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(Tradução)

Âmbito de conhecimento da causa
Crime de introdução em lugar vedado ao público
Crime de dano qualificado
Crime de dolo
Pronúncia
Indícios suficientes

Sumário

  I. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
  II. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas.
  III. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o facto praticado com negligência no âmbito da lei penal não é punível. Pelo que, o crime de “introdução em lugar vedado ao público” e o crime de “dano qualificado” previstos respectivamente pelo artigo 185.º e artigo 207.º n.º 2 al. a) do Código Penal têm de ser crimes de dolo.
  IV. Se não há indícios suficientes de que os actos que se mostram objectivamente preenchidos os elementos do respectivo tipo de crime foram praticados pelo arguido com dolo, não podendo o Juízo de Instrução Criminal pronunciar o arguido pelos referidos dois crimes. (artigo 289.º n.º 2 do CPP).
  V. Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (artigo 265.º n.º 2 do CPP).
  
  Acórdão de 12 de Junho de 2003
  Processo n.º 112/2003
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
  
  
  I. RELATÓRIO
  1. A pedido da assistente do processo penal, (A) Sociedade de Fomento Predial, Limitada, apresentado nos termos do artigo 270.º, n.º 1 do CPP, o juiz do 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base, no âmbito do Processo de Inquérito n.º 5201/2002 do Ministério Público, iniciou e presidiu, o procedimento instrutório ao abrigo no disposto nos artigos 268.º, 272.º, 279.º, e 284.º do mesmo Código, proferindo no dia 28 de Março o seguinte despacho logo depois concluído o debate instrutório:
  “A assistente do presente processo, (A) Sociedade de Fomento Predial, Limitada requereu ao presente Juízo a instrução do despacho de arquivamento do Ministério Público e a pronúncia contra os actos praticados pelos dois arguidos (B) e (C).
  Depois de ter procedido a diligência de instrução e compulsado os elementos constantes dos autos, o Juízo entende que não há indícios suficientes para permitir proferir o despacho de pronúncia contra os dois arguidos, a nível do direito penal.
  Apesar de as condutas dos arguidos poderem, objectivamente, constituir um crime de introdução em lugar vedado ao público p. e p. pelo artigo 185.º do Código Penal, neste caso concreto não há indícios suficientes para sustentar os elementos subjectivos de crimes praticados pelos dois arguidos.
  Quanto ao 1.º arguido (B), este alegou que é pessoal de vigilância do lote em causa, foi incumbido pelo seu empregador falecido da vigilância do mesmo lote desde o início do ano de 1996. Apesar de tomar claro conhecimento do falecimento do seu empregador, dizendo que nunca tinha sido contactado por outra pessoa, continuando, por isso, a vigiá-lo.
  Face a isto, o Juízo entende que o 1.º arguido (B) não actuou dolosamente para pôr em causa o interesse da assistente aquando da prática das respectivas condutas.
  Quanto ao 2.º arguido (C), o grau da participação é ainda menor do que o do 1.º arguido, os equipamentos de obras foram colocados por ele no lote em causa por ter entendido que o 1.º arguido é responsável pelo mesmo lote terreno e tendo obtido consentimento deste aquando da prática dos actos em causa.
  Sem margem para dúvidas, os dois arguidos cometeram determinado erro neste caso, porém, o acto praticado com negligência no âmbito da lei penal não é punível, salvo nos casos especialmente previstos na lei, razão pela qual o Tribunal decide que, na falta dos elementos subjectivos (dolo), não pronuncia os dois arguidos e mantendo o despacho de arquivamento do Ministério Público.
  Apesar disso, se a assistente entende que o seu interesse foi prejudicado, podendo reclamar indemnização civil.
