(譯本/Tradução)
Recurso da decisão do processo contravencional
Âmbito de conhecimento da causa
Art.º 388.º, n.º 1 do CPP
Instituição de arbitramento oficioso de reparação
Critério de dedução tácita
Regime Jurídico das Relações de Trabalho
Art.º 25.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril
Definição jurídica de salário e seus elementos constitutivos
Art.º 562.º, n.º 2 do CPC
SUMÁRIO
1. De acordo com o artigo 380.º do Código de Processo Penal, ao processo contravencional aplicam-se as disposições relativas ao processo por crime se o objecto de recurso seja de sentença proferida neste âmbito.
2. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
3. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas.
4. Estipula explicitamente o artigo 388.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que no processo contravencional não é permitida a intervenção de assistente ou de parte civil. Nestes termos, no processo contravencional o lesado pelo dano civil causado pela contravenção de outrem não pode requerer intervir como assistente nos termos do artigo 57.º, n.º 1 al. a) do mesmo Código, nem podendo apresentar o pedido de indemnização civil no mesmo procedimento processual.
5. Apesar de o espírito legislativo consagrado no artigo 388.º, n.º 1 do Código de Processo Penal visar garantir que, devido à natureza leve da contravenção, qualquer imputação pode ser conhecida e julgada pela forma relativamente sumária e célere. Porém, o que não implica que o tribunal não pode exercer a faculdade conferida pelo artigo 74.º do Código de Processo Penal na decisão final proferida no processo contravencional, i.e., quando reunido o pressuposto a que diz respeito, podendo o tribunal, por sua própria iniciativa, arbitrar oficiosamente a condenação da ré ao pagamento ao trabalhador de indemnização civil pelo dano sofrido da contravenção.
6. Pelo que, a instituição “arbitramento oficioso de reparação” prevista pelo artigo74.º do Código de Processo Penal não há contradição com o artigo 388.º, n.º 1 do mesmo Código, devendo ser aplicável plenamente a processo contravencional
7. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril (Regime Jurídico das Relações de Trabalho): “Entende-se por salário toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal”.
8. A manifestação da vontade pode ser efectuada mediante o modo expresso e tácito.
9. “É expressa”, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação da vontade.
10. De acordo com o n.º 1 do artigo 217.º do Código Civil de 1966 ou n.º 1 do artigo 209.º do Código Civil de Macau em vigor, é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam. A nível doutrinal, essas formulações legais não exigem que seja inequívoca a dedução tácita concernente, bastando que, conforme os usos do ambiente social e objectivamente, ela possa ter lugar com toda a probabilidade.
11. Podendo o tribunal proceder-se, livremente, a análise, a sintetização e a conclusão dos factos dados como provados, todas feitas em termos jurídicos (cfr. o princípio geral da prolação de sentença consagrado o n.º 2 do artigo 562.º do Código de Processo Civil de Macau de hoje e o disposto no n.º 2 do artigo 355.º do Código de Processo Penal), porém, a análise e a sintetização têm de ter como fundamentos os factos provados e não o factum probandum.
Acórdão de 24 de Outubro de 2002
Processo n.º 130/2002
1.º Juiz-Adjunto e Relator: Chan Kuong Seng
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA DA SENTENÇA RECORRIDA
1. Sob acusação deduzida pelo Ministério Público com base no auto de notícia n.º 18/2002 da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, o MM. Juiz do 2.º juízo do Tribunal Singular do Tribunal Judicial de Base julgou o Processo de Transgressão Laboral n.º LTG-006-02-2 e proferiu, em 6 de Junho de 2002 a seguinte sentença final em primeira instância contra a aí arguida Sociedade (A) (cfr. texto original da sentença constante de fls. 95 a 96 dos autos):
“(......) Realizada a audiência de julgamento, foram provados os seguintes factos:
-- Através de contrato de trabalho não reduzido a escrito, (B) começou a trabalhar para a Sociedade (A) (arguida) em 01.07.1978 como reparador de aparelhos de ar condicionado;
-- Em 30.09.2001 rescindiram o contrato, na altura, o vencimento auferido pelo dito trabalhador era de HKD$12.870,00;
-- Até ao ano de 1998 a Sociedade (A), por altura do Ano Novo Chinês, pagou sempre ao referido trabalhador uma quantia pecuniária de igual montante ao seu vencimento, a que apelidava de “14.º mês”;
-- No ano 2000 a Sociedade (A) não pagou a alguns trabalhadores, de entre eles ao (B), o 14º mês referente ao ano de 1999 estando este, na altura, a receber o vencimento de HKD$12.610,00;
-- Nos princípios do ano 2001 pagou metade do “14º mês” ao dito (B), recebendo este o montante de HKD$6.305,00.
