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(Tradução)

Acidente da perfuração no cólon
Colonoscopia
Responsabilidade de indemnização civil
Autoridade sanitária
Culpa

Sumário

  I. Se o Tribunal Colectivo recorrido apreciasse as provas sem erro e confirmasse que o acidente da perfuração no cólon do autor não foi originada por falha do médico que realizou a colonoscopia em causa, o Tribunal ad quem não podia, de qualquer maneira (ou seja, independentemente de quê regime da responsabilidade civil que seja aplicável), confirmar nos termos da lei que a Ré, autoridade sanitária se devia responsabilizar pela indemnização civil pelo dito acidente da perfuração no cólon e pelo aspecto de saúde alegado pelo autor.
  II. Por outras palavras, na medida em que não se provou tanto a falha como o erro, tornava-se desnecessária a assunção da responsabilidade de indemnização pelos Serviços de Saúde, ou seja, empregador da médica em causa.
  
  Acórdão de 22 de Junho de 2006
  Processo n.º 127/2006
  Relator: Chan Kuong Seng
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.

I. Relatório e Fundamentação Fáctica e Jurídica da Sentença Recorrida

1. No dia 16 de Dezembro de 2005, o Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo proferiu a seguinte decisão de 1.ª instância sobre o recurso contencioso (processo administrativo) n.º 47/03-RA:

“Sentença
Processo n.º 47/03-RA
I
(A), identificado nos autos, intentou a acção de responsabilidade extracontratual contra os Serviços de Saúde de Macau, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a importância de MOP1.411.565,44. E para isso, invocou, em síntese, que: no decurso de uma colonoscopia realizada no Centro Hospitalar Conde S. Januário pela médica (B), funcionária daquele Centro, foi-lhe feita uma perfuração no cólon; aquele exame não era o recomendado para a situação clínica do autor e foi mal executado; em consequência da perfuração teve de ser submetido a uma intervenção cirúrgica mas nunca ficou curado, sentindo desde aí dores abdominais permanentes - deslocando-se normalmente curvado, tonturas, fraqueza generalizada, dificuldade em digerir os alimentos e em defecar; teve de procurar junto de médicos e instituições de saúde da República Popular da China uma cura para os seus males; toda esta situação lhe trouxe, para além dos danos morais, prejuízos de natureza patrimonial cujo ressarcimento agora pede.
*
O réu contestou, negando a acusação feita pelo autor e pedindo que se julgasse improcedentes todos os requerimentos da acção.
*
O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer final no sentido de ser julgada totalmente improcedente a acção, por não se verificarem todos os pressupostos, cumulativos, da responsabilidade civil que aqui se pretende efectivar, em especial, o nexo de causalidade entre a perfuração do cólon de que o autor foi vítima e os danos que pretende ver ressarcidos.
*
Pela sentença do dia 1 de Dezembro de 2004, este Tribunal negou provimento a todos os requerimentos da acção.
*
Não se conformando com a referida sentença, o autor interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Por decisão proferida no dia 9 de Junho de 2005, o Tribunal de Segunda Instância considera que, na apreciação dos factos, este Tribunal não deu resposta directa quanto aos factos em litígio referidos nos artigos 40° e 41°, base das investigações, e exige que volte a dar respostas relativas a tais factos.
Além disso, também exigiu que este Tribunal apurasse o seguinte facto em litígio que se acrescentara:
“A perfuração iatrogénica do cólon do autor, ocorrida no dia 5 de Março de 2001 foi causada pela Dra. (B), médica do quadro dos SSM, na realização da colonoscopia?”
*
No dia 7 de Novembro de 2005, este Tribunal apreciou, nos termos da lei, os factos ordenados superiormente e proferiu decisão sobre os factos litigiosos. O seu teor detalhado encontra-se na sentença recorrida constante de fls. 315 e v. E aqui se dá por reproduzido na íntegra.
*
O Ministério Público mantém a sua posição inicial.
II
Ficaram provados os seguintes factos:
Na consulta a que o A. se submeteu em 19 de Outubro de 2000, no Centro de Saúde de S. Lourenço, foi-lhe feito o diagnóstico provisório de "hipertrofia da próstata" e de "massa pélvica para estudo" (doc. 1 da contestação).
