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(Tradução)
  
  Forma processual
  Forma sumária
  Flagrante delito
  Nomeação do defensor
  Idoneidade do defensor
  Ausência do defensor
  Fundamentação da sentença
  Valoração de provas
  Erro notório na apreciação da prova
  Vício da insuficiência dos factos
  
Sumário

  I – Em geral, são julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos.
  II – É flagrante delito todo o crime que se está cometido ou se acabou de cometer. A determinação do arguido como flagrante delito é uma questão processual e tal facto pode não constar totalmente dos factos provados da sentença, mas os elementos constantes do processo podem também servir de objecto para a determinação.
  III – O CPPM garante plenamente ao arguido a escolha de defensor ou a solicitação ao juiz que lhe nomeie um, em qualquer fase do processo, consagrando também que a ausência do defensor no julgamento constitui nulidade insanável para o julgamento.
  IV – Não tendo o arguido constituído defensor, o tribunal nomeia-lhe um, de preferência advogado.
  V – Não sendo possível nomear um advogado ou advogado estagiário, o tribunal pode nomear uma pessoa idónea como defensor provisório do arguido.
  VI – O arguido pode sempre requerer ao tribunal a substituição do defensor, nomeadamente com a causa justa de este não ser a pessoa idónea.
  VII – Se o que o recorrente põe em causa é a idoneidade do defensor e não a ausência de defensor, o interessado tem de impugnar primeiro pela não idoneidade do defensor.
  VIII – O vício em conhecimento dos factos na sentença, a nulidade da sentença e a violação das regras de valoração das provas são distintos entre si, sendo também diferentes os efeitos jurídicos provocados e não podem ser confundidos.
  IX – Para servir de prova pericial, a sua produção tem de seguir as disposições do artigo 139.º e seguintes do CPPM, caso contrário, só podem servir de prova documental normal.
  X – No processo sumário, os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa.
  XI – Apresentado pela parte acusatória, o relatório pericial junta-se como prova documental ao auto de notícia que serve como acusação. Na acusação oral o MP já tinha praticamente exposto este relatório pericial em juízo. Os arguidos tinham conhecimento perfeito sobre o seu conteúdo e podiam fazer livremente uma defesa legal para que se torne uma das provas para a convicção do tribunal.
  XII – Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando o juiz tiver feito, para a generalidade das pessoas, uma confirmação factual contrária aos factos provados ou não provados e tiver contrariado os princípios gerais da experiência comum ou violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova. Este erro notório ainda existe nos casos em que dos factos provados pelo juiz chega-se a uma conclusão logicamente inaceitável.
  XIII – Entende-se por insuficiência dos factos a existência duma lacuna nos factos provados que implique a impossibilidade de fazer uma decisão jurídica ou solução adequada.
  
Acórdão de 14 de Novembro de 2002
Processo n.º 65/2002
Relator: Choi Mou Pan


O TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM CONSTITUIU O COLECTIVO SOBRE O RECURSO INTERPOSTO POR (A) CONTRA A DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DE BASE, ACORDANDO O SEGUINTE:
  
No processo sumário penal n.º PSM-009-02-6 do Tribunal Judicial de Base, os arguidos (A) e (B) foram submetidos a julgamento pela prática de um crime de comércio de cópias ilícitas previsto e punido pelo artigo 212.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M.
Realizada a audiência, o tribunal singular decidiu o seguinte:
1. Os arguidos (A) e (B) foram acusados e condenados de terem cometido crime de comércio de cópias ilícitas previsto e punido pelo artigo 212.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M.
2. O primeiro arguido (A) foi condenado à pena de prisão de nove meses, com execução imediata. Tendo em conta os seus registos criminais e a atitude de não se mostrar arrependimento no julgamento, o tribunal considerou que a suspensão da pena já não tinha qualquer efeito.
