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Processo n.º. 9/2001. Recurso em processo penal.
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Fundamentação da sentença
Data da Audiência: 11.7.2001. Data do Acórdão: 18.7.2001.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:

I – De acordo com o disposto no n.º 2, do art. 355.º, do Código de Processo Penal, na fundamentação da sentença, deve constar, além da enumeração dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova utilizados, uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.
II – A enumeração dos factos provados e não provados, a indicação dos meios de prova utilizados e a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão devem permitir conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, no que se refere à decisão de facto.
III – A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão pode satisfazer-se com a revelação da razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal.
IV – Se, em determinado caso, for possível conhecer as razões essenciais da convicção a que chegou o tribunal, pela enumeração dos factos provados e não provados e pela indicação dos meios de prova utilizados, torna-se desnecessária a indicação de outros elementos, designadamente a razão de ciência.
V - A extensão e o conteúdo da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo.
VI - Não é exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas.

O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base condenou, entre outros, o 3.º arguido, A, pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 8.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M, de 28.1, na pena de oito anos e três meses de prisão e oito mil patacas de multa ou em alternativa de cento e seis dias de prisão e pela prática de um crime previsto e punível pelo art. 12.º do mesmo Decreto-Lei n.º 5/91/M, na pena de duas mil patacas de multa ou em alternativa de vinte e seis dias de prisão.
Em cúmulo foi condenado uma pena única de oito anos e três meses de prisão e dez mil patacas de multa ou em alternativa cento e trinta e dois dias de prisão.
O Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto daquela decisão.
Novamente inconformado, recorre o mesmo arguido, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
a) O Tribunal de 2ª Instância, ao manter na integra a decisão do Tribunal da 1.ª Instância, não sanou, como lhe competia, o vício da falta de fundamentação, por outras palavras o acórdão recorrido não declarou que o acórdão da 1ª instância estava ferido de nulidade nos termos do artigo 360.º, por falta de observância do disposto no artigo 355.º, n.º 2, ambos do CPP, ou seja não declarou que o acórdão recorrido limita-se a uma mera indicação das provas, sem que contenha uma verdadeira motivação da matéria de facto e de direito que fundamentam a decisão.
b) Salvo melhor opinião, o Tribunal da 1ª Instância não deu cumprimento ao disposto no artigo 355.º, n.º 2 do CPP, limitando-se a uma mera indicação das provas, sem que, contenha qualquer motivação, ainda que concisa, que serviu para formar a convicção do Tribunal.
c) O acórdão da 1.ª Instância não cumpre a teoria minimalista da fundamentação da sentença.
d) A falta de fundamentação insanável do acórdão da 1.ª Instância impunha que, nos termos do artigo 360.º, alínea a) do CPP, o acórdão recorrido declarasse, a nulidade do mesmo.
e) O acórdão recorrido e o acórdão da 1.ª Instância violaram assim as disposições legais contidas nos artigos 355.º, n.º 2 e 360.º, alínea a) do CPP.
f) A interpretação conjugada do disposto no artigo 87.º, n.º 4, artigo 355.º, n.º 2, artigo 360, alínea a) e 400.º, n.º 2 do CPP de Macau assegura um controlo efectivo da fundamentação da sentença penal a que o legislador não pretendeu renunciar sobretudo no âmbito da matéria de direito.
g) A interpretação defendida, é a única que se nos apresenta compatível, não só com a racionalização das decisões judiciais mas, em especial, a que contribui para a efectiva “legitimação democrática” ou validação social do poder judicial.
h) É unânime entendimento da doutrina que a exigência da fundamentação imposta pelo artigo 374.º do CPP (artigo 355.º, n.º 2) não se satisfaz com a mera enumeração dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nem sequer daqueles que serviram para fundamentar a decisão que fez vencimento; é preciso muito mais.
i) A exigência da fundamentação do n.º 2 do artigo 355.º não se satisfaz com a mera enumeração dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nem sequer daqueles que serviram para fundamentar a decisão que fez vencimento.
j) Exige-se, além disso, a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, ou seja, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
l) A fundamentação tem de ser de tal forma que permita comprovar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova e não uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, sendo, assim nula a decisão face ao disposto no arts. 355.º, n.º 2 e 360.º, al. a) do CPP, que não contenha uma análise sobre as provas que concorreram para a formação da convicção do tribunal.
m) Assim, ao não proceder de acordo com as alíneas f) a l) das conclusões, o acórdão recorrido procedeu incorrectamente violando os artigos 355.º, n.º 2 e 360.º al. a).
Respondeu o Ex.mo Procurador-Adjunto, defendendo que a lei não exige que na sentença, na exposição dos motivos de facto que a fundamentam, que seja explicitado o processo lógico ou racional que conduziu o tribunal à convicção subjacente à descrição fáctica que faz; os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, referidos no art. 374.º n.º 2 do C. P. Penal, são apenas os factos e as razões de direito que constituem a base da decisão ou o seu fundamento. E que há que ter em conta sempre os ingredientes trazidos pelo caso concreto, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.
     
