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   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças proferido em 27 de Janeiro de 2011 que indeferiu o seu pedido de renovação de autorização para fixação de residência temporária.
Por Acórdão proferido em 31 de Maio de 2012, o Tribunal de Segunda Instância decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Inconformando com a decisão, vem A recorrer para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões:
1. Em 16 de Novembro de 2004, foi autorizada a residência temporária da recorrente e do seu agregado familiar (cônjuge e dois filhos).
2. Com base nos antecedentes criminais da recorrente, as autoridades administrativas não autorizaram o seu pedido da renovação nos termos do artigo 9.º n.º 2 alínea 1) da Lei n.º 4/2003.
3. Estabelecem-se no artigo 9.º n.º 2 da Lei n.º 4/2003 uma série dos aspectos aos quais se deve atender para efeitos de concessão da autorização de residência.
4. Além de antecedentes criminais, dispõe-se que ao analisar o requerimento da autorização, deve tomar em conta os outros factores, tais como meios de subsistência de que o interessado dispõe; finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade; actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM; laços familiares do interessado com residentes da RAEM; razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
5. Embora a recorrente tenha cometido crime no Território e tenha antecedentes criminais, as respectivas sanções foram declaradas extintas pelo Tribunal Judicial de Base. O Registo Criminal da recorrente também foi extinto nos termos do artigo 25.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 27/96/M, isto é, foi reabilitado o direito judicial da recorrente.
6. O acórdão recorrido não deve ponderar somente este aspecto, visto que foi já reabilitado o direito judicial da recorrente ao abrigo do Decreto-Lei n.º 27/96/M e existem os outros aspectos favoráveis à autorização de permanência.
7. Desde a condenação no TJB até este momento, a recorrente não cometeu nenhum crime, as sanções criminais foram declaradas extintas pelo Tribunal e cancelado o respectivo registo criminal.
8. Actualmente, a recorrente é a dona dum estabelecimento de comida com serviços de take away. Ela e o seu marido são proprietários de duas fracções autónomas no Território, cujos valores são ambos superiores a MOP$ 1,000,000.
9. A recorrente, o seu marido e os dois filhos têm residido em Macau por longo tempo (há mais de 7 anos que foram autorizados), o filho actualmente serve de croupier no Casino e a filha fica em casa para tomar cuidado do seu bebé depois de ser graduada da Escola. A família já se integrou no ambiente de vida e trabalho de Macau e passa uma vida estável no Território.
10. Se não autorizar a renovação, pode-se prever que a recorrente e os membros do agregado familiar não poderão viver em Macau.
11. Já foram cancelados os registos de residência da recorrente e os membros do agregado familiar na República Popular da China, deste modo, Macau é o seu único local de residência.
12. Pode-se prever que a recorrente e os membros do agregado familiar não sabem onde vão residir, perderão maneiras de sobrevivo ou apoio familiar e será afectado o desenvolvimento dos filhos, violando o princípio do humanismo.
13. Tendo em consideração as circunstâncias pessoais da recorrente, a situação da família e a lei aplicada, a recorrente entende que estão preenchidos os aspectos favoráveis previstos no artigo 9.º n.º 2 da Lei n.º 4/2003.
14. Conforme as disposições referidas, era ilegal que as autoridades administrativas apreciassem e indeferissem o requerimento apenas com base nos antecedentes criminais da recorrente sem considerar o seu agregado familiar.
15. O acórdão recorrido acompanha as razões pelas quais se indeferiu o pedido da renovação da autorização de residência da recorrente, violando os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça previstos nos artigos 5.º e 7.º do Código de Procedimento Administrativo.
16. Pelo exposto, o acórdão recorrido violou o artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, padeceu do vício de ilegalidade e deve ser revogado.