-- Em Setembro de 2001 pagou-lhe o montante de HKD$7.723,00, recebendo este o montante de HKD$1,071.50.
-- Em Novembro de 2000 a Sociedade (A) emitiu um aviso a todos os trabalhadores, afirmando que devido a dificuldades económicas, tinha que reduzir as despesas e que por isso, iria tomar uma medida suave, congelando os vencimentos e deixando de pagar o “14º mês” aos seus trabalhadores; (cfr. fls. 18).
-- Por sua vez, não se provou o resto da contestação, nomeadamente, que o “14º mês” era pago de acordo com o lucro da empresa ou de acordo com o desempenho do trabalhador;
-- Os factos supracitados foram provados após a análise sintética das declarações e depoimentos prestados pelo representante da companhia acusada, pelas testemunhas e de demais dados constantes dos autos.
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III. Motivos para julgamento:
Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Regime Jurídico das Relações de Trabalho: “Entende-se por salário toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal”.
No caso sub judice, no decorrer dos 20 anos, a companhia tem sempre marcado o mês em que coincide o ano novo chinês para atribuir o salário do 14.º mês, ininterruptamente durante os 20 anos e sem nenhuma alteração devida à mudança da situação lucrativa da companhia, e não há tratamento diferente entre os trabalhadores por motivo da qualidade e quantidade de trabalho de cada um.
Este salário do 14.º mês tem característica de atribuição regular e periódica, sendo remuneração correspondente ao trabalho prestado pelo trabalhador, o que satisfaz a natureza do salário, devendo ser considerado como salário, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo.
Ademais, não obstante o salário do 14.º mês ser chamado pela companhia-ré como bonificação extraordinária, o tribunal entende que não há prova suficiente para comprovar que este salário do 14.º mês dota da natureza anormal e é decidido unilateralmente pela parte patronal.
Além disso, da explicação dada pela companhia-ré sobre a cessação da atribuição do salário do 14.º mês resultou que o salário do 14.º mês estipulado no contrato não laboral foi considerado pela companhia-ré como o custo do exercício.
De facto, podendo o salário ser constituído por partes diferentes, quer fixadas, quer flutuantes, e.g. a bonificação, ou seja, o salário do 14.º mês deste caso concreto que é efectuado pela forma fixada. In casu, não há nenhuma factualidade concreta para explicitar os diferentes critérios objectivos de aprovação e atribuição deste salário conforme o lucro da companhia e do desempenho dos trabalhadores.
Nestes termos, o presente tribunal entende que o salário do 14.º mês deve ser considerado como salário.
Em 2000 a companhia-ré cessou atribuir o salário do 14.º mês, cessação essa que se aplicou apenas a alguns trabalhadores da mesma condição de trabalho e não aos trabalhadores singulares contratados pelo contrato individual de trabalho, não podendo considerar-se que o empregador alterou unilateralmente as condições laborais, mesmo que assim entendesse, não sendo permitida por lei por a nova condição ser inferior à condição anteriormente existente.
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A companhia-ré estabeleceu relação laboral com o aludido trabalhador (B), não lhe pagou os salários de acordo com o contrato e as disposições legais, violando o disposto no art.º 28º, n.ºs 1,2 e 3 do Regime Jurídico das Relações de Trabalho, pelo que, é punida com multa nos termos do art.º 50º, n.º 1 al. c) do mesmo Decreto-Lei. Sendo cada transgressão punida com uma multa de MOP$1.000,00 a MOP$5.000,00.
Ponderando os motivos da transgressão praticada pela companhia-ré, bem como o modo de prática e as consequências causadas, este Tribunal entende que é suficiente a condenação de uma multa um pouco superior ao mínimo da multa condenada pela prática da infracção a não pagamento de salário.
