(Tradução)
Princípio do estado de direito democrático
Artigo 2.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau
Princípio da separação dos poderes
Princípio de jurisdição de mera legalidade do acto administrativo
Lei em sentido estrito
Lei em sentido lato
Artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil
Dever de recusa de aplicação de leis ilegais
Princípio da legalidade material
Princípio da independência judicial
Controlo concreto da legalidade de norma
Controlo abstracto da legalidade de norma
Actos processuais inúteis
Princípio do contraditório
Sistema político de Macau
Chefe do Executivo
Assembleia Legislativa
Sistema legislativo monista
Regulamento administrativo
Impulso legislativo
Competências do Chefe do Executivo
Princípio da liderança administrativa
Artigo 75.º da Lei Básica da RAEM
Artigo 115.º da Lei Básica da RAEM
Hierarquia da norma jurídica
Delegação de competência
Decreto-lei
Portaria
Regulamento administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho
Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal
Artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina
Relação contratual de trabalho por conta alheia
Artigo 16.º da lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto
Artigo 1079.º, n.º 1 do Código Civil
Contrato de trabalho
Remuneração de trabalho
Lei n.º 4/2003, de 17 de Março
Regulamento Administrativo n.º 5/2003, de 14 de Abril
Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho
Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais
Lei de bases
Leis de princípios
Documento de programa político
Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro
Regime sancionatório das infracções administrativas
Pedido de residência temporária
Erro nos pressupostos de facto
Vício de violação de lei
Poder e dever da Administração em execução da lei
Anulação do acto administrativo
Sumário
Segundo o princípio do estado-de-direito democrático em sentido material e o princípio da separação dos poderes expresso no artigo 2.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (a seguir abreviada como Lei Básica), o tribunal deve seguir o princípio de jurisdição de mera legalidade do acto administrativo (v. artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que, como a entidade recorrida afirmou na contestação, este Tribunal não pode conhecer a questão de “manifesta desrazoabilidade” formulada pela recorrente contenciosa, e de facto, o artigo 146.º do Código do Procedimento Administrativo não se aplica à arguição judicial do âmbito do direito administrativo.
Por princípio da separação dos três poderes, entende-se genericamente que os três poderes, executivo, legislativo e judicial, são conferidos respectivamente a distintos órgãos para serem exercidos nos termos da lei, independentemente das eventuais relações de delegação em matéria legislativa do poder legislativo ao poder executivo, e independentemente do poder que o Executivo detém em prol do exercício eficaz do seu poder de administrar, usufruindo obviamente o poder de criar, apenas no quadro da lei em sentido estrito - lei dimanada do órgão legislativo -, regulamentos administrativos contentores de normas jurídicas genéricas e abstractas que não possam entrar em conflito com as leis em sentido estrito, por se encontrar em hierarquia normativa inferior às mesmas.
Quaisquer leis em sentido lato (por lei no sentido lato, entende-se qualquer acto normativo dotado de natureza geral e abstracta), incluindo as em sentido estrito, só constituem leis quando elas próprias são legais e por consequente são de carácter obrigatório, é por isso que a lei referida no artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil de Macau só pode compreender as leis legais, e não as leis ilegais, de forma que os tribunais têm o dever legal de não aplicação de leis ilegais, a fim de salvaguardar o princípio da legalidade material, também referido no artigo 2.º da Lei Básica.
E este dever de recusa de aplicação de leis ilegais constitui um dos devidos sentidos do poder judicial.
Na realidade, no seu artigo 36.º, a Lei Básica estipula de forma explícita que aos residentes de Macau é assegurado o acesso ao Direito, e por causa disso, quem se sente prejudicado nos seus próprios direitos ou interesses jurídicos pode pedir assistência judiciária nos termos da lei. Este direito processual constitui um direito fundamental no processo para garantir os seus direitos materiais. Para assegurar a realização do direito processual, e como passo adiante, proteger o direito à fruição judicial, o poder público deve instituir um sistema jurisdicional baseado na igualdade e justiça. Para isso, nos seus artigos 19.º, n.º 1, 83.º e 89.º n.º 1, a Lei Básica afirma o princípio da independência judicial, a independência dos juízes na função judicial, apenas sujeitos à lei. Em outras palavras, ao exercer a sua função judicial, o juiz só está sujeito à lei. Naturalmente, a lei aqui referida limita-se a compreender todas as leis em sentidos lato e estrito, legais no verdadeiro sentido da palavra, de forma que a desaplicação das leis ilegais constitui um dever lógico dos tribunais, a fim de estabelecer todo um sistema de controlo, a posteriori ou a priori, da legalidade de todos os diplomas jurídicos.
Aliás, com a delegação do Governo Central, a Região Administrativa Especial de Macau goza de alto grau de autonomia, interpreta a Lei Básica dentro dos limites da autonomia, e em certo grau, a interpretação pode ser entendida como o exercício do direito de controlo da Lei Básica. Quando o tribunal considera que a legislação produzida pela RAEM não corresponde às normas da Lei Básica, ainda podem desistir da aplicação da lei local, mas, naturalmente, isto não impede que os tribunais, no âmbito das normas do artigo 88.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, realizem o controlo, a posteriori e de forma abstracta, da legalidade de uma norma constante de um determinado regulamento administrativo, alegadamente violadora de normas produzidas pelo órgão legislativo local de Macau.
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Por essa razão, já que a recorrente contenciosa formulou realmente a questão de “vício de violação da lei” perante este Tribunal, a fim de pedir a anulação do acto administrativo recorrido, este Tribunal deve resolver, com o fundamento e ponto-de-vista jurídico considerado mais adequado na lógica jurídica, a questão de “vício de violação da lei”, ou seja, a causa de pedir destes autos, em vez de restringir-se rigidamente aos pontos de vista sustentados e defendidos pelas duas partes processuais.
Dessa forma, este Tribunal pode socorrer a argumentos jurídicos concretos diferentes dos defendidos pela recorrente, para julgar se existe o “vício de violação da lei” por ela alegado, e também por causa disso, antes de decidir disso, não é preciso, nos termos da lei, que se mande notificar as partes processuais para que estas se pronunciem de forma extra sobre os argumentos jurídicos a serem invocados no julgamento pelo Tribunal na decisão, sob pena da prática de actos processuais inúteis, o que contraria os princípios da celeridade processual e da economia processual (Vide. Princípio da limitação dos actos, art. 87.º, do Código de Processo Civil de Macau).
De facto, neste tipo de situações em que se pretende socorrer a argumentos jurídicos concretos diferentes dos defendidos pela parte processual para resolver a questão essencial do objecto do litígio processual sub judice, não se pode dizer que a não feitura de uma audiência extra das duas partes processuais sobre este aspecto possa conduzir à violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, pois, tanto a parte recorrente como a parte recorrida sabem perfeitamente que o Tribunal terá que conhecer se o acto administrativo sub judice enferma do “vício da violação da lei” acusado pela recorrente na sua petição inicial e que a parte recorrida já tem, há muito, a oportunidade de refutar isso na sua contestação nos termos da lei, e a decisão a ser feita pelo Tribunal sobre esta questão material, quer seja de “sim”, como de “não”, não pode surpreender nem assustar nenhuma das partes processuais. Ademais, no seu artigo 567.º, o Código de Processo Civil já deixou claro: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
As diferentes relações de equilíbrio de poder entre os principais órgãos soberanos num país ou numa região determinam os diferentes sistemas de governo (como, por exemplo, sistema parlamentarista, presidencialista, semi-presidencialista, etc.). Isto resulta do princípio da separação dos poderes da doutrina jurídica do Ocidente. Sem a separação dos poderes, não haverá a política democrática. Entretanto, no modelo da política democrática ocidental, o poder judicial não pode estar sujeito a outros poderes, enquanto os outros poderes também não podem afectar a independência do funcionamento do poder judicial, eis porque nos estudos do problema do sistema político, foca-se, via de regra, apenas nas relações de equilíbrio de poder entre o poder legislativo e o poder executivo, a fim de distinguir os diversos sistemas de governo.
Embora não seja um país soberano, Macau, como uma região que goza da autonomia política, pode ter, como seu, todo um sistema político.
Quanto ao sistema político da Região Administrativa Especial de Macau, praticamente não há grande diferença entre o sistema político de Macau antes do retorno e o sistema político vigente na actualidade. Quase a maioria das relações de contrabalança recíproca dos poderes acima resumidas entre o Governador e a Assembleia Legislativa, pode encontrar o seu mecanismo equivalente na Lei Básica. Vejamos o seguinte:
O chefe do executivo da RAEM pode contrabalançar a Assembleia Legislativa por meio dos seguintes poderes:
- Tem o poder de nomear parte dos deputados à Assembleia Legislativa [artigo 50.º, 7) da Lei Básica];
- Tem o poder de marcar a data das eleições para os deputados da Assembleia Legislativa;
- Tem o poder de apresentar propostas de lei [artigo 64.º, 5) da Lei Básica];
- Tem o poder de designar funcionários para assistirem às sessões da Assembleia Legislativa ou intervir em nome do Governo (claro que também para ele próprio assistir e intervir) [artigo 64.º, 6) da Lei Básica];
- Tem o poder de assinar os projectos e as propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicá-las. Antes de serem assinados e publicados pelo Chefe do Executivo, tais leis não podem entrar em vigor [artigo 50.º, 3) e artigo 78.º da Lei Básica];
- Se o Chefe do Executivo considerar que um projecto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa não está de acordo com o interesse geral da Região Administrativa Especial, pode devolvê-lo à Assembleia Legislativa para nova apreciação (porém, se a Assembleia Legislativa confirmar o projecto em causa por uma maioria de dois terços de todos os deputados, o Chefe do Executivo deve assiná-lo e publicá-lo ou dissolver a Assembleia Legislativa) (artigo 51.º da Lei Básica);
- Pode dissolver a Assembleia Legislativa (artigo 52.º da Lei Básica);
- Tem o poder de concordar com as propostas de revisão da Lei Básica da Região Administrativa Especial [artigo 144.º, n.º 2 da Lei Básica].
A Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial pode contrabalançar o Chefe do Executivo e o Governo por ele liderado através das seguintes relações de poder:
- Compete à Assembleia Legislativa examinar e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo, apreciar o relatório sobre a execução do orçamento apresentado pelo Governo, bem como ouvir e debater o relatório sobre as linhas de acção governativa apresentado pelo Chefe do Executivo [artigo 71.º, 2) e 4) da Lei Básica];
- Os deputados à Assembleia Legislativa têm o direito de fazer interpelações sobre as acções do Governo (artigo 76.º da Lei Básica);
- A Assembleia Legislativa pode incumbir o Presidente do Tribunal de Última Instância de formar uma comissão de inquérito independente para investigar grave violação da lei ou de abandono das suas funções [artigo 71.º, 7) da Lei Básica];
- Pode aprovar moção de censura contra o chefe do Executivo de grave violação da lei ou abandono das suas funções, comunicando-a ao Governo Popular Central para decisão [artigo 71.º, 7) da Lei Básica].
Porém, a diferença com a função legislativa que antes do retorno de Macau foi exercida tanto pela Assembleia Legislativa como pelo Governador nos termos do artigo 5.º do Estatuto Orgânico de Macau, reside em que, como nos termos da Lei Básica, o poder legislativo pertence exclusivamente à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau e o Chefe do Executivo não tem competência legislativa (com excepção da elaboração de regulamentos administrativos destinados a executar os diplomas legais da Assembleia Legislativa), a Assembleia Legislativa não tem a necessidade de submeter à apreciação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional a constitucionalidade ou a violação da lei por leis produzidas pelo Chefe do Executivo e que entrarem em vigor, nem há o chamado “procedimento de ratificação”, porque o chefe do Executivo não tem competência legislativa. A outra diferença reside em que, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, alínea c) do Estatuto Orgânico de Macau, a Assembleia Legislativa de Macau antes do retorno pode apresentar moção de censura à acção governativa do Governador por razões políticas ou de violação de lei; e segundo o mecanismo de censura estabelecido no artigo 71.º, 7) da Lei Básica, só pode apresentar moção devido à grave violação de lei ou de prevaricação das funções por parte do Chefe do Executivo, e não se pode censurá-lo por razões políticas.
Por outro lado, a diferença com o então Governador reside em que parece que o Chefe do Executivo não tenha a competência de fiscalizar ou submeter à prévia fiscalização, pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, a constitucionalidade ou legalidade dos projectos de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e as leis vigentes, naturalmente, por constitucionalidade entende-se aqui a conformidade com a “Lei Básica”. Porém, na realidade, nos termos do artigo 64.º, alínea 5), e no artigo 75.º da Lei Básica, o Chefe do Executivo, enquanto Chefe do Governo da RAEM, tem a competência de apresentar propostas de lei e o âmbito de tal competência é bastante ampla. É muito reduzido o âmbito dos projectos de lei que os deputados à Assembleia Legislativa podem apresentar individual ou conjuntamente, pois os deputados não podem apresentar projectos que envolvam receitas e despesas públicas, a estrutura política ou o funcionamento do Governo; além disso, os deputados podem apresentar projectos relativos à política do Governo, mas devem obter prévio consentimento escrito do Chefe do Executivo. Assim sendo, quase todos os projectos de lei relativos aos principais assuntos da Região Administrativa Especial são apresentados pelo Governo dirigido pelo Chefe do Executivo ou passam pelo consentimento deste, dessa forma, a possibilidade da produção de “leis malignas” pela Assembleia Legislativa deve estar reduzida ao mínimo; também acreditamos que ao exercer o seu poder de apresentação de projectos de lei, o Chefe do Executivo deve e tem a obrigação de não produzir projectos ilegais.
Assim sendo, o sistema político da Região Administrativa Especial de Macau reflecte plenamente a concepção e os princípios que o legislador da Lei Básica pretende pôr em prática: Deve ser o “de independência judicial e de contrapeso e cooperação mútuos entre a Administração e o órgão legislativo”.
Como o Chefe do Executivo tem dupla qualidade, ou seja, é tanto o dirigente máximo da Região Administrativa Especial como o chefe do Governo da Região Administrativa Especial, pode-se dividir tais competências consagradas no artigo 50.º da Lei Básica em duas partes, isto é, a do dirigente máximo e a do chefe do governo da Região. A primeira não se limita à competência administrativa, enquanto a segunda limita-se apenas à competência administrativa. As suas atribuições como do dirigente máximo da Região Administrativa Especial: Assinar os projectos e as propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicar as leis; Eis um poder exercido como dirigente máximo da Região Administrativa Especial, pois, como a Assembleia Legislativa e o Governo são órgãos paralelos, o Chefe de Governo não pode ter tal poder. As suas atribuições como do Chefe do Governo são: Elaborar, mandar publicar e fazer cumprir os regulamentos administrativos.
Na Lei Básica, a noção do regulamento administrativo é uma denominação própria, designando especificamente os documentos normativos com força obrigatória geral elaborados pelo Chefe do Executivo que constituem uma hierarquia de documentos normativos que, no ordenamento jurídico de Macau, é inferior à da Lei Básica e à das leis. Os regulamentos administrativos são produzidos pelo Chefe do Executivo, e seus efeitos são inferiores aos das leis e superiores aos outros documentos normativos. A produção dos regulamentos administrativos constitui um indispensável meio do Governo para administrar a sociedade e uma importante condição para exercer a função administrativa nos termos da lei.
