(Tradução)
Âmbito de conhecimento da causa
Lei de Imigração Clandestina
Art.º 4.º, n.º 2, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio
Ordem de expulsão de imigrante clandestino
Período de proibição de reentrada e forma da sua indicação
SUMÁRIO
I. O tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso.
II. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas.
III. A legiferação da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio (Imigração Clandestina), foi para combater e reprimir a imigração clandestina e diversos actos ilícitos daí oriundos e com ela conexos, e não para impedir actividades imigratórias legais.
IV. A exigência imposta pelo art.º 4.º, n.º 2, da mesma Lei sobre o conteúdo da ordem de expulsão daqueles que tenham entrado clandestinamente em Macau, destina-se essencialmente a garantir ao indivíduo a ser expulso a possibilidade de saber quando é que poderia ele reentrar em Macau de modo legal, e não visa proibir a entrada em Macau por parte de pessoas munidas de documentos de identificação ou de viagem exigidos pela Legislação de Macau para o efeito.
V. Por isso, caso as Autoridades Policiais de Macau adoptem, sob o ponto de vista de operações práticas na matéria, a expressão literal congénere à de “até à obtenção de documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência em Macau” para indicar o período durante o qual o indivíduo expulso fica interditado de reentrar em Macau, este método de trabalho não compromete a exigência prevista no n.º 2 do referido art.º 4.º da Lei n.º 2/90/M: É que isto não só não retira nem enfraquece o direito do indivíduo expulso a entrar legalmente em Macau no futuro, bem como, até pelo contrário, está materialmente conforme com o fim de se fazer dissuadir o indivíduo expulso da sua reentrada ilegal em Macau, pretendido pelo Legislador da mesma Lei de Imigração Clandestina.
VI. Ademais, a pessoa expulsa não fica por aquela forma de indicação do período de interdição de reentrada, sem saber do período da proibição da sua reentrada em Macau, porquanto sempre que ela ainda não tenha conseguido obter documentos necessários à sua entrada legal em Macau, não pode vir a Macau de modo legal, por um lado, e, por outro, e ao invés, desde que ela venha a adquirir tal documento ou documentos legalmente exigidos, já poderá vir a qualquer tempo a Macau. Assim sendo, se ela não vier a conseguir entrar de modo legal a Macau devido à não obtenção ainda de documentos legais para este efeito, isto nunca será pecado da ordem de expulsão redigida nos termos literais materialmente acima referidos, mas sim resultará de um factor inerente à sua própria pessoa, porquanto mesmo sem a dita ordem de expulsão, qualquer indivíduo não possuidor de documentos legalmente exigidos por lei para poder entrar legalmente em Macau naturalmente não pode para aqui vir de modo legal.
Acórdão de 23 de Outubro de 2003
Processo n.º 214/2003
Relator: Chan Kuong Seng
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
I. Relatório e Fundamentação Fáctica e Jurídica da Sentença Recorrida
1. No âmbito dos autos de processo comum singular n.º PCS-019-03-3 do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Base em que era arguida (A), entretanto julgada sob acusação pública do Ministério Público, foi proferida em 24 de Junho de 2003 a respectiva sentença de primeira instância, nos termos seguintes (cfr. o teor de fls. 36 a 38 dos autos, e sic):
<<[...]
1) Depois de ter analisado os autos, foram dados como assentes os factos seguintes:
No dia 29 de Setembro de 2001, pelas 5h15m de manhã, a arguida foi interceptada por agente policial perto do Hotel XXX sito na Rua de Luís Gonzaga Gomes.
Não tendo munido qualquer documento legal que permitiu a sua entrada e permanência em Macau.
Dos dados policiais resulta que há um registo da expulsão da arguida de Macau.
No dia 22 de Maio de 2001, a arguida em PSP declarou que se chamava (A), nascida a XX de XXX de XXXX, na Província de XXX da China, filha de XXX e de XXX.
No dia 23 de Maio de 2001, foi expulsa para ser recambiada para o Interior da China, tendo nessa altura a arguida sido avisada de que caso regressasse a Macau sem documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território, violaria a lei e cometeria o respectivo crime.