Após a verificação, dado que o pedido de pagamento do devido salário satisfaz à realidade e à disposição legal, pelo que, vem o tribunal condenar a companhia-ré no pagamento do salário devido ao aludido trabalhador do art.º 74º do CPPM.
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IV. Decisão:
Face a todo o exposto, este Tribunal decide condenar a Sociedade (A):
1. pela prática de uma transgressão ao disposto no art.º 25 e nos n.ºs 1,2 e 3 do art.º 28.º do Regime Jurídico das Relações de Trabalho, punida pela alínea c) do n.º 1 do art.º 50.º do mesmo Regime com a multa de mil e trezentas patacas por cada uma.
2. a pagar ao trabalhador o salário do 14.º mês que lhe devia, no montante total de MOP$20,616.00 (HK$19,986.50).
3. Custas pela Sociedade (A), fixando-se a taxa de justiça em 1 UC e os outros encargos.
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(……)”
2. Inconformada, veio a ré recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo apresentado motivação de recurso a fls. 99 a 109 dos autos, pedindo a declaração de nulidade da sentença recorrida com fundamentação da insuficiência da prova para a decisão; e a alteração para a improcedência da contravenção acusada.
3. A propósito do recurso da ré, o Digno Delegado do Procurador junto do Tribunal recorrido, na sua reposta a fls. 111 a 117 dos autos nos termos do n.º 1 do art.º 403.º do Código de Processo Penal (CPP), opôs-se à tese do recorrente, e pediu a este Tribunal que o recurso fosse julgado como improcedente.
4. Subido o recurso para este TSI, o Digno Procurador-Adjunto junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.º 406.º do CPP, tendo pugnado, no seu parecer junto a fls. 122 a 126 dos autos, pela rejeição do recurso, dada a manifesta improcedência do mesmo.
5. Subsequentemente, foi pelo MM. Juiz titular do processo (ou seja, o relator primitivo do presente processo) feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3 do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa.
6. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1 do CPP.
7. Depois, o tribunal colectivo realizou a audiência de julgamento nos termos dos art.ºs 411.º e 414.º do CPP, durante a qual, tanto o Ministério Público como o recorrente apresentaram alegações orais sobre o objecto do recurso (cfr. acta de audiência constante de fls. 131 a 132 dos autos).
8. Posteriormente, o tribunal colectivo procedeu a apreciação da resolução do mérito da causa e da fundamentação sugeridas pelo MM. Juiz titular do processo no projecto do acórdão por ele elaborado.
9. Dado que o MM. Juiz titular do processo foi vencido no seio da sessão de apreciação, este acórdão definitivo passou a ser lavrado pelo 1.º juiz-adjunto conforme o resultado de voto e nos termos do art.º 417º, n.º 1 do CPP e do artigo 19.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento do Funcionamento do Tribunal de Segunda Instância.
II. Fundamentação do Presente Acórdão
1. Embora o objecto do presente recurso seja uma sentença proferida no âmbito de um processo contravencional, há que, nos termos do art.º 380.º do CPP, aplicar in casu as disposições da lei processual penal sobre recursos (cfr., neste sentido, o entendimento já veiculado nos arestos deste TSI, de 31/5/2001 no Processo n.º 62/2001 e de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002).
2. Outrossim, tendo em conta que o tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (cfr. este entendimento nomeadamente já constante dos acórdãos deste TSI, de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002, de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001, de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001, de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e que mesmo em recursos de natureza penal, é ainda aplicável a doutrina do PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil anotado, Volume V (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984 pág. 143 de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. este entendimento já designadamente vertido nos acórdãos deste TSI, de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002, de 30/5/2002 no Processo n.º 84/2002, de 30/5/2002 no Processo n.º 87/2002, de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001, e de 7/12/2002 no Processo n.º 130/2000, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas), a questão chave a ser conhecida no presente recurso é a seguinte: De acordo com a factualidade dada provada pelo tribunal a quo, teria a ré violado a obrigação legal de pagamento do salário ao trabalhador prevista em conjunto pelo artigo 25.º e pelo artigo 28.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril (Regime Jurídico das Relações de Trabalho)? Claro que este tribunal vai proceder, em termos legais, à correspondente alteração da sentença a quo se for julgado procedente o recurso.