3. A segunda arguida (B) foi condenada à pena de prisão de sete meses, suspensa por um período de dois anos.
4. Os dois arguidos foram ainda condenados a pagar, respectivamente, uma taxa de justiça que se fixa em 2 UCs, uma doação de MOP500,00 à Cofre dos Assuntos de Justiça, custas de defesa de MOP100,00 ao defensor, assim como as custas judiciais por responsabilidade solidária.
5. Foram comunicadas e remetidas as certidões de registo criminal.
6. Foi passado imediatamente o mandado de condução do primeiro arguido (A) para que cumprisse a pena no EPM.
7. Foi posta em liberdade a segunda arguida.
Após o trânsito em julgado:
8. Confisca-se o dinheiro apreendido.
9. Confiscam-se e destroem-se os videogramas contrafeitos, ficando os restantes videogramas à disposição adequada dos Serviços de Alfândega.
10. Confiscam-se e destroem-se os restantes produtos apreendidos.
Inconformado com a decisão, o arguido (A) recorreu, através do seu defensor, a este tribunal, que motivou, em síntese, o seguinte:
1. Não existindo flagrante delito, não poderia o arguido ter sido julgado em Processo Especial, nomeadamente em Processo Sumário Crime – cfr. arts. 239.º, 240.º, 362.º e 106.º do CPPM;
2. Atendendo ao que se expôs quanto à defesa oficiosa do arguido, conclui-se pela violação do seu direito de informação e pela ausência de defesa, com a consequente violação do seu Direito Fundamental de ser representado por Advogado – cfr. arts. 53.º, n.º 1b), 51.º, 52.º, n.º 2 e art. 36.º da Lei Básica da R.A.E.M.;
3. A matéria de facto dada por assente é, pelo que se expôs, manifestamente insuficiente para se verificar o preenchimento legal do tipo e da culpa do arguido – vício a que alude a alínea a), do n.º 2 do art.º 400.º, do CPPM;
4. Os factos referidos e dados como provados são contraditórios entre si – vício a que alude a alínea b), do n.º 2 do art.º 400.º, do CPPM;
5. Serviram para formar a convicção do tribunal relatórios periciais não confirmados ou negados no Julgamento, uma vez que os peritos não depuseram – arts. 336.º e 400.º do CPPM;
6. Houve, claramente, erro notório na apreciação da prova – vício a que alude a alínea b), do n.º 2 do art.º 400.º, do CPPM;
7. A sentença recorrida é nula – por violação do disposto nos arts. 355.º e 360.º do CPPM;
8. Nos termos do art.º 410.º do CPPM, no que concerne aos recursos respeitantes à matéria de facto, exige-se que se verifiquem os vícios constantes no art.º 400.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, não se incluindo neles defeitos que estejam para além da decisão recorrida, apreciada por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nem meras perspectivas pessoais do recorrente acerca da matéria de facto assente;
9. A Sentença recorrida viola o art. 29.º da Lei Básica da R.A.E.M., porque o arguido não praticou os factos que lhe são imputados, motivo porque os não confessou;
10. A decisão recorrida, interpretada de per se, com a experiência comum e com os elementos nela constantes, encontram-se inquinada dos apontados vícios.1
O MP respondeu à motivação do recorrente, defendendo em síntese o seguinte:
1. A forma de processo sumário foi correctamente aplicada uma vez que se verificou todos os requisitos do art. 362.º do CPPM designadamente a detenção em flagrante delito conforme os factos dados como provados;
2. O disposto no n.º 2 do art. 51.º do CPPM permite a nomeação de defensor ao arguido, e conforme jurisprudência por pessoa idónea;
3. Não houve oposição expressa do arguido na audiência de julgamento, antes pelo contrário, tinha aceitado, pelo que não se aplica o n.º 2 do art. 52.º do CPPM;
4. Não se verificou a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas o Recorrente procurou simplesmente questionar a convicção do tribunal, matéria que vigora o princípio de livre apreciação da prova nos termos do art. 114.º do CPPM;
5. O mesmo diz respeito ao fundamento de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.2
Assim sendo, cumpre-se rejeitar o recurso e manter a decisão do tribunal a quo.