Da exposição acima feita, pode-se ver que as atribuições do Chefe do Executivo têm duas características. Primeira, o Chefe do Executivo domina absolutamente o poder executivo, garantindo a posição predominante da Administração e a sua eficácia. Segunda, como dirigente máximo da Região Administrativa Especial, o Chefe do Executivo é o coordenador geral da sociedade que, partindo dos interesses globais da Região, tem o poder de coordenar as relações entre os órgãos executivo, legislativo e judicial, assim como as relações entre os diversos sectores da sociedade.
Em suma, a natureza e o estatuto da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau são distintos dos da anterior Assembleia Legislativa de Macau. Com base nas disposições do Estatuto Orgânico de Macau, a anterior Assembleia Legislativa de Macau e o Governador compartilham o poder legislativo, isto é, adoptando-se o sistema legislativa dualista, enquanto a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau já é um órgão dotado de pleno poder legislativo, não gozando o Chefe do Executivo do poder legislativo. O poder do Chefe do Executivo para elaborar e publicar regulamentos administrativos é manifestação do exercício pelo Governo do poder de gestão administrativa e não traduz competência de órgão legislativo, não podendo os regulamentos administrativos contrariar a Lei Básica nem as leis emanadas da Assembleia Legislativa. A Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, sendo o único órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau, goza do poder exclusivo em assuntos legislativos desta Região.
Nestes termos, seja na qualidade de dirigente máximo seja na de Chefe do Governo da Região Administrativa Especial, o Chefe do Executivo não goza do poder legislativo, isto é, não tem o poder de elaborar lei em sentido estrito. Isso porque só a Assembleia Legislativa é o único órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau que tem a competência de elaborar leis em sentido real e material, com base nos seus próprios projectos de lei ou nas propostas do Governo da Região (Vide as disposições conjugadas dos artigos 67.º, 71.º 1), 75.º, 64.º 5), primeira parte, e 78.º, da Lei Básica).
Além disso, a liderança administrativa não significa que com a elaboração dos regulamentos administrativos, o Chefe do Executivo possa exercer o poder legislativo exclusivamente pertencente à Assembleia Legislativa. Em fim, não se pode considerar a competência prevista na alínea 3), do artigo 50.º da Lei Básica, isto é, assinar os projectos e as propostas de Lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicar as leis, como uma manifestação do “poder legislativo” do Chefe do Executivo.
Entretanto, para garantir que o princípio da liderança administrativa seja efectiva e plenamente posto em prática, a Lei Básica, apesar do estabelecimento do sistema legislativa monista, determina, no seu artigo 75.º, rigorosas restrições ao âmbito dos assuntos que o poder de iniciativa legislativa dos deputados da Assembleia Legislativa pode abranger nas suas moções ou projectos, de forma que a Assembleia Legislativa não possa, com a elaboração da lei por si própria, alterar as receitas e despesas da Região, ou o sistema de funcionamento e até as políticas do Governo da Região Administrativa Especial.
Por outro lado, para que as suas políticas decididas possam ser cumpridas e garantidas no plano jurídico, o Chefe do Executivo, como Chefe do Governo da Região Administrativa Especial, tem que exercer o poder de apresentação de propostas de lei conferido no artigo 64.º, alínea 5), a fim de “accionar” o procedimento da elaboração da respectiva lei na Assembleia Legislativa, para que a matéria contida na sua proposta de lei seja amplamente discutida na ordem do dia legal da Assembleia Legislativa e, como consequência, seja efectivamente concretizada. Trata-se justamente do sentido material das relações de “contrabalança recíproca e cooperação entre os órgãos administrativo e legislativo”. Assim sendo, o Chefe do Executivo não pode recorrer ao poder da elaboração de regulamentos administrativos para que o teor da proposta de lei que deva ser submetida à apreciação da Assembleia Legislativa passe a ser concretizado sob a forma de regulamento administrativo.
Na realidade, o facto de que o Chefe do Executivo é também o dirigente máximo da Região Administrativa Especial não permite que a frase do artigo 115.º da Lei Básica no sentido de que “de harmonia com a sua situação de desenvolvimento económico, a Região Administrativa Especial de Macau define, por si própria, a sua política laboral e aperfeiçoa as suas leis de trabalho” seja lida e interpretada como esta: como dirigente máximo da Região Administrativa Especial de Macau, o Chefe do Executivo pode elaborar a política laboral, por si próprio, na qualidade do Chefe do Governo da região e aperfeiçoar a lei sob a forma de regulamentos administrativos, como por exemplo, através da elaboração de certos documentos normativos diferentes do regime traçado pelas leis laborais existentes. Ademais, tal interpretação constitui uma interpretação meramente superficial e literal dos respectivos articulados da Lei Básica e deixa de lado a lógica legal do sistema legislativa monista determinado em numerosos artigos essenciais da Lei Básica.
E a interpretação jurídica do termo “Região Administrativa Especial de Macau” nos diversos artigos da Lei Básica deve ser feita segundo o critério da interpretação jurídica constante do artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil, tendo-se sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (norma está relativa à interpretação da lei, estipulada no artigo 8.º, pelo menos tal como as dos artigos 1.º a 7.º e 9.º a 12.º do Código Civil, que constitui o mais importante princípio jurídico básico e de aplicação comum aos diferentes ramos de direito do actual ordenamento jurídico de Macau. E foi pela tradição jurídica do sistema romano-germânico ou continental que tal princípio foi incluído na Parte Geral do Código Civil).
Assim sendo, com base na lógica do sistema legislativa monista, o Chefe do Executivo também não pode, sob a forma de regulamento administrativo, alterar ou revogar as leis em sentido estrito produzidas pelo órgão legislativo e existentes até hoje, incluindo os decretos-leis e leis elaboradas pelo Governador e pela Assembleia Legislativa do tempo da Administração Portuguesa no exercício do seu poder legislativo. Já que o Chefe do Executivo não tem poder legislativo, e os regulamentos administrativos são de hierarquia inferior à das leis em sentido estrito, é claro que ele não pode alterar ou até revogar tais leis em sentido estrito mediante os regulamentos administrativos por ele elaborados, mas sim, só pode alterar ou revogar os portarias como diplomas normativos complementares de hierarquia grandemente inferior à das leis em sentido estrito.
Sendo o único órgão legislativo, a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau tem, naturalmente, a competência de, nos termos do artigo 75.º da Lei Básica e através da produção de novas leis, alterar ou revogar as leis ou decretos-leis produzidos pela Assembleia Legislativa ou pelo Governador na tempo da Administração Portuguesa e até as portarias do Governador (artigo 71.º, alínea 1) das Lei Básica).
O regulamento administrativo n.º 17/2004 de 14 de Junho, enquanto Regulamento sobre a proibição do trabalho ilegal, como é declarado no seu artigo 1.º, tem por escopo “estabelecer a proibição da aceitação ou prestação ilegal de trabalho e o correspondente regime sancionatório”.
O poder de elaborar regulamentos administrativos, conferido ao Chefe do Executivo pelo artigo 50.º, alínea 5) da Lei Básica, limita-se a enriquecer, a título de diploma complementar, os princípios gerais previamente contidos em leis aprovadas pela Assembleia Legislativa, em vez de extravasar do âmbito nelas definido por esse órgão legislativo, tradicionalmente tido como representante da opinião da população de Macau, e como tal com legitimidade democrática para fazer leis que inclusivamente possam impor sanções ou sacrifícios à correspondente sociedade civil, e a serem executadas ou feitas cumpridas pelo Chefe do Executivo na sua acção executiva em obediência ao incumbido pela alínea 2) do artigo 50.º da Lei Básica, sem prévio aval da Assembleia Legislativa.
Nestes termos, o Chefe do Executivo, enquanto Chefe do Governo da RAEM, sem prévio aval da Assembleia Legislativa, não pode ter instituído, através da emanação daquele Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, um regime ex novo e sui generis de sancionamento de situações de emprego ilegal no actual ordenamento jurídico de Macau, para além do já plasmado no artigo 9.º da então vigente Lei de Imigração Clandestina (isto é, a Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, com ulterior alteração designadamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/92/M, de 20 de Julho).
O prévio aval aqui referido não significa o regime de “autorização legislativa” do tempo da Administração Portuguesa. Na realidade, a Lei Básica não estipula semelhante regime de “autorização legislativa” para a Região Administrativa Especial, pelo que a Assembleia Legislativa da Região só pode, através de determinada norma de uma lei em concreto, autorizar o Chefe do Executivo como Chefe do Governo da Região, a elaborar, para o regime jurídico já determinado nesta mesma lei, normas jurídicas pormenorizadas ou complementares sob a forma de regulamento administrativo.
Segundo o referido artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina, a relação contratual subjacente a um emprego ilegal pressupõe sempre, como não pode deixar de o ser, tal como o que acontece também em qualquer emprego legal ou lícito por conta alheia, a existência de remuneração ou contrapartida do trabalho, independentemente do tipo dessa remuneração ou contrapartida (cumpre também mencionar que, o preceito do artigo 16.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, posterior à emissão de tal regulamento administrativo e totalmente revogatório da Lei de Imigração Clandestina, é idêntico à norma do artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina). Isto está em exacta sintonia com o conceito de contrato de trabalho já definido no n.º 1.º do artigo 1079.º do Código Civil de Macau.
O que quer isto dizer, o poder regulamentar conferido ao Chefe do Executivo pela alínea 5) do artigo 50.º da Lei Básica, tem que ser exercido apenas no âmbito e dentro do âmbito dessas leis em sentido estrito, já positivadas ou integradas no ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau, quer antes quer depois do estabelecimento da RAEM (cfr. mormente o artigo 18.º da Lei Básica).
A Lei n.º 4/2003 de 17 de Março, que “estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”, não pode funcionar como lei de princípios em relação ao Regulamento Administrativo n.º 17/2004 de 14 de Junho, posto que os princípios nela consagrados já foram enriquecidos pelo Regulamento Administrativo n.º 5/2003 de 14 de Abril como seu diploma complementar, para além de serem nitidamente distintas as matérias versadas num e noutro Regulamentos.
Além disso, a Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais) também não pode ser a lei de princípios em relação ao Regulamento Administrativo n.º 17/2004, pois essa não é uma lei verdadeiramente dotada de força obrigatória geral, mas sim, constitui um documento programático de políticas destinado a declarar publicamente e no plano político a orientação de políticas (vide. a redacção do seu artigo 10.º), de forma que, sob o ponto de vista da técnica jurídica, não pode estar em paralelo com as verdadeiras leis de bases (por exemplo, a Lei de Bases da Organização Judiciária) ou as verdadeiras leis de princípios (como por exemplo a Lei n.º 4/2003, que visa “estabelecer os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”). E o mesmo acontece com o ordenamento jurídico de Macau existente antes da Transferência dos Poderes, pois a referida Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais não passa de um documento de programa político sem nenhuma força jurídica obrigatória geral.
Em fim, o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, que tem por escopo legislativo “definir o regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”, também não pode servir como base da elaboração do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, pois o Decreto-Lei não instrui nem estimula a criação de novo regime sancionatório das infracções administrativas sem lei prévia como requisito, mas sim, só pretende elaborar um regime e os procedimentos gerais para os actos ilícitos eventualmente já publicados ou a serem publicados pela lei como infracções administrativas. (cfr. o n.º 2 do referido artigo 3.º desse Decreto-Lei).
Assim, para levar a cabo a sua intenção de reprimir melhor e de forma mais eficaz as diversas situações de emprego ilegal, o Governo da RAEM deveria ter apresentado, no uso da sua prerrogativa concedida pelo artigo 75.º da Lei Básica uma proposta de lei que versasse sobre matéria objecto do Regulamento n.º 17/2004, à discussão e aprovação da Assembleia Legislativa, em sintonia com o processo legislativo previsto expressamente na Lei Básica, e não ter, em vez disso, emitido e aprovado sozinho o mesmo Regulamento, sob pena de ilegalidade orgânica originária deste diploma.
Todavia, isto sem prejuízo da faculdade que logicamente assiste sempre ao Órgão Executivo, de elaborar sozinho, e com efeitos meramente internos, regulamentos administrativos independentes ou autónomos (isto é, não carecem de lei prévia habilitadora ou de lei de princípios emanada pela Assembleia Legislativa) - que versem apenas sobre o próprio funcionamento do Governo, como que legislando sobre a própria causa sob a égide da alínea 1) do artigo 50.º da Lei Básica, sem nenhum sacrifício físico ou pecuniário a impor sobre a sociedade civil.
Em suma, dentro do esquema legislativo monista traçado na nossa Lei Básica, os regulamentos administrativos a emanar do poder executivo - fora o caso de regulamentação, com efeitos meramente internos, do próprio funcionamento do Governo sem qualquer regras jurídicas gerais e abstractas implicadoras de sacrifício pecuniário ou físico para a sociedade civil - nunca são autónomos ou independentes, visto que a sua existência legal pressupõe sempre uma lei anterior ou de princípios emitida pela Assembleia Legislativa como o único órgão legislativo da RAEM. Isto porque os regulamentos administrativos, quando contentores de regras jurídicas gerais e abstractas com eficácia externa sobre a sociedade civil, só se destinam a regular ou complementar de modo mais detalhado algo que já está previamente enquadrado ou estatuído na legislação emanada pelo órgão legislativo, sem poderem exceder, por isso, os limites nela definidos ou dela decorrentes.
Não deve ser, pois, tido como legal o Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, por o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau não ser competente para legislar sobre a matéria nele versada, sem prévio aval da Assembleia Legislativa.
Como o objecto do artigo 1.º do referido Regulamento Administrativo é ilegal, particularmente devido ao ponto de vista acima exposto, considera-se ser ilegal todo o referido Regulamento Administrativo, e não se considera serem ilegais apenas uns artigos seus.
Assim sendo, a entidade recorrida, o Secretário para a Economia e Finanças, realmente não devia considerar provado, no aspecto dos factos, que a recorrente e o seu marido não cumpriram a lei durante o período de permanência em Macau meramente porque eles tinham sido multados no quadro do referido Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (al. 4) do artigo 2.º), e chegando em consequência a conclusão da existência do elemento fáctico da alínea 1) do n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, “comprovado incumprimento das leis da RAEM” que impede a autorização da residência temporária, e simplesmente por esta razão para indeferir o respectivo pedido, o que faz com que a mesma decisão administrativa enferma do vício da violação da lei por erro nos pressupostos de facto.
Isto porque o referido Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não constitui um documento normativo em sentido lato legal. Dessa forma, mesmo que os dois chamados “infractores” tenham pagado a multa, esta conduta “obediente à lei” não poderá converter juridicamente uma actividade não infractora numa conduta infractora “nos termos da lei”. De facto, o dever de o Governo fazer cumprir as leis da RAEM e os regulamentos administrativos a que aluem as alíneas 2) e 5) do artigo 50.º da Lei Básica, dada a natureza lógica das coisas informada pelo dito princípio da legalidade em sentido material veiculado no artigo 2.º da Lei Básica, só pode existir em relação a diplomas legais propriamente legais, sob pena de incorrer em círculo vicioso.
Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância pode anular, a pedido da recorrente contenciosa, o acto administrativo que indeferiu o pedido de residência temporária da recorrente por este padecer do vício de violação de lei.