3. Porém, antes disso, temos que rectificar o ponto de vista jurídico defendido pela recorrente de que não cabe ao tribunal condenar a ré no pagamento ao trabalhador de uma indemnização de natureza civil especialmente quando se trata de uma sentença proferida num processo contravencional.
A razão é muito simples:
O artigo 380.º do Código de Processo Penal estipula expressamente que: “Ao processo contravencional aplicam-se as disposições relativas ao processo por crime em tudo o que os artigos seguintes não dispuserem diferentemente.”
De facto, estipula explicitamente o artigo 388.º, n.º 1 do mesmo Código que no processo contravencional não é permitida a intervenção de assistente ou de parte civil. Nestes termos, no processo contravencional o lesado pelo dano civil causado pela contravenção de outrem não pode requerer intervir como assistente nos termos do artigo 57.º, n.º 1 al. a) do mesmo Código, nem podendo apresentar o pedido de indemnização civil no mesmo procedimento processual. Razão por que o espírito legislativo de “proibição” consagrado no artigo 388.º, n.º 1 do Código de Processo Penal visa garantir que, devido à natureza leve da contravenção, qualquer imputação pode ser conhecida e julgada pela forma relativamente sumária e célere.
Porém, o que não implica que o tribunal não pode exercer faculdade conferida pelo artigo 74.º do Código de Processo Penal na decisão final proferida no processo contravencional, i.e., quando reunido o pressuposto a que diz respeito, podendo o tribunal, por sua própria iniciativa, arbitrar oficiosamente a condenação da ré ao pagamento ao trabalhador de indemnização civil pelo dano sofrido da contravenção.
Pelo que, a instituição “arbitramento oficioso de reparação” prevista pelo artigo 74.º do Código de Processo Penal não há contradição com o artigo 388.º, n.º 1 do mesmo Código, devendo ser aplicável plenamente ao processo contravencional.
4. Tudo esclarecido, resta-nos resolver a questão chave deste recurso: Teria a ré violado a obrigação legal de pagamento do salário ao trabalhador prevista em conjunto pelo artigo 25.º e pelo artigo 28.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril?
Para responder esta pergunta, antes de mais, tem que estudar o conceito de “salário” estipulado pelo mesmo decreto-lei.
Dispõe o artigo 25.º, n.º 2 do mesmo decreto-lei: “Entende-se por salário toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal”.
Nestes termos, qualquer quantia em dinheiro paga pelo empregador, se não seja fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal, não deve ser considerada como salário, razão por que carecem dos elementos constitutivos do conceito do “salário” consagrado na legislação vigente.
Neste caso concreto, o tribunal a quo não indicou, nos factos dados como assentes, em que regulamento se baseia a atribuição a (B) de um montante equivalente ao do salário de um mês (quantia essa que foi apelidada como o salário do 14.º mês) antes dos anos novos chineses passados.
Além disso, de acordo com a realidade do mercado laboral de empresas privadas, este tribunal não entende que há norma convencional para determinar que o empregador tem que pagar anualmente ao trabalhador “o salário do 14.º mês” antes do ano novo chinês
Ademais, nas legislações laborais de Macau não há nenhum artigo determinar que o empregador tenha que pagar anualmente ao trabalhador “o salário do 14.º mês”.
Assim sendo, a questão que está em causa é de saber se entre a ré e o trabalhador (B) há um acordo sobre o pagamento do salário do 14.º mês.
Como se sabe, sendo precisamente a convenção um negócio jurídico bilaterial.
Qualquer das partes pode manifestar a sua ideia ou vontade pelo modo expresso ou tácito.
Sendo “expresso”, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro modo directo de manifestação da vontade,
Sendo “tácito”, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (cfr. artigo 217.º, n.º 1 do antigo Código Civil e artigo 209.º, n.º 1 do Código Civil de Macau de hoje)
A nível doutrinal, a aludida formulação legal que se refere a manifestação da vontade tácita não exige inequívoca a dedução tácita concernente, seja forçosa ou necessária, bastando que conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade.
Para dominar o critério da distinção, citamos aqui três exemplos para efeitos de referência:
Exemplo 1. O pagamento pelo inquilino de rendas antecipadas é uma tácita declaração de prorrogação do contrato para o tempo a que elas respeitam.