  * * *
  Fixa-se honorário a favor do Ilustre Patrono em 1UC, a cargo do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
  Custas pela assistente - 3UC de taxa de justiça.” (cfr. o original do despacho constante de fls. 155v a 156 dos autos)
  2. Não se conformando com esta decisão, veio a assistente do presente processo, (A) Sociedade de Fomento Predial, Limitada interpor recurso ordinário no dia 8 de Abril de 2003, pedindo, na motivação de recurso constante dos autos a fls. 169 a 174, anular o despacho em causa e pronunciar os referidos dois arguidos, no sentido de acusá-los de praticar dois crimes p. e p. pelos artigos 185.º e 207.º n.º 2 al. a) do CP, formulando as seguintes conclusões da motivação (cfr. o teor constante de fls. 173 dos autos):
  — o lote em causa pertenceu à Companhia (D) durante o período compreendido entre 14 de Dezembro de 1990 e 15 de Novembro de 1999 e passando a pertencer à recorrente a partir de 15 de Novembro de 1995;
  — os dois arguidos confessaram expressamente e sem reservas que o lote em causa foi ocupado, danificado e desfigurado por eles próprios ou por outros que receberam instruções dadas por eles.
  — Da peritagem resultou que o dano causado pelos dois arguidos em relação ao lote em causa é de MOP$833.900,00;
  — Nestes termos, os dois arguidos violaram já os dispostos acima referidos no que diz respeito ao crime de introdução em lugar vedado ao público e ao crime de dano qualificado.
  3. A propósito do recurso da assistente, o advogado estagiário nomeado pelo tribunal “a quo” como defensor do arguido (C) pediu, nos termos do artigo 403.º n.º 1 do CPP, a manutenção do despacho de não-pronúncia do Juízo de Instrução Criminal na sua resposta ao recurso constante de fls. 181 a 183 dos autos, enquanto o defensor do outro arguido (B) não respondeu ao recurso.
  4. Respondendo ao recurso interposto pela assistente, o Digno. Magistrado do Ministério Público que exarou o despacho de arquivamento na fase final de inquérito manifestou nomeadamente o seguinte:
  “O Ministério Público não opõe aos factos objectivos apresentados pelos recorrentes, porém, entendendo que tal facto não é suficiente para efectivação da responsabilidade penal dos dois arguidos em causa, nem a recorrente apresentou alegações para responder aos fundamentos do despacho do MM. Juiz.
  Sintetizando o despacho de não-pronúncia do Juiz de Instrução Criminal a fls. 155 a 156 dos autos, vê-se que os motivos principais do MM. Juiz quanto à prolação do despacho de não-pronúncia residem na falta dos indícios suficientes nos autos para sustentar os elementos subjectivos de crime dos dois arguidos, em vez de ser os elementos objectivos de crime.
  A recorrente não apresentou réplica quanto ao motivo “não doloso” deduzido pelos dois arguidos, não há provas para confirmar que os actos constantes dos autos dos dois arguidos não foram praticados com culpa, ao invês do dolo. Quanto à motivação de recurso, não é suficiente para improceder o fundamento do despacho da não-pronúncia proferido pelo MM. Juiz de Instrução Criminal.
  A constituição de crime tem de ter em simultâneo os elementos subjectivos e os objectivos, no caso em apreço, os elementos subjectivos de crime não são suficientes para efectivação da responsabilidade penal dos dois arguidos.
  Face ao acima exposto, entende o Ministério Público que deve negar provimento ao recurso, na medida em que os fundamentos deduzidos na petição de recurso não são suficientes para sustentar as conclusões e os pedidos.” (cfr. fls. 179 a 179v. dos autos).
  5. Subido o recurso para este TSI no meado de Maio, o Digno Procurador-Adjunto junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.º 406.º do CPP, tendo pugnado no dia 29 de Maio, no seu parecer junto a fls. 198 a 199 dos autos, pela manutenção do despacho de pronúncia recorrido.
  6. Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3, do CPP, em sede do qual entendeu manifestamente improcedente o recurso e devendo negar provimento ao recurso na conferência nos termos do artigo 409.º, n.º 2, al. a) e artigo 410.º, n.º 1 do CPP (cfr. despacho liminar proferido pelo relator no dia 3 de Junho de 2003).
  7. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1, do CPP.
  8. Na conferência realizada hoje, o tribunal colectivo procedeu à apreciação da resolução do recurso e dos fundamentos sugeridos pelo Relator no projecto de acórdão por ele elaborado. Apreciado, o tribunal colectivo deliberou, em votação unânime, que deve negar provimento ao recurso por manifestamente improcedente.