Acórdão de 20 de Julho de 2006
Processo n.º 280/2005
1.º Juiz adjunto e Relator: Chan Kuong Seng
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
Em 31 de Outubro de 2005, (A), de sexo feminino, interpôs recurso contencioso para este Tribunal de Segunda Instância, requerendo a anulação do despacho proferido no dia 31 de Agosto de 2005 pelo Secretário para a Economia e Finanças da Região Administrativa Especial de Macau que indeferiu o pedido de residência temporária destinada à sua união com o agregado familiar, por concordar com o seguinte parecer do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau:
“Parecer n.º XXX/Residência/2002
Assunto: Apreciação do pedido de residência n.º XXX/2002
...
1. A requerente (A), casada, comerciante, residente no Interior da China, nascida no Interior da China, de nacionalidade chinesa, portadora do passaporte n.º G ..., emitido no dia ... de ... de 2003 pela República Popular da China, válido até dia 18 de Dezembro de 2008; também portadora do bilhete de residência permanente n.º ... emitido no dia ... de... de 2002 pelo Governo de Nauru, válido até dia 4 de Setembro de 2012, pede, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, de 27 de Março, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 22/97/M, de 11 de Junho, o direito de residência temporária em Macau.
Nos termos do artigo 1.º, n.º 2 do referido Decreto-Lei, o pedido do direito de residência temporária da recorrente habilita:
(B), cônjuge da recorrente, nascido no Interior da China, de nacionalidade chinesa, portador do passaporte n.º G ..., emitido no dia ... de ... de 2001 pela República Popular da China, válido até dia 21 de Maio de 2006; também portador do bilhete de residência permanente n.º ... emitido no dia ... de ... de 2002 pelo Governo de Nauru, válido até dia 4 de Setembro de 2012.
(C), descendente menor da requerente, nascido em ... de ... de 1994 no Interior da China, de nacionalidade chinesa, portador do passaporte n.º G ..., emitido no dia ... de ... de 2001 pela República Popular da China, válido até dia 21 de Maio de 2006, anexado ao Bilhete de residência Permanente de Nauru da requerente.
(D), descendente menor da requerente, nascido em ... de ... de 1999 no Interior da China, de nacionalidade chinesa, portador do passaporte n.º G ..., emitido no dia ... de ... de 2001 pela República Popular da China, válido até dia 21 de Maio de 2006, anexado ao Bilhete de residência Permanente de Nauru da requerente.
2. De acordo com o despacho n.º 120-I/GM/97 do Governador de Macau, o Corpo de Polícia de Segurança Pública emitiu um parecer sobre os documentos de viagem da recorrente e das referidas pessoas do agregado familiar da mesma, e notificou este Instituto de que os documentos de identificação entregues pelos interessados reúnem as condições para pedir residência pelo investimento (v. Documentos a fls. 159 a 169).
3. A recorrente pede o direito de residência temporária em Macau, tendo como base um investimento em bens imóveis de valor superior a um milhão de patacas:
(1) Número da propriedade predial: ...
Bloco ... Andar ... Edifício ... Rua ..... Macau
O preço do prédio no relatório da Conservatória do Registo Predial: 1.146.513,00 patacas
Data do Registo: dia 2 de Julho de 2004 (125)
(2) Número da propriedade predial: ...
Bloco ... Andar ... Edifício ... Rua ... Macau
O preço do Edifício no relatório escrito da Conservatória do Registo Predial: 1.052.130,00 patacas.
Data do Registo: dia 19 de Setembro de 2002 (34)
Dia 2 de Julho de 2004, por seu prédio (1), a recorrente pediu um empréstimo de 500.000,00 dólares de Hong Kong à companhia do Banco ... , Limitada, e em 5 de Agosto de 2004, apresentou o certidão da prestação pecuniária emitida pelo referido banco (v. Documento a fls. 148), comprovando que até dia 3 de Agosto de 2004, do referido empréstimo, ainda restam 492.009,88 dólares de Hong Kong e o montante realmente investido superou a casa de um milhão de patacas, chegando ao valor legal de investimento estipulado no Decreto-Lei n.º 14/95/M; e a recorrente promete manter a propriedade predial equivalente ao valor legal de investimento (v. Documento a fls.171).
4. Dia 31 de Janeiro de 2005, este Instituto recebeu um ofício da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais a que se juntando dois autos de notícia feitos pelo CPSP. Nestes autos de notícia, assinala-se que a requerente (A) e o seu cônjuge (B) prestavam trabalho em Macau, sem autorização, na Av. ...... n.º ..... Garden..... Bloco.....Rés do Chão, Macau, e foram descobertos pelo CPSP no dia 23 de Julho de 2004, pelo que foram punidos por sanção administrativa (v. Documentos constantes de fls. 152 e 158).
Justamente por isso, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais considera que a requerente (A) e o seu cônjuge (B) prestavam trabalhos ilegais, pois como não residentes, exercem actividade em proveito próprio, sem observância do regulamento. Segundo o artigo 9.º do mesmo Regulamento Administrativo, a não observação da referida norma é punida com multa de 5.000.00 a 20.000,00 patacas. Segundo o ofício da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e os documentos da Repartição das Execuções Fiscais, apresentados pela requerente, a requerente e o seu cônjuge foram punidos cada um com multa de 20.000,00 patacas, sem se referir a outras sanções acessórias (v. Documentos a fls. 152 e 169).
Como a recorrente (A) e o seu cônjuge (B) envolveram-se no trabalho ilegal em Macau, este Instituto notificou-os verbalmente sobre a questão, pedindo-lhes que apresentassem contestação escrita e explicassem os factos de infracção, e a requerente entregou contestação escrita respectivamente nos dias 22 de Abril de 2005 e 27 de Julho do mesmo ano (v. Documentos a fls. 164 e 165).
Na contestação do dia 22 de Abril de 2005, a recorrente (A) e o seu cônjuge (B) defenderam-se da sua infracção, salientando ser evidente que ambos sabiam que não podiam trabalhar em Macau, mas que, como eram patrões do estabelecimento comercial, eles frequentemente apareciam no mesmo, ajudando os pais a deslocar algumas mercadorias, sem saber que isso constituísse trabalho ilegal, violando assim a norma. E esperavam que se considere o seu caso e se dê uma oportunidade a eles (v. Documento a fls. 164 ).
Como ainda não recebeu ofício ou certificado emitido pelo organismo concernente para saber se a recorrente interpôs recurso ou formulou reclamação da referida sanção, este Instituto comunicou a recorrente de que este Instituto só trataria mais o caso depois de ter recebido os referidos documentos comprovativos.
Dia 27 de Julho de 2005, a recorrente (A) veio mais uma vez a este Instituto, afirmando que ela própria e o seu cônjuge (B) não tinham interposto recurso ou reclamação da sanção a eles aplicada pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais e que eles já pagaram, cada um, uma multa de 20.000,00 patacas e apresentaram os respectivos documentos comprovativos. Eles esperam que este Instituto deferisse o seu pedido (v. Documentos a fls. 165 e 170).
Como todos sabem, durante longo tempo, a questão de trabalho ilegal tem suscitado influências negativas à normalidade da vida social e ao mercado de mão-de-obra de Macau. Mediante medidas adequadas, o Governo da Região Administrativa Especial empenhava-se em solucionar tal fenómeno. A promulgação do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, sobretudo, visa combater o trabalho ilegal através de norma jurídica, a fim de garantir a oportunidade normal de emprego dos residentes locais.
Antes da entrada em vigência do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal), as personalidades dedicadas ao trabalho ilegal em Macau só apareciam no tribunal na qualidade de testemunhas, pois na altura não havia legislação que previsse sanção a tais personalidades.
Após a entrada em vigência do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (Regulamento sobre a Proibição do Trabalho Ilegal) no dia 15 de Junho de 2004, a pessoa que exerce actividade laboral em Macau sem qualidade para tal é punida com multa de 5.000,00 a 20.000,00 patacas e a sanção acessória de ser impedido de exercer qualquer actividade laboral em Macau por um período de dois anos.
Além disso, o artigo 11º da Lei n.º 6/2004 (Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão) também regula o fenómeno do trabalho ilegal, estipulando que, quando a pessoa não residente for descoberta no exercício de trabalho ilegal, a autorização de sua permanência na RAEM pode ser revogada mediante despacho do Chefe do Executivo e ela própria também pode ser expulsa...
Da legislação acima referida, pode-se ver que, apesar da actual questão de certa carência de mão-de-obra, a produção das respectivas leis não foi adiada, pelo contrário, sob a condição da salvaguarda dos interesses públicos, vem se fortalecendo paulatinamente a legislação destinada a combater o fenómeno de trabalho ilegal e proteger dos trabalhadores legais, e ao mesmo tempo, já existe um determinado sistema para solucionar a carência de mão-de-obra, por exemplo, pode-se, nos termos da lei, pedir o Título de Identificação de Trabalhador não Residente à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, a fim de contribuir para o mercado de mão-de-obra de Macau, em vez de permanecer ilegalmente em Macau, exercendo actividades de trabalho ilegal.
Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1), da Lei 4/2003, ao conceder autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau, o Chefe do Executivo deve atender ao cumprimento ou não, pelo recorrente, das leis da RAEM, e a outros elementos. Segundo o parecer deste Instituto n.º 190/GJFR/091/2004, relativo aos requerentes de residência pelo investimento e ao problema de “trabalhador ilegal”, aprovado pelo despacho proferido pelo Secretário para a Economia e Finanças no dia 12 de Agosto de 2004, a referida recorrente (A), apesar do seu investimento formal não inferior a um milhão de patacas em bens imóveis de Macau, foi denunciada de envolvimento no “trabalho ilegal”, e este facto revela que, durante a sua permanência em Macau, a recorrente não cumpriu as leis da Região Administrativa Especial de Macau, e pode-se propor que seja indeferido o pedido do direito de residência temporária.
Com base nos referidos factos e atentos aos argumentos jurídicos, para assegurar a estabilidade de Macau, é difícil dar uma proposta positiva ao pedido de residência temporária formulado pela recorrente (A).
Foram postos vistos. Promove que, nos termos do artigo 9.º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003, subsidiariamente aplicada segundo o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, seja indeferido o pedido de residência temporária da recorrente (A).
...” (v. o teor da cópia oficialmente autentificada do referido parecer, a fls. 13 a 16, com supressão de alguns dados concretos acima).
Na motivação do recurso, a recorrente defende firmemente que o referido despacho de indeferimento enferma não só de vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, mas também de manifesta desrazoabilidade. (V. mais pormenorizado, o teor da motivação do recurso em português, a fls. 7 a 11: a recorrente sustenta que, quando o seu marido passou a exercer actividade em proveito próprio, ainda não vigorava o Regulamento Administrativo 17/2004 de 14 de Junho, de forma que o referido despacho enferma realmente de erro nos pressupostos de direito; e ainda, como os dois não violaram nenhuma lei vigente relativa ao trabalho ilegal, a Administração não pode considerar que os dois, no que diz respeito ao direito, não cumpriram as leis de Macau durante a sua permanência na Região, pelo que o referido despacho enferma do erro nos pressupostos de facto).
Feita a citação, a entidade administrativa visada pelo recurso contencioso exerce o seu direito de contestação, afirmando que o despacho em questão não enferma da questão de violação de lei, imputada pelo recorrente. (v. Teor da contestação em português, a fls. 33 a 35 dos autos).
Em seguida, no visto inicial feito dos autos, o Ministério Público entendeu que o despacho em questão não enferma de erro nos pressupostos de facto (pois a recorrente e o seu marido confessaram perante a Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais que eles sabiam que não podiam trabalhar em Macau) nem de erro nos pressupostos de direito (pois a multa aplicada aos dois pela Administração nos termos do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 já foi paga, de forma que este acto de sanção não pode ser impugnado no presente caso). (v. Parecer preliminar em português, a fls. 40 e v.).
E depois, o juiz relator e titular do presente processo decidiu e presidiu a investigação da prova testemunhal requerida pela recorrente.
Feita a audiência, o juiz relator do processo, nos termos do artigo 68.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, mandou notificar as duas partes processuais para alegações facultativas. Assim, a entidade recorrida exerceu formalmente o seu direito de alegação, manifestando a esperança de que o tribunal proferisse uma devida decisão. E a recorrente optou-se por desistir da alegação.
Mais tarde, o juiz relator mandou especialmente notificar as duas partes processuais, dizendo que podem opinar se o Regulamento Administrativo n.º 17/2004 também pode ser considerado ilegal (segundo a opinião majoritária do acórdão de 27 de Abril de 2006 proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 223/2005). A este respeito, a recorrente sustenta que este processo de recurso também deve seguir o entendimento do referido acórdão e ser julgado procedente (v. fls.71); mas a entidade recorrida não se manifestou neste problema.
Na vista final feita depois disso, o Ministério Público considerou o recurso improcedente (v. Parecer final em português, a fls. 73 a 77 dos autos).
Corridos os vistos legais pelos juízes-adjuntos e formado o Tribunal Colectivo nos termos da lei neste Tribunal, o processo foi apreciado e deve-se proferir a decisão concreta do caso no texto que se segue (Nota: como o projecto de acórdão elaborado pelo juiz relator e titular deste processo e submetido à apreciação, que propunha a improcedência do recurso contencioso, não conseguiu a aprovação da maioria no colectivo, este acórdão definitivo passou a ser elaborado pelo primeiro juiz-adjunto nos termos do artigo 19.º, n.º 1 do Regulamento Interno de Funcionamento do Tribunal de Segunda Instância ).
O acto administrativo recorrido foi acusado concretamente de seguintes vícios:
- Violação da lei por erro nos pressupostos de direito;
- Violação da lei por erro nos pressupostos de facto;
- A decisão é manifestamente desrazoável (v. artigo 146.º do actual Código do Procedimento Administrativo).
Entretanto, quanto ao terceiro “vício”, devemos assinalar que, segundo o princípio do estado-de-direito democrático em sentido material e o princípio da separação dos poderes expresso no artigo 2.º da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (a seguir abreviada como Lei Básica) (Nota: por princípio da separação dos três poderes, entende-se genericamente que os três poderes, executivo, legislativo e judicial, são conferidos respectivamente a distintos órgãos para serem exercidos nos termos da lei, independentemente das eventuais relações de delegação em matéria legislativa do poder legislativo ao poder executivo, e independentemente do poder que o Executivo detém em prol do exercício eficaz do seu poder de administrar, usufruindo obviamente o poder de criar, apenas no quadro da lei em sentido estrito - lei dimanada do órgão legislativo -, regulamentos administrativos contentores de normas jurídicas genéricas e abstractas que não possam entrar em conflito com as leis em sentido estrito, por se encontrar em hierarquia normativa inferior às mesmas.), o tribunal deve seguir o princípio da jurisdição da mera legalidade de acto administrativo (v. artigo 20.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), pelo que, como a entidade recorrida afirmou na contestação, este Tribunal não pode conhecer a questão de “manifesta desrazoabilidade”, formulada pela recorrente na última parte da petição inicial, e de facto, o artigo 146.º do Código do Procedimento Administrativo não se aplica à arguição judicial do âmbito do direito administrativo.
Dessa forma, nos termos do artigo 74.º, n.º 2 e n.º 3.º, alínea b) do Código de Processo Administrativo Contencioso, e tendo em consideração sobretudo a ordem lógica dos dois “restantes vícios de violação de direito”, este Tribunal entende que deve apreciar, em primeiro lugar, o “vício de violação da lei por erro nos pressupostos de facto”.