Exemplo 2. O cumprimento da obrigação depois de consumado o prazo prescricional é renúncia tácita do devedor à prescrição.
Exemplo 3. Dispor o herdeiro de um bem da herança através de uma venda, troca ou doação é uma declaração expressa de venda, troca ou doação e uma declaração tácita de aceitação da herança.
[cfr., neste sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto, "Teoria Geral do Direito Civil", (3ª edição, Coimbra, 1992), pags. 424 a 426; ou a obra citada traduzida (Gabinete da Tradução Jurídica e Universidade de Macau), Dezembro de 1999 pags. 239 a 240].
Nestes 3 exemplos supracitados, partindo do ponto de vista dos usos do ambiente social de Macau, podemos objectivamente ter a igual dedução tácita inequívoca.
Através destes exemplos, poderíamos, neste caso concreto, procurar ou deduzir-se, nos factos dados como provados pelo tribunal a quo, o acordo do pagamento do salário do 14.º mês?
Primeiro, no que diz respeito ao expresso, na factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, não procurámos qualquer facto relativo a um acordo expresso entre a ré e o Sr. (B) sobre o pagamento do “salário do 14.º mês”.
Quanto ao acordo tácito, podendo o tribunal proceder-se, livremente, a análise, a sintetização e a conclusão dos factos dados como provados, todas feitas em termos jurídicos (cfr. o princípio geral da prolação de sentença consagrado o n.º 2 do artigo 562.º do Código de Processo Civil de Macau de hoje e o disposto no n.º 2 do artigo 355.º do Código de Processo Penal), porém, a nosso ver, neste caso concreto, não podemos, através dos factos provados enumerados na sentença a quo, deduzir-se com toda a probabilidade e inequivocidade da existência de qualquer acordo tácito entre a Ré e o Sr. (B) sobre o pagamento do salário do 14.º mês.
Na medida em que apenas com dois factos: “Desde o ingresso até ao ano de 1988 a Sociedade (A), por altura do Ano Novo Chinês, pagou sempre ao referido trabalhador uma quantia pecuniária de igual montante ao seu vencimento, a que apelidava de “14.º mês” e “Em Novembro de 2000 a Sociedade (A) emitiu um aviso a todos os trabalhadores, afirmando que devido a dificuldades económicas, tinha que reduzir as despesas e que por isso, iria tomar uma medida suave, congelando os vencimentos e deixando de pagar o “14º mês” aos seus trabalhadores (cfr. fls. 18), mesmo a estes dois factos acrescidos ainda mais outros factos, não é suficiente para confirmar que estes factos revelam com a toda a probabilidade, que há um acordo de que a ré tem que pagar anualmente a (B) o salário do 14.º mês.
Razão pela qual, mesmo que a ré tivesse pago anualmente ao trabalhador em causa um montante equivalente ao do salário de um mês e o trabalhador o tivesse recebido, não implicaria com toda a probabilidade e inequivocidade que estando a ré a cumprir um acordo tácito “a companhia tem que pagar o salário do 14.º mês” em que ambas as partes chegaram a consenso. E o aviso emitido pela Companhia a todos os trabalhadores que afirmando que tinha que reduzir as despesas e que por isso, iria tomar uma medida suave de congelamento dos vencimentos, facto esse que revela apenas a medida tomada pela Companhia quanto à redução das despesas e ao congelamento dos vencimentos, pelo que, ao máximo, só podemos considerar que esses factos provados revelam com probabilidade (e não revelam com toda a probabilidade e inequivocidade) a existência do acordo em relação ao salário do 14.º mês.
É exactamente por esta razão que não podemos aderir à pretensão defendida pelo MM. Juiz titular do processo de ter havido – no mínimo – um acordo tácito de pagamento, da ré a (B), do salário do 14.º mês e de julgar, em consequência, improcedente o recurso (cfr., neste sentido, o seguinte teor constante do projecto do acórdão elaborado pelo juiz titular do processo):
“Nesta conformidade, tendo-se em conta a factualidade que resultou provada – e ainda visto que não se provou a matéria pela recorrente alegada na sua contestação, onde afirmava tratar-se o pagamento em questão de uma mera liberalidade, efectuada com “animus donandi”, dependente da verificação cumulativa do lucro obtido pela empresa e do mérito do trabalhador; (cfr. fls. 87 a 89 e 90-v) – cremos, “in casu”, adequado, concluir-se que, efectivamente, tal pagamento era efectuado a título de salário, resultante de acordo – no mínimo tácito – entre a ora recorrente e o seu trabalhador, aliás, como também pugnam os Ilustres Representantes do Ministério Público na resposta ao recurso e no Parecer que juntaram aos presentes autos.