Neste Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Adjunta deu por reproduzida a resposta à motivação, considerando que o tribunal colectivo fundamentou a sua decisão, indicando os factos provados e não provados, bem como as provas que serviram para formar a sua convicção, pelo que não se verifica violação das normas invocadas pelo recorrente.
Foram colhidos os vistos legais.

II - Os factos
Os factos que as instâncias deram como provados são os seguintes:
- A partir da data não apurada (pelo menos a partir de Junho de 1999), os arguidos B e C começaram a dedicar-se ao tráfico de produtos estupefacientes em Macau.
- A maior parte dos produtos estupefacientes vendidos pelos referidos dois arguidos foram adquiridos em Hong Kong, sendo seus clientes os filipinos que se encontram em Macau.
- Por volta das 00h54 do dia 06/10/1999, os arguidos B e C deslocaram-se ao Hotel onde foram hospedados nos quartos nºs 307 e 308, respectivamente.
- Nesse mesmo dia, cerca das 17h30, os agentes da PJ procederam, de acordo com a lei, à busca nos quartos nºs 307 e 308. Na casa de banho do quarto nº 307 foram encontrados quatro sacos de plástico, contendo no interior destes substâncias que se suspeitavam de se tratar de produtos estupefacientes e na casa de banho do quarto nº 308 foram encontrados seis sacos de plástico, contendo no interior destes substâncias que se suspeitavam de ser produtos estupefacientes.
- Depois de efectuado o exame laboratorial, verificaram-se que as substâncias contidas nos referidos sacos se tratam de metanfetamina constante da Tabela II-B, anexada ao DL 5/91/M. Os produtos estupefacientes encontrados no quarto nº 308 onde o arguido C se hospedava têm o peso líquido de 77.472g, enquanto os encontrados no quarto nº 307 onde o arguido B se hospedava têm o peso líquido de 52.795g.
- Os arguidos B e C adquiriram em conjunto os referidos produtos estupefacientes, e estando preparados para os vender a terceiros, nomeadamente aos Filipinos que se encontram em Macau.
- Por volta das 19h00 horas do dia 06/10/1999, foi procedida por agentes da PJ à busca na residência da namorada do arguido A, de nome D, sita na [Endereço(1)], Macau, onde o arguido A veio a ser detido. Na altura, os agentes encontraram no quarto onde estava o arguido A quarto sacos de plástico contendo no interior destes substâncias que se suspeitavam de ser produtos estupefacientes, um frasco de vidro com uma palha de plástico no seu interior, um tubo de vidro e quatro papéis de alumínio e outros.
- Após efectuado o exame laboratorial, foi confirmado que as substâncias contidas nos referidos quatro sacos se tratam de metanfetamina, constante da Tabela II-B, anexada ao DL 5/91/M, com peso líquido de 10.705g.
- Por volta das 20h00 da dia 06/10/1999, foi procedido por agentes da PJ à busca na residência do arguido A , sita no [Endereço(2)], Macau, onde o arguido E veio a ser detido.
- Na referida residência, os agentes encontraram no quarto do arguido A substâncias que se suspeitavam de ser produtos estupefacientes, em pequenas quantidades.
- Depois de efectuado o exame laboratorial, foi confirmado que as aludidas substâncias se tratam de metanfetamina, constante da Tabela II-B, anexada ao DL 5/91/M, com peso líquido de 0.277 g.