A entidade recorrida apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
1. A recorrente apontou que o acórdão a quo não devia concordar com que a aplicação do disposto no art.º 9º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003 só se fundamentasse com a condenação penal da mesma pelo tribunal.
2. Segundo a interpretação da recorrente, na apreciação do seu pedido da renovação da autorização de residência, a decisão de indeferimento do dito pedido não devia ser feita só pelo atendimento ao factor discriminado no art.º 9º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, mas sim, devia ter também em consideração os factores previstos nas al.s 1) a 6) do mesmo artigo.
3. Certamente, se o interessado ou preenchesse todos os factores previstos nas al.s 1) a 6) do artigo supracitado ou não preenchesse nenhum desses e não houvesse qualquer outra possibilidade, a interpretação da recorrente seria logicamente procedente – mesmo que isto não seja conteúdo do disposto no art.º 9º da Lei n.º 4/2003.
4. Todavia, se o interessado preenchesse apenas alguns factores previstos nas al.s 1) a 6) do artigo supracitado – tal como a situação da recorrente – a interpretação da recorrente não serviria para resolver a questão, ou seja, a interpretação da mesma seria improcedente.
5. De facto, na apreciação do pedido da autorização de residência, a Administração precisa de ponderar se a concessão da autorização de residência afectará ou não a segurança pública de Macau, pelo que é necessário atender, especialmente, à consciência na observação da lei do requerente.
6. Desde que os antecedentes criminais do requerente se revelem a possibilidade de ameaça à segurança pública ou apurem a falta de consciência na observação da lei do mesmo, a Administração deve rejeitar logo o pedido da autorização de residência apresentado pelo mesmo, incluindo o da renovação da autorização de residência.
7. A condenação penal feita pelo tribunal à recorrente implica a falta de consciência na observação da lei da recorrente, pois, com base neste facto, a Administração pode, nos termos do art.º 9º, n.º 2 da Lei n.º 4/2003, indeferir logo o pedido da renovação da autorização de residência apresentado pela recorrente.
8. Assim sendo, não se deve concordar com o que foi referido pela recorrente – só com base na condenação penal da mesma pelo tribunal é insuficiente para fundamentar a aplicação do disposto no art.º 9º, n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003.
9. A interpretação da recorrente está errada. O acórdão a quo não violou o art.º 9º da Lei n.º 4/2003.
10. O acto recorrido é um acto praticado com o exercício do poder discricionário. O tribunal não pode examinar a adequação do acto discricionário, salvo hajam vícios de desvio de poder, de erro notório ou de desarrazoamento absoluto.
11. O acto recorrido não padece dos vícios de desvio de poder, de erro notório ou de desarrazoamento absoluto, pelo que o Tribunal a quo não pode examinar a adequação do acto.
12. Embora a recorrente não precisasse de cumprir a pena pelo decurso do período da suspensão e o tribunal decretasse a reabilitação da mesma, não impedia à Administração, na apreciação do pedido da renovação da autorização de residência da recorrente, a indeferir o dito pedido com base na sentença condenatória do tribunal.
13. Na verdade, o factor de extinção da pena pelo decurso do período da suspensão e o de reabilitação decretada pelo tribunal só têm sentido activo na reinserção social, mas não se aplicam na apreciação da autorização de residência.
14. Refere-se no acórdão do processo de recurso n.º 36/2006 do T.U.I., não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições da reabilitação para o regime da autorização de residência, já que são diferentes os interesses que se visam proteger em dois regimes. No segundo relevam mais os interesses de ordem pública e segurança de Macau e no primeiro preocupa com a ressocialização de delinquentes condenados criminalmente.

O Exmo. Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que não merece provimento o recurso.
Foram corridos os vistos.
   
2. Os Factos Provados
Nos autos foram considerados os seguintes factos com pertinência:
- É do seguinte teor o parecer em que assentou o aludido despacho que não concedeu a renovação de autorização de residência à recorrente:
“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Parecer n.º 2008/Fixação de residência/2003/01R
Requerente: A(甲)
Investimento de imóvel – renovação
É aplicável o D.L n.º14/95/M

Despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças
CONCORDO COM A PROPOSTA
Ass.) vd. original
Aos 27/1/2011
Parecer da Comissão Executiva
Ao Exm.º Senhor Secretário para a Economia e Finanças:
Após feita uma análise, verifica-se que a requerente A cometeu a lei penal em Macau e foi-lhe sido aplicada a pena de prisão, pelo que, proponho que seja indeferido o seu pedido de renovação da autorização para fixação de residência temporária a seguir:
Ordem
Nome
Relação
1
A (甲)
Requerente
2
B (乙)
Cônjuge
3
C (丙)
Descendente
4
D (丁)
Descendente
Submeto o presente parecer à consideração de V. Ex.
O Presidente: E
Aos 3 de Janeiro de 2011
Parecer do Chefe do Gabinete Jurídico e de Fixação Residência
CONCORDO COM A PROPOSTA
F
Director-Adjunto, Subst.º
Aos 31 de Dezembro de 2010

Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência
À Comissão Executiva

1. Dados de identificação da interessada e o respectivo prazo da autorização para fixação de residência temporária:

Ordem
Nome
Relação
Documento
/número
Prazo de validade do documento
Prazo de validade da autorização de fixação residência temporária até
1
A
Requerente
Passaporte chinês GXXXXXXXX
3/1/2011
16/11/2007
2
B
Cônjuge
Passaporte chinês GXXXXXXXX
20/4/2010
16/11/2007
3
C
Descendente
Passaporte chinês GXXXXXXXX
16/6/2008
16/11/2007
4
D
Descendente
Passaporte chinês GXXXXXXXX
20/7/2008
16/11/2007
A requerente, pela primeira vez, em 16 de Novembro de 2004, foi autorizada a fixar de residência em Macau.
2. Para o fim de renovação, a requerente apresentou os documentos de imóveis seguintes, no sentido de provar que ela detém ainda o investimento de imóvel conforme exigido na lei:
(1). N.º da descrição na Conservatória do Registo Predial: XXX
    [Endereço(1)]
    Valor: MOP381.655,00.
    Data de registo: XX/X/2003 (XX)
(2). N.º da descrição na Conservatória do Registo Predial: XXXXX-XX
[Endereço(2)]
Valor: MOP670.475,00.
Data de registo: XX/X/2003 (XX)
3. De acordo com o Certificado de Registo Criminal apresentado pela requerente, esta (A) possui o antecedente criminal seguinte: (vd. documentos constantes de fls.11 a 13)
Em 26/7/2005, pela prática de um crime de emprego ilegal, a mesma foi condenada pelo Tribunal Judicial de Macau na pena de 3 meses de prisão, com suspensão de execução da pena pelo período de 1 ano.
4. Face ao caso acima referido, este Instituto, por várias vezes, telefonou para a requerente e lhe enviou, em 25/2/2010, o ofício n.ºXXXX/GJFR/2010, no sentido de solicitar-lhe a audiência escrita e apresentação do documento relativo à decisão feita pelo Tribunal. (vd. fls. 28)
5. A requerente constituiu o advogado e através do mesmo, em 9/3/2010, apresentou a contestação escrita e a decisão do Tribunal (vd. doc. constantes de fls.31 a 42). Formulou na contestação, em síntese, as seguintes conclusões:
(1) O acto ilegal praticado pela requerente A, ocorreu em 2005, altura em que, segundo o fundamento então aplicável, ou seja, o art.º 3º do D.L n.º24/89/M não excluiu a relação laboral de entre parentes, contudo, nos termos do art.º 3º da Lei n.º7/2008 ora em vigor, onde não se considera como relação laboral, a de trabalho estabelecida entre pessoas com vínculo familiar até ao segundo grau e que vivam em comunhão de mesa e habitação.
(2) A relação entre A e a interveniente é de mãe e filha, pelo que, nos termos do art.º 3º da Lei n.º7/2008, essa relação não deve ser considerada como relação laboral e o respectivo acto também é classificado como descriminalizado, pelo que, deve-se aplicar ao requerente a lei que se mostra mais favorável a ela.
