O presente texto foi extraído dos
«Acórdãos de Tribunal de Segunda Instância da RAEM - 2001 Tomo I»
Erro sobre pressupostos de direito
Recrutamento a Portugal
Administradores de sociedades participadas
Fundamentação posterior ou sucessiva
Acto secundário
Sumário
1. O erro de direito sobre os pressupostos supõe uma inadequada aplicação ou interpretação da lei ou, até uma errada qualificação jurídica de factos.
2. Qualquer dessas modalidades - erro de aplicação, erro de interpretação ou erro de qualificação - integra o vicio de violação de lei.
3. Ao recrutamento de pessoal a Portugal feito nos termos do artigo 66º do Estatuto Orgânico de Macau era aplicável o Decreto-lei nº60/92/M, de 24 de Agosto se destinado ao exercício de funções nos serviços e organismos públicos, serviços e fundos autónomos, empresas públicas e outras pessoas colectivas de direito público.
4. Tratando-se de funções de administrador, por parte do Território em sociedades por ele participadas, o regime legal é o do Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março.
5. Os administradores, por parte do Território, nomeados para o "Centro de Comercio Mundial de Macau, S.A.R.L. (World Trade Center Macau, S.A.R.L.") têm um mandato de dois anos, de acordo com o artigo 2º nº2 do Decreto-Lei nº13/92/M, conjugado com o nº1 do artigo 31º dos Estatutos do W.T.C.
6. Só podem ser exonerados antes do termo do prazo, por conveniência de serviço, a seu pedido ou por destituição nos termos da lei comercial.
7. A caducidade da requisição a Portugal não fazia operar, por si só, a cessação de funções dos administradores por parte do Território.
8. Se, por razões não imputáveis à Administração ocorrer uma cessação do vínculo funcional, alteraram-se as circunstâncias que condicionaram a indigitação sendo normal uma reponderação da situação em termos de aferir da conveniência da manutenção do nomeado.
9. A alegação de mera conveniência de serviço não esclarecendo, só por si, a motivação do acto é fundamentação insuficiente.
10. A fundamentação do acto administrativo deve, em principio, ser contextual, isto é constar do texto que exterioriza a decisão ou a deliberação. A regra é ser excluída a justificação posterior ou sucessiva.
11. Somente, através de um acto secundário (ou de segundo grau) se pode sanar o vício de forma de um acto primário, dando-lhe a fundamentação concreta que faltava.
12. Acto secundário, é o que versa directamente sobre o anterior não tendo plena autonomia nem decidindo questão diversa, podendo assumir a natureza de acto integrativo, desintegrativo ou saneador.
Acórdão de 1 de Fevereiro de 2001
Processo n.º 111/2000
Relator: Sebastião Póvoas
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
(A), residente em Macau, recorre do despacho do, então, Secretário-Adjunto para a Coordenação Económica que indeferiu o pedido de indemnização compensatória correspondente a seis meses de remuneração, nos termos dos artigos 8º e 13º do Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março, na redacção do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 70/92/M, de 21 de Setembro.
Concluiu as suas alegações para afirmar que:
* A invalidade do acto recorrido decorre da ilegalidade dos pressupostos relativos ao seu conteúdo, ou seja, de erro quanto à base legal sobre a qual a decisão foi tomada, no caso sub judice, por aplicação de norma não susceptível de ser invocada - DL n.º 60/92/M, de 24 de Agosto.
* Ao recorrente não se aplica o diploma de recrutamento ao exterior, para efeitos de cessação de funções de Administrador nomeado numa sociedade anónima participada pelo Território.
* O regime jurídico do exercício e cessação de funções em órgãos sociais de sociedades participadas pelo Território é o estabelecido no Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março, na redacção dada pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº70/92/M, de 21 de Setembro.
* O despacho de exoneração, apesar de não conter a menção de exoneração por conveniência de serviço, não pode fugir àquele regime,
* Pois a exoneração não se operou a pedido do recorrente, nem nos termos da lei existe a previsão de cessação automática de funções do cargo de Administrador por parte do Território em virtude da não renovação do recrutamento ao exterior.
* O exercício e cessação de funções naqueles cargos está sujeita a lei especial - Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março, na redacção dada pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº70/92/M, de 21 de Setembro, não lhe sendo aplicável o regime de exercício de cargos na Administração Pública de Macau.