Na verdade, cremos que tal “conclusão” se extrai da factualidade (provada e não provada) com meridiana clareza.
Desde logo, porque é a própria recorrente que apelidava o montante que pagava de “14º mês”. Para além disso, importa ter em conta que tal “14º mês” foi pago durante cerca de 20 anos consecutivos, sendo o seu montante calculado com base no vencimento que, na altura, auferia o trabalhador.
Assim sendo, há pois que concluir que o mesmo não constituía uma “liberalidade” (ou bonús), mas sim “salário” para os efeitos do referido artº 25º, pelo que, sem esforço se pode, por sua vez, concluir que inexiste o apontado vício de “insuficiência jurídica” e, consequentemente, de “errada qualificação jurídica”, não podendo o presente recurso proceder.” (sic))。
Mesmo que este tribunal ad quem possa proceder-se livremente a análise e a sintetização dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, análise e sintetização essas (incluindo a dedução da existência “do acordo tácito em relação ao pagamento do salário do 14.º mês”) que têm de ser baseadas nos factos provados e não no factum probandum, ou melhor dizendo, todas as sentenças ou decisões judiciais têm de ser baseadas nos factos provados e não no factum probandum. Nestes termos, ao deduzir-se se os factos dados provados pelo tribunal a quo revelam, com toda a probabilidade e inequivocidade, a existência de um acordo tácito entre a ré e o Senhor (B) em relação a pagamento e montante do “salário do 14.º mês”, tem que prestar especial atenção à prudência dos factos provados, não podendo chegar a conclusão da dedução da existência de um acordo tácito apenas por motivo de que o tribunal a quo não provou que é “verdade” o “facto” apresentado pela ré na contestação.
Após a análise, o apelidado “salário do 14.º mês” não preenche os elementos constitutivos do conceito do salário consagrado no artigo 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico das Relações de Trabalho, não podendo ser considerado como “salário” sob o ponto de vista jurídico, pelo que, mesmo que a ré não pagou a quantia devida ao trabalhador (B) num determinado período de tempo, acto esse que não é suficiente para a violação da obrigação de pagamento do salário ao trabalhador prevista no artigo 28.º do mesmo Regime. Termos em que, tendo ponderado a investigação global dos factos alegados pelas ambas as partes, acusadora e defensora, levada a cabo pelo tribunal a quo, o presente caso não pertence à situação prevista no artigo 400.º, n.º2, al. a) do Código de Processo Penal (entendimento esse constante especialmente do acórdão de 20 de Outubro de 2002 proferido no Processo n.º 64/2002), devendo ser absolvida a ré da acusação e isenta do pagamento ao Sr. (B) da indemnização do “salário em dívida”.
III. Dispositivo
Em suma do acima exposto, acordam neste Tribunal Colectivo em julgar:
1. procedente o recurso;
2. revogar o conteúdo do ponto 1 constante da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância em 6 de Junho de 2002 no Processo de transgressão laboral n.º LTG-006-02-2;
3. em substituição, absolver a ré Companhia, Sociedade (A), de uma contravenção acusada pela violação da obrigação legal de pagamento do salário ao trabalhador prevista em conjunto pelo artigo 25.º e pelo artigo 28.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 3 de Abril e punida pelo artigo 50.º, n.º 1 al. c) do mesmo Decreto-Lei;
Revogar a demais parte da mesma sentença de 1.ª instância.
Sem custas.
E comunique ao trabalhador em causa e à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, através do envio da cópia do presente acórdão.