(3) Desde a prática do crime até à presente data, a requerente não praticou qualquer acto ilegal, e decorrido o período de suspensão da execução, em 25/9/2007, o Tribunal declarou a extinção da aplicação da pena em causa.
(4) A requerente é uma cidadã responsável e observadora da lei.
6. Quanto aos teores acima referidos, após consulados os documentos do Tribunal, foram confirmados os seguintes:
(1) A requerente A cometeu um crime de emprego ilegal, p. p. pelo art.º 16º, n.º1 da Lei n.º6/2004 (vd. fls.41); a trabalhadora ilegal (interveniente) por si contratada é sua tia, e ambas não são parentes do segundo grau, pelo que, não é aplicável o art.º 3º do D.L n.º24/89/M ou, o art.º 3º da Lei n.º7/2008 tal como indicado na contestação escrita.
(2) Dado que entre a requerente e a interveniente não há relação de mãe e filha, nem parente do segundo grau, e mais, de acordo com os dados constantes dos documentos do Tribunal, foi pago pela requerente A à interveniente, dinheiro como recompensa do trabalho. Assim sendo, deve-se considerar que entre as duas, já foi constituída uma relação de trabalho.
(3) A, agindo de forma consciente, voluntária e livre ao praticar o acto acima referido, tinha perfeito conhecimento de que o seu acto era proibido e punido por lei.
(4) De acordo com os dados constantes dos documentos do Tribunal, confirmou-se que a requerente A efectivamente praticou acto ilegal em Macau, sendo isso um facto inegável.
7. De acordo com o disposto nos art.ºs 7º e 8º do D.L. n.º14/95/M alterado, a renovação da interessada está sujeita à verificação dos mesmos requisitos da emissão inicial do título de residência e, em caso da perda de titularidade da situação jurídica que determine a concessão de autorização de residência, a respectiva autorização deve ser cancelada. E mais, nos termos do art.º 9º, n.º2, al. 1) da Lei n.º4/2003, aplicável subsidiariamente ao caso, na concessão da autorização para fixação de residência, em particular, deve-se atender a que se o requerente tem ou não antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no art.º 4º da presente lei”, incluindo a circunstância de “o requerente ter sido condenado na RAEM ou no estrangeiro, na pena privativa de liberdade”.
8. Embora A seja primária, nos termos dos documentos por si apresentados, relativos à decisão do Tribunal Judicial de Base, verifica-se que a mesma, agindo de forma consciente, voluntária e livre ao praticar o acto, tinha perfeito conhecimento de que o seu acto era proibido e punido por lei; pelo Tribunal foi condenada na pena de prisão de 3 meses; o que mostra e confirma efectivamente que a requerente não cumpriu a lei da REAM e lhe foi aplicada a pena privativa de liberdade; pelo que, não é possível dar-lhe uma proposta positiva, face ao seu pedido de renovação.
9. Feita a apreciação, uma vez que a requerente A cometeu a lei penal em Macau e lhe foi aplicada a pena de prisão, nos termos do art.º 9º, n.º2, al. 1) da Lei n.º4/2003, aplicável subsidiariamente nos termos do art.º 11º do D.L. n.º14/95/M já alterado, propõe-se assim que seja indeferido o pedido de renovação da autorização para fixação de residência temporária, formulado pelos interessados seguintes:
Ordem
Nome
Relação
1
A (甲)
Requerente
2
B (乙)
Cônjuge
3
C (丙)
Descendente
4
D (丁)
Descendente