Pede, em consequência, a anulação do acto impugnado.
A entidade recorrida contra-alegou para concluir que:
* O recorrente manifestou oportunamente, ao então Território, de forma claríssima, a sua decisão de abandonar definitivamente Macau em 1 de Setembro de 1999.
* A decisão do recorrente significava necessariamente a cessação de funções no WTC.
* A lei não estabelece forma especial para o pedido de exoneração de funções dos administradores nomeados para as sociedades em que o Território/RAEM participa.
* O comportamento do recorrente constituiu um pedido tácito de exoneração de funções.
* Consequentemente decidiu a Administração substituí-lo nessas funções, a que não teria acontecido se não fosse a decisão do recorrente.
* Não se pode de forma alguma classificar essa exoneração como sendo uma situação de "conveniência de serviço".
* A anulação do despacho recorrido com fundamento no erro verificado na sua fundamentação não teria quaisquer efeitos úteis, mas simplesmente a substituição da referida fundamentação no sentido de explicitar que a razão de decidir foi a apontada, conclusão que já se retira por interpretação.
Pugna pela manutenção do acto.
Nesta instância o Ilustre Magistrado do Ministério Público foi de parecer que o recurso deve ser provido já que os motivos invocados no despacho não constituem fundamento adequado da decisão.
A matéria de facto pertinente é a seguinte:
* O recorrente era Técnico Superior Assessor, provido por contrato além do quadro, na Direcção dos Serviços de Finanças.
* Por despacho do Secretário - Adjunto para a Coordenação Económica, de 16 de Abril de 1998 (B.O. nº17 de 29 de Abril de 1998) foi nomeado, em representação do Território de Macau, membro do conselho de Administração e da Comissão Executiva do "Centro de Comércio Mundial de Macau, S.A.R.L." ("World Trade Center Macau, S.A.R.L.") com efeitos a partir de 16 de Abril de 1998;
* Em 16 de Abril de 1998 teve lugar a assembleia geral do W.T.C.M. que elegeu os órgãos sociais para o biénio 1998/2000;
* O recorrente foi eleito membro do Conselho de Administração e membro do Conselho Executivo;
* Por despacho do Secretário - Adjunto para a Coordenação Económica, de 26 de Agosto de 1999 (B.O. nº35 de 1 de Setembro de 1999) foi exonerado desses cargos com efeitos a partir de 1 de Setembro de 1999;
* O termo da sua requisição a Portugal ocorreu em 31 de Agosto de 1999;
* O Secretário - Adjunto para a Coordenação Económica designou-o para desempenhar funções de Técnico - Superior no "Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ";
* O recorrente não aceitou;
* Após aquela exoneração, e durante seis meses, não desempenhou qualquer outro cargo;
* No dia 26 de Outubro de 1999, requereu a compensação indemnizatória referente a seis meses de remuneração;
* Sobre o requerimento recaiu o seguinte despacho, datado de 14 de Dezembro de 1999:
"O licenciado (A), que exercia as funções de membro do Conselho de Administração e da Comissão Executiva do Centro de Comércio Mundial -Macau, S.A.R.L. (WTC), foi exonerado das referidas funções pelo Despacho nº018/SACE/99, de 26 de Agosto, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 1999.
Era requisitado à República e estava abrangido pelas disposições do DL nº60/92/M, de 24 de Agosto, (estatuto do trabalhador recrutado no exterior).
Através de requerimento datado de 26 de Outubro, vem pedir, nos termos do disposto no nº5 do artigo 8º do DL n.º 13/92/M, de 2 de Março, uma compensação indemnizatória correspondente a seis meses de remuneração "es vi" do estipulado no nº4 do artigo 5º do DL n.º 85/89/M, de 21 de Dezembro, na redacção do DL nº70/92/M, de 21 de Setembro.
Não assiste, porém, razão ao requerente, porquanto:
1. O licenciado (A), não foi exonerado das funções que exercia no WTC por conveniência de serviço, única hipótese em que teria direito à compensação pedida, mas sim, pelo termo da sua requisição à República, que ocorreu em 31/08/99;
2. Com efeito, é entendimento pacífico que, no caso do pessoal recrutado no exterior, o termo da prestação de serviço no Território faz cessar automaticamente o vínculo de trabalho na Administração Pública, ou, junto de entidades privadas onde o Território tenha interesses.