Chan Kuong Seng (1.º Juiz adjunto e Relator) - Lai Kin Hong - José Maria Dias Azedo (vencido, nos termos da declaração que anexo e juiz titular do processo)
表決落敗聲明
作為裁判書製作法官,本人擬就了合議庭裁判書草案,主張嫌犯在本卷宗提出的上訴理由不成立。
在本月17日舉行的會議中,本人草擬的合議庭裁判書草案就“事實事宜不足以支持裁判”及“ 4月3日第24/89/M號法令第25條的錯誤解釋”問題提出的解決方案在表決中落敗。這些問題是上訴人作為“根本問題”在上訴範圍中提出的。
因此,按照澳門《民事訴訟法典》第361條第1款的規定(根據澳門《刑事訴訟法典》第4條的規定而適用於本案),本人闡述導致認為應當判上訴人(關於前述問題)理由不成立的理據。
正如前文合議庭裁判中得出,原審法院認為嫌犯/現上訴人在農曆新年期間付給工人(B)的金額,構成該法令第25條規定的“工資”,因此決定判該嫌犯作為正犯觸犯該法令第28條的輕微違反 — 欠付工資 — 因此判令向該名工人支付澳門幣20,616元的賠償。
根本上,由於這項支付“有規律及按期的”作出,其金額在法律上應被定性為“工資”,並因此而導致已作出的有罪裁判中判決部分的相應後果。
本人謹認為 — 雖然贊同原判中闡述的理由說明,(因為“有規律及按期”不是本地立法者採納為“工資”定性之標準),我們應當認為應維持原判。
我們看看。
原審法院作出的審判中證實:
— 工作人員(B)於1978年7月1日受聘在(A)公司工作,任職冷氣機維修員,一直未簽署書面工作合約;
— 2001年9月30日,雙方解除了合同;
— 當時上述工作人員的月薪金為港幣一萬二千八百七十(港幣12,870)元;
— 該名工人由入職之日起至1998年,每年(A)公司都支付其一項相等於一個月工資的金額,稱作“第十四個月薪金”,固定在翌年農曆新年前發放;
— 2000年,被告(A)公司停止發放了包括本案工人(B)在內的部分工人的1999年年度的第十四個月薪金,此時,(B)的月薪為港幣12,610(港幣一萬二千六百一十元)元;
— 2001年年初,被告公司向上指工人發放了2000年度一半的第十四個月的薪金,本案工人(B)已收取該筆港幣6,305元(港幣六千三百零五元)的款項。
— 2001年9月,向其支付一筆港幣7,723元(港幣七千七百二十三元)的款項。
— 2000年11月份,(A)公司向全體員工作出內部公告,解釋公司因經營環境惡劣,須減少開支以減輕經營成本,故才採取溫和的凍薪方法,並停止向員工發放“第十四個月薪金”(參見第18頁);
— 沒有證明答辯書的其餘事實,尤其“第十四個月”(工資)是根據企業的營利或者工人表現而支付;(我們對第95頁及其背頁所載事實事宜作出葡文翻譯)。
根據第24/89/M號法令第25條的規定:
“ 一、按提供的服務或工作活動,工作者有權收取一項合理工資。
二、所有得以金錢計算而無論其名稱及計算方式若何:按服務的提供應有及由僱主與工作者之間的協議、章程、慣例或法律規定而訂出的支付,即為工資。
三、工資得只用本地區貨幣支付,金錢及物質支付或其他性質的支付所構成;但在最後者情況,金錢支付的數值,原則上不應少於工資總金額百分之五十。”(底線為我們所加)
面對獲證實的事實和上述的規定,上訴人請求撤銷已作出的決定,“因為不能證實雙方對第十四個月(工資)存有協議”。
但是我們不相信應當這樣。我們認為,應當首先認定這項工資的支付是因為現上訴人與工人(B)之間的協議 — 至少是默示協議 — 而作出。
正如Mota Pinto教授所教導(前文合議庭裁判中也引用之):
“ 區別之處:法律所確定的明示與默示之間的區分標準(第217條),屬主觀論所提出的標準:意思表示如以言語、文字或任何其他直接、正面、立即的意願表達方式作出,即屬明示,如其直接內容引伸出另一內容,亦即如其針對的是某一目的,但“從旁”(拉丁文:a latere)隱含一種在另一方面的自我規範並使之能為他人所知曉 — 以側面的、不立即的、從旁的途徑來這樣做(“如係從極可能準確顯示此一表示之事實中推論得出”),則屬默示。