  9. Passa-se agora a explanar a fundamentação da deliberação em causa.
  
  II. Fundamentação do Presente Acórdão
  1. Convém referir dois pontos, antes de resolver concretamente a lide recursária em causa:
  (1) Tendo em conta que o tribunal ad quem só resolve as questões concretamente postas pela parte recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (cfr. este entendimento nomeadamente já constante dos acórdãos deste TSI, de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001, de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001, de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000, e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220).
  (2) Mesmo em recursos de natureza penal, é ainda aplicável a doutrina do PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil anotado, Volume V (Reimpressão), Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. este entendimento já designadamente vertido nos acórdãos deste TSI, de 30/5/2002 no Processo n.º 84/2002, de 30/5/2002 no Processo n.º 87/2002, de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001, e de 7/12/2002 no Processo n.º 130/2000, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas).
  2. Ora, deve-se lançar mão da análise da procedência do pedido da recorrente. Para isso, o presente Tribunal, antes de mais, tem que ponderar todos os materiais de prova constantes dos autos que são úteis para a descoberta da verdade material, nomeadamente os seguintes (nota: na reprodução do teor dos respectivos elementos constantes do texto original, suprimiram-se alguns elementos que se consideram irrelevantes para a resolução do recurso no que diz respeito a determinados indivíduos, instituições e coisas)
  (1) Em 11 de Julho de 2002, o Corpo da Polícia de Segurança Pública recebeu uma carta enviada pela Direcção da Cidade Industrial e Comercial (D), cujo teor é o seguinte (cfr. o original a fls. 8 dos autos):
  “Ex.mo Senhor Comandante Substituto do Corpo da Polícia de Segurança Pública
  Ofício n.º…… Data: 8 de Julho de 2002
  Assunto: ocupação do terreno privado
  O lote assinalado no mapa em anexo, situado ao pé do monte em frente desde o aeroporto até à Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, é terreno privado pertencente a um complexo de companhias de construção e fomento predial, tais como (A), San......, San......, Tai......, entre outras, a “Cidade Industrial e Comercial (D)” sob a gerência desta Companhia é constituída pelas companhias acima mencionadas. Recentemente, descobriu-se que havia uma companhia de construção colocar tapume que cerca uma parte do lote em causa e colocou alguns equipamentos de obras. Como o que revela nas fotografias em anexo, conduta essa que é acto da ocupação ilegal do terreno privado.
  Face a esta situação, vimos por este meio solicitar a V. Ex.ª se digne prestar apoio no sentido de enviar pessoal para a verificação in loco e mandar a desocupação e a deslocação imediata do lote em causa.
  Para qualquer esclarecimento, por favor contacte a Senhora Pun ……, através do n.º de telefone.......
  Com os melhores cumprimentos
  Direcção
  _____ (Assinatura) _____ _________(Assinatura)_________
   Pun...... ......”
  (2) Em 29 de Julho de 2002, o CPSP registou o depoimento prestado pela denunciante, Sr.ª Pun...... (潘......) (cfr. o original do “auto de declaração” a fls. 22 a 22v. dos autos):
  「Inquirida sobre o assunto em causa, a notificada declarou que é gerente da Companhia de Gestão Lei ……, a declaração prestada nesta Secção é feita em nome da representante da Companhia em causa, relatando que o lote ao pé do monte situado em frente desde o aeroporto até à Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (ou seja, o lote da “Cidade Industrial e Comercial do Aeroporto Internacional de Macau”), é terreno privado pertencente a um complexo de companhias de construção e fomento predial, tais como (A), San......, San...... e Tai......, a “Cidade Industrial e Comercial do Aeroporto Internacional de Macau” sob a gerência desta Companhia é constituída pelas companhias acima mencionadas. Recentemente, descobriu-se que havia uma companhia de construção a colocar, sem autorização, tapume que cerca uma parte do lote (LOTE3 e LOTE4) em causa e colocou alguns equipamentos de obras, a notificada declarou que essa conduta é um acto da ocupação ilegal do terreno privado, a Companhia agora decide efectivar a responsabilidade penal do autor em causa mediante o respectivo procedimento legal.
