sintéticos.
A primeira questão que se deve apreciar é a da caracterização da relação jurídica existente, o que se reconduz, no fundo, a saber se estamos ou não perante um contrato de trabalho entre ambos celebrado.
Em face do artigo 1079.º do Código Civil, artigos 25º e 27º do anterior RJRL - cfr. artigos 1º, 4), 9º, 2), 57º da actual LRT, Lei 7/2008, de 12 de Agosto, em princípio não aplicável aos contratos findos, face à redacção do disposto no art. 93º -, art. 23°, n.º 3 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 7º do Pacto sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais e pela Convenção da OIT n.º 131, direitos que por essa via não deixam de ser tutelados pela própria Lei Básica no seu artigo 40º, decorre, face à factualidade apurada, que parece não restarem quaisquer dúvidas de que nos encontramos perante um verdadeiro e puro contrato de trabalho entre o empregado e a empregadora, em que esta, mediante uma retribuição, sob autoridade, orientações e instruções daquela, começou a trabalhar na área de actividade ligada à exploração de jogos de fortuna ou azar.
Temos assim por certo que o contrato celebrado entre um particular e a Sociedade de Turismo e Diversões de Macau, S.A., para aquele trabalhar naquela área dos casinos, sob direcção efectiva, fiscalização e retribuição por parte desta, deve ser qualificado juridicamente como sendo um genuíno contrato de trabalho remunerado por conta alheia, contrato esse que deve ser remunerado com uma retribuição justa.
6. Fundamentalmente, o que está em causa é saber se as gorjetas integram o salário do trabalhador. Anote-se que o que interessa é a consideração do que seja o salário para efeitos das compensações a contemplar, face ao que reclamado vem nos autos.
O cerne da questão residirá em saber se, face à matéria de facto, melhor apreendida pelas Instâncias, filtrada e burilada através de tantos e tantos outros processos, se ela não predispõe num outro sentido compreensivo mais abrangente da realidade com que deparamos nos casos da STDM e neste em particular.
A questão não pode ser desenquadrada do seu todo, do rendimento efectivo expectável, da prática adoptada e reiterada anos e anos a fio, da natureza específica da exploração e actividade de um casino, da realidade diversa da de outros ordenamentos em termos de Direito comparado.
O carácter de liberalidade e eventualidade das gorjetas é contrariado pelo facto de as mesmas, no caso dos casinos da STDM, serem por esta reunidos, contabilizados e distribuídos e não se diga que o sistema de contabilização e distribuição pela empresa representa o sistema mais justo e que mais beneficia o trabalhador não é argumento decisivo, pois que sempre se pode entender que essa prática se insere no próprio processo contratual entre as partes e que por isso mesmo o trabalhador espera com uma forte probabilidade vir a auferir uma massa de rendimentos, só por via dela anuindo à celebração daquele contrato de trabalho.
É verdade que quanto à perspectiva tributária incidente sobre as gorjetas esse argumento não se mostra decisivo.
Na perspectiva tributária de direito público, o imposto profissional é um imposto parcelar, estruturado cedularmente, mediante o qual se submete a regime específico de incidência, determinação da matéria colectável e taxa os rendimentos decorrentes do trabalho, por conta de outrem ou por conta própria. Englobam-se nesse tipo de rendimento as gratificações ou gorjetas espontânea e livremente entregues, na sequência de uma reiterada prática social, pelos beneficiários de um determinado serviço ou trabalho, e por causa deste, aos que executaram esses serviço ou trabalho.4
Não obstante o princípio da autonomia privada, há que ter em conta, principalmente no que respeita à liberdade de estipulação do conteúdo, determinadas normas que não podem ser afastadas pela vontade das partes, as quais limitam a liberdade contratual, impondo, pelo menos, um conteúdo mínimo imperativo.
As gorjetas dos trabalhadores da STDM, na sua última ratio devem ainda ser vistas como "rendimentos do trabalho", sendo devidos em função, por causa e por ocasião da prestação de trabalho, ainda que não originariamente como correspectividade dessa mesma prestação de trabalho, mas que o passam a ser a partir do momento em que pela prática habitual, montantes e forma de distribuição, com eles o trabalhador passa a contar, estando nós seguros de que sem essa componente o trabalhador não se sujeitaria a trabalhar com um salário que na sua base é um salário de miséria.
Não se deixam de encontrar no Direito Comparado situações em que a gorjeta integra o valor da remuneração, assim acontecendo no Brasil, compreendendo-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago directamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber e considerando-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.
Salvaguardando a diferença de sistemas, assim acontece igualmente nos EUA.