O subsequente CT scan ao abdómen e à pélvis realizado em 26 de Outubro de 2000 no Serviço de Imagiologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário assinalou "uma bem definida massa oval no recto" (doc. 2 da contestação).
Em 4 de Março de 2001, pelas 10H00, o A. foi internado no Serviço de Cirurgia I do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, para se submeter a uma colonoscopia de diagnóstico e eventual biópsia visando a referida "massa" (fls. 119 do proc. clínico apenso).
A colonoscopia foi realizada em 5 de Março de 2001, pela Dr.ª (B), médica especialista de medicina interna e de gastroenterologia dos quadros dos Serviços de Saúde (fls. 106 do proc. clínico apenso).
No decurso da colonoscopia, a Dr.ª (B) teve a suspeita de que podia ter ocorrido perfuração iatrogénica do cólon (fls. 107 do proc. clínico apenso).
O A. foi submetido a uma laparotomia entre as 16H15 e as 18H00 pelo Dr. (C), assistido pelos Dr. (D) e Dr. (E) (fls. 114, 115 do proc. clínico apenso).
Operação esta que revelou perfuração iatrogénica do cólon descendente-terço proximal.
Tendo sido efectuado o seguinte tratamento cirúrgico: sutura primária da perfuração e biópsia por agulha da massa pelvi-rectal (fls. 83 e 151 do proc. clínico apenso).
Foi feita biópsia à mucosa rectal, a que o respectivo relatório de macroscopia e de microscopia de 9 de Março de 2001 não atribuiu natureza maligna (fls. 134 do proc. clínico apenso)
O autor é titular do cartão de acesso aos cuidados de saúde da RAEM com o número XXX emitido pela Ré (Doc. n.º 2 da petição inicial).
A perfuração do cólon, no decurso da colonoscopia a que o autor foi submetido, ocorreu cerca das 11 horas.
O Dr. (D) disse que lamentou o sucedido.
No mencionado dia 28 de Agosto de 2002, numa reunião realizada no CHCSJ e que contou com as presenças do autor, da mulher deste, (F), do director clínico Dr. (G), da Sr.ª (H), das Relações Públicas do CHCSJ e do médico (I), Chefe do Gabinete do Utente do CHCSJ, foi prometido ao autor que seria arranjado um médico para o tratar de modo a corrigir as lesões resultantes da aludida perfuração do cólon.
No dia 4 de Setembro de 2002, pelas 11h00m, durante a consulta com o médico Dr. (J), este recomendou-lhe o tratamento com um afamado médico de Hong Kong, da Chinese University.
Na data em que foi submetido à colonoscopia o autor exercia a profissão de carvoeiro, na Carvoaria (K), com sede em Macau, […].
Auferindo um salário de MOP3.000,00 (três mil patacas) por mês.
Era motorista de automóveis pesados de mercadorias (fls. 45 e 82 do proc. clínico apenso).
O autor queixou-se de dores abdominais.
O autor recorreu aos serviços clínicos do Hospital de Kiang Wu.
Em consultas e tratamentos naquele hospital, despendeu a importância global de MOP5.339,00 (cinco mil trezentas e trinta e nove patacas). O autor procurou assistência médica junto de médicos ou instituições de prestação de cuidados de saúde da República Popular da China, havendo despendido a quantia global de RMB¥355,00 (trezentos e cinquenta e cinco remimbis) correspondente a MOP344,35 (trezentas e quarenta e quatro patacas e trinta e cinco avos).
Despendeu, ainda, em transportes que teve que utilizar nas deslocações dentro da RPC com vista aos tratamentos a que se submeteu a importância global de RMB¥l.940,30 (mil novecentos e quarenta remimbis e trinta avos) correspondente a MOPl.882,09 (mil oitocentas e oitenta e duas patacas e nove avos). O autor sofreu dores no transcurso da colonoscopia.
O autor sentiu angústia devido ao seu estado de saúde.
A partir de 4 de Março de 2001, data do internamento, o autor passou a ser monitorizado pelo cirurgião Dr. (C) que o esclareceu sobre a necessidade da realização do exame da colonoscopia.
Quando teve a suspeita de ter ocorrido a referida perfuração, a Dr.ª (B) solicitou o controlo do sucedido por "raio X", que permitiu diagnosticar a perfuração (fls. 107 do proc. clínico apenso).
E chamou o cirurgião Dr. (L), que apareceu no departamento de endoscopia e sugeriu o envio do paciente para a Cirurgia para mais investigações (fls. 107 do proc. clínico apenso).
