(Tradução)
Rejeição do recurso
Sumário
O Tribunal de Segunda Instância deve rejeitar o recurso, quando este é manifestamente improcedente.
Acórdão de 13 de Maio de 2004
Processo n.º 89/2004
Relator: Chan Kuong Seng
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
I. RELATÓRIO E FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO DA SENTENÇA A QUO
No âmbito dos autos de processo comum singular n.º PCS-094-03-3 do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Base em que era arguida A, entretanto julgada sob acusação pública do Ministério Público, foi proferida em 2 de Março de 2004 a respectiva sentença de primeira instância, nos termos seguintes (cfr. o texto original de fls. 66 a 67 dos autos):
“O Digno Magistrado do Ministério Público acusa a
Arguida:
A, de sexo feminino, casada, nascida a XXX na XXX, filha de B e de C, portadora do Salvo-Conduto da República Popular da China das Deslocações para Hong Kong e Macau n.º XXX, residente no XXX, morada da China: XXX.
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1. Factos acusados:
Em 25 de Janeiro de 1999, a arguida A foi levada para posto policial porque os guardas policiais descobriram ter expirado o prazo da autorização de sua permanência legal em RAEM, exibido no passaporte da R.P.C. n.º XXX de que é titular.
Na altura, a arguida sabia perfeitamente que o nome verdadeiro da sua mãe é C, porém, declarou falsamente à autoridade policial que o nome da sua mãe é D para encobrir o facto de sua imigração ilegal e permanência fora do prazo autorizado em Macau (fls. 16 a 18 dos autos).
A arguida, agiu de forma voluntária, dolosa e consciente, praticando as condutas acima referidas, bem sabendo que as suas condutas ilegais eram proibidas e punidas por lei.
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Imputa-lhe, assim, o M.ºP.º e vem acusada a arguida da prática de um crime de falsas declarações p. e p. pelo artigo 12.º n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, com a nova redacção dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto
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Mantendo-se inalterados os pressupostos processuais já fixados, procedeu-se de seguida à audiência de julgamento com observância do devido formalismo.
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2. Factos globais:
1) Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
Em 25 de Janeiro de 1999, a arguida A foi levada para posto policial porque os guardas policiais descobriram ter expirado o prazo da autorização de sua permanência legal em RAEM, exibido no passaporte da R.P.C. n.º XXX de que é titular. Na altura, a arguida sabia perfeitamente que o nome verdadeiro da sua mãe é C, porém, declarou falsamente à autoridade policial que o nome da sua mãe é D para encobrir o facto de sua imigração ilegal e permanência fora do prazo autorizado em Macau (fls. 16 a 18 dos autos).
A arguida agiu de forma voluntária, dolosa e consciente, praticando as condutas acima referidas, bem sabendo que as suas condutas ilegais eram proibidas e punidas por lei.
A arguida é doméstica, tendo a seu cargo 2 filhos e tendo como habilitações literárias o curso geral liceal.
Do C.R.C. da arguida não consta qualquer antecedente criminal.
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2) Não há outros factos por provar.
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3) Os factos acima referidos são dados por assentes com prova suficiente alicerçada nas provas constantes dos presentes autos, nomeadamente nas declarações dos dados de identificação pessoal a fls. 18 e 33, nas declarações prestadas pela arguida e nos depoimentos prestados pelas testemunhas durante a audiência de julgamento.
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3. Enquadramento juridico-penal:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Dispõe o artigo 12.º n.º 1 da Lei n.º 2/90/M de 3 de Maio, alterado pela Lei n.º 8/97/M de 4 de Agosto que: “Quem, com a intenção de se eximir aos efeitos da presente lei, declarar ou atestar falsamente, perante autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos.”
Apurados os factos em causa, verifica-se que a arguida cometeu o supracitado crime e que estão preenchidos todos os requisitos subjectivos e objectivos do tipo legal de crime previstos no referido diploma legal, que são imputáveis à arguida.
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Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e proteger os respectivos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. (artigos 64.º e 40.º do Código Penal). Com vista à protecção de bens jurídicos e à exigência de prevenção especial, o Tribunal entende que deve condenar a arguida na pena privativa da liberdade.
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Ao abrigo do disposto no artigo 65.º do Código Penal, a determinação da medida da pena concreta é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à conduta anterior ao facto e a posterior a este e às demais situações concretas apuradas, pelo que a arguida deve ser condenada na pena de 7 meses de prisão em relação à pratica de um crime de falsas declarações sobre a identidade.
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4. Decisão:
Face ao acima exposto, e nos termos da lei, o tribunal julga procedente a acusação e em consequência decide como segue:
Condenar a arguida A pela prática de um “crime de falsas declarações sobre a identidade” p. e p. pelo art.º 12.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, alterada pela Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto, na pena de 7 meses de prisão.