A recorrente sustenta que o acto recorrido enferma deste “vício de violação de direito”, alegando firmemente que, como ela e o seu marido não violaram nenhuma legislação então vigente destinada a combater o trabalho ilegal, nela não se incluindo toda a legislação que ainda não entrou em vigor na altura, por exemplo, o Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, a nível de factos, a Administração não devia considerar que eles dois tivessem violado as leis de Macau destinadas a controlar e reprimir o trabalho ilegal.
Este Tribunal entende preliminarmente que, de facto, a entidade administrativa recorrida não devia concordar com o seguinte entendimento: considera-se provado que os dois não cumpriram as leis de Macau a nível de factos durante a sua permanência em Macau, simplesmente por os dois terem sido multados no quadro do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 (artigo 2.º, n.º 4), e em consequência, considera-se provado que se verificou o elemento de facto de “comprovado incumprimento das leis da RAEM” previsto no artigo 9.º, n.º 2, alínea 1 da Lei n.º 4/2003 de 17 de Março, que impede a concessão da autorização de residência, e apenas por isso, indefere-se o pedido de residência temporária. É que isto já levou a mesma decisão administrativa a enfermar do vício de violação de direito por erro nos pressupostos de facto.
Entretanto, cumpre enfatizar um ponto: este vício de violação da lei não se verificou, como a petição inicial alegava, por a referida entidade administrativa ter concordado com a aplicação ao caso da recorrente do Regulamento Administrativo n.º 17/2004 que, quando do respectivo “facto de infracção”, ainda não vigorava; mas sim, porque as actividades dos dois acima referidos acusadas como infracção não constituem infracção nem devem ser punidas, pois o referido Regulamento Administrativo n.º 17/2004 - como este Tribunal assinalou no acórdão de 27 de Abril de 2006 proferido no processo 223/2005 - não constitui um documento normativo em sentido lato legal. Dessa forma, mesmo que os dois chamados “infractores” tenham pagado a multa, esta conduta “obediente à lei” não poderá converter juridicamente uma actividade não infractora numa conduta infractora “nos termos da lei”.
Quaisquer leis em sentido lato (por lei no sentido lato, entende-se qualquer acto normativo dotado de natureza geral e abstracta), incluindo as em sentido estrito, só constituem leis quando elas próprias são legais e por consequente são de carácter obrigatório, é por isso que a lei referida no artigo 7.º, n.º 1 do Código Civil de Macau só pode compreender as leis legais, e não as leis ilegais, de forma que os tribunais têm o dever legal de não aplicação de leis ilegais, a fim de salvaguardar o princípio da legalidade material, também referido no artigo 2.º da Lei Básica.
E este dever de recusa de aplicação de leis ilegais constitui um dos devidos sentidos do poder judicial. Na realidade, no seu artigo 36.º, a Lei Básica estipula de forma explícita que aos residentes de Macau é assegurado o acesso ao Direito, e por causa disso, quem se sente prejudicado nos seus próprios direitos ou interesses jurídicos pode pedir assistência judiciária nos termos da lei. Este direito processual constitui um direito fundamental no processo para garantir os seus direitos materiais. Para assegurar a realização do direito processual, e como passo adiante, proteger o direito à fruição judicial, o poder público deve instituir um sistema jurisdicional baseado na igualdade e justiça. Para isso, nos seus artigos 19.º, n.º 1, 83.º, e 89.º n.º 1, a Lei Básica afirma o princípio da independência judicial, a independência dos juízes na função judicial, apenas sujeitos à lei. Em outras palavras, ao exercer a sua função judicial, o juiz só está sujeito à lei. Naturalmente, a lei aqui referida limita-se a compreender todas as leis em sentidos lato e estrito, legais no verdadeiro sentido da palavra, de forma que a desaplicação das leis ilegais constitui um dever lógico dos tribunais, a fim de estabelecer todo um sistema de controlo, a posteriori ou a priori, da legalidade de todos os diplomas jurídicos (semelhante entendimento vê-se na página n.º 3 do discurso “Controlo judicial no sistema jurídico de Macau”, proferido pelo respeitado Dr. Luo Weijian, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, no Simpósio sobre o Desenvolvimento Jurídico das Quatro Localidades às Duas Margens do Estreito de Taiwan, realizado dia 2 de Junho de 2006 em Taipé: “Com a delegação do Governo Central, a Região Administrativa Especial de Macau goza de alto grau de autonomia, interpreta a Lei Básica dentro dos limites da autonomia, e em certo grau, a interpretação pode ser entendida como o exercício do direito de controlo da Lei Básica. Quando o tribunal considera que a legislação produzida pela RAEM não corresponde às normas da Lei Básica, ainda podem desistir da aplicação da lei local.”), mas, naturalmente, isto não impede que os tribunais, no âmbito das normas do artigo 88.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, realizem o controlo, a posteriori e de forma abstracta, da legalidade de uma norma constante de um determinado regulamento administrativo, alegadamente violadora de normas produzidas pelo órgão legislativo local de Macau.
Convém ainda mencionar que, mesmo aos casos do âmbito do direito processual administrativo, também é aplicável a doutrina ensinada pelo Prof. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 143, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente o Ac. deste TSI de 21/9/2000 no Proc. n.º 127/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso). Por essa razão, já que a recorrente do presente caso formulou realmente a questão de “vício de violação da lei” perante este Tribunal, a fim de pedir a anulação do acto administrativo recorrido, este Tribunal deve resolver, com o fundamento e ponto-de-vista jurídico considerado mais adequado na lógica jurídica, a questão de “vício de violação da lei”, ou seja, a causa de pedir destes autos, em vez de restringir-se rigidamente aos pontos de vista ou motivos sustentados e defendidos pelas duas partes processuais. Dessa forma, este Tribunal pode socorrer a argumentos jurídicos concretos diferentes dos defendidos pela recorrente, para julgar se existe o “vício de violação da lei” por ela alegado, e também por causa disso, antes de decidir disso, não é preciso, nos termos da lei, que se mande notificar as partes processuais para que estas se pronunciem de forma extra sobre os argumentos jurídicos a serem invocados no julgamento pelo Tribunal na decisão, mas diferentes dos defendidos pela recorrente desta questão de “vício de violação da lei”, sob pena da prática de actos processuais inúteis, o que contraria os princípios da celeridade processual e da economia processual (Vide. Princípio da limitação dos actos, art. 87.º, do Código de Processo Civil de Macau). De facto, neste tipo de situações em que se pretende socorrer a argumentos jurídicos concretos diferentes dos defendidos pela parte processual para resolver a questão essencial do objecto do litígio processual sub judice, não se pode dizer que a não feitura de uma audiência “extra” das duas partes processuais sobre este aspecto possa conduzir à violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, pois, tanto a parte recorrente como a parte recorrida sabem perfeitamente que o Tribunal terá que conhecer se o acto administrativo sub judice enferma do “vício da violação da lei” acusado pela recorrente na sua petição inicial e que a parte recorrida já tem, há muito, a oportunidade de refutar isso na sua contestação nos termos da lei, e a decisão a ser feita pelo Tribunal sobre esta questão material, quer seja de “sim”, como de “não”, não pode surpreender nem assustar nenhuma das partes processuais. Ademais, no seu artigo 567.º, o Código de Processo Civil já deixou claro: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
Assim sendo, chega a hora de expor o ponto de vista jurídico acima referido, segundo o qual, nos termos da lei, o próprio Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho não constitui um documento normativo em sentido lato legal.
Entretanto, como este ponto de vista tem a ver com o estudo do sistema político da Região Administrativa Especial de Macau, este Tribunal cita aqui o seguinte teor da comunicação intitulada “Sistema Político de Macau(《澳門政制概略》)”, já referido no Acórdão n.º 223/2005 de 27-4-2006, apresentada por ora relator no Primeiro Encontro de Estudos Jurídicos Shanghai-Macau, decorrido nos dias 12 e 13 de Maio de 1998 em Shanghai, e organizado pelo Instituto de Ciência Política e Direito do Leste da China com o apoio e colaboração do anterior Gabinete para a Tradução Jurídica de Macau, e posteriormente publicada a págs. 9 a 20 do Número Especial, do Ano 1998, da Revista Perspectivas do Direito(《法域縱橫》), desse Gabinete:
“… As diferentes relações de equilíbrio de poder entre os principais órgãos soberanos num país ou numa região determinam os diferentes sistemas de governo (como, por exemplo, sistema parlamentarista, presidencialista, semi-presidencialista etc.)”. Isto resulta do princípio da separação dos poderes da doutrina jurídica do Ocidente. Sem a separação dos poderes, não haverá a política democrática. Entretanto, no modelo da política democrática ocidental, o poder judicial não pode estar sujeito a outros poderes, enquanto os outros poderes também não podem afectar a independência do funcionamento do poder judicial, eis porque nos estudos do problema do sistema político, foca-se, via de regra, apenas nas relações de equilíbrio de poder entre o poder legislativo e o poder executivo, a fim de distinguir os diversos sistemas de governo.
III. O Actual Sistema Político de Macau
…
Passamos a investigar, a seguir, o actual sistema político de Macau.
Embora não seja um país soberano, Macau, como uma região que goza da autonomia política, pode ter, como seu, todo um sistema político.
Sob o ponto de vista do regime constitucional, antes do seu retorno à Pátria em 20 de Dezembro de 1999, Macau continua a ser um território sob administração portuguesa. Para os juristas chineses, a soberania de Macau tem sido da China e Portugal não tem a soberania de Macau, limitando-se a dispor do poder de administração. Entretanto, para alguns juristas portugueses, como por exemplo, o Sr. Vitalino Canas1, a China tem a “soberania originária” de Macau, enquanto Portugal tem a “soberania derivada” de Macau. Na realidade, eu considero, pessoalmente, que se trata apenas de diferenças de nome, de ponto de vista ou de ângulo de observação, pois a “soberania originária” é também a “soberania”, e a “soberania derivada” é idêntica ao “poder de administração”.
Partindo desta posição académica, os juristas portugueses consideram o Governador e a Assembleia Legislativa, dois “órgãos de governo próprio de Macau” 2, como órgãos que auxiliam os respectivos órgãos de Portugal a exercer a “soberania” (soberania derivada) em Macau.
No entendimento do Senhor Vitalino Canas, todos os órgãos soberanos de Portugal, como o Presidente, a Assembleia, o governo e o Tribunal, têm certas funções de “soberania” em Macau:
- Ao Presidente de Portugal compete nomear e exonerar o Governador de Macau;
- À Assembleia de Portugal compete aprovação e alterar o Estatuto Orgânico de Macau;
- Ao Governo de Portugal compete nomear e exonerar os membros da parte de Portugal no Grupo de Ligação Conjunto luso-chinês, e tais membros respondem directamente perante o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Governo de Portugal;
- Em certas situações, os tribunais de Portugal tem jurisdição sobre Macau (por exemplo o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal Administrativo etc.), e teoricamente, antes da criação do supremo tribunal de Macau, os tribunais de Macau seguem, em certo sentido, a mesma linha dos de Portugal.
Naturalmente, o Governador e a Assembleia Legislativa de Macau têm uma importante posição na Administração Portuguesa em Macau.
Entretanto, ao discutir o sistema político de Macau, concentramos a nossa atenção apenas nas relações de equilíbrio de poder entre os órgãos de governo próprio (Governador e Assembleia Legislativa). Indubitavelmente, com base no princípio da separação dos três poderes, não podemos nem devemos referir, neste tema, as relações de equilíbrio de poder do Governador e da Assembleia Legislativa com o Tribunal, pois, a rigor, o Tribunal, que exerce o poder judicial, tem de ser independente tanto do Governador que representa o poder executivo como da Assembleia Legislativa, principal detentora do poder legislativo.
Nos termos do artigo 5.º do Estatuto Orgânico de Macau, a função legislativa será exercida pela Assembleia Legislativa e pelo Governador. Na doutrina, denomina-se como “sistema legislativo dualista”. Por isso, ao discutir o sistema político de Macau, temporariamente temos de pôr de lado a função legislativa do Governador e comentamos apenas a sua função administrativa. Por este motivo, o sistema político de Macau é igual à soma das relações de check and balance entre os poderes do Governador que representa o poder executivo e os poderes da Assembleia Legislativa que representa o poder legislativo.
Feita a explicação acima, começamos por comentar as relações de poder com que o Governador de Macau contrabalança a Assembleia Legislativa, e em seguida, as relações de poder com que a Assembleia Legislativa contrabalança o Governador.
(I) Segundo o Sr. Vitalino Canas, o Governador pode contrabalançar a Assembleia Legislativa através das seguintes relações de poder:
a) Compete ao Governador nomear sete deputados da Assembleia Legislativa (artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto Orgânico de Macau);
b) O Governador tem o poder de marcar a data para eleição da Assembleia Legislativa (Regime Eleitoral da Assembleia Legislativa de Macau, artigo 19.º, n.º 1) da Lei n.º 4/91/M de 1 de Abril;
c) O Governador tem o direito da iniciativa legislador através de proposta de lei na Assembleia Legislativa (Estatuto Orgânico de Macau, artigo 39.º);
d) O Governador pode assistir por iniciativa própria às reuniões da Assembleia Legislativa e de usar palavra, sem necessidade de convite expresso (artigo 37.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau, e artigo 79.º do Estatuto da Assembleia Legislativa);
e) Ao Governador compete publicar propostas e projectos aprovados pela Assembleia Legislativa. Os diplomas legais publicados sem a assinatura do Governador são “juridicamente inexistentes” (artigo 40.º, n.º 1 e artigo 11.º, n.º 2 do Estatuto Orgânico de Macau);
f) O Governador tem o “poder de veto político” motivado por discordância política com o conteúdo da lei aprovada pela Assembleia Legislativa. (segundo o artigo 40.º, n.º 2, no caso de discordância, o diploma será novamente submetido à apreciação da Assembleia Legislativa e, se esta o confirmar por maioria de dois terços do número de deputados em efectividade de funções, o Governador não pode recusar a promulgação),
g) O Governador tem o poder de veto por inconstitucionalidade ou por ilegalidade (veto jurídico) sobre os projectos aprovados pela Assembleia Legislativa (nos termos do artigo 40.º, n.º 3 do Estatuto Orgânico: Se, porém, a discordância se fundar em ofensa à regra constitucional ou estatuária ou de norma dimanada de órgão de soberania da República que os órgãos de governo próprio do Território não possam contrariar e o diploma respectivo for confirmado, será este enviado ao Tribunal Constitucional para conhecer da sua inconstitucionalidade e ilegalidade, devendo a Assembleia Legislativa e o Governador acatar a correspondente decisão);
h) O Governador tem o poder de promover a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade e da ilegalidade de quaisquer normas dimanadas da Assembleia Legislativa [artigo 11.º, n.º 1, alínea e), do Estatuto Orgânico de Macau];
i) O Governador tem a faculdade de propor ao Presidente da República a dissolução da Assembleia Legislativa mediante proposta fundamentada em razões de interesse público (artigo 25.º, n.º 1, do Estatuto Orgânico de Macau);
j) O Governador tem o poder de propor alterações ao Estatuto Orgânico de Macau como um meio indirecto de pressão sobre a Assembleia Legislativa (Constituição da República Portuguesa, artigo 292.º, n.º 3).