No presente procedimento de julgamento do recurso, o Exm.º Procurador-Adjunto junto deste Tribunal deu o douto parecer jurídico, mantendo a sua pretensão constante na contestação ao recurso e sugerindo a rejeição do recurso.
Este Tribunal constituiu o Colectivo sobre o recurso do (A) e apreciou nos termos da lei.
Tendo os juízes adjuntos visto o processo, o Colectivo convocou a audiência, fez o debate e a votação com a sentença seguinte:
Dos factos
Em 22 de Janeiro de 2002 o pessoal alfandegário foi ao Centro de Decorações e Laser Audiovisuais XXX sito no (…), para investigar, conforme a ordem superior, a suspeita venda de videogramas piratas.
Nesta acção encontraram-se no local referido os arguidos (A) e (B) que estiveram a vender videogramas piratas ao público. Foram apreendidos entretanto os videogramas suspeitos de serem piratas, dinheiro proveniente da venda e outros utensílios mencionados na página 20 do processo.
O pessoal alfandegário descobriu que a loja era dividida em duas partes. A parte dianteira destinava-se à venda de sumo e bebidas, a parte traseira era dividida numa sala pequena e havia uma caixa registadora e uma lista de índice que exibe diversas capas de videogramas.
O pessoal alfandegário descobriu que os dois arguidos registavam primeiro os videogramas escolhidos pelos clientes, depois emitiam uma factura para os clientes buscarem mais tarde os videogramas em causa.
Entretanto, os dois arguidos iam à esquina duma escada entre os primeiro e segundo andares do edifício da fase I do Jardim XXX, sito na (…), onde se encontrava uma caixa de madeira pré-arranjada (que estava coberta dum tapete) para se levantarem os videogramas em causa.
Na revista que foi então efectuada ao arguido detido (A), foram-lhe encontrados a chave para a caixa de madeira, dois videogramas levantados há pouco da caixa e o montante de MOP3.800,00.
Conforme referido no processo, o montante apreendido provinha dos lucros adquiridos pelos arguidos na venda dos videogramas.
Por outro lado, foram encontradas MOP690,00, umas facturas e três livros de índice de videogramas na gravata da loja.
Foram ainda encontrados 15 videogramas num armário da loja.
Segundo a perícia efectuada pelos peritos da IFPI - HK e da Film and Video Security Ltd - HK, dentro de todos os 359 videogramas apreendidos, 164 eram produtos que violavam os direitos de autor (ver as páginas 21 e 24).
Os arguidos agiram, de forma consciente, livre e voluntária.
Tendo perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Entretanto, os arguidos declararam o estado pessoal seguinte:
O primeiro arguido (A), desempregado, teve a seu cargo uma filha que estava a estudar numa universidade da China e cinco filhos menores em Macau.
Conforme o registo criminal, o arguido não é delinquente primário (ver o certificado de registo criminal).
A segunda arguida (B), desempregada, portadora de documento de viagem, é cunhada do primeiro arguido (a mulher do primeiro arguido é sua irmã mais velha).
Conforme o registo criminal, a arguida é delinquente primária.
Os dois arguidos não confessaram os factos, negando a acusação em causa.
Não se mostraram arrependidos.
O recorrente apresentou as seguintes questões:
Primeiro, o tribunal não devia ter conhecido a causa em processo sumário, uma vez que não estive mencionado nos factos provados que os arguidos eram flagrantes delitos;
Segundo, o tribunal não nomeou preferencialmente advogados ou advogados estagiários como defensores dos arguidos. Pelo contrário, nomeou um escrivão do tribunal como defensor dos arguidos. Esta nomeação era irregular pois resultava na falta de defesa dos arguidos;
Terceiro, existiam a insuficiência de facto, a contraditoriedade irreparável da razão de facto e o vício de erro notório na apreciação da prova, que constituíam na nulidade da sentença (artigo 360.º).
Assim, vamos analisar um por um os fundamentos do recurso.