Submete-se o assunto à consideração de V. Exª.

O Técnico Superior,
G,
Aos 28 de Dezembro de 2010”
   
   
3. O Direito
A questão suscitada pela recorrente reside em saber se o Acórdão ora recorrido violou o disposto no art.º 9.º n.º 2 da Lei n.º 4/2003 e os princípios de humanismo, da igualdade, da proporcionalidade e da justiça previstos nos art.ºs 5.º e 7.º do Código de Procedimento Administrativo.

1. Ora, no que concerne à renovação da autorização de residência, estipula o art.º 22.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 que:
“1. A autorização de residência, com excepção da que é concedida nos termos do artigo 19.º, é em regra válida pelo prazo de 1 ano, e é renovada por períodos de 2 anos, a pedido do interessado ou seu representante, devendo o respectivo requerimento dar entrada até à data em que expira a sua validade.
2. A renovação da autorização depende da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e no presente regulamento.”

Ao mesmo tempo, dispõe o seguinte o art.º 9.º da Lei n.º 4/2003, que estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência:
“1. O Chefe do Executivo pode conceder autorização de residência na RAEM.
2. Para efeitos de concessão da autorização referida no número anterior deve atender-se, nomeadamente, aos seguintes aspectos:
1) Antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei;
2) Meios de subsistência de que o interessado dispõe;
3) Finalidades pretendidas com a residência na RAEM e respectiva viabilidade;
4) Actividade que o interessado exerce ou se propõe exercer na RAEM;
5) Laços familiares do interessado com residentes da RAEM;
6) Razões humanitárias, nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
3. A residência habitual do interessado na RAEM é condição da manutenção da autorização de residência.”
E o art.º 4.º da mesma lei prevê circunstância em que é, ou pode ser, recusada a entrada dos não-residentes na RAEM, sendo uma das quais “terem sido condenados em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior” [al. 2) do n.º 2 do art.º 4.º].

Na realidade e para efeitos de concessão da autorização de residência e de respectiva renovação, a lei manda expressamente atender aos “antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstâncias referidas no artigo 4.º da presente lei”, incluindo a condenação do interessado em pena privativa de liberdade, na RAEM ou no exterior.

2. Voltando ao caso sub judice, constata-se nos autos que, em 16 de Novembro de 2004, a recorrente foi autorizada a fixar residência temporária em Macau.
Acontece que em Julho de 2005 a recorrente cometeu um crime de emprego ilegal pelo qual foi condenada na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, que motivou o indeferimento do seu pedido de renovação de autorização de residência temporária.
A decisão administrativa impugnada foi tomada ao abrigo do disposto no art.º 9.º n.º 2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, que permite a Administração indeferir o pedido de autorização de residência do interessado, tendo em consideração os seus antecedentes criminais.
Alega a recorrente que, não obstante a sua punição pelo Tribunal Judicial de Base, a respectiva pena foi já declarada extinta pelo Tribunal Judicial de Base e a sua condenação se encontra também cancelada no registo criminal nos termos dos art.ºs 25.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 27/96/M, sendo que foi já reabilitado o seu direito judicial ao abrigo do mesmo diploma.
É verdade que a referida pena foi já declarada extinta e não se encontra qualquer referência no certificado do registo criminal da recorrente.
No entanto, consabido é que a não revogação da pena com a sua execução suspensa só conduz à extinção da pena nos termos do art.º 55.º do Código Penal de Macau, mas não faz desaparecer a condenação sofrida nem torna extintos os efeitos dessa condenação.
Não se encontra qualquer norma a prever a extinção dos efeitos da condenação sofrida, tanto em sede penal como não penal.
Logo mantêm-se os pressupostos da possibilidade de não renovação da autorização de residência.
E nada obsta à Administração, atendendo aos antecedentes criminais da recorrente, que é um dos elementos ponderosos previstos na lei para efeitos de concessão e renovação da autorização de residência em Macau, faça apreciação do caso e avaliação da situação concreta da interessada, com vista à renovação ou não da autorização de residência.

E no que respeita à reabilitação judicial, que se apresenta como uma das causas de cancelamento do registo criminal, é de notar que o pedido foi apresentado em 21 de Abril de 2011 junto do Tribunal Judicial de Base, conforme o alegado pela recorrente na sua petição inicial do recurso contencioso, evidentemente após a tomada da decisão administrativa impugnada.
Por outras palavras, a alegada reabilitação judicial não existia na data do acto recorrido (e nem foi comprovada até agora, pois não se encontra nos autos qualquer prova nesse sentido) e é isso que revela para todos os efeitos.
Por outro lado, suscita-se dúvidas quanto à aplicabilidade na matéria ora em causa do regime de reabilitação judicial.
No seu acórdão proferido em 13 de Dezembro de 2007, no processo n.º 36/2006, este Tribunal de Última Instância chegou a entender que “não é possível aplicar pura e simplesmente as disposições de reabilitação de direito ao regime de entrada, permanência e autorização de residência”.
Ora, sem intenção de ignorar a diferença entre as figuras de reabilitação judicial e de reabilitação de direito, consoante se for declarada pelo tribunal no próprio processo destinado para o efeito ou se operar automaticamente decorridos os períodos legalmente previstos sobre a extinção da pena ou medida de segurança1, certo é que no regime de reabilitação o que se visa é a ressocialização na comunidade dos delinquentes condenados, que é a questão completamente diferente da colocada na matéria de autorização de residência, em que se relevam mais os interesses de ordem pública e segurança social da comunidade.
Improcede assim a argumentação da recorrente.