(II) As relações de poder com que a Assembleia Legislativa contrabalança o Governador são as seguintes:
a) Compete à Assembleia Legislativa autorizar a Administração a cobrar as receitas e a efectuar as despesas públicas propostas pelo Governador, sem o que o Governador não consiga elaborar o orçamento do ano seguinte [artigo 30.º, n.º 1, alínea g), do Estatuto Orgânico de Macau];
b) Compete à Assembleia Legislativa promover a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade ou ilegalidade de quaisquer normas dimanadas do Governador [artigo 30.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto Orgânico de Macau];
c) Os deputados da Assembleia Legislativa podem formular, por escrito, perguntas, para esclarecimento da opinião pública, sobre quaisquer actos do Governador ou da administração do Território [artigo 38.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto Orgânico de Macau];
d) A Assembleia Legislativa pode desenvolver investigações das condutas do Governador ou da Administração (Regulamento da Assembleia Legislativa, artigo 169.º);
e) A Assembleia Legislativa pode votar moções de censura à acção governativa, dando das razões imediato conhecimento ao Presidente da República e ao Governador [artigo 30.º, n.º 2, alínea c) do Estatuto Orgânico de Macau], tomando isso como um meio de pressão sobre o Governador, mas a censura não conduz à automática deposição do Governador;
f) À Assembleia Legislativa compete sujeitar os decretos-leis publicados à ratificação da Assembleia Legislativa (artigo 15.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau), para enfatizar a posição dominante e a autoridade da Assembleia Legislativa no poder legislativo.
...
IV. Estudo preliminar do sistema político estabelecido pela Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau
Agora, tentamos um breve estudo do sistema político da futura Região Administrativa Especial de Macau.
Após um estudo minucioso dos articulados da Lei Básica, podemos perceber que, praticamente não há grande diferença entre o sistema político da Região Administrativa Especial e o sistema político vigente na actualidade. Quase a maioria das relações de contrabalança recíproca dos poderes acima resumidas entre o Governador e a Assembleia Legislativa, pode encontrar o seu mecanismo equivalente na Lei Básica. Vejamos o seguinte:
(I) O Chefe do Executivo da futura Região Administrativa Especial pode contrabalançar a Assembleia Legislativa por meio dos seguintes poderes:
a) Tem o poder de nomear parte dos deputados à Assembleia Legislativa [artigo 50.º, 7) da Lei Básica];
b) Tem o poder de marcar a data para a Eleição da Assembleia Legislativa (isto porque, segundo o princípio da manutenção das leis previamente vigentes em Macau, definido no artigo 8.º da Lei Básica, o artigo 19.º, n.º 1 do Regime Eleitoral da Assembleia Legislativa de Macau deve continuar a vigorar depois de 1999, ano do retorno de Macau);
c) Tem o poder de apresentar propostas de lei [artigo 64.º, 5) da Lei Básica];
d) Tem o poder de designar funcionários para assistirem às sessões da Assembleia Legislativa ou intervir em nome do Governo (claro que também para ele próprio assistir e intervir) [artigo 64.º, 6) da Lei Básica];
e) Tem o poder de assinar os projectos e as propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicá-las. Antes de serem assinados e publicados pelo Chefe do Executivo, tais leis não podem entrar em vigor [artigo 50.º, 3) e artigo 78º da Lei Básica];
f) Se o Chefe do Executivo considerar que um projecto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa não está de acordo com o interesse geral da Região Administrativa Especial, pode devolvê-lo à Assembleia Legislativa para nova apreciação (porém, se a Assembleia Legislativa confirmar o projecto em causa por uma maioria de dois terços de todos os deputados, o Chefe do Executivo deve assiná-lo e publicá-lo ou dissolver a Assembleia Legislativa) (artigo 51.º da Lei Básica);
g) Pode dissolver a Assembleia Legislativa (artigo 52.º da Lei Básica);
h) Tem o poder de concordar com as propostas de revisão da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau [artigo 144.º, 2) da Lei Básica].
A diferença com o actual regime político reside em que parece que o Chefe do Executivo perde a competência de fiscalizar ou submeter à prévia fiscalização, pela entidade competente (Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional), a constitucionalidade ou legalidade dos projectos de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e as leis vigentes (naturalmente, por constitucionalidade entende-se aqui a conformidade com a “Lei Básica”).
(II) A Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial pode contrabalançar o Chefe do Executivo e o Governo por ele liderado através das seguintes relações de poder:
a) Compete à Assembleia Legislativa examinar e aprovar a proposta de orçamento apresentada pelo Governo, apreciar o relatório sobre a execução do orçamento apresentado pelo Governo, bem como ouvir e debater o relatório sobre as linhas de acção governativa apresentado pelo Chefe do Executivo [artigo 71.º, 2) e 4) da Lei Básica];
b) Os deputados à Assembleia Legislativa têm o direito de fazer interpelações sobre as acções do Governo (artigo 76.º da Lei Básica);
c) A Assembleia Legislativa pode incumbir o Presidente do Tribunal de Última Instância de formar uma comissão de inquérito independente para investigar grave violação da lei ou de abandono das suas funções [artigo 71.º, 7) da Lei Básica];
d) Pode aprovar moção de censura contra o Chefe do Executivo de grave violação da lei ou abandono das suas funções, comunicando-a ao Governo Popular Central para decisão (idem).
No meu entendimento pessoal, a diferença com o actual sistema político reside em que, como nos termos da Lei Básica, o poder legislativo pertence exclusivamente à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial e o Chefe do Executivo não tem competência legislativa (com excepção da elaboração de regulamentos administrativos destinados a executar os diplomas legais da Assembleia Legislativa), a Assembleia Legislativa não tem a necessidade de submeter à apreciação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional a constitucionalidade ou a violação da lei por leis produzidas pelo Chefe do Executivo e que entrarem em vigor, nem há o chamado “procedimento de ratificação”, porque o chefe do Executivo não tem competência legislativa.
A outra diferença reside em que, nos termos do artigo 30.º, n.º 2, alínea c) do Estatuto Orgânico de Macau, a actual Assembleia Legislativa de Macau pode apresentar moção de censura à acção governativa do Governador por razões políticas ou de violação de lei; e segundo o mecanismo de censura estabelecido no artigo 71.º, 7) da Lei Básica, só pode apresentar moção devido à grave violação de lei ou de prevaricação das funções por parte do Chefe do Executivo, e não se pode censurá-lo por razões políticas.
V. Uma tentativa para analisar se o Chefe do Executivo pode proceder à fiscalização prévia ou pedir à Assembleia Popular Nacional a fiscalização da constitucionalidade ou legalidade dos projectos de lei aprovados pela Assembleia Legislativa ou já vigentes
No último parágrafo da secção (1) do Capítulo IV deste texto, já assinalamos que parece que o Chefe do Executivo perdeu a competência de fiscalizar ou submeter previamente à fiscalização, pela entidade competente (Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional), a constitucionalidade ou legalidade dos projectos de lei ou diplomas legais aprovados pela Assembleia Legislativa.
Isso porque, nos termos do artigo 40.º, n.º 1 do Estatuto Orgânico de Macau, o Governador pode fiscalizar a legalidade dos projectos ou propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa: no caso de discordância, pode recusar a assiná-los e devolvê-los à Assembleia Legislativa para nova apreciação, impedindo assim a promulgação e a entrada em vigor dos projectos de lei problemáticos.
Além disso, mesmo que por descuido o Governador tenha “promulgado” um projecto de lei “ilegal” produzido pela Assembleia Legislativa, ele pode, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea e) do Estatuto Orgânico de Macau, submeter a referida lei que já entrou em vigor,à apreciação do Tribunal Constitucional de Portugal para ver se tal lei é inconstitucional ou ilegal.
Por outro lado, face a este poder do Governador, a Assembleia Legislativa também pode, nos termos do artigo 30.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto Orgânico de Macau, submeter tal decreto-lei problemático promulgado pelo Governador e que já entrou em vigor à apreciação do Tribunal Constitucional de Portugal para ver se tal lei é inconstitucional ou ilegal.
Assim sendo, o legislador do Estatuto Orgânico de Macau instituiu habilmente, para o sistema político de Macau, um sistema denominado pelo Prof. J.J. Gomes Canotilho, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, como “sistema de fiscalização cruzada da constitucionalidade e legalidade”,com o que tanto o Governador como a Assembleia Legislativa de Macau podem submeter a constitucionalidade e legalidade das normas dimanadas por outra parte à apreciação do Tribunal Constitucional.
Entretanto, entendo que em comparação com o Estatuto Orgânico de Macau, a Lei Básica não instituiu tal “sistema de fiscalização cruzada da legalidade”. Isto porque:
Primeiro, nas funções legislativas não se pratica o “sistema legislativo dualista”, mas sim, o “sistema legislativa monista”, isto é, só a Assembleia Legislativa pode legislar, de forma que não há nenhuma necessidade de fiscalizar a legalidade das “leis” dimanadas pelo Chefe do Executivo que não tem o poder legislativo.
Segundo, por outro lado, é claro que, se o Chefe do Executivo considerar que um projecto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa não está de acordo com o interesse geral da Região Administrativa Especial, pode devolvê-lo à Assembleia Legislativa para nova apreciação (artigo 51.º da Lei Básica). Entretanto, se a Assembleia Legislativa confirmar o projecto em causa, o Chefe do Executivo deve assiná-lo e publicá-lo. É claro que nos termos do artigo 52.º, n.º 1, 1) da Lei Básica, quando o Chefe do Executivo persistir em recusar a assiná-lo e promulgá-lo, pode dissolver a Assembleia Legislativa, entretanto, nos termos do número 3 do referido artigo, ele só pode dissolver a Assembleia Legislativa uma vez em cada mandato. Dessa forma, embora o “interesse geral da Região Administrativa Especial” referido no artigo 51.º da Lei Básica possa compreender também casos em que o projecto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa viole a Constituição da China, a Lei Básica ou outras leis ordinárias, eu próprio acredito que só por isso o Chefe do Executivo não poderá exercer levianamente a sua faculdade de dissolução da Assembleia Legislativa por tal causa. Cabe perguntar: se a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial aprova repetidamente uns projectos de lei ilegais e, apesar da recusa do Chefe do Executivo à sua assinatura e promulgação, insistem em confirmar os mesmos projectos, então, como o Chefe do Executivo pode dissolver levianamente a Assembleia Legislativa? No meu entendimento, no seu artigo 51.º e no artigo 52.º, n.º 1, alínea 1), a Lei Básica só estabelece para o Chefe do Executivo um “poder de rejeitar projecto de lei da Assembleia Legislativa sob o ponto de vista político” (direito de veto político).
Sob este prisma, como o Sr. Vong Hin Fai3(黃顯輝)disse, parece que isto é um pouco injusto para o Chefe do Executivo, porque nos termos do artigo 50.º, alínea 2) da Lei Básica, o Chefe do Executivo está encarregado de cumprir as leis, mas não pode submeter à apreciação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional a legalidade das normas da Assembleia Legislativa que considera problemáticas (ilegais). E por outro lado, embora a Lei Básica estipule no seu artigo 17.º que as leis produzidas pela Assembleia Legislativa devem ser comunicadas para registo ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional para que esta fiscalize a sua legalidade, o âmbito de tal fiscalização limita-se aos articulados respeitantes às matérias da competência das Autoridades Centrais ou ao relacionamento entre as Autoridades Centrais e a Região Administrativa Especial de Macau, deixando de ser, por isso uma fiscalização geral. Por esta razão, as leis produzidas e aprovadas pela Assembleia Legislativa dentro do “âmbito de autonomia” do poder legislativo da Região Administrativa Especial não são sujeitas à fiscalização do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional.
No meu parecer, isto pode demonstrar justamente que o legislador da Lei Básica respeita o âmbito da autonomia do poder legislativo da Região Administrativa Especial de Macau, respeita e confia na capacidade da Assembleia Legislativa como a única detentora do poder legislativa no exercício das suas funções legislativas, além de salvaguardar a autoridade da Assembleia Legislativa em matéria legislativa.
Na realidade, visto de um ângulo oposto, o facto de o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial não poder submeter as normas dimanadas pela Assembleia Legislativa à fiscalização do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional não é certamente uma coisa má, pois nos termos do artigo 64.º, alínea 5), e no artigo 75.º da Lei Básica, o Governo dirigido pelo Chefe do Executivo tem a competência de apresentar propostas de lei e o âmbito de tal competência é bastante ampla. Para isso, podemos até citar o Sr. António Eduardo Malheiro de Magalhães4: é muito reduzido o âmbito dos projectos de lei que os deputados à Assembleia Legislativa podem apresentar individual ou conjuntamente, pois os deputados não podem apresentar projectos que envolvam receitas e despesas públicas, a estrutura política ou o funcionamento do Governo; além disso, os deputados podem apresentar projectos relativos à política do Governo, mas devem obter prévio consentimento escrito do Chefe do Executivo. Assim sendo, com o artigo 75.º da Lei Básica, quase todos os projectos de lei relativos aos principais assuntos da Região Administrativa Especial são apresentados pelo Governo dirigido pelo Chefe do Executivo ou passam pelo consentimento deste, dessa forma, a possibilidade da produção de “leis malignas” pela Assembleia Legislativa deve estar reduzida ao mínimo; também acreditamos que ao exercer o seu poder de apresentação de projectos de lei, o Chefe do Executivo deve e tem a obrigação de não produzir projectos ilegais. Em fim, se a Assembleia Legislativa recusa uma proposta de lei apresentada pelo Governo e que o Chefe do Executivo considera relativa ao interesse geral da Região Administrativa Especial, e as consultas não conseguem conduzir à unanimidade de opinião, o Chefe do Executivo pode dissolver a Assembleia Legislativa segundo o artigo 52.º, n.º 1, alínea 2) da Lei Básica. Daqui se depreende que o legislador da Lei Básica estruturou um mecanismo “suí generis” para compensar os efeitos negativos do facto de o Chefe do Executivo não poder, devido ao princípio do sistema legislativo monista, submeter à fiscalização do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional as “leis malignas” da Assembleia Legislativa.
VI. Conclusão
Para finalizar, sustento pessoalmente que em comparação com o Estatuto Orgânico de Macau, a Lei Básica no Sistema político da futura Região Administrativa Especial de Macau, fortaleceu o mecanismo de freio e contrapeso de poder entre o Chefe do Executivo e a Assembleia Legislativa, o que se manifesta nos dois pontos que se seguem:
(1) O Chefe do Executivo pode dissolver directamente a Assembleia Legislativa, sem prévio pedido a ninguém (artigo 52.º da Lei Básica);
(2) E a Assembleia Legislativa também pode apresentar moção de censura ao Chefe do Executivo, comunicando-a ao Governo Popular Central para decisão (artigo 71.º da Lei Básica).
No caso de “dissidência insistida” entre o Chefe do Executivo e a Assembleia Legislativa, parece que o Chefe do Executivo sempre está numa posição um pouco mais vantajosa, pois ele pode dissolver directamente a Assembleia Legislativa enquanto esta , para depor o Chefe do Executivo, tem de comunicar a sua moção de censura ao Governo Popular Central para que este decida se demite o Chefe do Executivo.