  Inquirida se tinha perguntado se os equipamentos de obras pertencem às companhias acima mencionadas, a notificada respondeu que não perguntou, mas afirmando que a companhia onde ela trabalha sabe perfeitamente que tais equipamentos não pertencem a nenhumas companhias acima mencionadas.
  Inquirida se se deslocou recentemente ao referido local para fazer ronda de inspecção, a notificada respondeu que tinha e descobrindo in loco que havia um camião que estava a derramar areia. (n.º de matrícula:......, marca:......)
  A notificada acrescentou que dos equipamentos de obras verificados pela polícia constantes de fls. 2 dos autos, apenas 3 construções de cimento pertencem a Companhia onde ela trabalha.
  A notificada não tem mais nada para acrescentar......”
   (3) Em 1 de Agosto de 2002, o CPSP registou a declaração prestada por (C) (cfr. o original do “auto de declaração” a fls. 24 a 24v. dos autos):
  「Inquirido sobre o assunto em causa, o notificado declarou que é responsável por uma companhia denominada Engenharia (E), afirmando nesta Secção que os equipamentos de obras colocados nos lotes em causa (LOTE3 e LOTE4 da “Cidade Industrial e Comercial (D)”) pertencem à companhia dele (a saber: um camião de cor azul......, uma máquina escavadora de cor-de-laranja, um tractor de terraplanagem de cor-de-laranja, um rolo compressor de estradas de cor amarela, um gerador de electricidade de cor-de-laranja, cerca de 40 grades de ferro de cor amarela, 5 placas de sinalização de trânsito e algumas fitas plásticas de cor vermelha).
  Inquirido sobre o proprietário do lote em causa, o notificado disse que não sabia.
  Inquirido já que não sabia o proprietário do lote em causa, porque ainda aí colocou tais equipamentos de obras, o notificado respondeu que tinha obtido a autorização de amigo (B).
  Inquirido se (B) é o proprietário do lote em causa, o notificado respondeu que não sabia se (B) é o proprietário do lote em causa.
  Inquirido sobre a qualidade do (B) na altura em que este autorizou ao notificado a colocação dos equipamentos de obras no lote em causa, o notificado respondeu que segundo (B) sabia que é pessoal de vigilância do lote em causa.
  Inquirido sobre o tempo da colocação dos equipamentos no lote em causa, o notificado respondeu que há mais de meio ano.
  Inquirido se foi colocado pelo notificado o tapume que cerca o lote em causa, o notificado respondeu que foi colocado pela companhia dele.
  Inquirido se tinha alterado as instalações e o ambiente do lote em causa após o acantonamento, o notificado respondeu que além da terraplanagem do lote, não procedeu a nenhuma alteração das instalações e do ambiente do lote em causa.
  Inquirido durante a ocorrência se tinha de pagar despesas a (B) ou a outros indivíduos quanto à colocação dos equipamentos de obras no lote em causa, respondeu que não precisa, (B), na qualidade de amigo, forneceu-lhe o local para ele colocar os equipamentos em causa.
  Inquirido ao notificado se pode fornecer os dados do (B) para esta Secção contactá-lo, respondeu que o n.º de telefone dele é .....
  O notificado não tem mais nada para acrescentar......”
  (4) Em 6 de Agosto de 2002, o CPSP registou a declaração prestada por (B) (cfr. o original do “depoimento do arguido” a fls. 27 e 27v. dos autos):
  “Inquirido se queria responder os factos imputados, declarou que:
  Queria, quanto ao assunto em causa, o arguido manifestou que se chama (B), ou seja, o indivíduo referido por outro indivíduo envolvido no presente caso (C).
  Nesta Secção, o arguido confessou que foi ele próprio que autorizou ao (C), responsável da Companhia Engenharia (E), a colocação dos equipamentos de obras nos lotes em causa (LOTE3 e LOTE4) da “Cidade Industrial e Comercial do Aeroporto Internacional de Macau”.
  Inquirido se é propritário do lote em causa, respondeu que não.