1. Forma processual
As condições para a aplicação do processo sumário como forma do processo especial estão previstas no artigo 362.º do Código de Processo Penal:
“1. São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo não superior a 3 anos, ainda que com pena de multa, quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial e a audiência se iniciar no máximo de 48 horas, sem prejuízo do disposto no artigo 367.º
2. Não tem lugar o julgamento em processo sumário quando o arguido não tiver ainda, ao tempo do facto, completado 18 anos.”
O recorrente pôs apenas em causa que o julgamento não preenchia os requisitos para “flagrante delito”, i.e., a presente causa não tinha a ver com “flagrante delito”, não devendo portanto aplicar o processo sumário.
Obviamente isto não tem razão.
Os requisitos para a constituição do flagrante delito estão previstos no artigo 239.º do Código de Processo Penal:
“1. É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.
2. Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou de nele participar.
3. Em caso de crime permanente, o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar.”
Para determinarmos se um arguido é flagrante delito, não é necessário que se revelam nos factos provados os requisitos aplicáveis, tal como está pretendido pelo recorrente, mas isto determina-se por todo o conteúdo constante do processo. A razão é que a determinação do arguido como flagrante delito é uma questão processual e tal facto pode não constar totalmente dos factos provados da sentença, mas os elementos constantes do processo podem também servir de objecto para a determinação.
Do auto de notícia levantado pelo pessoal alfandegário constante nas páginas 2 a 4 do processo, não é difícil verificar que os arguidos se encontram no caso de “estar a praticar” um crime previsto no artigo 239.º do Código de Processo Penal: Em 22 de Janeiro de 2002 às 8H03 o pessoal alfandegário interceptou o arguido (A) que se encontrava na escada do edifício da fase I do Jardim XXX, a tirar mercadoria para entregar ao cliente; ao mesmo tempo, interceptou a arguida (B) que esteve a atender os clientes na loja XXX, sita na (…).
Indubitavelmente, os arguidos são flagrantes delitos, pelo que a forma processual aplicada pelo tribunal é legal.

2. Nomeação do defensor
A crítica do recorrente contra a nomeação de defensor dos arguidos pelo tribunal também não tem razão.
Sabemos que o CPPM garante plenamente ao arguido a escolha de defensor ou a solicitação ao juiz que lhe nomeie um, em qualquer fase do processo (al. d do n.º 1 do artigo 50.º), consagrando também que a ausência do defensor no julgamento constitui nulidade insanável para o julgamento (al. b do artigo 106.º).
Também está previsto nos casos em que a lei determinar que o arguido seja assistido por defensor e aquele o não tiver constituído ou o não constituir, o juiz nomeia-lhe defensor, de preferência advogado. (n.º 2 do artigo 51.º)
Podemos ver, através do auto de julgamento da causa, que antes da abertura da audiência, o juiz nomeou “o escrivão adjunto deste Juízo, (C), como defensor dos arguidos”, conforme al. c) do n.º 1 do artigo 51.º, al. b) do n.º 1 do artigo 53.º e n.º 2 do artigo 51.º do CPPM.
O arguido pode sempre requerer ao juiz que substitua o defensor, por justa causa (n.º 3 do artigo 55.º). No presente processo, o arguido nunca pôs em causa, durante o percurso do julgamento, a nomeação pelo tribunal, mas indicou um facto não provado no presente processo, que é “a Associação de Advogados nomeia advogados exclusivamente para serem defensores nomeados”, o que é inaceitável. Por outro lado, o facto que referiu, em que o “defensor exclusivo” pode ser nomeado a qualquer momento na abertura da audiência, não pode ser confirmado no processo.
É verdade que o auto de julgamento do tribunal a quo devia ter referido que na altura não esteve presente nenhum advogado ou advogado estagiário para ser nomeado. Mesmo assim, esta falta de referência é apenas, ao máximo, uma das irregularidades previstas no artigo 110.º e não resultaria na nulidade pela ausência de defensor.