Em suma, considero que o sistema político da RAEM traçado na Lei Básica não pertence a nenhum modelo típico de sistema político, mas sim, como o actual sistema político de Macau, constitui um sistema político atípico , mas corresponde à “situação da Região”。
...”
Na realidade, o sistema político da Região Administrativa Especial de Macau, descrito acima, reflecte plenamente a concepção e os princípios que o legislador da Lei Básica pretende pôr em prática: “Qual é o modelo que deve ser adoptado para o sistema político da Região Administrativa Especial de Macau? Deve ser o “de independência judicial e de contrapeso e cooperação mútuos entre a Administração e o órgão legislativo”. Como uma zona administrativa local directamente subordinada ao Governo Popular Central e que goza de um alto grau de autonomia, a Região Administrativa Especial de Macau que não é um país, não deve imitar indistintamente o sistema de separação dos três poderes, o sistema presidencial ou o sistema parlamentar de responsabilidade de gabinete, não pode copiar o sistema da assembleia popular do Continente do País, nem pode conservar integralmente o actual sistema de Governador. Mas sim, deve adoptar o princípio da independência judicial, isto é, os tribunais exercem independentemente a função judicial nos termos da lei e, quanto às relações entre a Administração e o órgão legislativo, estes contrabalançam-se para evitar o abuso de poder, e o Chefe do Executivo deve ter poder efectivo e ser ao mesmo fiscalizado. A Administração e o órgão legislativo devem colaborar um ao outro, de forma que ambos possam funcionar sem sobressaltos, o que deve ser destacado em situação do alto grau de autonomia, e neste ponto, é diferente do sistema de separação dos três poderes. Uma persistente situação de divergência entre a Administração e o órgão legislativo desfavorecerá os trabalhos de Macau e o seu desenvolvimento económico.” (vide 5.º parágrafo do ensaio intitulado “Retrospectiva da elaboração dos articulados relativos à estrutura política”, da autoria do respeitado Professor Xiao Weiyun(蕭蔚雲), membro da Comissão de Redacção da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Beijing. O referido ensaio encontra-se incluído na “Colectânea de Artigos sobre a Lei Básica de Macau”, primeira edição, págs. 50-53, editada em Julho de 1993 pela Editora do Diário de Macau).
Além disso, quanto ao âmbito e o teor do poder concreto do Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau no actual sistema político, queremos ter como referência a brilhante exposição feita pelo respeitado Doutor em Direito Luo Weijian (駱偉建) na sua obra “Teoria Geral da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau”, págs. 162-165, Fundação de Macau, Dezembro de 2000:
“...
IV. A competência e os deveres do Chefe do Executivo
Nos termos do artigo 50.º da Lei Básica, o Chefe do Executivo tem 15 atribuições concretas. Como o Chefe do Executivo tem dupla qualidade, ou seja, é tanto o dirigente máximo da Região Administrativa Especial como o chefe do Governo da Região Administrativa Especial, pode-se dividir tais competências em duas partes, isto é, a do dirigente máximo e a do chefe do governo da Região. A primeira não se limita à competência administrativa, enquanto a segunda limita-se apenas à competência administrativa. Com este método de divisão, pode-se compreender mais facilmente quais os poderes gozados pelo Chefe do Executivo, a natureza de tais poderes, a predominância do Executivo e as relações entre o executivo, o legislativo e o judicial.
As suas atribuições como do dirigente máximo da Região Administrativa Especial: (1) Dirigir o Governo da Região Administrativa Especial de Macau. O chefe do Executivo é o dirigente máximo da Região Administrativa Especial e o núcleo da direcção administrativa, decide-se que o Chefe do Executivo acumula o cargo de Chefe do Governo, dirigindo o trabalho do Governo. (2) Fazer cumprir a Lei Básica e as leis nacionais a aplicar na Região e outras leis da Região Administrativa Especial. A Lei Básica constitui a lei fundamental produzida pelo Estado e aplicável à Região Administrativa Especial de Macau, devendo ser observada e cumprida por quaisquer órgãos e indivíduos. Na Região Administrativa Especial a responsabilidade de fazer cumprir da Lei Básica cabe naturalmente ao Chefe do Executivo. Pois o Chefe do Executivo é o dirigente máximo da Região e responde perante o Governo Popular Central, de forma que, fazer cumprir da Lei Básica, constitui tanto o poder como o dever do Chefe do Executivo. Por exemplo, quando houver problema no cumprimento da Lei Básica, o Chefe do Executivo pode pedir interpretação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional. O Chefe do Executivo pode recusar-se a assinar as leis dimanadas pelo órgão legislativo quando estas não observem a Lei Básica, e o Chefe do Executivo também é responsável pelo cumprimento das leis nacionais a aplicar em Macau e de outras leis de Macau, garantindo que a Região seja administrada nos termos da lei. (3) Assinar os projectos e as propostas de lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicar as leis; assinar a proposta de orçamento aprovada pela Assembleia Legislativa e comunicar ao Governo Popular Nacional, para efeitos de registo, o orçamento e as contas finais. Eis um poder exercido como dirigente máximo da Região Administrativa Especial, pois, como a Assembleia Legislativa e o Governo são órgãos paralelos, o Chefe do Governo não pode ter tal poder. Nos países estrangeiros, a assinatura e a publicação dos projectos de lei aprovados pela Assembleia também constituem competência do Chefe do Estado. O governo só tem, no máximo, o poder de assinatura adjunta. O orçamento e as contas finais são apresentados pelo Governo e aprovados pela Assembleia Legislativa, de forma que não podem ser comunicados ao Governo Popular Central pelo Governo ou pela Assembleia Legislativa, sendo o mais adequado que o Chefe do Executivo, na qualidade de dirigente máximo da Região, comunique ao Governo Popular Central. (4) Submeter ao Governo Popular Central, para efeitos de nomeação, a indigitação dos Secretários, do Comissário contra a Corrupção, do Comissário da Auditoria, do Procurador, dos principais responsáveis pelos serviços de polícia e de alfândega. E submeter ao Governo Popular Central as propostas de exoneração dos titulares dos referidos cargos, nomear parte dos deputados à Assembleia Legislativa; nomear e exonerar os membros do Conselho Executivo; nomear e exonerar os presidentes e juízes dos tribunais das diversas instâncias e os delegados do Procurador. Foi na qualidade do dirigente máximo da Região Administrativa Especial que o Chefe do Executivo exerceu o seu poder de indigitação, nomeação e exoneração, como ele nomeia e exonera parte dos deputados à Assembleia Legislativa, dos juízes e delegados do Procurador dos órgãos judiciais. O exercício destes poderes de nomeação e exoneração pelo Chefe do Governo seria intervenção da Administração nos órgãos legislativo e judicial. O Conselho Executivo é um órgão consultivo do Chefe do Executivo, e não um departamento governamental, a nomeação de seus membros não pertence, naturalmente, à competência do Chefe do Governo, mas sim do dirigente máximo da Região Administrativa Especial. (5) Fazer cumprir as directrizes emanadas do Governo Popular Nacional em relação às matérias previstas na Lei Básica. O Chefe do Executivo responde perante o Governo Popular Central. As directrizes emanadas do Governo Popular Central destinam-se, principalmente e directamente, ao dirigente máximo da Região Administrativa Especial. (6) Conceder, nos termos da lei, medalhas e títulos honoríficos instituídos pela Região Administrativa Especial de Macau; indultar pessoas condenadas por infracções criminais ou comutar as suas penas; atender petições e queixas. Nos países estrangeiros, os poderes de amnistia, de concessão de títulos honoríficos e de tratamento das petições e queixas são exercidos pelo Chefe do Estado e não pelo governo que detém o poder administrativo. Se o governo indulta ou comuta as penas, haverá intervenção no poder judicial. Como as petições e queixas podem voltar-se contra o Governo, a Assembleia Legislativa ou o órgão judicial, o dirigente máximo da Região Administrativa Especial é o mais indicado para atender tais assuntos. Da análise acima feita pode-se ver que, os poderes do Chefe do Executivo acima referidos correspondem à posição e à qualidade do dirigente máximo da Região e são inteiramente necessários. Como tais poderes não são exercidos na qualidade do Chefe do Executivo, não há problema de intervenção da Administração nos órgãos legislativo e judicial.
As suas atribuições como Chefe do Governo da Região Administrativa Especial são: (1) Definir as políticas do Governo e mandar publicar as ordens executivas. Trata-se de típicas atribuições do Governo, pois a gestão administrativa é feita principalmente através da elaboração das políticas públicas, como por exemplo económicas, culturais, educacionais, ambientais etc., para orientar e programar o desenvolvimento da sociedade, a gestão da sociedade é feita através de ordens administrativas. (2) Elaborar, mandar publicar e fazer cumprir os regulamentos administrativos. O que é o regulamento administrativo? Na Lei Básica, a noção do regulamento administrativo é uma denominação própria, em vez de um nome ou termo colectivo dos documentos normativos da Administração. O regulamento administrativo designa especificamente os documentos normativos com força obrigatória geral elaborados pelo Chefe do Executivo que constituem uma hierarquia de documentos normativos que, no ordenamento jurídico de Macau, é inferior à da Lei Básica e à das leis. Os regulamentos administrativos são produzidos pelo Chefe do Executivo, e seus efeitos são inferiores aos das leis e superiores aos outros documentos normativos. Havia quem sustentava que na Lei Básica, o Regulamentos Administrativo constitui um nome genérico que compreendesse todos os regulamentos administrativos, ordens administrativas e despachos administrativos emanados do Chefe do Executivo ou dos órgãos administrativos. Isto não corresponde ao sentido original dos articulados da Lei Básica. Em primeiro lugar, esta compreensão confunde o sujeito legislativo. Nos termos da Lei Básica, a emanação do regulamento administrativo compete ao Chefe do Executivo, e os órgãos administrativos limitam-se a elaborar um projecto do regulamento administrativo, existindo entre os dois uma diferença essencial. Em segundo lugar, tal compreensão a diferença no procedimento legislativo. Para elaborar regulamento administrativo, o Chefe do Executivo tem de ouvir o parecer do Conselho Administrativo. Trata-se de uma fase inevitável, enquanto a emanação de outros documentos normativos administrativos não precisa passar pela discussão do Conselho Administrativo. Em terceiro lugar, os efeitos jurídicos são diferentes. O efeito jurídico do regulamento administrativo é superior ao de outros documentos normativos administrativos. A produção dos regulamentos administrativos constitui um indispensável meio do Governo para administrar a sociedade e uma importante condição para exercer a função administrativa nos termos da lei. (3) Nomear e exonerar funcionários públicos. O pessoal de função pública divide-se em duas espécies, uma delas compreende os funcionários públicos do governo, enquanto a outra é composta de agentes das repartições públicas não-governamentais, como por exemplo o pessoal dos organismos consultivos do governo. Tais nomeações e exonerações do pessoal constituem um trabalho frequente que faz parte da gestão quotidiana do governo. (4) Tratar dos assuntos externos e de outros assuntos quando autorizado pelas Autoridades Centrais. Nos países estrangeiros, os assuntos externos são do âmbito da gestão do governo e todos os países tem o seu Ministério dos Negócios Estrangeiros. Os assuntos externos de Macau, como por exemplo os assuntos económicos, comerciais, financeiros, turísticos, culturais, científicos e tecnológicos, educacionais e outros, constitui um importante sector da administração e uma das funções do governo. (5) Aprovar a apresentação de moções relativas às receitas e despesas à Assembleia Legislativa. A gestão das finanças constitui uma esfera tradicional da competência do governo. O Governo apresenta o orçamento de receita e despesa segundo a necessidade e o desenvolvimento da sociedade. É na qualidade do Chefe do Governo que o Chefe do Executivo aprova a apresentação do orçamento financeiro de receita e despesa à Assembleia Legislativa. Trata-se da adequada qualidade que usa. Se ele aprovasse na qualidade do dirigente máximo da Região Administrativa Especial, a Assembleia Legislativa teria dificuldade jurídica na sua apreciação. O que a Assembleia Legislativa aprecia é uma moção do Governo, mas não do Chefe do Executivo. (6) Decidir se os membros do Governo ou outros funcionários responsáveis pelos serviços públicos devem testemunhar e apresentar provas perante a Assembleia Legislativa ou as suas comissões, em função das necessidade de segurança ou de interesse público de relevante importância do Estado e da Região Administrativa Especial de Macau. Como o direito da gestão dos recursos pessoais do Governo é da competência do Chefe do Governo, e os actos de função pública dos funcionários, tanto a acção como a omissão, responde perante o Governo, é lógico que o Chefe do Governo decida se eles podem testemunhar ou apresentar provas. O exercício de tal poder pelo Chefe do Governo constitui também uma regra geral na lei de todos os países.
Da exposição acima feita, pode-se ver que as atribuições do Chefe do Executivo têm duas características. Primeira, o Chefe do Executivo domina absolutamente o poder executivo, garantindo a posição predominante da Administração e a sua eficácia. Segunda, como dirigente máximo da Região Administrativa Especial, o Chefe do Executivo é o coordenador geral da sociedade que, partindo dos interesses globais da Região, tem o poder de coordenar as relações entre os órgãos executivo, legislativo e judicial, assim como as relações entre os diversos sectores da sociedade.” (Sublinhado nosso)
Em suma, como o Doutor em Direito Yang Yunzhong (楊允中), membro da Comissão da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, subordinada ao Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, afirma na sua obra “Anotações Concisas à Lei Básica de Macau (edição revista)” (edição da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça da RAEM, Setembro de 2003, pág. 114, segundo parágrafo): “A natureza e o estatuto da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau são distintos dos da anterior Assembleia Legislativa de Macau. Com base nas disposições do Estatuto Orgânico de Macau, a anterior Assembleia Legislativa de Macau e o Governador compartilham o poder legislativo, isto é, adoptando-se o sistema legislativo dualista, enquanto a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau já é um órgão dotado de pleno poder legislativo, não gozando o Chefe do Executivo do poder legislativo. O poder do Chefe do Executivo para elaborar e publicar regulamentos administrativos é manifestação do exercício pelo Governo do poder de gestão administrativa e não traduz competência de órgão Legislativo, não podendo os regulamentos administrativos contrariar a Lei Básica nem as leis emanadas da Assembleia Legislativa. A Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, sendo o único órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau, goza do poder exclusivo em assuntos legislativos desta Região.”
Pelo exposto, seja na qualidade de dirigente máximo seja na de Chefe do Governo da Região Administrativa Especial, o Chefe do Executivo não goza do poder legislativo, isto é, não tem o poder de elaborar lei em sentido estrito. Isso porque só a Assembleia Legislativa é o único órgão legislativo da Região Administrativa Especial de Macau que tem a competência de elaborar leis em sentido real e material, com base nos seus próprios projectos de lei ou nas propostas do Governo da Região --- Vide as disposições conjugadas dos artigos 67.º, 71.º 1), 75.º, 64.º 5), primeira parte, e 78.º, da Lei Básica.
Além disso, a liderança administrativa não significa que com a elaboração dos regulamentos administrativos, o Chefe do Executivo possa exercer o poder legislativo exclusivamente pertencente à Assembleia Legislativa. Em fim, não se pode considerar a competência prevista na alínea 3), do artigo 50.º da Lei Básica, isto é, assinar os projectos e as propostas de Lei aprovados pela Assembleia Legislativa e mandar publicar as leis, como uma manifestação do “poder legislativo” do Chefe do Executivo.