- Foram encontrados no outro quarto vários sacos de plástico, contendo no seu interior substâncias que se suspeitavam de ser produtos estupefacientes, frascos de plástico e papéis de alumínio.
- Depois de efectuado o exame laboratorial, foi confirmado que as substâncias contidas nos referidos sacos se tratem de metanfetamina, constante da Tabela II-B, anexada ao DL 5/91/M, com peso líquido de 4.251g.
- Os produtos estupefacientes encontrados na residência do arguido A e na da sua namorada que os agentes da PJ apreenderam foram obtidos pelo mesmo arguido e destinavam-se para serem vendidos a terceiros. Quanto aos objectos encontrados na posse do arguido A, nomeadamente os frascos de vidro e tubos de vidro, estes são utensílios para o seu consumo de produtos estupefacientes.
- No quarto do arguido E Foram encontrados uma palha de plástico e vários papeis de alumínio, que se tratam de utensílios para o seu próprio consumo de produtos estupefacientes.
- Por volta das 22h00 do dia 06/10/1999, foi procedida por agentes da PJ à busca no apartamento sito na [Endereço(3)]. Nesta residência, foram detidas as arguidas F e G, e encontrados uma palha de plástico, um frasco pequeno e 0.014g de metanfetamina, constante da Tabela II-B, anexada ao DL 5/91/M. Estes produtos estupefacientes foram adquiridos pelas referidas arguidas junto do arguido A, destinando-se ao seu consumo de produtos estupefacientes. Quanto ao referido frasco pequeno e à palha de plástico, estes tratam-se de utensílios que as referidas arguidas usam para o seu consumo de produtos estupefacientes.
- Os arguidos agiram consciente, voluntária e deliberadamente.
- Conheciam perfeitamente a natureza e o carácter dos produtos estupefacientes, ora apreendidos à ordem dos autos.
- Sabiam perfeitamente que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
- O 1º arguido era operário e auferia dez mil e quinhentas dólares de HK.
- É solteiro e não tem pessoas a seu cargo.
- O 2º arguido era comerciante em Hong Kong.
- É solteiro e não tem pessoas a seu cargo.
- O 3º arguido era desempregado e vivia à custa dos seus familiares.
- É casado e está separado da mulher e tem 4 filhos a seu cargo.
- O 4º arguido é músico e aufere sete mil patacas.
- E casado e tem dois filhos a seu cargo.
- A 5ª arguida é empregada de hotel e aufere três mil e quinhentas patacas.
- É casado e está separada do marido e tem um filho a seu cargo.
- O 6º arguido é empregada de hotel e aufere quatro mil e quinhentas patacas.
- É solteira e tem a mãe a seu cargo.
Não ficaram provados os seguintes facto:
- Os produtos estupefacientes encontrados na residência do arguido A e na da sua namorada foram obtidos junto aos arguidos B e C.

III – O Direito
1. No recurso interposto para este Tribunal apenas vem colocada uma questão, atinente à motivação da matéria de facto do Acórdão do Tribunal Colectivo.
Entende o arguido que a sentença não indicou os motivos de facto que fundamentam a decisão, ou seja, os elementos que conduziram a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência, pelo que é nula, nos termos dos arts. 360.º, alínea a) e 355.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
É o que se irá apreciar.