Na realidade, o que o recorrente pôs em causa era a idoneidade do defensor, e não a questão da ausência de defensor. Embora a não idoneidade do defensor possa resultar na falta efectiva de defensor, o interessado devia impugnar primeiro pela não idoneidade do defensor. Quanto à censura da irregularidade pelo recorrente, além do pedido referido de mudança do defensor, para tornar a possível irregularidade referida num acto inválido, o recorrente tinha de deduzir a oposição nos termos previstos no artigo 110.º do CPPM, ou seja, arguir no momento em que intervinha no próprio acto processual. Neste sentido, a dedução de oposição do recorrente no recurso é inoportuna. Assim, esta parte da acção é improcedente.

3. Vício da sentença
O recorrente apresentou depois o seu ponto de vista do vício da sentença na apreciação dos factos. No entanto, nesta questão misturou “as questões de nulidade da sentença (art. 360.º) e de violação das regras de examinação e valoração de provas (art. 336.º).”
As três questões são distintas, sendo os efeitos jurídicos provocados diferentes e não podem ser misturadas.
O vício da sentença é o vício do tribunal na apreciação dos factos e corresponde aos vícios previstos no n.º 2 do art. 400.º do CPPM, que pode ter como efeito jurídico a nulidade de todo o julgamento e o novo julgamento por outros juízes. A nulidade da sentença prevista no art. 360.º refere-se à nulidade em termos formal da sentença, o que resulta apenas na nulidade da própria sentença. A não ser outros motivos legalmente previstos, geralmente não resulta na repetição do julgamento e substituição do juiz; por seu turno, a violação prevista no art. 336.º resultaria na nulidade do próprio acto processual na actividade de julgamento3, o que implicará a realização de novo daquele acto processual.
A consideração pelo recorrente da nulidade prevista no art. 360.º do CPPM como um resultado provocado pelo vício da sentença na apreciação de factos é um erro de interpretação jurídica, porque estes vícios, nomeadamente a insuficiência dos factos, a contradição insanável entre os factos e o erro notório na apreciação da prova, não correspondem aos casos de violação aos requisitos previstos no n.º 2 do art. 355.º, de “falta de fundamentação”.
Por exemplo, nos pontos 42 a 59 da epígrafe IV do recurso, estiveram elencadas uma série de dúvidas referentes aos factos provados. Na medida em que pus em dúvida a contrariedade entre os factos (ponto 45), pus também em dúvida a insuficiência dos factos (ponto 57), concluindo portanto com base nestas dúvidas a nulidade da sentença – art. 360.º – (pontos 58 e 59).
É também um erro do recorrente em considerar a violação às normas de valoração de provas previstas no art. 336.º como um dos casos de erro notório na apreciação das provas.
Embora a confusão dos argumentos do recorrente tivesse provado algumas dificuldades no conhecimento por parte deste tribunal, se não nos enganamos, as questões apresentadas pelo recorrente são principalmente as seguintes:
1) Violação das regras de valoração de provas:
O recorrente referiu que o tribunal a quo formou a convicção com base nos relatórios periciais sobre os discos audiovisuais feitos pelos Serviços da Alfândega, não tendo sido porém estes peritos chamados à audiência, violando assim as normas do art. 336.º do CPPM.
Nos termos do art. 336.º do CPPM:
“1. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2. Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes.”
No presente caso, o tribunal fez o juízo dos factos com base na prova documental constante da acusação, no depoimento dos dois arguidos e nas declarações das testemunhas deste processo. (Ver a página 54 do processo)
Apesar de não podermos conformar que os relatórios periciais sobre os discos audiovisuais sirvam para prova pericial, tal como está pretendido pelo recorrente, visto que a sua produção não corresponda ao disposto no art. 139.º e os seguintes do CPPM, mas que só servem duma prova documental normal, ainda temos de ver se estes relatórios periciais podem servir como uma prova documental para formar a convicção do tribunal.