  Inquirido sobre a qualidade do arguido na altura em que autorizou ao (C) a colocação dos equipamentos de obras no lote em causa, respondeu que é pessoal de vigilância do lote em causa.
  Inquirido por quem foi incumbido de vigiar o lote em causa, respondeu que foi incumbido pelo seu empregador falecido de nome Wong...... (aliás, Wong......) desde o início do ano de 1996.
  Inquirido se pode apresentar qualquer documento comprovativo referido, respondeu que foi incumbido verbalmente, sem nenhum documento.
  Inquirido se recebeu remuneração quanto à vigilância do lote em causa, respondeu que não há remuneração extraordinária.
  Inquirido se continua a trabalhar na Companhia do seu empregador Wong…… após o falecimento do mesmo, respondeu que não trabalhou na Companhia do seu empregador Wong…… após o falecimento do mesmo.
  Inquirido, já que não trabalhou na mesma companhia, já não é pessoal da vigilância do lote em causa, com que qualidade autorizou ao (C) a colocação dos equipamentos de obras no lote em causa, respondeu que nunca recebeu instrução do outro, fica mal entendido que continua a ser o pessoal de vigilância do lote em causa, pelo que autorizou ao (C) a colocação dos equipamentos de obras no lote em causa.
  Inquirido se sabe o proprietário real do lote em causa, respondeu que não sabia e tem entendido erradamente que o lote em causa pretence a Wong……
  Inquirido, por fim, se recebeu rendas de (C) quanto à colocação dos equipamentos de obras no lote em causa, respondeu que não.
  O notificado não tem mais nada para acrescentar......”
  (5) Em 10 de Fevereiro de 2003, por ordem do juiz que preside a instrução, o CPSP registou a declaração prestada por (C) (cfr. o original do “auto de interrogatório do arguido” a fls. 115 a115v. dos autos):
  “Inquirido se queria responder os factos imputados, declarou que: queria.
  No início da inquirição, o arguido foi informado de que pode pedir que seja acompanhado por advogado por ele constituído, respondeu que não precisa.
  Inquirido porque não apurou junto da Conservatória de Registo Predial o proprietário real do terreno de obra em causa, respondeu que entendeu mal que (B) é proprietário do terreno de obra em causa, pelo que não fez consulta junto da referida Conservatória.
  Inquirido se tinha qualquer prova para comprovar que foi autorizada por (B) a ocupação do terreno de obra em causa, respondeu que não tinha, porque se trata de um compromisso verbal.
  Inquirido porque ajudou (B) a ocupar em conjunto o terreno de obra em causa, respondeu que não ajudou de modo algum (B) a ocupar em conjunto o terreno de obra em causa, nem ele próprio sabia o detalhe do assunto.
  Inquirido porque ajudou (B) a proceder à terraplanagem do terreno em causa, à alteração e reconstrução do tapume, respondeu que foi previamente autorizado por (B) quanto à terraplanagem do terreno a fim de facilitar a entrada e saída de veículos, não fez nada quanto à alteração e reconstrução do tapume.
  Declarando que tem como habilitação académica o ensino primário.
  Tudo isto é o depoimento e a contestação do arguido......”
  (6) Em 10 de Fevereiro de 2003, por ordem do juiz que preside a instrução, o CPSP registou a declaração prestada por (B) (cfr. o original do “auto de interrogatório do arguido” a fls. 119 a119v. dos autos):
  “Inquirido se queria responder os factos imputados, declarou que: queria.
  No início da inquirição, o arguido foi informado de que pode pedir que seja acompanhado por advogado por ele constituído, respondeu que não precisa.
  Inquirido porque não apurou junto da Conservatória de Registo Predial o proprietário real do terreno de obra em causa, respondeu que ele foi incumbido pelo seu empregador falecido Wong...... (aliás, Wong......) de vigiar o terreno de obra em causa desde o ano de 1996, pelo que não fez consulta junto da referida Conservatória.
  Inquirido porque bem sabendo que o terreno de obra em causa não pertence a ele, continuou a ocupá-lo e procedeu à alteração, respondeu que não confessou a ocupação do terreno de obra em causa, foi incumbido pelo seu empregador falecido de vigiá-lo, também não confessou quanto ao assunto de alteração.