3. Alega ainda a recorrente que foram violados os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justiça.
Como é sabido, o princípio da igualdade previsto no n.º 1 do art.º 5.º do Código de Procedimento Administrativo impõe à Administração a obrigação de, nas suas relações com os particulares, não privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.
E a igualdade de tratamento só é exigida quando estão em causa situações idênticas, o que nem sequer foi alegado pela recorrente.
Quanto à invocada violação do princípio da proporcionalidade, é de lembrar que o princípio consagrado no n.º 2 do art.º 5.º do Código de Procedimento Administrativo exige que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Impõe-se que o meio utilizado pela Administração seja idónea e necessária à prossecução do objectivo da decisão e proporcional à luz do interesse público em causa.
A aferição da proporcionalidade põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto.
Ou seja, exige-se a ponderação e comparação dos bens, interesses ou valores prosseguidos e sacrificados com o acto concreto.
E como é sabido, nos casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E a jurisprudência também entende assim, tendo este Tribunal de Última Instância decidido que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.2
Não se nos afigura, no caso ora em apreciação, inaceitável ou intolerável o sacrifício trazido à recorrente pela não renovação da autorização de residência, tendo em consideração os interesses gerais que se prendem concretamente com a manutenção da ordem pública e segurança de Macau que podem ser postos em perigo com aquela autorização.
E não se vislumbra a manifesta injustiça na decisão tomada pela Administração, sem intenção de negar os interesses económicos e familiares que a recorrente tem na peticionada renovação da autorização de residência.
Na realidade, não se descortina no acto administrativo impugnado qualquer desvio do objecto legislativo da Lei n.º 4/2003 nem erro manifesto ou grosseiro no exercício do poder discricionário, sabendo que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício desse poder constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC].
E o acto administrativo recorrido visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é precisamente prevenção e garantia da segurança e estabilidade social da RAEM, necessidade esta perante a qual devem ceder os interesses pessoais da interessada.
Não se vê como foram intoleravelmente violados os princípios da proporcionalidade e da justiça.

4. Finalmente e no que concerne à violação do princípio de humanismo, sustenta a recorrente que, com a não renovação da autorização de residência, ela e a família não podiam continuar a viver em Macau, onde se encontram integradas há mais de 7 anos e passam uma vida estável, sendo Macau único local de residência da família, face ao cancelamento do registo de residência na República Popular da China.
Ora, sem intenção de ignorar os interesses pessoais, estimáveis, da recorrente e da sua família em continuar a viver em Macau, é de salientar, desde logo, que nos autos não ficaram provados o alegado cancelamento do registo de residência na RPC nem a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro território.
Por outro lado, as razões humanitárias não conduzem necessariamente à autorização de residência nem à respectiva renovação, sendo apenas um dos factores atendíveis na tomada da decisão administrativa, conforme o disposto na al. 6) do n.º 2 do art.º 9.º da Lei n.º 4/2003.
E os interesses públicos subjacentes na ponderação de renovação ou não de autorização de residência prevalecem, em princípio, sobre os interesses individuais de interessados de residir em Macau.

Concluindo, afigura-se correcta a decisão recorrida.
   
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
   
    Macau, 14 de Dezembro de 2012
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Vítor Manuel Carvalho Coelho
   
1 Cfr. art.ºs 24.º e 26.º do DL n.º 27/96/M e também DL n.º 87/99/M.
2 Cfr. Acórdão do TUI, de 15 de Outubro de 2003, Proc. n.º 26/2003, entre outros.
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23
Processo n.º 76/2012