Contactou ainda o cirurgião Dr. (E), avisando-o para estar disponível para operação.
Uma vez que, naquela altura, os outros cirurgiões de serviço Dr. (C) e Dr. (L) estavam a operar no Bloco Operatório.
Cerca do meio dia, o Dr. (C) ficou também ciente da situação e foi observar o A. à sala da enfermaria, para onde já tinha sido transferido, e esclareceu-o sobre a necessidade da operação.
O A. aceitou a operação de laparotomia e assinou o correspondente termo de responsabilidade (fls. 149 do proc. clínico apenso).
Até às 14H45, foram feitos os preparativos terapêuticos do A. para a operação sob a orientação do Dr. (C) (fls. 88 do proc. clínico apenso).
O A. chegou à sala de operações do Bloco Operatório pelas 15H35 (fls. 114 do proc. clínico apenso).
O anestesista Dr. (M) ministrou-lhe a anestesia pelas 15H45 (fls. 111 do proc. clínico apenso).
A opção pela operação - em vez de tratamentos não cirúrgicos da perfuração, também admissíveis - foi fundada na assunção médica de que, no caso, não operar envolvia mais elevado risco do que operar.
O resultado da operação foi notado de "bom" na correspondente informação clínica (fls. 151 do proc. clínico apenso).
Após a intervenção cirúrgica, até ao dia 13 de Março de 2001, não ocorreu ao autor nenhuma doença secundária.
E a referida perfuração já foi curada.
O autor teve alta no dia 13 de Março de 2001.
Com a indicação de ser seguido na consulta de cirurgia geral e posterior tratamento definitivo (fls. 83 do proc. clínico apenso).
“Tratamento definitivo” que visava a “massa pélvi-rectal”, objecto da biópsia realizada na operação.
Massa essa que no respectivo exame anátomo-patológico de 7 de Março de 2001, revelou ser um “tumor pélvico - compatível com “Schwannoma” (Neurilemmoma) (fls. 102 do proc. clínico apenso).
O que foi confirmado por exame de TAC ao abdómen e pélvis realizado pelo Serviço de Imagiologia em 22 de Maio de 2002 (fls. 145 do proc. clínico apenso).
O A. foi de novo internado no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em 28 de Maio de 2001, para operação ao diagnosticado tumor Schwannoma (fls. 79 do proc. clínico apenso).
Em 29 de Maio de 2001, o A. aceitou a operação e assinou o correspondente termo de responsabilidade (fls. 154 do proc. clínico apenso).
A operação foi realizada em 31 de Maio de 2001 pelo Dr. (J), tendo sido efectuado o seguinte tratamento cirúrgico: laparotomia de exploração; exsicam biópsia de nódulo de linfa do mesocolon (examinado no doc. 3); e exsicam do Schwannoma pélvico (fls. 68 e 79 do proc. clínico apenso).
O Dr. (J) aproveitou esta operação para verificar o estado do intestino na zona da primeira operação. O resultado da operação foi notado de “bom” na sua informação clínica (fls. 79 do proc. clínico apenso).
O A. teve alta em 5 de Junho de 2001 com marcação de consulta de cirurgia para o dia 13 de Junho de 2001 (fls. 79 do proc. clínico apenso).
Ficou com clipes de titânio utilizados na sutura desta segunda operação, realizada em 31 de Maio de 2001. São estes objectos que aparecem descritos nos relatórios do Serviço de Imagiologia de 4 de Feveriro de 2003 e de 3 de Abril de 2002 (fls. 127 e 136 do proc. clínico apenso).
Estes clipes são usados como instrumentos de sutura.
Depois desta segunda operação, o A. tem sido vigiado no CHCSJ, com a realização de exames de toda a sorte e atendimento em consultas das mais diversas especialidades: cirurgia geral, gasteroenterologia, urologia, pneumologia, imagiologia, neurocirurgia, psiquiatria, estomatologia (tal como resulta do processo de saúde do A. apenso aos autos).
No quadro resumo desses exames e consultas, realizados entre 15 de Agosto 2001 e 18 de Feveriro de 2004, foram observados os seguintes resultados: colite relacionada com o extraído Schwannoma, infecção “clonorchis sinensis” (de origem parasitária típica da zona de Cantão), LUTS, pneumoconiosis, lesão oral na mucosa bocal esquerda, tosse crónica (doc. 4 da contestação).