  Inquirido ao arguido porque bem sabendo que o local da obra não pertence a ele continuou a proceder à terraplanagem do terreno em causa e alteração, bem como à reconstrução do tapume, respondeu que a terraplanagem do terreno tem o objectivo de facilitar a entrada e saída de veículos; quanto à reconstrução do tapume, respondeu que antes do ano de 1996, no local em causa já foi colocado tapume, só se procedeu à reparação do tapume em vez da reconstrução.
  Inquirido sobre o motivo da ocupação do terreno de obras, o arguido respondeu que o assunto em causa não tem nada a ver com a ocupação, apenas foi incumbido (pelo empregador falecido) de vigiá-lo.
  Declarando que tem como habilitação académica o ensino secundário geral.
  Tudo isto é o depoimento e a contestação do arguido......”
  (7) Por ordem do Juiz que preside a instrução, o pessoal da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de Macau dirigiu-se ao referido terreno de obras para a vistoria, entendendo que a despesa para a recuperação da sua configuração original cifra-se em MOP$833.900,00 (cfr. o Relatório de Vistoria de 26 de Fevereiro de 2003 da mesma Direcção dos Serviços a fls. 137 dos autos).
  3. Ora bem, compulsando todos os materiais constantes dos autos, entende o presente Tribunal que deve acolher a análise perspicaz do Digno Procurador Adjunto do Ministério Público feita no parecer a fls. 198 a 199v. dos autos para servir de solução concreta do presente recurso:
  (A) Sociedade de Fomento Predial, Limitada pediu ao Juízo de Instrução Criminal a iniciação de instrução do despacho de arquivamento do Ministério Público, entendendo que os factos e as respectivas provas descritos nos autos comprovam que os arguidos (B) e (C) violam o disposto no artigo 185.º e artigo 207.º n.º 2 al. a) do Código Penal, condutas essas que constituem crime de “introdução em lugar vedado ao público” e crime de “dano qualificado”.
  Decorrida a instrução, o MM. Juiz de Instrução Criminal decidiu não pronunciar os dois artigos por falta dos elementos subjectivos (dolo).
  Deste despacho de não-pronúncia veio (A) Sociedade de Fomento Predial, Limitada interpor recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
  Todavia, tal como foi referido pelo Magistrado do Ministério Público na resposta à motivação de recurso, a recorrente não apresentou alegações para responder aos elementos subjectivos dos actos ilícitos praticados pelos dois arguidos.
  Podemos ver que a recorrente não mencionou nenhum conteúdo no que diz respeito ao dolo subjectivo dos dois arguidos, só focou a descrição dos elementos objectivos dos crimes em causa. Sob o prisma da constituição de crime, é óbvio que isto não é suficiente, na medida em que, tanto os elementos subjectivos como os elementos objectivos, ambos fazem parte dos requisitos dos elementos constitutivos de crime, não podendo só optar por um e pôr de lado o outro.
  Dos elementos constantes dos autos resultaram que efectivamente existe o facto de ocupação do terreno do outro (recorrente): O arguido (C), sob o consentimento e autorização do arguido (B), colocou os equipamentos de obras da sua companhia no terreno pertencente à recorrente. Por outra banda, tendo o arguido procedido à terraplanagem do lote em causa, a fim de facilitar a entrada e saída de veículos. Simultaneamente, de acordo com o relatório de vistoria emitido pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes de Macau, verificou-se que efectivamente existe danificação no lote em causa e se procedeu à avaliação da despesa da respectiva recuperação. Pelo que, sendo certo que efectivamente os actos praticados pelos dois arguidos já puseram em causa o interesse da recorrente.
  Independentemente da danificação e da respectiva despesa (visto que não são todas as construções adicionais que foram construídas pelos arguidos, como p. ex. as construções referidas no relatório de vistoria - 3 construções de cimento - que foram construídas pela recorrente e a esta pertencem), importando agora discutir se os arguidos tinham dolo subjectivo aquando da prática dos actos em causa, sendo esta a razão pela qual o MM. Juiz de Instrução Criminal não pronunciou os referidos dois arguidos.