3. Convirá realçar, a este propósito, que o requerente era contratado além do quadro, com a categoria de técnico superior assessor, 3º escalão, pela Direcção dos Serviços de Finanças, embora estivesse colocado, em regime de destacamento, no WTC, com direito a uma remuneração suplementar;
4. Do exposto, resulta que o licenciado (A) foi exonerado das funções de membro do Conselho de Administração e da Comissão Executiva do WTC por efeito da caducidade do seu recrutamento à Republica e não, como alega, por conveniência de serviço.
Pelas razões expostas, indefiro o pedido de indemnização compensatória formulado."
- O chefe de Gabinete do Secretário-Adjunto oficiou ao Administrador Delegado do W.T.C. nos seguintes termos:
"Assunto: Comunicação da decisão proferida no pedido de indemnização compensatória do lic. (A).
Encarrega-me o Senhor Secretário-Adjunto para a Coordenação Económica, de remeter a V.Ex.a. cópia do seu despacho, de 14/12/99, lançado sobre o requerimento do licenciado (A), datado de 26/10/99, em que pede ao Território uma indemnização compensatória pela cessação de funções de membro do Conselho de Administração e Comissão Executiva do WTC.
Mais, se informa que, nesta data, foi dado conhecimento ao interessado da decisão proferida.
Com os melhores cumprimentos.
Gabinete do Secretário-Adjunto para a Coordenação Económica, em Macau, aos 15 de Dezembro de 1999.
Em anexo: Cópia integral do citado despacho."
- O Presidente do Conselho de Administração do W.T.C.M. comunicou o teor do despacho ao recorrente no dia 15 de Maio de 2000;
- O recorrente exerceu funções em Macau, como requisitado à República, nos termos do artigo 69º do Estatuto Orgânico de Macau, de 7 de Setembro de 1984 a 11 de Setembro de 1999;
- Em 26 de Julho de 1999, requereu à Direcção Geral da Administração Pública de Portugal licença de longa duração - artigo 78º do Decreto-Lei nº100/99, de 31 de Março - que lhe foi concedida por despacho do respectivo Subdirector - Geral de 19 de Agosto de 1999, com efeitos a partir de 1 de Setembro de 1999.
Foram colhidos os vistos.
Conhecendo.
1. Erro nos pressupostos.
2. "In casu"
3. Conclusões.
1. Erro nos pressupostos
O recorrente imputa ao acto o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.
Todo o acto administrativo pressupõe uma determinada situação de facto que tem uma relação directa com o seu objecto.
Se é enunciada em moldes diferentes da existente, o acto fica viciado por erro, já que há divergência entre a situação descrita e a realidade -erro nos pressupostos de facto.
Ensina o Prof. Marcelo Caetano (in "Manual de Direito Administrativo", 10ed, I, 492) que "o erro de facto incide sobre as pessoas, coisas, situações ou circunstâncias a que a vontade se refere: pode ser erro no motivação (por exemplo, partiu-se do princípio de que havia uma perturbação da ordem pública para tomar certas decisões, quando essa perturbação não existia) ou erro sobre o objecto compreendendo o conhecimento erróneo dos pressupostos."
O erro de direito tem, geralmente, a ver com a lei a aplicar, a sua interpretação, ou com a qualificação jurídica de factos.
Assume, então, as formas de erro de aplicação, erro de interpretação e erro de qualificação.
O erro de direito sobre os pressupostos abrange aquelas três modalidades, sendo que, qualquer delas, integra o vício de violação de lei (cfr., v.g., os Acórdãos do S.T.A. de Portugal, de 18 de Outubro de 1963 - P.6475 - de 22 de Março de 1963 - AD-II-18-761- e de 19 de Novembro de 1965 - P.6977).
O mesmo acto pode padecer das duas modalidades de violação de lei sempre que se funde, simultaneamente, em deficiente apreciação da prova e em errada interpretação de preceitos legais pertinentes, (cfr. o Acórdão do S.T.A. de Portugal, de 27 de Setembro de 1990 - P.25378).