Assim acontece em Hong Kong, onde ainda recentemente o Court of Final Appeal decidiu ratificar o entendimento do Court of Appeal no sentido de que as gorjetas deviam integrar o salário com argumentos próximos dos acima expendidos.5
Por outro lado, em Portugal, não minimizando a douta doutrina citada pelo TUI, não se deixa de assinalar, como acima se referiu, que a realidade fáctica diverge em ambos os ordenamentos e num ponto que se nos afigura essencial, qual seja o de em Portugal o rendimento mínimo estar garantido por lei.
7. Do não gozo de dias de descanso semanal, descanso anual e feriados obrigatórios;
. prova dos factos
. liberdade contratual; da admissibilidade de renúncia voluntária ao gozo de dias de descanso semanal, anual e feriados obrigatórios.
Provou-se que o trabalhador em questão trabalhou nos dias de descanso semanal, anual e também feriados obrigatórios e não recebeu qualquer acréscimo.
Para que haja erro manifesto na apreciação da prova tem de resultar da alegação da parte recorrente e dos elementos dos autos a probabilidade de existência de erro de julgamento, o que decorre da indicação não só dos pontos considerados incorrectamente julgados, como da indicação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa (cfr. artigo 599º, n.º 1, a) e b) e 629º do CPC).
No que ao ónus da prova respeita só importaria apreciar a questão em caso de falta de prova dos factos alegados pela parte a quem cabia o ónus de provar os factos integrantes do seu direito(cfr. o n.º 1 do art. 335° do CC), de forma a daí retirar as devidas consequências.
8. Da liberdade contratual.
Ao interpretar e aplicar qualquer legislação juslaboralística em sede do processo de realização do Direito, temos que atender necessariamente ao “princípio do favor laboratoris”, princípio que para além de “orientar” o legislador na feitura das normas juslaborais (sendo exemplo paradigmático disto o próprio disposto no art.º 5.º, n.º 1, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril), deve ser tido pelo menos também como farol de interpretação da lei laboral, sob o qual o intérprete-aplicador do direito deve escolher, na dúvida, o sentido ou a solução que mais favorável se mostre aos trabalhadores no caso considerado, em virtude do objectivo de protecção do trabalhador que o Direito do Trabalho visa prosseguir.
Do que acima fica exposto decorre que se A. e Ré podiam acordar nos montantes da retribuição (e o problema que se põe nessa sede não é já o do primado da liberdade contratual mas sim o da determinação da vontade das partes quanto à integração dessa retribuição) já o mesmo não acontece quanto ao gozo dos dias de descanso, férias e feriados e sua remuneração.
9. Da errada interpretação e aplicação do n.° 4, do art. 26° do RJRT - da violação do n.° 2 do art. 564º do CPC
E ainda da configuração do salário como mensal.
As características e natureza do trabalho, tal como vem provado, harmonizam-se mais com o considerar que se tratava de um salário mensal, estando a remuneração não já dependente do resultado de trabalho efectivamente produzido, nem, tão-pouco, do período de trabalho efectivamente prestado.
Da redacção do n.º 4 do artigo 26º decorre uma consequência importantíssima na interpretação das normas que atribuem as compensações pelo trabalho prestado nesses dias. É que o n.º 1 do art.º 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, atentos os termos empregues na redacção da sua parte final, - os trabalhadores que auferem um salário mensal...não podendo sofrer qualquer dedução pelo facto de não prestação de trabalho nesses períodos (períodos de descanso semanal e anual e feriados obrigatórios) - visa tão-só proteger o trabalhador contra eventual redução do seu salário mensal por parte do seu empregador sob pretexto de não prestação de trabalho nesses períodos e, por isso, já não se destina a determinar o desconto do valor da remuneração normal na compensação/indemnização pecuniária a pagar ao trabalhador no caso de prestação de trabalho em algum desses dias.
Essa posição, no respeitante ao tipo do salário, releva para aplicação do n.º 6 do art.º 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na actual redacção dada pelo artigo único do Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, já que na hipótese de pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal, por força do n.º 6, é ao disposto na sua alínea a) que se atende e já não ao determinado na sua alínea b).
10. Da lei aplicável.
Ainda aqui nos remetemos para o desenvolvimento feito nos acórdãos já citados.
Posto isto, assim se entra na análise da correcção da sentença recorrida quanto ao apuramento das compensações devidas pela entidade patronal, por violação dos diferentes tipos de descanso do trabalhador e assim do invocado erro de direito em relação às pertinentes normas reguladoras daquelas compensações.
Neste caso particular acompanhamos as fórmulas adoptadas na Jurisprudência quase unânime deste Tribunal, unanimidade que sofreu até ao momento apenas a excepção da compensação do trabalho prestado em dias de feriados obrigatórios e a inflexão a partir de 31/3/2011, com o processo n.º 780/2007, de 31/3/2011, deste TSI .6
Donde passaram a resultar as seguintes fórmulas:
Donde resultam aos fórmulas seguintes que aqui se entendem ser as correctas:
No âmbito do
Descansos semanais
Descansos anuais
Feriados Obrigatórios
DL101/84/M
X17
X1
X18
DL24/89/M
X2
X19
X3
11. Quanto aos rendimentos do trabalhador o que se passa neste caso é que vem comprovado tão somente o montante de MOP 32,00 e essa matéria não foi objecto de impugnação.