Sabemos que no processo sumário, os actos e termos do julgamento são reproduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (art. 366.º do CPPM). Por exemplo, o MP pode substituir a apresentação da actuação pela leitura de auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção (n.º 3 do art. 370.º). É verdade que o tribunal tem de respeitar rigorosamente os princípios e regras fundamentais para a constituição do processo penal, tais como o princípio do contraditório, os princípios da livre convicção e da livre apreciação da prova, as regras da valoração de provas, etc. No entanto, não se deve tratar com um formalismo restrito certas condutas que não afectem a apreciação do caso pelo tribunal quanto ao respeito pelas disposições relativamente secundárias do código processual.
Em princípio, nos termos do referido art. 336.º, salvo em condições legais foi feita em audiência a leitura das “provas contidas em actos processuais”, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Segundo o que se revela na página 53 dos autos de audiência, embora os relatórios periciais (prova documental) estivessem apensos no auto de notícia dos Serviços da Alfândega, não foram examinados pelo tribunal depois da audiência, assim, parece que o tribunal a quo tinha violado o disposto no art. n.º 336 por ter considerado estas provas não examinados em audiência como uma das provas para a formação da convicção. Isto não é verdade. O que o art. n.º 336 exige é apenas o debate público de todas as provas que influenciam a convicção do juiz.
O relatório pericial juntou-se como prova documental ao auto de notícia que servia como acusação. Na acusação oral o MP já tinha praticamente exposto este relatório pericial em juízo. Os arguidos tinham conhecimento perfeito sobre o seu conteúdo e podiam fazer livremente uma defesa legal.4
Assim, não podemos dizer que estas provas documentais não podem servir como prova para formar a convicção do tribunal por não terem sido examinadas em audiência. Pelo que o recurso não procede no que respeita a esta motivação do recorrente.
Já falámos antes que a violação destas regras não equivale o vício de erro notório na apreciação da prova. Por isso esta questão não será conhecida.
2) Contradição insanável da fundamentação e vício da insuficiência dos factos:
O recorrente refere que “Dos factos apurados no caso, não é difícil aos homens ordinários concluir que: Por um lado, os factos provados são manifestamente insuficientes para fazer uma decisão jurídica; por outro lado, existe contradição insanável entre os factos provados; falta absoluta de racionalidade lógica no decurso dos factos.
Desligamos a conclusão da nulidade da sentença à qual o recorrente chegou com base nisto e vamos ver apenas duas questões fundamentais por dentro, ou seja, as questões indicadas na epígrafe.
Em relação à contradição insanável entre os factos, o recorrente acha que são incompatíveis os factos reconhecidos na sentença:
Conforme os factos provados pelo tribunal, por um lado refere que o primeiro arguido foi examinado na loja “M” sita na Av. de Évora, enquanto a segunda arguida se encontrava lá a vender videogramas piratas, mas por outro lado refere que o pessoal alfandegário descobriu que os dois arguidos registaram primeiro os videogramas que os clientes quiseram comprar e depois deram-lhes uma factura com que esses clientes levantaram depois as mercadorias. Pergunta-se: se quem vendeu os videogramas foi a arguida, o que esteve o primeiro arguido a fazer?
Sabemos que, segundo a jurisprudência estabelecida, o erro notório na apreciação da prova existe só nos casos em que o juiz fez uma decisão que, para a generalidade das pessoas, contrarie o que ficou provado ou não provado, contrariando também as normas de experiência em geral ou as regras vinculativas de prova. É tão óbvio que não pode fugir aos olhos dos observadores em geral.5 Este erro notório ainda pode existir nos casos das conclusões logicamente inaceitáveis dos factos provados pelo juiz.6
Basta vermos os factos provados pelo tribunal acima transcritos, não é difícil descobrir que não existem os casos incompatíveis referidos pelo recorrente. Pelo contrário, eles são unânimes, uma vez que através do contexto, podemos ver que alguns factos referem ao modo geral das transacções ilegais feitas pelos arguidos, enquanto outros acontecem quando foram interceptos.
Assim, o recurso é improcedente neste aspecto.