Após consideradas a personalidade da arguida, o seu comportamento anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, o Tribunal considera que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão já bastam para realizar as finalidades da punição, pelo que segundo o art.º 48.º, do Código Penal, decide suspender a execução da pena acima referida pelo período de dois anos.
Condenar a arguida a pagar um montante no valor de MOP$500.00 (quinhentas patacas), a favor do Cofre de Justiça e dos Registos e do Notariado, ao abrigo do disposto no artigo 24º/2 da Lei nº 6/98/M, de 17 de Agosto.
Condenar, ainda a arguida a pagar a mínima taxa de justiça e nas custas do processo, e fixar em MOP$400 os honorários devidos ao ilustre defensor oficioso;
Notifique e remeta o CRC.
[...]>>
Inconformada, veio a arguida recorrer através do defensor para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo apresentado motivação de recurso em português (ora constante de fls. 75 a 82 dos autos), em cujas conclusões imputou essencialmente à decisão recorrida o incumprimento por parte do Tribunal Judicial de Base da última parte do n.º 2 do artigo 355.º do CPPM e a contradição insanável na fundamentação, razões pelas quais peticionando a este TSI a renovação da prova quanto às questões em causa a fim de vir a proferir decisão que absolve a arguida, e se assim não se entender, mandar baixar os autos ao Tribunal Judicial de Base para repetição do Julgamento. (cfr. o texto original da motivação do recurso em português a fls. 81 a 82 dos autos).
A este recurso, respondeu o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido nos termos do art.° 403.° n.º 1 do CPP, opondo-se à pretensão deduzida pela recorrente e pugnando pela manutenção de decisão recorrida. (cfr. o texto original da mesma resposta em português a fls. 84 a 88 dos autos).
Subido o recurso para este TSI, a Digna Procuradora-Adjunta junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.° 406.° do CPP, emitiu o douto Parecer, em que sustenta que no seio desta instância não há necessidade de este Tribunal apreciar a decisão a quo quanto à dosimetria da pena, dado que a recorrente não deixou claro nas conclusões da sua motivação quais as normas foram violadas pelo Tribunal a quo aquando da aplicação da pena. (cfr. o parecer constante de fls. 94 dos autos).
No que toca a esta questão, ao exercer o direito de defesa consagrado no artigo 407.º n.º 2 do CPP, o ilustre defensor da arguida alegou que não houve nada para acrescentar nas conclusões da petição de recurso anteriormente apresentada. (cfr. o teor da resposta em português dada pela recorrente a fls. 102 dos autos )
Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.° 407.°, n.° 3, do CPP. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.°s Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.° 408.°, n.° 1, do CPP.
Ora, cumpre decidir do recurso sub judice nos termos infra.
II. FUNDAMENTAÇÃO DO PRESENTE ACÓRDÃO
Em primeiro lugar, o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso e não tem obrigação de apreciar todos os argumentos ou motivos por ele aí alegados para sustentar a procedência da sua pretensão (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220).
Ora, após analisadas as questões colocadas pela recorrente, o teor da decisão ora recorrida e os elementos decorrentes dos autos, entendemos que a solução concreta já se encontra patente na seguinte análise já judiciosa e perspicazmente empreendida pela Digna Procuradora-Adjunta no seu douto parecer, a qual aqui nos louvamos:
Em sede do recurso interposto para este Tribunal, a recorrente entende que na sentença condenatória proferida contra ela o Tribunal Judicial de Base não cumpriu a última parte do n.º 2 do artigo 355.º do CPPM e existindo na decisão recorrida a contradição insanável da fundamentação.
Vejamos, então, se existe tal contradição da fundamentação.
Como se sabe, o vício da contradição insanável da fundamentação a que alude o artigo 400.º n.º 2 al. b) do CPP resulta da contradição entre os factos - entre os factos provados ou entre os factos provados e não provados - constantes dos autos.
Alegando a arguida na sua motivação de recurso que o declarado na audiência de julgamento foi aquele que só sabia que o nome da sua mãe é C em Julho de 2002, altura em que pediu documentos comprovativos para efeitos da fixação de residência em Macau, mas a sentença consignou que na investigação feita por agente policial em 25 de Janeiro de 1999 ela “sabia perfeitamente que o nome verdadeiro da sua mãe é C, porém, declarou falsamente à autoridade policial que o nome da sua mãe é D para encobrir o facto de imigração ilegal e permanência fora do prazo autorizado em Macau”, pelo que entre os quais existe uma contradição notória.
É óbvio que a contradição indicada pela recorrente não resulta dos factos (provados e não provados) constantes da decisão recorrida, mas sim dos factos pertinentes que foram consignados pelo Tribunal Judicial de Base e ora postos em causa pela própria recorrente a partir da declaração por ela prestada.