Entretanto, para garantir que o princípio da liderança administrativa seja efectiva e plenamente posto em prática, a Lei Básica, apesar do estabelecimento do sistema legislativo monista, determina, no seu artigo 75.º, rigorosas restrições ao âmbito dos assuntos que o poder de iniciativa legislativa dos deputados da Assembleia Legislativa pode abranger nas suas moções ou projectos, de forma que a Assembleia Legislativa não possa, com a elaboração da lei “por si própria”, alterar as receitas e despesas da Região, ou o sistema de funcionamento e até as políticas do Governo da Região Administrativa Especial.
Por outro lado, para que as suas políticas decididas possam ser cumpridas e garantidas no plano jurídico, o Chefe do Executivo, como Chefe do Governo da Região Administrativa Especial, tem que exercer o poder de apresentação de propostas de lei conferido no artigo 64.º, alínea 5), a fim de “accionar” o procedimento da elaboração da respectiva lei na Assembleia Legislativa, para que a matéria contida na sua proposta de lei seja amplamente discutida na ordem do dia legal da Assembleia Legislativa e, como consequência, seja efectivamente concretizada. Trata-se justamente do sentido material das relações de “contrabalança recíproca e cooperação entre os órgãos administrativo e legislativo”.
Nestes termos, realmente não podemos aceitar o ponto de vista jurídico segundo o qual, o Chefe do Executivo pode recorrer ao poder da elaboração de regulamentos administrativos para que o teor da proposta de lei que deva ser submetida à apreciação da Assembleia Legislativa passe a ser concretizado sob a forma de regulamento administrativo.
Na realidade, o facto de que o Chefe do Executivo é também o dirigente máximo da Região Administrativa Especial não permite que a frase do artigo 115.º da Lei Básica no sentido de que “De harmonia com a sua situação de desenvolvimento económico, a Região Administrativa Especial de Macau define, por si própria, a sua política laboral e aperfeiçoa as suas leis de trabalho” seja lida e interpretada como esta: como dirigente máximo da Região Administrativa Especial de Macau, o Chefe do Executivo pode elaborar a política laboral, por si próprio, na qualidade do dirigente máximo da região e aperfeiçoar a lei sob a forma de regulamentos administrativos, como por exemplo, através da elaboração de certos documentos normativos diferentes do regime traçado pelas leis laborais existentes.
Não concordamos com tal interpretação, que constitui uma interpretação meramente superficial e literal dos respectivos articulados da Lei Básica e deixa de lado a lógica legal do sistema legislativo monista determinado em numerosos artigos essenciais da Lei Básica.
E a interpretação jurídica do termo “Região Administrativa Especial de Macau” nos diversos artigos da Lei Básica deve ser feita segundo o critério da interpretação jurídica constante do artigo 8.º, n.º 1 do Código Civil, tendo-se sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico (norma está relativa à interpretação da lei, estipulada no artigo 8.º, pelo menos tal como as dos artigos 1.º a 7.º e 9.º a 12.º do Código Civil, que constitui o mais importante princípio jurídico básico e de aplicação comum aos diferentes ramos de direito do actual ordenamento jurídico de Macau. E foi pela tradição jurídica do sistema romano-germânico ou continental que tal princípio foi incluído na Parte Geral do Código Civil). A respeito disso, devemos tomar como referência a seguinte exposição feita pelo Professor Wu Jianfan (吳建璠), do Instituto de Investigação Jurídica da Academia das Ciências Sociais da China, outro venerando membro da Comissão de Redacção das Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, na sua obra intitulada “Garantia Segura dos Direitos e das Liberdades dos Residentes de Macau”, também incluída na Colectânea dos Documentos da Lei Básica de Macau, pág. 43 a 49:
“III. A Lei Básica fornece múltiplas garantias aos direitos e à liberdade dos residentes de Macau
(1) Somente a lei não é suficiente para os direitos e as liberdades, requer-se ainda a garantia a ser fornecida pelo órgão do poder para efectivá-los. Devido a isso, a Lei Básica inclui um artigo nos seus princípios gerais: “A Região Administrativa Especial de Macau assegura, nos termos da lei, os direitos e liberdades dos residentes e de outras pessoas na Região Administrativa Especial de Macau” (artigo 6.º). O texto original deste artigo era “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau assegura, nos termos da lei, os direitos e liberdades dos residentes e de outras pessoas na Região Administrativa Especial de Macau”. Posteriormente há pessoas que apresentaram objecção, dizendo que a garantia dos direitos e liberdades dos residentes não depende exclusivamente do Governo, mas os órgãos legislativo e judicial também tem grande responsabilidade. Os membros da Comissão da Redacção da Lei Básica acharam justa a sugestão e deram a actual redacção. Na realidade, a “Região Administrativa Especial de Macau” nesse artigo refere todos os órgãos relacionados com os direitos e liberdades dos residentes, sobretudo, é claro, refere o Governo e os órgãos legislativo e judicial. A Lei Básica incumbe-os de garantir os direitos e liberdades dos residentes de Macau. A Lei Básica coloca este artigo na parte dos “Princípios Gerais”, demonstrando que a garantia dos direitos e liberdades dos residentes constitui um princípio fundamental da Lei Básica.”
Assim sendo, com base na lógica do sistema legislativo monista, o Chefe do Executivo também não pode, sob a forma de regulamento administrativo, alterar ou revogar as leis em sentido estrito produzidas pelo órgão legislativo e existentes até hoje, incluindo os decretos-leis e leis elaboradas pelo Governador e pela Assembleia Legislativa do tempo da Administração Portuguesa no exercício do seu poder legislativo. A razão disso é simples: Já que o Chefe do Executivo não tem poder legislativo, e os regulamentos administrativos são de hierarquia inferior à das leis em sentido estrito, é claro que ele não pode alterar ou até revogar tais leis em sentido estrito mediante os regulamentos administrativos por ele elaborados, mas sim, só pode alterar ou revogar os portarias como diplomas normativos complementares de hierarquia grandemente inferior à das leis em sentido estrito.
Sendo o único órgão legislativo, a Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau tem, naturalmente, a competência de, nos termos do artigo 75.º da Lei Básica e através da produção de novas leis, alterar ou revogar as leis ou decretos-leis produzidos pela Assembleia Legislativa ou pelo Governador no tempo da Administração Portuguesa e até as portarias do Governador (artigo 71.º, alínea 1) da Lei Básica).
Dominada a essência da lógica jurídica acima referida, passamos a fazer uma análise concreta da legalidade do regulamento administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho.
Como é declarado no seu artigo 1.º, o referido regulamento administrativo tem por escopo “estabelecer a proibição da aceitação ou prestação ilegal de trabalho e o correspondente regime sancionatório”.
O poder de elaborar regulamentos administrativos, conferido ao Chefe do Executivo pelo artigo 50.º, alínea 5) da Lei Básica, limita-se a enriquecer, a título de diploma complementar, os princípios gerais previamente contidos em leis aprovadas pela Assembleia Legislativa, em vez de extravasar do âmbito nelas definido por esse órgão legislativo, tradicionalmente tido como representante da opinião da população de Macau, e como tal com legitimidade democrática para fazer leis que inclusivamente possam impor sanções ou sacrifícios à correspondente sociedade civil, e a serem executadas ou feitas cumpridas pelo Chefe do Executivo na sua acção executiva em obediência ao incumbido pela alínea 2) do artigo 50.º da Lei Básica, sem prévio aval da Assembleia Legislativa.
Assim sendo, os quais são diferentes dos outros regulamentos administrativos que já foram publicados para tal fim pelo uso do poder de elaborar regulamentos administrativos, entendemos que o Chefe do Executivo, enquanto Chefe do Governo da RAEM, sem prévio aval da Assembleia Legislativa (nota: o prévio aval aqui referido não significa o regime de “autorização legislativa” do tempo da Administração Portuguesa. Na realidade, a Lei Básica não estipula semelhante regime de “autorização legislativa” para a Região Administrativa Especial, pelo que a Assembleia Legislativa da Região só pode, através de determinada norma de uma lei em concreto, autorizar o Chefe do Executivo como dirigente máximo da Região, a elaborar, para o regime jurídico já determinado nesta mesma lei, normas jurídicas pormenorizadas ou complementares sob a forma de regulamento administrativo). Por isso, o Chefe do Executivo não pode ter instituído, através da emanação daquele Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, um regime ex novo e sui generis de sancionamento de situações de emprego ilegal no actual ordenamento jurídico de Macau, para além do já plasmado no artigo 9.º da então vigente Lei de Imigração Clandestina (isto é, a Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, com ulterior alteração designadamente introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39/92/M, de 20 de Julho), segundo o qual, a relação contratual subjacente a um emprego ilegal pressupõe sempre, como não pode deixar de o ser, tal como o que acontece também em qualquer emprego legal ou lícito por conta alheia, a existência de remuneração ou contrapartida do trabalho, independentemente do tipo dessa remuneração ou contrapartida (cumpre também mencionar que, o preceito do artigo 16.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, posterior à emissão de tal regulamento administrativo e totalmente revogatório da Lei de Imigração Clandestina, é idêntico à norma do artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina). Além disso, isto está em exacta sintonia com o conceito de contrato de trabalho já definido no artigo 1079.º, n.º 1 do Código Civil de Macau como um dos grandes diplomas legais estruturantes do ordenamento jurídico local, homólogo ao artigo 1152.º do anterior Código Civil de 1966. Isto precisamente porque o poder regulamentar conferido ao Chefe do Executivo pela alínea 5) do artigo 50.º da Lei Básica é, natural e somente, para efeitos de cabal e eficaz desempenho do Governo por ele dirigido das suas funções executivas. Assim, o tal poder para instituir o Regulamento Administrativo, tem que ser exercido apenas no âmbito e dentro do âmbito dessas leis em sentido estrito, material e formal do termo (nota: como assim nitidamente aponta a existência da alínea 5) desse mesmo artigo 50.º, não abrange os regulamentos administrativos, ainda que contentores de normas jurídicas gerais e abstractas) já positivadas ou integradas no ordenamento jurídico da Região Administrativa Especial de Macau, quer antes quer depois do estabelecimento da RAEM (cfr. Mormente o artigo 18.º da Lei Básica).
Exemplificando:
- Enquanto no artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, de 14 de Abril, se diz expressamente que este “desenvolve a lei que estabelece os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência” (i.e., a Lei n.º 4/2003, de 17 de Março), com a imposição até de sanções concretas através dos seus artigo 32.º e seguintes, através da observância do comando previamente ditado pela Assembleia Legislativa nos artigos 13.º e 15.º da mesma lei de princípios, estando, pois, esse Regulamento Administrativo conforme, aliás de modo ortodoxamente paradigmático, com as acima aludidas regras do sistema político da Região Administrativa Especial de Macau consagradas na Lei Básica;
- No Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, já se criou materialmente um novo regime de punição administrativa de situações de trabalho ou emprego nele consideradas como sendo ilegais (cf. sobretudo o artigo 5.º deste Regulamento), em paralelo e até para além dos limites e âmbito já previamente definidos nomeadamente nos acima referidos preceitos da Lei de Imigração Clandestina e do Código Civil de Macau como integrantes das leis em sentido material e formal, e como tal, superiores a qualquer legislação complementar ou regulamentar a nível de hierarquia normativa falando.
E como não se vislumbrando até à data de emissão desse Regulamento Administrativo n.º 17/2004, nenhuma lei feita pela Assembleia Legislativa da RAEM a versar sobre eventual alteração ou alargamento do regime sancionatório de emprego ilegal já consagrado no artigo 9.º da Lei de Imigração Clandestina, nem tão-pouco, e pelo menos, qualquer comando prévio dado pela mesma Assembleia Legislativa em alguma lei de princípios nessa matéria em questão para o Chefe do Governo poder regulamentar um novo regime sancionatório do trabalho ilegal em Macau, o Chefe do Executivo realmente não pode ter feito uso do seu poder regulamentar para criar ou desenvolver efectiva mas não legalmente nos termos constantes do Regulamento n.º 17/2004 --- um sistema novo ou divergente do já previsto in maxime no artigo 9.º daquela Lei de Imigração Clandestina.
(Nota: Na realidade, a Lei n.º 4/2003 não pode funcionar como lei de princípios em relação ao Regulamento Administrativo n.º 17/2004, posto que os princípios nela consagrados já foram enriquecidos pelo Regulamento Administrativo n.º 5/2003 como seu diploma complementar, para além de serem nitidamente distintas as matérias versadas num e noutro Regulamentos.
Além disso, a Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais) também não pode ser a lei de princípios em relação ao Regulamento Administrativo n.º 17/2004, pois essa não é uma lei verdadeiramente dotada de força obrigatória geral, mas sim, constitui um documento programático de políticas destinado a declarar publicamente e no plano político a orientação de políticas (vide. a redacção do seu artigo 10.º), de forma que, sob o ponto de vista da técnica jurídica, não pode estar em paralelo com as verdadeiras leis de bases (por exemplo, a Lei de Bases da Organização Judiciária) ou as verdadeiras leis de princípios (como por exemplo a Lei n.º 4/2003, de 17 de Março, que visa “estabelecer os princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência”). Tal como sucede no exemplo do Código da Estrada, o termo “Código” neste Código e o termo “Código” no Código Civil são iguais, mas o primeiro está longe de ser comparável com o segundo no que diz respeito ao conteúdo essencial e à importância. E o mesmo acontece com o ordenamento jurídico de Macau existente antes da Transferência dos Poderes, pois a referida Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais não passa de um documento de programa político sem nenhuma força jurídica obrigatória geral.
Em fim, o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 52/99/M, de 4 de Outubro, que tem por escopo legislativo “definir o regime geral das infracções administrativas e o respectivo procedimento”, também não pode servir como base da elaboração do Regulamento Administrativo n.º 17/2004, pois do disposto no n.º 2 do referido artigo 3.º desse Decreto-Lei, pode-se ver nitidamente que o Decreto-Lei não instrui nem estimula a criação de novo regime sancionatório das infracções administrativas sem lei prévia como requisito, mas sim, só pretende elaborar um regime e os procedimentos gerais para os actos ilícitos eventualmente já publicados ou a serem publicados pela lei como infracções administrativas.)
Aliás, para levar a cabo a sua intenção de reprimir melhor e de forma mais eficaz as diversas situações de emprego ilegal, o Governo deveria ter apresentado, no uso da sua prerrogativa concedida pelo artigo 75.º da Lei Básica - aliás limitadora do poder de apresentação de projectos de lei por parte dos Deputados da Assembleia Legislativa em matérias ressalvadas neste preceito - uma proposta de lei que versasse sobre matéria objecto do Regulamento n.º 17/2004, à discussão e aprovação da Assembleia Legislativa, tudo em sintonia com o processo formal legislativo previsto expressamente na Lei Básica em prol do princípio da separação dos poderes (aflorado in maxime no próprio artigo 2.º da Lei Básica), e não ter, em vez disso, emitido e aprovado sozinho o mesmo Regulamento, sob pena de ilegalidade orgânica originária deste diploma, e isto sem prejuízo da faculdade que logicamente assiste sempre ao Órgão Executivo, de elaborar sozinho, e com efeitos meramente internos, regulamentos administrativos independentes ou autónomos (isto é, não carecem de lei prévia habilitadora ou de lei de princípios emanada pela Assembleia Legislativa) - que versem apenas sobre o próprio funcionamento do Governo, como que legislando sobre a própria causa sob a égide da alínea 1) do artigo 50.º da Lei Básica, sem nenhum sacrifício físico ou pecuniário a impor sobre a sociedade civil.