Foram realizados ao autor exames com vista à verificação de possíveis causas das queixas do A., e à observação das zonas objecto das duas intervenções cirúrgicas.
Com este propósito, foi-lhe realizado exame de "enema de barium do cólon" pelo Serviço de Imagiologia.
No relatório de 7 de Maio de 2002 lê-se: “Não foi encontrada qualquer lesão orgânica do cólon” (fls. 29 do proc. clínico apenso).
No relatório do TAC ao abdómen realizado no A. em 4 de Feveriro de 2003 lê-se: "O CT scan de abdómen e pélvis é normal" (fls. 26 do proc. clínico apenso).
No relatório do exame, realizado em 11 de Feveriro de 2003, de bário a todo o trato digestivo do A. (do esófago ao cólon), lê-se: “o estudo de bário transicional mostra uma certa dinâmica e anomalia mucosa conforme descrito acima, não se pode excluir processo inflamatório adesivo e desordem funcional do intestino delgado” (fls. 27 do proc. clínico apenso).
Na observação feita ao A. ao longo das consultas acima referidas, a última das quais em 2 de Janeiro de 2004 (doc. 5 da contestação), não foi anotado um estado de “fraqueza generalizada”.
Não foi observado qualquer impedimento à sua alimentação.
A probabilidade de “adesão intestinal”, e as esperadas “dor cólica abdominal ocasional ou mesmo obstrução” são efeitos possíveis de qualquer operação ao intestino, como resultado das fibroses da cicatrizarão cirúrgica, ou seja, dos tecidos reconstrutivos do corte cirúrgico formados na respectiva sutura, e são, por natureza, dores agudas.
Quanto à obstrução, a observação constante do A. ao longo das inúmeras consultas e exames acima referidos realizadas no CHCSJ desde que foi operado, não foi anotada qualquer obstrução do aparelho digestivo.
Para além do tumor Schwannoma o autor tinha outros problemas de saúde.
Em 20 de Outubro de 2000, o A. teve uma consulta externa nos Serviços de Urologia do CHCSJ, que registou hipertrofia da próstata.
Na folha da mesma consulta é anotada referência a sofrimento anterior de uma tuberculose pulmonar.
No diário clínico de fls. 48 do processo clínico apenso, são referenciados sofrimento de asma e uma tuberculose tratada durante 6 meses.
Motivo por que foi encaminhado para a consulta de cirurgia geral, que teve lugar em 26 de Outubro de 2000 (fls. 143 do proc. clínico apenso).
A esta consulta, o autor deixou de comparecer por sua iniciativa, conforme nota da Consulta Externa de Urologia de 16 de Feveriro de 2001. Vindo a retomá-la cerca de 4 meses mais tarde, em 22 de Feveriro de 2001 (fls. 43 e 144 do proc. clínico apenso).
A avaliação da situação clínica do A., nomeadamente nos termos anotados na consulta e no CT scan (cfr. docs. 1 e 2), recomendava como necessária a colonoscopia, nomeadamente, para: esclarecer a origem da massa pélvica detectada; distinguir a sua natureza (tumor benigno ou maligno); determinar se pertencia ao intestino ou se apenas o comprimia; e esclarecer sobre o tratamento a realizar.
Não se verificava o “quadro inflamatório do cólon”.
Nem foram detectados factores que pudessem fazer prever risco de perfuração.
Os dados clínicos e laboratoriais reunidos não registavam nenhum indicador contrário à opção pela colonoscopia.
E nem mesmo a observação cirúrgica propiciada pela laparotomia de resposta à perfuração permitiu identificar factor ou factores que a pudessem ter causado ou potenciado.
A Dr.ª (B) que, desde 1990 até à presente data, tem realizado uma média anual de cerca de 200 exames.
Tendo registado apenas o caso ocorrido com o A., de perfuração não querida nem prevista.
No caso do autor, procedeu-se à lavagem do intestino por clister, a medicação indicada, à preparação do material com a presença de enfermeira.
Na consulta de 4 de Setembro de 2002 com o Dr. (J), foi planeado o envio do A. para a consulta de psiquiatria do Dr. (O), na quinta feira seguinte (cfr. fls. 132 do proc. clínico apenso).