No essencial, o erro implica uma falta de representação exacta ou uma representação inexacta decisivas na formação da vontade. (cfr., a propósito, o Prof. Manuel de Andrade, in "Teoria Geral da Relação Jurídica", II, 233).
2. "In casu"
Na situação em apreço é alegado que o acto "sub judicio" pressupôs, erradamente, que as funções do recorrente cessaram automaticamente com o termo do seu recrutamento a Portugal sendo que, outrossim, se lhe aplicou indevidamente o regime do recrutamento ao exterior.
Tudo se reconduz, portanto, e apenas, a erro sobre os pressupostos de direito.
Vejamos,
O recorrente prestava serviço em Macau ao abrigo do artigo 69º (depois, 66º - Lei nº23-A/96, de 29 de Julho) do Estatuto Orgânico.
Referia o nº1 daquele preceito que "o pessoal dos quadros dependentes dos órgãos de soberania ou das autarquias da República poderá, a seu requerimento, ou com a sua anuência e com autorização do respectivo Ministro ou do órgão competente e concordância do Governador, prestar serviço por tempo determinado ao território de Macau, contando-se, para todos os efeitos legais, como efectivo serviço no seu quadro e categoria o tempo de serviço prestado nessa situação."
O recrutamento desse pessoal regia-se pelo Decreto-Lei nº60/92/M, de 24 de Agosto (com as alterações do Decreto-Lei nº37/95/M, de 7 de Agosto) e, face ao preceituado no seu artigo 1º, nº1 se se destinasse ao exercício de funções "nos serviços e organismos públicos, incluindo as autarquias, os serviços e fundos autónomos, bem como nos empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público."
O nº2 determinava que o restante pessoal se regia pelas normas do seu contrato de trabalho e só subsidiariamente por aquele diploma.
Assim sendo, "ab initio", configurou-se uma situação de recrutamento ao exterior para o exercício de funções num serviço público (Direcção dos Serviços de Finanças) mas o recorrente foi mais tarde nomeado para representar o Território numa sociedade anónima (W.T.C., S.A.R.L.)
Aí, e na sequência do normal funcionamento dos órgãos sociais foi eleito membro do Conselho de Administração e do Conselho Executivo.
Não pode, contudo, olvidar-se que, sendo o Território de Macau o maior accionista do W.T.C., a nomeação dos seu administradores era encontrada de entre pessoas que pela confiança ou pela natureza do vínculo funcional dessem garantias de total sintonia com as interesses da pessoa colectiva pública.
Daí que os próprios estatutos daquela sociedade impusessem a nomeação por despacho do Governador (artigo 33º).
Face ao preceituado no nº1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março, os administradores por parte do Território "podem ser recrutados na área da actividade privada ou dos serviços públicos, mantendo, sendo caso disso, os direitos anteriormente adquiridos."
Isto é, a Administração opta, de acordo com o perfil e funções pretendidas, por alguém dos serviços públicos ou da actividade liberal mantendo qualquer deles os direitos já adquiridos nas respectivas carreiras.
Ora, se ocorrer, por razões não imputáveis à Administração de Macau, a quebra, ou a cessação, do vinculo funcional há alteração das circunstâncias que condicionaram a indigitação, pois é bem de ver que se alguém é nomeado por, v.g., ser funcionário ou agente e deixa de ter essa qualidade será normal que a Administração repondere a colocação como seu representante.
À situação funcional do recorrente deixou de ser aplicado o Decreto-Lei nº60/92/M, já que, como se acenou o W.T.C. é uma mera sociedade em que a R.A.E.M. é accionista, que não uma empresa pública ou uma pessoa colectiva de direito público.
Passou, então, a ser regida pelo já citado Decreto-lei nº13/92/M, de 2 de Março.
O despacho que exonerou o recorrente, foi omisso quanto à motivação.
O recorrente, nomeado para o W.T.C. "pelo prazo fixado nos estatutos para a duração dos mandatos sociais", nos termos do nº2 do artigo 2º do Decreto-lei nº13/92/M, de 2 de Março, só poderia ter sido exonerado por conveniência de serviço antes de decorridos os dois (2) anos (mandato dos órgãos societários, nos termos do nº1 do artigo 31 dos Estatutos do W.T.C. ou do despacho que o nomeou), o pedido do recorrente ou por destituição, nos termos da lei das sociedades anónimas.