Quanto à questão da suficiência dos factos provados, o recorrente acha que é insuficiente provar apenas a existência de “clientes”. Do ponto de vista lógico, é preciso indicar quem são eles, quando, onde e a que preço compraram os videogramas. Além disso, o tribunal reconhece que o dinheiro apreendido do corpo do primeiro arguido é dinheiro que ganha através da venda dos videogramas piratas. Se não há outros factos a sustentar, como se pode apurar este facto?
Sabemos que, entende-se por insuficiência dos factos a existência duma lacuna nos factos provados que implique a impossibilidade de fazer uma decisão jurídica ou solução adequada.
Através dos autos, podemos ver que o tribunal não tem apenas provado todos os factos apresentados na acusação do MP, não há factos não provados, fez um conhecimento completo sobre o objecto da acção, como também fez uma incriminação igualmente correcta para nós, não havendo nenhuma lacuna que possa causar a impossibilidade de fazer uma aplicação da lei adequada. Assim, não existe o problema do vício da suficiência dos factos provados.
Além disso, o recorrente refere que “o tribunal não consegue provar que o dinheiro provém da venda ilegal dos videogramas”, está obviamente a pôr em questão a convicção do tribunal, o que é juridicamente inaceitável e é uma violação do princípio da livre apreciação de prova pelo tribunal.
Portanto, não existe o vício da insuficiência dos factos posto em questão pelo recorrente, a questão que sobra é a incriminação conforme os factos.
Na sua conclusão, o recorrente refere que os factos provados são insuficientes para condenar os arguidos pelos crimes acusados. Por outro lado, a condenação dos arguidos quando não praticaram os factos é uma violação do artigo 29.º da Lei Básica.
No entanto, o recorrente não referiu estas questões na motivação do recurso e como tal, corresponde ao caso de falta da enunciação dos fundamentos do recurso, referido no n.º 1 do artigo 402.º do CPPM e não devem ser apreciadas.
Mesmo assim, ainda podemos ver se a qualificação jurídica do tribunal a quo está correcta ou não.
Nos termos do artigo 212.º do Decreto-Lei n.º 43/99/M:
“1. Quem, com intenção de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, e sabendo ou devendo saber da usurpação ou contrafacção, vender, puser à venda, armazenar, importar, exportar ou por outra forma distribuir em escala empresarial cópias de obra usurpada ou cópias de obra, fonograma ou videograma contrafeitos, tenham essas cópias sido produzidas no Território ou no exterior, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”
Deste artigo, é fácil ver que a simples armazenagem de fonograma ou videograma piratas para benefício ilegítimo já constitui este crime e não necessita a verificação dos factos indicados pelo recorrente, ou seja, quem compra e em que situação e condição. São condenados indubitavelmente por este crime de acordo com o modo de comercialização dos arguidos revelado nos factos dos autos, a quantidade dos videogramas apreendidos, etc. A qualificação do tribunal a quo está correcta e deve ser sustentada.
Nos termos expendidos, acordam neste tribunal de Segunda Instância a improcedência do recurso do arguido (A), mantendo-se na íntegra a decisão do tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCs.

Choi Mou Pan (Relator) – José Maria Dias Azedo – Lai Kin Hong
1 Conclusão constante do recurso em português apresentado pelo recorrente.
2 Conclusão da resposta em português entregue pelo MP.
3 Ver a sentença do recurso n.º 138/2000 deste tribunal, de 29 de Setembro de 2000.
4 Cfr. a jurisprudência dos acórdãos do processo n.º 46218 de 23 de Março de 1994 e do processo n.º 46600 de 9 de Novembro de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (que foi invocada aqui apenas como teoria).
5 São muito vulgares as decisões judiciais com esta posição, por exemplo, os acórdãos do TSI de 27 de Janeiro de 2000 e de 3 de Fevereiro de 2000 processos de recurso n.ºs 1265 e 1261.
6 Acórdão n.º 101/2000 do TSI de 29 de Junho de 2000.
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