Primeiro, dos autos não constam quaisquer elementos demonstrativos que a recorrente tinha prestado tal declaração em audiência de julgamento; segundo, mesmo que declarasse em audiência que só sabia que o nome da sua mãe é C em Julho de 2002, compete, ainda, ao tribunal ajuizar da veracidade da declaração por ela prestada segundo o princípio da livre apreciação da prova, e formando a sua convicção, consignando determinados factos ou não os consignando com base na análise sintética de outras provas.
Ora, o Tribunal a quo fez consignar na sua sentença que na altura em que a recorrente forneceu à autoridade policial os dados de identificação em 1999 já sabia perfeitamente que o nome verdadeiro da sua mãe é C, facto esse que não há nenhuma contradição com os outros factos provados ou não provados.
Alega ainda a recorrente que da sentença recorrida não constam em sentido real os motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, que se trata apenas de mera enumeração das respeitantes provas.
Nos termos do artigo 355.º n.º 2 do Código de Processo Penal, deve-se, na fundamentação da sentença, “constar da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
A jurisprudência de Macau tem entendido que na fundamentação da sentença há que afastar uma perspectiva maximalista – devendo ter-se em conta, sempre, os ingredientes trazidos pelo caso concreto.
Da sentença recorrida resulta que além de ter enumerado os factos provados e mencionado que “não há outros factos por provar”, indicou ainda as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, das quais constam “a declaração de identidade, as alegações feitas pela arguida e os depoimentos prestados pelas testemunhas em audiência de julgamento, respectivamente a fls. 18 e a fls. 33 dos autos”.
Com base na análise sintética dos dados de identificação declarados e preenchidos pela própria recorrente, dos depoimentos da parte acusadora e alegações feitas pela recorrente em audiência de julgamento sobre a situação da descoberta e investigação das falsas declarações prestadas pela recorrente, o Tribunal formou a sua convicção segundo as regras da experiência humana na normalidade das situações, fez consignar os factos de que a recorrente foi acusada, com tudo isto podemos compreender o processo de formação de convicção do tribunal recorrido, nada mais a acrescentar para a sua explicação e esclarecimento. Ademais, tinha ainda o Tribunal a quo o cuidado de desenvolver a qualificação jurídico-penal dos factos em análise para justificar os motivos jurídicos da determinação da pena aplicada à recorrente.
Assim sendo, afigura-se-nos que a decisão recorrida satisfaz basicamente a exigência legal quanto à fundamentação da decisão, razão pela qual não existe violação do artigo 355.º n.º 2 do CPP conducente à nulidade da decisão.
Nestes termos, de acordo com a análise feita pelo Ministério Público, sendo manifestamente improcedente o recurso quanto à esta questão formulada pela arguida e devendo negar provimento ao recurso quanto a esta parte.
Por fim, alegou ainda a arguida na sua petição de recurso que devido à situação concreta do presente caso, a pena que lhe foi aplicada pode e deve ser diminuída ou até dispensada.
No que diz respeito à dosimetria da pena, tal como foi deduzido pela Digna Procuradora-Adjunta do Ministério Público, o presente Tribunal não tem necessidade de analisar esta questão, isto porque nos termos do artigo 402.º n.º 2 do CPP, versando matéria de direito, deve o recorrente indicar ainda nas conclusões da motivação as normas jurídicas que entende violadas pela sentença recorrida, sob pena de rejeição. Por outras palavras, dado que a recorrente não deixou claro quer nas conclusões, quer no corpo do texto da motivação, quais as normas foram violadas pelo Tribunal a quo aquando da aplicação da pena, razão pela qual o presente Tribunal há que rejeitar o recurso.
Em suma do acima exposto, deve o presente Tribunal rejeitar por inteiro o recurso por duas ordens de fundamentos supracitados.
III. DISPOSITIVO
Em suma do acima exposto, acordam em rejeitar o recurso, com consequente manutenção da decisão a quo.
Custas do recurso pela recorrente, que incluem 2 UC (MOP$1.000,00) de taxa de justiça (fixada nos termos conjugados dos art.°s 72.°, n.° 1, e 69.°, n.° 1, do Regime das Custas nos Tribunais) e 3 UC (MOP$1.500,00) de sanção pecuniária devida pela recorrente por causa da rejeição do seu recurso, aplicada por força do disposto no art.° 410.°, n.° 4, do Código de Processo Penal e no art.° 4.°, n.° 1, alínea g), do Decreto-Lei n.° 63/99/M, de 25 de Outubro, aprovador do mesmo Regime das Custas. Condena, ainda, a recorrente a pagar MOP $800,00 de honorário a favor do Exm.° Defensor.
Notifique o presente acórdão à própria pessoa da recorrente e ao Ministério Público.
Notifique a presente decisão à PSP e ao Instituto de Promoção e Investimento de Macau.
Chan Kuong Seng (Relator) – José Maria Dias Azedo – Lai Kin Hong