Pode defender-se que tratando-se de funções numa sociedade comercial nada impedia o recorrente de continuar a exercê-las, mau grado o termo da sua requisição a Portugal se assim o entendesse, resolvendo o seu problema, "maxime", como aliás o fez, através da suspensão do seu vínculo funcional, com a obtenção de uma licença de longa duração.
O despacho de exoneração de 26 de Agosto de 1999 - B O nº55 de 1 de Setembro 1999 - estava obviamente infundamentado.
Não esclareceu as razões da exoneração e nem sequer alegou conveniência de serviço, o que, aliás, só por si, não bastaria sem que se expusessem factos permissivos de aquilatar da existência desta - cfr. os Acórdãos do S.T.A. de Portugal de 10 de Maio de 1984 - P.16640 - de 3 de Fevereiro de 1983 - P.14232 - de 24 de Fevereiro de 1983 - P.16587 e da 7 de Outubro de 1998 - P.40650 - já que, sem mais, é uma fórmula vaga.
Porém, estando tal acto, e eventualmente, ferido de anulabilidade, mas não tendo sido impugnada pelo recorrente, consolidou-se na ordem jurídica como caso decidido, sem que dele resultem os motivos da exoneração.
Assim é, salvo se se considerar que o acto recorrido ao afastar a conveniência de serviço e invocar o termo do requisição à República procedeu à fundamentação sucessiva do acto de exoneração.
A fundamentação do acto administrativo deve, em principio, ser contextual, isto é constar do texto que exterioriza a decisão ou a deliberação.
A regra é ser excluída a justificação posterior ou sucessiva.
É o que resulta do disposto no artigo 107º do Código de Procedimento Administrativo aqui aplicável.
Embora com algumas reservas - em regra corno resultado do limitação inicial do âmbito dos recursos (cfr. Acórdãos do S.T.A. in AD 247-920, e 314-247) - a jurisprudência de Portugal nem sempre exclui a adução posterior de fundamentas. (cfr. Acórdão S.T.A., AD, 314-247).
Mas a doutrina, geralmente, admite-a nos termos em que é admissível a convalidação ou ratificação - sanação dos actos administrativos.
Como referem os Dr. Lino Ribeiro e C. Pinho, "neste caso, a Administração, através de um acto secundário (ou de segundo grau), sana o vício de forma de um acto primário, dando-lhe a fundamentação concreta que faltava". (apud "Código de Procedimento Administrativo de Macau - Anotado e Comentado", 646).
E mais adiante: "Para que seja passível a ratificação - sanação é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos : as razões de facto e de direito não podem ser posteriores ao acto primário; os fundamentos aduzidos não podem ser estranhos, isto é, fundamentos que jamais poderiam sustentar o acto originário; a fundamentação posterior só é admitida quando declarada dentro do prazo do recurso contencioso ou até à sua interposição (cfr. artigos 118º e 122º)" - ob. loc. cit..
O Prof. Vieira de Andrade (in "O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos", 297) refere que "na fundamentação posterior põe - se o problema de autorizar a Administração a assumir tardiamente fundamentos que não exteriorizou ou não concretizou, mas que terão estado implicitamente desde o inicio na base da sua decisão. "(...)" o núcleo da questão consiste em averiguar se os fundamentos agora externados estiveram (poderiam ter estado) na base da decisão tomada, para saber se a fundamentação sucessiva satisfaz no essencial as interesses visados pela norma imperativa da fundamentação." Mas esclarece que "na falta de lei expressa, só pode ser admitido no quadro da convalidação do acto administrativo, isto é, quando se ponha a questão de saber se e em que termos se admite que a Administração, através de um acto administrativo de segundo grau, venha sanar o vício de forma do acto originário, fornecendo-lhe a fundamentação concreta que lhe faltava."
Feito este breve bosquejo, é, no entanto, licito concluir que não ocorreu, aqui, uma fundamentação posterior.
É que, o acto recorrido não tem a natureza de acto secundário, pois que não versa directamente sobre o anterior antes tendo plena autonomia e decidindo questão diversa. (não se trata de acto integrativo, desintegrativo ou saneador),
Enquanto o primeiro decidiu exonerar o recorrente o segundo apreciou a sua pretensão de ser indemnizado.