A motivação da decisão sobre os factos na legislação anterior
2. O art. 360.º, alínea a) do Código de Processo Penal fulmina com a nulidade a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do art. 355.º.
O art. 355.º, n.º 2, com a epígrafe “requisitos da sentença”, dispõe o seguinte: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Esta norma na parte em que exige uma exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, é inovadora em relação ao direito anterior.
Na verdade, o Código de Processo Penal de 1929 não continha qualquer obrigação de motivação da decisão da matéria de facto (arts. 468.º e 469.º).
A doutrina e jurisprudência maioritárias eram concordes em que o juiz não tinha de motivar a decisão da matéria de facto, e nem sequer o poderia fazer1.
Já não era assim em processo civil, pois o Código de Processo Civil de 1961 impunha, no seu art. 653.º, n.º 2, que o tribunal especificasse «os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador».
Embora parecesse que o legislador pretendia que o tribunal indicasse mais do que os meros meios de prova em que se fundasse a convicção dos juízes, o certo é que, de acordo com o n.º 3, do art. 712.º, o tribunal de segunda instância só poderia determinar que o processo voltasse à primeira instância, para que o colectivo fundamentasse as respostas aos quesitos, «se alguma das respostas aos quesitos não contiver, como fundamentação, a menção pelo menos dos meios concretos de prova em que se haja fundado a convicção dos julgadores e a resposta for essencial para a decisão da causa».
Foi neste enquadramento que surgiu a redacção do n.º 2, do art. 374.º do Código de Processo Penal português de 1987 que, na sua versão original, é precisamente igual ao já citado n.º 2, do art. 355.º do Código de Processo Penal de Macau (de 1996).

A motivação da decisão sobre os factos na legislação actual
3. Quanto à fundamentação da matéria de facto, a lei exige que o tribunal faça constar:
- A enumeração dos factos provados e não provados;
- Uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que fundamentam a decisão;
- A indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Em geral, concorda-se com a tese do recorrente que não basta que o tribunal enumere os factos provados e não provados e indique as provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Deverá, ainda, indicar os motivos que fundamentam a decisão.
Resta saber em que é constituem estes.
Para MARQUES FERREIRA2 são os «elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência».
No Acórdão de 19.9.99, do Tribunal Superior de Justiça, Processo n.º 10913, invocado pelo recorrente, e a propósito do caso concreto então em apreciação, disse-se que através da motivação da sentença recorrida não se conseguia saber se se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova ou se tal decisão não foi, antes, ilógica, arbitrária, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, «já que não contém qualquer alusão sobre as provas que nos permitam concluir sobre a razão de ciência que determinou a formação da convicção do tribunal» (sublinhado nosso).
Basicamente, afigura-se-nos correcto este entendimento: os motivos que fundamentam a decisão podem ser constituídos pela razão de ciência4 das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal.
Não é exigível que o tribunal faça a apreciação crítica das provas. A lei não exige tal apreciação, que veio a ser introduzida na nova redacção do n.º 2, do art. 374.º do Código de Processo Penal português, por via da Lei n.º 59/98, de 25.8, que aditou a exigência que a sentença faça o «exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
A propósito, cabe também referir que o novo Código de Processo Civil de Macau determina que a decisão que julga a matéria de facto declare «quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador» (n.º 2, do art. 556.º), podendo o Tribunal de Segunda Instância, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de primeira instância a fundamente, se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada (n.º 5, do art. 629.º).
Mas tal exigência – de análise crítica das provas - não se faz na lei de processo penal.
De qualquer maneira, com M. A. LOPES ROCHA5, entendemos que a extensão (e o conteúdo, acrescentamos nós) da motivação são função das circunstâncias específicas do caso concreto, nomeadamente da natureza e complexidade do processo.
Em conclusão, na motivação de facto, em princípio, o tribunal deve indicar as razões essenciais da convicção a que chegou, tendo sempre em atenção o caso concreto em apreciação.