O autor foi encaminhado pelo CHCSJ para a consulta do Dr. (N), da Faculdade de Medicina da Universidade Chinesa de Hong Kong, que elaborou sobre a situação clínica do A. o relatório, dirigido ao Dr. (G).
O autor nasceu em 17 de Março de 1953 - documento de fls. 164 e seguintes.
III
A responsabilidade civil extracontratual da RAEM e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.° 28/91/M, de 22 de Abril.
Determina o seu art. 2°, n° 1, que “A Administração do Território (leia-se agora Região Administrativa Especial de Macau) e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante os lesados, pelos actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.”.
São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: a) o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; b) a ilicitude do acto, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; c) a culpa, incluindo o dolo e a negligência; d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral; e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Disso se depreende que os pressupostos deste tipo de responsabilidade são basicamente os mesmos da responsabilidade civil extracontratual decorridos de factos ilícitos, indicada no artigo 477.º, n.º 1, do Código Civil.
Porém, quanto à ilicitude do acto, a definição feita no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 28/91/M é mais ampla que a usada no Código Civil: Serão também considerados ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
No presente caso, o autor alega que os seus danos foram causados pela negligência do acto médico do hospital público.
Entretanto, dos factos apurados no decurso do julgamento não resulta que o exame de colonoscópia não seja conveniente à situação clínica do autor ou haja outra medida de exame mais adequada. Além disso, não se provou que a perfuração fosse originada por erro ocorrido no acto de exame.
Como não se provou a existência do nexo de causalidade objectivo entre o acto médico, em especialmente a colonoscopia, recebido pelo autor, e a sua situação física, não pode estar estabelecido um nexo de causalidade objectivo entre o rompimento do cólon e os alegados danos morais e económicos do autor, sobretudo as suas despesas nos serviços médicos, inclusive as despesas de deslocação.
Termos em que não procede a pretensão do autor.
IV
Por todo o exposto, este Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência, absolve o réu de todo o que é pedido.
Custas pelo autor, sem prejuízo do apoio judicial que lhe foi concedido.
Ao seu Ilustre Patrono Oficioso, fixa-se, a título de honorários, o montante de MOP3.000,00.
...”(cfr. o texto original da sentença constante de fls. 320 a 324 dos autos.)
Não se conformando com a sentença, veio o recorrente (A), por intermédio do seu advogado nomeado para prestar apoio judiciário, recorrer dela para este TSI, tendo apresentado motivação de recurso em português a fls. 331 a 346 dos autos, na qual pugnando pela existência de omissão, ambiguidade e contradição na sentença recorrida quanto à decisão proferida sobre as questões impugnadas, alegando a douta decisão padecer de erro na apreciação das provas, especialmente por ouvir como testemunha a médica (B) que inicialmente foi responsável pela realização da colonoscopia e esta não deve ser ouvida de acordo com a norma proibitiva consagrada no artigo 518.º do CPCM, além disso, indicando que o tribunal a quo não ponderou plenamente todos os elementos das provas aquando da apreciação das provas, enfermendo assim a douta decisão recorrida de 16.12.2005 de vício de nulidade referido nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPCM. Por fim, o recorrente entende que as provas constantes dos autos são suficientes para concluir que a entidade sanitária recorrida se deve responsabilizar pela indemnização civil por falha médica e o Tribuanl ad quem deve revogar a decisão recorrida, julgar totalmente procedentes todos os pedidos, ou pelo menos, mandar reenvio do processo para novo julgamento.
A propósito deste recurso, o representante designado para os efeitos pelos Serviços de Saúde de Macau, entidade administrativa recorrida, contestou os fundamentos alegados pelo recorrente, pugnando pela improcedência do recurso (cfr. o teor da contestação elaborada em português constante a fls. 357 a 363 dos autos) .
Traduzida a sentença recorrida para a língua portuguesa pelo pessoal tradutor do Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância, o Digno Magistrado do MP junto desta Instância teve vista do processo, opinando no seu douto parecer elaborado em português constante de fls. 385 a 388 dos autos pela improcedência do recurso.
Subsequentemente, constituído segundo a lei no seio deste TSI o Tribunal Colectivo, que já examinou todos os elementos e documentos juntos aos autos. Agora, cumpre decidir do recurso sub judice nos termos infra.