  Quanto ao crime de dano, além de exigir os actos de destruir, danificar, desfigurar e tornar não utilizável coisa alheia, exige-se ainda a existência do dolo do seu autor, mesmo que seja dolo eventual. Por outras palavras, exige o agente a ter consciência de que os actos praticados poderiam causar dano patrimonial do terceiro aquando da prática de determinados actos, o que não pode ser comprovado no caso em apreço, dado que não há nenhuns elementos de prova para chegar a tal conclusão.
  Segundo os depoimentos prestados pelos dois arguidos, a ocupação do terreno de obra visa apenas colocar os equipamentos de obras; a terraplanagem do terreno só tem o objectivo de facilitar a entrada e saída de veículos. Pelo que não se mostra que os actos de destruir e danificar coisa alheia foram praticados por eles com dolo. Pelo ponto de vista de um homem médio, uma pessoa que necessita de lugar para guardar coisa ou objecto, geralmente, não vai danificar dolosamente os arredores deste lugar, antes apenas se procede ao aperfeiçoamento para garantir a conveniência e a segurança da colocação do objecto ou coisa em causa.
  Não obstante a efectiva danificação causada pelos actos praticados pelos arguidos em relação ao terreno da recorrente, nomeadamente a danificação da sua configuração original, não há prova para comprovar que os actos foram praticados com dolo e eles sabiam perfeitamente que esses actos poderiam causar dano aos bens patrimoniais alheios (ou melhor, não sabiam que os actos podiam causar dano).
  Por outro lado, quanto ao arguido (C), os actos descritos nos autos foram praticados sob o consentimento e a autorização do outro arguido (B) e entendeu mal que (B) é o proprietário do lote em causa, quanto a ele existe um erro relevante em relação à circunstância factual em termos do ponto de vista jurídico, razão pela qual se exclui o dolo dele em termo subjectivo (cfr. o disposto no artigo 15.º do Código Penal).
  Quanto à introdução em lugar vedado ao público, exigiu-se ao seu autor o dolo subjectivo, exigiu-se ao autor a saber que a introdução ou permanência em lugar alheio não está em situação da obtenção do consentimento ou autorização do respectivo proprietário, partindo deste ponto, dado que a introdução do (C) no lote em causa e a colocação aí dos equipamentos de obras estão sob a condição da obtenção do consentimento e autorização prévios do (B)
  Quanto ao arguido (B), poderia causar algum litígio, porque bem sabendo que não é proprietário do lote em causa e concordou com a introdução do outro e a colocação dos equipamentos de obras no lote em causa. Apesar de ter alegado que foi incumbido por amigo de vigiar o lote em causa, afigura-se que ainda não tem direito a autorizar ao outro a colocação dos equipamentos de obras.
  Porém, como se sabe, o crime p. e p. pelo artigo 185.º do Código Penal não pertence a crime contra o património, o que pretende proteger é a privacidade de lugar e o seu funcionamento normal previstos no mesmo artigo. Porém, no caso em apreço, afigura-se que esses bens jurídicos legalmente protegidos não fossem prejudicados com o dolo do arguido, igualmente não pode chegar à conclusão de que o arguido tinha a consciência de que o consentimento e autorização a outra pessoa a colocação dos equipamentos de obras poderia causar dano aos bens jurídicos legalmente protegidos do proprietário do terreno.
  Devemos considerar que o lote em causa é um terreno de obra vazio, ainda não está na fase de desenvolvimento, nem a recorrente proceder a qualquer actividade no referido lote, o acto da colocação dos equipamentos de obras não causa influência ou perturbação à recorrente quanto à sua privacidade ou a actividades a iniciar.