Será, pois, sobre esse valor que se efectuarão os cálculos, não se comprovando o montante relativo à parte variável das gorjetas.
Há, assim, que fazer os cálculos a partir dos valores integrantes do salário fixo do trabalhador.
Não deixamos de registar que vem provado o não gozo dos descansos semanais, anuais, já nada se dizendo quanto aos feriados obrigatórios.
12. Trabalho prestado em dia de descanso semanal
Em sede do DESCANSO SEMANAL importa alterar os montantes, face aos valores do salário relevante apurado, alterando-se a fórmula encontrada por vir recurso interposto quanto a essa questão.
Assim, sob a alçada do Decreto-Lei n.° 24/89/M:
Ano
número de dias
vencidos e não gozados
(A)
remuneração
diária média
em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
(A x B x 2)
1990
8
32,00
512
1991
52
32,00
3328
1992
52
32,00
3328
1993
52
32,00
3328
1994
52
32,00
3328
1995
52
32,00
3328
1996
52
32,00
3328
1997
52
32,00
3328
1998
52
32,00
3328
1999
52
32,00
3328
2000
52
32,00
3328
2001
52
32,00
3328
2002
40
32,00
2560
Total das quantias
→
39,680
13. Descanso anual
Em sede de DESCANSO ANUAL, importa igualmente recalcular os montantes apurados.
Nesta conformidade, no âmbito do
Decreto-Lei n.º 101/84 e
n.º 24/89/M
Ano
dias vencidos mas não gozados
nesse ano
(A)
valor da remuneração diária média nesse ano em MOP
(B)
Quantia indemnizatória
em MOP
(A x B x 1)
1990
0
32,00
0
1991
6
32,00
192
1992
6
32,00
192
1993
6
32,00
192
1994
6
32,00
192
1995
6
32,00
192
1996
6
32,00
192
1997
6
32,00
192
1998
6
32,00
192
1999
6
32,00
192
2000
6
32,00
192
2001
6
32,00
192
2002
6
32,00
192
Total dessas quantias →
2,304
14. Feriados obrigatórios
Não há elementos que permitam uma fixação a esse título.
15. Concluindo,
Os valores encontrados para a compensação dos descansos semanais , anuais alteram-se em conformidade com os valores constantes dos mapas supra;
Conclui-se assim pela existência dos apontados vícios de interpretação dos factos e de direito.
Tudo visto e ponderado, resta decidir,
IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam os Juízes que compõem o Colectivo deste Tribunal, em conferência, em:
- julgar procedente o recurso da decisão final interposto pelo trabalhador, alterando a sentença proferida e condenando a Ré a pagar à A. os montantes em conformidade com os valores calculados nos mapas supra;
- em condenar no pagamento dos juros de mora, a contar a partir do momento desta decisão, vista a alteração verificada em relação à liquidação feita em 1ª Instância (cfr. Ac. TUI69/2010, de 2/3/11).
- em manter o que foi decidido quanto aos feriados obrigatórios.
Custas pela Ré
Macau, 24 de Novembro de 2011,
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira (Relator) (vencido apenas quanto às fórmulas na parte divergente da Jurisprudência dominante deste Tribunal até 31/3/11, de acordo, designadamente, com os Acs n.ºs 330/05, de 11/5/06; 76/06, de 22/6/06 e 295/06, de 5/10/06)
_________________________
Ho Wai Neng
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto)
1 - Processos 241/2005, 297/05, 304/05, 234/05, 320/05, 255/05, 296/05, respectivamente de 23/5/06, 23/2/06, 23/2/06, 2/3/06, 2/3/06, 26/1/06, 23/2/06, 330/2005 , 3/2006, 76 /2006.
2 - Processos 28/2007, 29/2007, 58/2007, de 21/7/07, 22/11/07 e 27/2708, respectivamente
3 - Cfr. processos, deste TSI, de 19/2/09, 314/2007, 346/2007, 347/2007, 360/2007, 370/2007
4 - Parecer da PGR n.º P001221988, de 18/11/88
5 - Proc. 55/2008, de 19/1/09, betweeen Lam Pik Shan and HK Wing On Travel Service Limited, in http://www.hklii.org/hk
6 - Vd. douto voto vencido nos Acórdãos 234/2005 e 257/2007, de 2/3/06 e 9/3/06, respectivamente
7 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
8 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 não havia compensação no âmbito do DL101/84/M, de 25 de Agosto
9 - Na Jurisprudência uniforme deste TSI até 31/3/11 a fórmula era x2
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
285/2011 1/21