II. Fundamentação da Decisão do Presente Acórdão
Cabe desde já notar que o Tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pela recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente o Ac. deste TSI, de 27/1/2000 no Proc. n.º 1220), e considerando a doutrina do Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos administrativos, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente o acórdão deste TSI de 21/9/2000 no Proc. n.º 127/2000, sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso).
Cumpre agora lançar mão de resolver as questões colocadas pelo recorrente.
Antes de mais, quanto à questão de que o Tribunal Colectivo recorrido não pode ouvir o depoimento prestado pela médica (B), entende este TSI que em todo o caso, o autor não pode deduzir no presente recurso a arguição desta matéria à luz do disposto no artigo 149.º, n.º 2 do CPC que também é aplicável ao presente recurso administrativo, na medida em que a citação desta médica por parte do Tribunal Colectivo recorrido foi feita no início a pedido expressamente exigido pelo autor, aquela veio prestar declaração como testemunha do autor (cfr. nomeadamente o rol de testemunhas apresentadas pelo autor na p.i.), sendo assim, o autor não pode imputar ao Tribunal Colectivo recorrido a diligência probatória da inquirição ou audição da testemunha em causa, sob pena de incorrer em venire contra factum proprium.
Além disso, o autor invocou concretamente que o Tribunal Colectivo recorrido incorreu em erro aquando da apreciação do depoimento prestado pelo médico (J). Porém, ouvida mais um vez a cassete em que está gravado o depoimento prestado por este testemunha do autor, este Tribunal entende que o Tribunal Colectivo recorrido não incorreu em qualquer erro invocado pelo autor. De facto, este testemunha nunca disse que antes tinha pedido descuplas à mulher do autor, na qualidade de médico adjunto da direcção e em representação da entidade sanitária em causa meramente por causa da regra normal das necessidades das relações públicas, e representando esta entidade sanitária para confessar que se incorreu em erro no decurso da colonoscopia em causa. Nestes termos, não se vislumbra que o Tribunal Colectivo recorrido incorreu em qualquer falha aquando da apreciação do depoimento deste testemunha.
Por outra banda, depois de ter ponderado plenamente todos os factos controveitidos, provados e não provados pelo tribunal recorrido, não nos parece que existe omissão, ambiguidade e contradição na sentença recorrida quanto ao conhecimento de facto por parte do Tribunal Colectivo, razão pela qual a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo no dia 16 de Dezembro de 2005 que negou provimento ao recurso interposto pelo autor não padece do vício referido nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 571.º do CPCM. Tal como foi pugnado pelo Digno Delegado do Procurador junto desta instância no seu douto parecer jurídico de que, a decisão recorrida tem fundamentos suficientes, sem qualquer contradição, tendo o tribunal recorrido desempenhado bem a sua responsabilidade de julgamento e enunciação da fundamentação para decisão.
Pelo exposto, e dado que o Tribunal Colectivo recorrido confirmou a nível do conhecimento de facto que a perfuração no cólon do autor não é originada por falha médica no decurso da colonoscopia realizada pela médica (B), este Tribunal não pode, de qualquer maneira (ou seja, independentemente de quê regime da responsabilidade civil que seja aplicável) confirmar nos termos da lei que a Ré, entidade sanitária se deve responsabilizar pela indemnização civil pelo dito acidente da perfuração no cólon e pelo aspecto de saúde alegado pelo autor.
Por outras palavras, na medida em que não se provou tanto a falha como o erro, tornava-se desnecessária a assunção da responsabilidade de indemnização pelos Serviços de Saúde, ou seja, empregador da médica em causa.

III. Decisão
Nos termos acima expendidos, acordam em julgar improcedente o presente recurso interposto pelo recorrente.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (Porém, dado que o recorrente está beneficiado da decisão de concessão de apoio judiciário proferida pelo Tribunal a quo, continuando o recorrente a ser temporariamente isento do pagamento de custas até chegando a ser recuperada capacidade económica suficiente.
Ao Ilustre Advogado que prestou Apoio Judiciário e representou o recorrente para interpor recurso, fixa-se, a título de honorários, o montante de MOP2.500,00, a ser adiantado pelo GPTUI.
Ordena-se a notificação pessoal do presente acórdão ao recorrente e ao órgão recorrido, os SSM (Às cartas de notificação devem ser juntos o presente acórdão e a fotocópia da sentença recorrida).

Chan Kuong Seng (Relator) - José M. Dias Azedo - Lai Kin Hong