  Tal como foi indicado pelo Juiz de instrução criminal no seu despacho recorrido, quanto ao arguido (B), “ele alegou que é pessoal de vigilância do lote em causa, foi incumbido pelo seu empregador falecido da vigilância do mesmo lote desde o início do ano de 1996. Apesar de tomar claro conhecimento do falecimento do seu empregador, todavia...... nunca tinha sido contactado por outra pessoa, continuando, por isso, a vigiá-lo”. Pelo que se entendeu que não actuou dolosamente para pôr em causa o interesse da recorrente aquando da prática das respectivas condutas
  Em face ao exposto, entendemos que, de acordo com os materiais de prova do presente caso concreto, não pode verificar que os arguidos (B) e (C) tinham clara consciência de que os actos praticados causariam lesão de interesse alheio.
  Dispõe o artigo 289.º n.º 2 do CPP que: “Se tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não-pronúncia.”
  Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (artigo 265.º n.º 2 do CPP).
  Na decisão judicial proferida em Macau, “entende-se por fortes indícios os sinais de ocorrência de um determinado facto, donde se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o facto foi praticado pelo arguido. Esta possibilidade razoável é uma probabilidade mais positiva do que negativa, ou seja, a partir das provas recolhidas se forma a convicção de que é mais provável que o arguido tenha praticado o facto do que não o tenha praticado.” (cfr. acórdão de 27 de Abril de 2000, proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 6/2000).
  No caso sub judice, após uma análise sintética dos factos e das provas de vários aspectos, entendemos que não há indícios suficientes para nos permitirem deduzir com racionalidade que os referidos dois arguidos tinham dolo subjectivo aquando da prática dos actos que objectivamente se mostram preenchidos os elementos constitutivos de crime, pelo que na falta de elementos subjectivos, devendo o Juiz de Instrução Criminal proferir despacho de não-pronúncia.
  Pelas razões apontadas, entende este Tribunal que é manifestamente improcedente o recurso.
  Em suma:
  1. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o facto praticado com negligência no âmbito da lei penal não é punível. Pelo que, o crime de “introdução em lugar vedado ao público” e o crime de “dano qualificado” previstos respectivamente pelo artigo 185.º e artigo 207.º n.º 2 al. a) do Código Penal têm de ser crimes de dolo.
  2. Se não há indícios suficientes de que os actos que se mostram objectivamente preenchidos os elementos do respectivo tipo de crime foram praticados pelo arguido com dolo, não podendo o Juízo de Instrução Criminal pronunciar o arguido pelos referidos dois crimes. (artigo 289.º n.º 2 do CPP).
  3. Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (artigo 265.º n.º 2 do CPP).
  
  III. Decisão
  Em suma do acima exposto, acordam em julgar manifestamente improcedente o recurso interposto pela (A) Sociedade de Fomento Predial, Limitada, e rejeitar o mesmo, com consequente manutenção da decisão de não-pronúncia dos arguidos (B) e (C) proferida pelo 2.º Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base no dia 28 de Março de 2003 em sede do Processo de Instrução Criminal n.º PCI-007-03-3.
  Custas do recurso pela recorrente, que incluem 2 UC (MOP$1.000,00) de taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.ºs 72.º, n.ºs 1 e 3, e 69.º, n.º 1, do Regime das Custas nos Tribunais) e 3 UC (MOP$1.500,00) de sanção pecuniária devida pela recorrente por causa da rejeição do seu recurso, aplicada por força do disposto no art.º 410.º, n.º 4, do Código de Processo Penal e no art.º 4.º, n.º 1, alínea g), do Decreto-Lei n.º 63/99/M, de 25 de Outubro, aprovador do mesmo Regime das Custas.
  Fixa-se como honorário ao Exm.º defensor (advogado estagiário) do (C) em MOP$1.000,00, a cargo do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
  Notifique o presente acórdão à recorrente e ao Ministério Público.
  Notifique o presente acórdão à própria pessoa do (B) e (C) ao abrigo da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 100.º do Código de Processo Penal. Mais notifique aos Exm.ºs Defensores dos mesmos com envio da cópia do presente acórdão.
  (Por força do artigo 84.º n.º 2 do Código de Processo Penal, o relator certifica por este meio que o texto integral do presente acórdão foi elaborado por ele próprio através do processamento do texto no computador e foi integralmente revista por ele próprio.)
  
  Chan Kuong Seng (Relator) - José M. Dias Azedo - Lai Kin Hong