No fundo, realizamos que dentro do esquema legislativo monista traçado na nossa Lei Básica, os regulamentos administrativos (em sentido material do termo, ou seja, como autênticas normas jurídicas gerais e abstractas) a emanar do poder executivo - fora o caso de regulamentação, com efeitos meramente internos, do próprio funcionamento do Governo sem qualquer regras jurídicas gerais e abstractas implicadoras de sacrifício pecuniário ou físico para a sociedade civil - nunca são autónomos ou independentes, visto que a sua existência legal pressupõe sempre uma lei anterior ou de princípios emitida pela Assembleia Legislativa como o único órgão legislativo da RAEM.
Daí que não se pode preconizar que como no próprio articulado da Lei Básica da RAEM, não consta nenhuma definição do âmbito do exercício do poder do Governo de elaborar regulamentos administrativos, ou do elenco de matérias concretas que possam ser objecto de regulamentos administrativos, é livre então Chefe do Executivo, à luz do cânone de hermenêutica jurídica de que “quando a lei não distingue, também o intérprete-aplicador não deve distinguir”, criar autonomamente normas jurídicas gerais e abstractas sobre todo e qualquer tipo de matérias sob a forma de regulamentos administrativos, mesmo que derrogadoras de leis (stricto sensu) anteriores.
Não procede esta tese contrária, porquanto:
- do facto de não existir na nossa Lei Básica nenhuma definição concreta do âmbito de exercício do poder regulamentar do Chefe do Executivo, não se pode retirar, a priori e como que a contrario sensu, a conclusão de que o Legislador desta Lei Fundamental da RAEM tenha dado anuência à possibilidade de o Chefe do Executivo emitir autonomamente, através de regulamento administrativo, normas jurídicas gerais e abstractas com efeitos externos ou que importem sacrifício à sociedade civil, sem qualquer anterior lei de princípios por parte da Assembleia Legislativa, e isto até porque juridicamente falando, nunca vigora, como princípio, a regra “quem cala consente” (cfr. o artigo 210.º do Código Civil de Macau);
- aliás, se assim fosse, todo o sistema legislativo monista na RAEM expresso em várias disposições da Lei Básica ficaria destituído de sentido útil (já que o Chefe do Governo passaria a poder, por via de regulamento administrativo, exercer autonomamente o poder legislativo inicialmente reservado pela Lei Básica em exclusivo à Assembleia Legislativa), e o princípio de total separação dos poderes executivo, legislativo e judicial aflorado principalmente na parte final do artigo 2.º da Lei Básica, ficaria também irremediavelmente comprometido, na parte atinente à relação entre o poder executivo e o poder legislativo da Região Administrativa Especial de Macau, e daí mais uma razão para não podermos acalentar qualquer tese de interpretação somente literal da norma da alínea 5) do artigo 50.º da Lei Básica, já que tal como nos tem ensinado a boa hermenêutica jurídica, “quem aplica uma norma, está a aplicar todo o sistema”, cânone este aliás com consagração expressa no n.º 1 do artigo 8.º do mesmo Código Civil: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, ......”;
- sendo, outrossim, líquido que a delimitação do alcance e sentido do poder de emissão de regulamentos administrativos (i.e., do poder regulamentar do Governo) é uma tarefa propriamente da doutrina jurídica, a qual, por sua vez, e consabidamente, não deixa de ser uma fonte do direito, se bem que actualmente de forma mediata, genuinamente caracterizadora da Família dos Direitos Romano-Germânicos ou de sistema continental, de que também é membro o ordenamento jurídico de Macau (neste sentido, cfr., com mais pormenores categorizados, René David, in Les Grands Systèmes du Droit Contemporains, Primeira Parte, Título III, Capítulo IV, Pág. 110, com 1ª edição brasileira por Hermínio A. Carvalho, em Setembro de 1986, Livraria Martins Fontes Editora, Ltda., págs. 131 a 132);
- e, por último, não se pode esquecer, frisa-se, de que os regulamentos administrativos, quando contentores de regras jurídicas gerais e abstractas com eficácia externa sobre a sociedade civil, só se destinam a regular ou complementar de modo mais detalhado algo que já está previamente enquadrado ou estatuído na legislação emanada pelo órgão legislativo, sem poderem exceder, por isso, os limites nela definidos ou dela decorrentes.
Não deve ser, pois, tido como legal o Regulamento Administrativo n.º 17/2004, de 14 de Junho, por o Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau não ser o órgão competente para legislar sobre a matéria nele versada, sem prévio aval da Assembleia Legislativa (nota: como o objecto do artigo 1.º do referido Regulamento Administrativo é ilegal, particularmente devido ao ponto de vista acima exposto, este Tribunal considera ser ilegal todo o referido Regulamento Administrativo, e não considera serem ilegais uns artigos seus).
Desde modo, e agora em contornos algo diferentes dos defendidos pela recorrente na sua posição acerca do vício de violação de lei, como acabamos de concluir que esse Regulamento Administrativo n.º 17/2004 não é legal em sentido orgânico no seu todo, a entidade recorrida realmente não devia considerar provado, no aspecto dos factos, que a recorrente e o seu marido não cumpriram a lei durante o período de permanência em Macau meramente porque eles tinham sido multados no quadro do referido Regulamento Administrativo, e simplesmente por esta razão indeferiu o respectivo pedido de permanência temporária, devido ao que a referida decisão administrativa pegou o vício de violação da lei.
E isto sobretudo porque o dever de o Governo fazer cumprir as leis da RAEM e os regulamentos administrativos a que aluem as alíneas 2) e 5) do artigo 50.º da Lei Básica, dada a natureza lógica das coisas informada pelo dito princípio da legalidade em sentido material veiculado no artigo 2.º da Lei Básica (por força do qual toda a actuação do poder público deve observar a Lei Básica, como pressuposto material de concessão de autonomia nomeadamente administrativa à Região Administrativa Especial de Macau), só pode existir em relação a diplomas legais propriamente legais e não também ante os diplomas legais ilegais, sob pena de incorrer em petição de princípio ou de círculo vicioso.
Por fim, e em paralelo, pode referir-se também à seguinte judiciosa explanação clarividente em chinês a propósito da temática do sentido e limites do poder regulamentar do Governo em face do texto então vigente da Constituição da República Popular da China, vertida no 《行政法與行政訴訟法教程》, de coordenação dos insignes jurisconsultos Ying Songnian (應松年) e Zhu Weijiu (朱維究), publicado pela primeira vez em Maio de 1989, pela Editora da Universidade de Ciência Política e Direito da China:
- “O Conselho de Estado da República Popular da China, ou seja, o Governo Popular Central, constitui o órgão executivo do órgão do poder supremo do Estado, isto é, o órgão administrativo supremo do Estado. No actual sistema legislativo da China, o poder legislativo do Conselho de Estado desempenha o papel que entrelaça o que procede com o que se segue. A legislação administrativa do Conselho de Estado deve ter como base a Constituição e as leis, e ter como escopo realizar e concretizar os princípios fundamentais da Constituição; é com a legislação administrativa do Conselho de Estado que os princípios da Constituição e das outras leis podem ser concretizados e eficazmente realizados. Além disso, a Legislação administrativa do Conselho de Estado constitui os fundamentos na elaboração de normas e regulamentos locais; e a legislação administrativa do Conselho de Estado cria os laços que ligam a Constituição, as leis e regulamentos e outras normas locais.” (pág. 137 da citada obra);
- “Para dotar-se de efeito jurídico, os regulamentos e normas administrativos devem preencher certas condições. Em termos gerais, tais condições podem ser divididas em requisitos materiais e requisitos formais. Os requisitos materiais são: (1) O órgão da elaboração deve ser órgão que goza do poder legislativo nos termos da lei, e a chamada “legislação” do órgão sem poder legislativo constitui um acto de usurpação de poder e não tem efeito jurídico; (2) O conteúdo estipulado deve estar limitado à competência do órgão da elaboração, e o que ultrapassa os limites da competência não tem efeitos jurídicos; (3) O seu teor não pode contrariar a Constituição, as leis e os regulamentos de hierarquia superior. Os requisitos formais são: (1) O procedimento da elaboração é legal; (2) Deve ter texto escrito com notas indicando que os nomes dos órgãos que o elaboram e aprovam, assim como a data da sua publicação, a sua estrutura e as línguas que usam satisfazem os requisitos de padronização.” (pág.156 da obra);
- “Em suma, todos os documentos normativos administrativos, incluindo os regulamentos administrativos, são derivados da Constituição e das leis. Entretanto, sendo dimanados de órgãos administrativos de distintas hierarquias do Estado, os documentos normativos administrativos também são divididos em várias hierarquias de efeito. Deve-se assinalar que na hierarquia de efeito, os mais altos regulamentos são os do Conselho de Estado, aos quais seguem-se os elaborados pelos diversos departamentos do mesmo, e depois destes, são os elaborados pelos governos populares das províncias ou das regiões autónomas, e em último lugar, estão os elaborados pelos governos dos municípios onde se encontram sediados os governos populares das províncias e regiões autónomas e dos municípios relativamente grandes aprovados pelo Conselho de Estado.” (págs. 158 – 159 da citada obra);
- “Quanto ao escopo e ao teor, a legislação administrativa pode ser dividida em 4 espécies que se seguem:
1. Legislação de natureza executiva. Trata-se de actividades legislativas administrativas destinadas a executar as leis ou regulamentos locais e documentos normativos dimanados dos órgãos administrativos de hierarquia superior. A legislação de natureza executiva não cria novas regras jurídicas, mas limita-se a concretizar as leis ou regulamentos locais e documentos normativos dimanados dos órgãos administrativos de hierarquia superior, a fim de facilitar a sua execução. Geralmente, os regulamentos criados nestas actividades legislativas chamam-se “regras de implementação”, “regras detalhadas de implementação”, “métodos de implementação” etc., como por exemplo, para executar a “Lei das Empresas de Capital misto Sino-Estrangeiro da República Popular da China”, o Conselho de Estado proclamou, no dia 20 de Setembro de 1983, as “Regras de Implementação da Lei das Empresas de Capital misto Sino-Estrangeiro da República Popular da China”.
2. Legislação complementar. Trata-se de actividades legislativas administrativas para completar as leis e regulamentos já promulgados. Para completar devidamente as leis e regulamentos originais com os problemas que faltavam, tem de criar novas regras jurídicas, de forma que tem de obter a autorização do órgão competente. Estes regulamentos e normas são geralmente conhecidos como “regras complementares”, “métodos complementares” etc.. Por exemplo, depois da promulgação, em Agosto de 1957, do Regulamento da Educação forçada no Trabalho, pelo Conselho de Estado, encontraram-se uns problemas no trabalho prático e deve-se elaborar certas regras complementares. Como o regulamento originar foi aprovado pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional, as respectivas Regras Complementares relativas à Educação Forçada no Trabalho só foram publicadas pelo Conselho de Estado no dia 29 de Novembro de 1979, depois da aprovação do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional.
3. Legislação autónoma. Trata-se de actividades legislativas das administração destinadas a determinar certas regras de acção dos objectos da administração para cumprir as suas atribuições conferidas pela lei. Chama-se legislação autónoma ou independente, porque tais actividades legislativas são realizadas pelo órgão executivo dentro das suas atribuições nos termos da Constituição ou outras leis, sobre os itens não estipulados na lei ou em outros regulamentos. Dos regulamentos administrativos, a maior parte são elaborados na legislação autónoma. Por exemplo, no seu artigo 89.º, a Constituição estipula as diversas atribuições do Conselho de Estado, por sua vez, esta pode realizar a legislação autónoma dentro das suas atribuições, sem necessidade da autorização da Assembleia Popular Nacional ou do seu Comité Permanente.
4. Legislação de carácter experimental. Pela legislação de carácter experimental entende-se que, segundo a autorização concedida nos termos da lei, o órgão administrativo supremo do Estado realiza actividades legislativas administrativas sobre os assuntos que cabem ao órgão legislativo supremo mas este não pode realizá-las na hora pela falta de experiência ou por a sociedade ainda não estar modelada. A legislação experimental permite que as actividades sociais tenham as suas regras a seguir, e orienta o trabalho na órbita, e ao mesmo tempo, prepara suficientes condições para a legislação do órgão legislativo supremo. Este tipo de actividades legislativas necessita da autorização jurídica especial, o que não darei mais explicações porque já tem sido referido atrás” (págs. 132 – 133 da citada obra);
- “O princípio da legalidade administrativa exige que os órgãos administrativos e os trabalhadores da administração, assim como as suas condutas, devem ser legais, o que compreendem duas ideias: a primeira, a criação, alteração ou anulação dos órgãos administrativos de qualquer hierarquia, a nomeação, exoneração ou acesso de qualquer trabalhador da administração, assim como o âmbito, a forma e o procedimento da execução das suas atribuições devem ser feitos nos termos da lei; a segunda, qualquer acto administrativo do sujeito executivo, tanto uma decisão administrativa concreta como a elaboração de um regulamento administrativo, deve estar baseado na lei” (pág. 54 da citada obra).
Pelas razões acima expostas, o acto administrativo ora recorrido tem de ser anulado contenciosamente, sem necessidade de abordar o outro “vício da violação da lei por erro nos pressupostos de direito” que a recorrente sustenta na petição.
Nestes termos, acordam em conceder provimento ao recurso contencioso, anulando, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o despacho proferido no dia 31 de Agosto de 2005 pelo Secretário para a Economia e Finanças de Macau que indeferiu o pedido de residência temporária da recorrente (A) e outros membros do agregado familiar) por concordar com o parecer elaborado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, embora nos termos diversos dos alegados pela recorrente.
Sem custas, dada a isenção da entidade administrativa recorrida.
Chan Kuong Seng (1º juiz adjunto e Relator) - Lai Kin Hong - José M. Dias Azedo(表決落敗聲明如下)
表決聲明
本人擬就的合議庭裁判書草稿於本月6日交予評議會審議,當中主張上訴理由不成立,因為我認為作為本上訴標的的行政行為沒沾有上訴人所指責的任何瑕疵。
本人看不到存在可以改變上述我認為是恰當理解的原因,因為在上述合議庭裁判書中作出的決定內容是重新肯定本中級法院同事們在第223/2005號司法上訴的2006年4月27日合議庭裁判 —— 本人是不同意該立場,在此把附入該合議庭裁判書中的表決聲明視為轉錄。
澳門,2006年7月20日
José M. Dias Azedo(司徒民正)
1 Vitalino Canass(*), “Preliminares do Estado de Ciência Política”, Publicações o Direito, Macau, 1992, pgs. 209 - 211; 233 - 265.
(*)Vitalino Canas é o Secretário de Estado português para os Assuntos do Gabinete do Primeiro-Ministro.
2 V. “Estatuto Orgânico de Macau”, artigo 4.º.
3 Vong Hin Fai (黃顯輝),professor assistente convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, advogado e notário privado de Macau.
4 António Eduardo Malheiro de Magalhães, professor adjunto convidado da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, e professor do Centro de Formação de Magistrados de Macau.
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