從這一法律條文中顯然可見,導致結論的事實之明確無誤,並不要求非作出默示自我規範的推論不可,只需按照社會環境的習慣極有可能明確無誤即可。
按照澳門《民法典》(第236條)所規定的對法律行為加以解釋的標準,應當作出這樣的理解:某一舉動能否“從旁”引伸出某一法律行為含義,並不一定非要行為人在主觀上意識到這一隱含的意義不可,只需客觀地、從外部、在一個連貫的考慮中,能從表意人的舉動中引伸出的這一默示含義即可”(《Teoria Geral do Direito Civil》,第三版,1994年,第425頁)。
我們相信Pires de Lima Antnes Varela也持此見解,他們在解釋Manuel de Andrade之觀點時表示:“應當做的是查明基於在實踐中足以支持常人作出決定的可能性程度”,還認為“一種實用的社會的標準,而不是嚴格的邏輯或形式上的標準在此優先”(《C. Civil Anotado》,第1卷,第四版,1987年,第209頁)。
事實上,必須考慮到澳門《民法典》第209條—正如1966年葡萄牙《民法典》,第217條 —認為那些“從完全有可能顯露意思之事實推斷出之表示”為“默示意思表示”。(因此替代了1867年《Seabra民法典》第648條的文本中“準確無誤”的這一表述)。
因此,澄清了我們相信“默示意思表示”的含義後,面對確鑿的事實,難道不應當得出結論認為,在支付有關工資方面“完全有可能”存在“默示協議”嗎?
然而,毫無疑問,從上述事實事宜中沒有作為“獲證明的事實”載明上訴人及該工人(明示甚至默示)約定以工資名義支付這筆金額。
然而,正如我們(亦予)確認法院可在確定事實事宜後對它作出解釋及澄清,同時得出進行事實發展的推論或結論;(參閱本中級法院第93/2002-I號案件的2002年9月12日合議庭裁判,其中引用了終審法院第13/2001號案件的2001年10月31日合議庭裁判)。
因此在使用該權能時 — 顯然也承認本院在上訴範疇內審理第一審法院視為確鑿的事實情狀 — 我們相信應當認定在現上訴人與該工人之間(至少)存在著默示的協議,從而在兩者之間的勞動關係範圍內包括以工資名義的有關支付。
鑑於已經證實上訴人本人稱之為“第十四個月”,就我們認為所知,這一表述通常用來表示(一個月的)“工資”。並不是強制性支付,但是常人通常認作“工資”。
此外,還應當考慮到這個“第十四個月”,根據視為獲證明的事實事宜,是在約連續20年間支付,而且不是在任何金額上支付,而通常是以工人當時收入相同的金額支付。
眾所周知,根據本地的習慣及慣例,通常會在農曆新年期間向朋友及熟悉的人派送裝有現金的紅包(“利是”)。然而,在勞動關係人之間通常也會有同樣的做法,但我們不相信有關金額會以“非整數”(10、100、1000……澳門元)為單位 — 如在本案中向工人所支付的那樣:根據其薪俸來計算,例如港幣12,870元 — 並且,因經濟困難為理由而突然完完全全地終止,並需要像上訴人所做的那樣發出“通告”。
因此 — 且如前文合議庭裁判已轉載本人擬就的文稿 — 考慮到視為證實的事實情狀,同時考慮到沒有證實上訴人在答辯狀中陳述事宜,其中認為有關支付只是一種懷著“贈與之意圖”作出的獎賞,它的發放取決於企業所得利潤及工人的表現;(參閱第87頁至第89頁及第90頁背頁) — 我們相信在本案中適宜得出結論認為,確實是以工資名義,按上訴人與工人之間的協議—至少是默示協議 — 而支付,檢察院代表在對本上訴的答覆中以及在附於本卷宗的意見書也如此主張。
因此,必須得出結論認為,這不構成獎賞(或獎金),而是第25條所指的“工資”,因此可容易得出結論認為,不存在所指出的事實事宜不充足的瑕疵 — 我們在相應地無錯誤的法律定性,因此本上訴理由不能成立。
據此,雖以不同的理由說明,維持被上訴的判決中作出的決定。
José M. Dias Azedo(司徒民正)
2002年10月24日於澳門