Ensinava o Prof. Marcello Caetano que o acto secundário "versa sobre dado caso concreto antes regulado por um acto primário, incidindo directamente sobre este. Pertence, assim, à categoria que uma parte da doutrina designa por actos sobre actos (revogação, ratificação, reforma, conversão, suspensão, etc.) - in "Manual de Direito Administrativo, 10 ed., I, 532."
Ou, para o Prof. Freitas do Amaral, "actos secundários são aqueles actos administrativos que versam directamente sobre um acto primário e só indirectamente sobre a situação real subjacente ao acto primário" (apud "Direito Administrativo", III, 138).
Daí que o despacho recorrido não possa considerar-se como fundamentando o acto de exoneração.
Quando o impetrante requereu a compensação referente aos seis meses de remuneração, pressupôs, sem fundamento bastante, ter sido exonerado por conveniência de serviço.
E só se assim fosse, teria direito àquela compensação nos termos do nº5 do artigo 8º do Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março (na redacção da Decreto-Lei nº70/92/M, de 21 de Setembro).
Mas não resultando do despacho que o exonerou -acto lhe conferiria direito à compensação pedida - que o seu afastamento ocorreu por conveniência de serviço, há que buscar a óptica do acto recorrido.
E este ao considerar que as funções do recorrente cessaram automaticamente como consequência necessária da caducidade do recrutamento a Portugal, e ao aplicar o Decreto-Lei n.º 60/92/M, violou a lei.
Daí que seja anulável.
3. Conclusões
Desde já se conclui que:
a) O erro de direito sobre os pressupostos supõe uma inadequada aplicação ou interpretação da lei ou, até uma errada qualificação jurídica de factos.
b) Qualquer dessas modalidades - erro de aplicação, erro de interpretação ou erro de qualificação - integra o vicio de violação de lei.
c) Ao recrutamento de pessoal a Portugal feito nos termos do artigo 66º do Estatuto Orgânico de Macau era aplicável o Decreto-lei nº60/92/M, de 24 de Agosto se destinado ao exercício de funções nos serviços e organismos públicos, serviços e fundos autónomos, empresas públicas e outras pessoas colectivas de direito público.
d) Tratando-se de funções de administrador, por parte do Território em sociedades por ele participadas, o regime legal é o do Decreto-Lei nº13/92/M, de 2 de Março.
e) Os administradores, por parte do Território, nomeados para o "Centro de Comercio Mundial de Macau, S.A.R.L. (World Trade Center Macau, S.A.R.L.") têm um mandato de dois anos, de acordo com o artigo 2º nº2 do Decreto-Lei nº13/92/M, conjugado com o nº1 do artigo 31º dos Estatutos do W.T.C.
f) Só podem ser exonerados antes do termo do prazo, por conveniência de serviço, a seu pedido ou por destituição nos termos da lei comercial.
g) A caducidade da requisição a Portugal não fazia operar, por si só, a cessação de funções dos administradores por parte do Território.
h) Se, por razões não imputáveis à Administração ocorrer uma cessação do vínculo funcional, alteraram-se as circunstâncias que condicionaram a indigitação sendo normal uma reponderação da situação em termos de aferir da conveniência da manutenção do nomeado.
i) A alegação de mera conveniência de serviço não esclarecendo, só por si, a motivação do acto é fundamentação insuficiente.
j) A fundamentação do acto administrativo deve, em principio, ser contextual, isto é constar do texto que exterioriza a decisão ou a deliberação. A regra é ser excluída a justificação posterior ou sucessiva.
k) Somente, através de um acto secundário (ou de segundo grau) se pode sanar o vício de forma de um acto primário, dando-lhe a fundamentação concreta que faltava.
l) Acto secundário, é o que versa directamente sobre o anterior não tendo plena autonomia nem decidindo questão diversa, podendo assumir a natureza de acto integrativo, desintegrativo ou saneador.
Destarte, acordam dar provimento ao recurso e anular o acto recorrido.
Não são devidas custas.
Sebastião Póvoas (Relator) — Chan Kuong Seng — Lai Kin Hong
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