O caso dos autos
4. O Acórdão do Tribunal Colectivo na parte em causa, é do seguinte teor:
“Indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal:
As declarações dos arguidos presentes.
As declarações dos 1º, 2º e 3º arguidos prestadas no TIC que foram lidas em audiência.
As declarações das testemunhas.
O relatório de exame da PJ a fls. 221 a 234.
Os documentos policiais juntos aos autos.”.
Anote-se, para esclarecimento complementar, que os arguidos eram em número de seis, todos presentes na audiência de julgamento, e que as testemunhas eram quatro, todas de acusação e eram investigadores da Polícia Judiciária.
Como se disse, em princípio, deve ser indicada na decisão a razão de ciência das declarações e dos depoimentos prestados e que determinaram a convicção do tribunal.
No caso dos autos, prestaram declarações os seis arguidos e, face à matéria de facto, é evidente a sua razão de ciência: a sua participação nos factos considerados provados na decisão.
Mas no caso dos autos, é igualmente evidente a razão de ciência das testemunhas: dado que todas eram investigadoras da Polícia Judiciária e a sua participação, nesta qualidade, está amplamente referida no processo, é manifesta a razão de ciência dos respectivos depoimentos.
Por outro lado, no caso concreto, temos que, na motivação, o tribunal, após ter feito referência às declarações de todos os arguidos, e eram seis, como se disse, acrescentou ainda que levou em conta as declarações dos 1.º, 2.º e 3.º arguidos prestadas no TIC, que foram lidas em audiência.
Sabe-se que só é possível a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido a sua própria solicitação (o que não foi o caso, como resulta da acta) ou quando tiverem sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público e houver contradições ou discrepâncias sensíveis entre elas e as feitas em audiência que não possam ser esclarecidas de outro modo (art. 338, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Como resulta da acta da audiência foi precisamente neste enquadramento que foi feita a leitura das declarações dos 1.º, 2.º e 3.º arguidos, face às discrepâncias entre as suas declarações em audiência e as prestadas perante o Juiz de Instrução Criminal.
Sabendo-se pela leitura de tais declarações que os arguidos mencionados assumiram genericamente as acusações que lhe eram feitas, o que não terá acontecido em audiência, pois não só não foi considerada a confissão dos factos, como nos recursos para a segunda instância e para este Tribunal, os arguidos negam os factos, é fácil de perceber as razões essenciais da convicção do Tribunal Colectivo.
Assim, embora nada conste a este respeito da decisão, as circunstâncias mencionadas levam-nos a concluir pela desnecessidade de indicação da razão de ciência, dado que o conteúdo da motivação é função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e complexidade do processo, isto é do caso concreto em apreciação.
Ou, como se diz, no Acórdão de 10.3.99, do Tribunal Superior de Justiça, Processo n.º 9916, invocado pelo Ex.mo Procurador-Adjunto, a propósito de outra questão referente à fundamentação de facto, determinada «doutrina, tida como boa em pura tese, pode, porém, receber ingredientes trazidos pelo caso concreto que nos levem a aligeirar o rigor dos seus ditames».
Embora a motivação da decisão de facto do Tribunal Colectivo não seja modelar – longe disso – é, no entanto, possível apreender as razões essenciais da convicção do Tribunal pela indicação dos meios de prova, pelo que não sofre censura a decisão recorrida.

III – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC.
Fixam os honorários do ilustre defensor oficioso do arguido em MOP$1500,00.
Macau, 18.07.2001
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
                      Sam Hou Fai
                       Chu Kin
       1 MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado e Comentado, Livraria Almedina, Coimbra, 1979, 3.ª ed., p. 559. Não obstante, em Portugal, alguma jurisprudência tardia, isto é, quando o Código já não vigorava e apenas se aplicava a processos antigos, veio a inflectir o rumo, por via de considerações de base constitucional, que aqui não relevam (DR, II, de 7.11.2000, p. 18082).
2 MARQUES FERREIRA, Meios de Prova, em O Novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, Coimbra, 1995, p. 229 e 230. No mesmo sentido, do mesmo autor, Da Fundamentação da Sentença Penal em Matéria de Facto, em Revista Jurídica de Macau, 1997, volume IV, n.º 1, p. 70.
3 Tribunal Superior de Justiça, Jurisprudência, 1999, II tomo, p. 519.
       4 A razão de ciência é a fonte de conhecimento dos factos (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Volume IV, p. 442).
5 M. A. LOPES ROCHA, A Motivação da Sentença, em Documentação e Direito Comparado, Lisboa, 1998, n. os 75/76, p. 107.
       6 Tribunal Superior de Justiça, Jurisprudência, 1999, I tomo, p. 470.
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