A fornecer os dados de identificação pessoal constantes da presente acusação ao ponto 4.º, a arguida escondeu a sua identificação pessoal verdadeira, a fim de encobrir que tinha sido expulsa aquando da reentrada em Macau e para evitar ser acusada criminalmente.
A arguida agiu de modo voluntário, doloso e consciente, bem sabendo que os dados de identificação pessoal não lhe pertencem e fornecendo-os às autoridades policiais.
Bem sabendo o conteúdo da ordem de expulsão, a arguida permaneceu outra vez em Macau sem ser munida do documento exigido pela lei, violando a ordem de expulsão.
A arguida estava ciente de que a sua conduta seria proibida e punida pela legislação de Macau.
De acordo com o registo criminal, a arguida é delinquente primária.
*
2) Não há outros factos a assinalar.
*
3) Os factos acima referidos são dados por assentes com prova suficiente alicerçada nas provas constantes dos presentes autos, nomeadamente na ordem de expulsão a fls. 5, nas declarações dos dados de identificação pessoal a fls. 3 e 6 e nos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento.
*
III. Enquadramento juridico-penal:
Efectuando a análise de factos para decidir a lei aplicável.
Dispõe o artigo 12.º n.º 1 da Lei n.º 2/90/M de 3 de Maio, alterado pela Lei n.º 8/97/M de 4 de Agosto que: “Quem, com a intenção de se eximir aos efeitos da presente lei, declarar ou atestar falsamente, perante autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos.”
O art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, alterado pelo Dec.-Lei n.º 11/96/M de 12 de Fevereiro dispõe como segue: “O indivíduo expulso que violar a proibição de reentrada no Território prevista no nº 2 do artigo 4.º é punido com pena de prisão até um ano”.
Dispõe o artigo 2.º do mesmo Dec.-Lei: “Os indivíduos em situação de clandestinidade devem ser expulsos do Território, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram e das demais sanções previstas na lei”.
Estipula-se no seu artigo 4.º, n.ºs 2 e 3 que: “a ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto”.
Na medida em que na ordem de expulsão a fls. 5 dos autos não se considerou os prazos de procedimento processual para determinar, nos termos da lei, o prazo de interdição da entrada nesta Região, a ordem em causa deve ser considerada nula e termos em que deve improceder a referida acusação da prática de um crime de violação da ordem de expulsão.
Apurados os factos em causa, verifica-se que a arguida cometeu o supracitado “crime de falsas declarações” e que estão preenchidos todos os requisitos subjectivos e objectivos do tipo legal de crime, previstos no referido diploma legal e que são imputáveis à arguida.
*
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e proteger os respectivos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. (artigos 64.º e 40.º do Código Penal). Com vista à protecção de bens jurídicos e à exigência de prevenção especial, o Tribunal entende que deve condenar a arguida na pena privativa da liberdade.
*
Ao abrigo do disposto no artigo 65.º do Código Penal, a determinação da medida da pena concreta é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal, atendendo ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências, bem como ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à conduta anterior ao facto e a posterior a este e às demais situações concretas apuradas, pelo que a arguida deve ser condenada na pena de 7 meses de prisão em relação à pratica de um crime de falsas declarações sobre a identidade.
*
IV. Decisão:
Face ao acima exposto, e nos termos da lei, o tribunal entende parcialmente procedente a acusação e em consequência decide como segue:
- Absolver a arguida (A) de um “crime de violação de ordem de expulsão” p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio.
- Condenar a arguida (A) pela prática de um “crime de falsas declarações sobre a identidade” p. e p. pelo art.º 12.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, alterada pela Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto, na pena de 7 meses de prisão.
Após consideradas a personalidade da arguida, o seu comportamento anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, o Tribunal considera que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão já bastam para realizar as finalidades da punição, pelo que segundo o art.º 48.º, do Código Penal, decide suspender a execução da pena acima referida pelo período de dois anos.
Condenar a arguida a pagar um montante no valor de MOP$500,00 (quinhentas patacas), a favor do Cofre de Justiça e dos Registos e do Notariado, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n. º 2 da Lei nº 6/98/M, de 17 de Agosto.
Condenar, ainda a arguida a pagar o mínimo da taxa de justiça e nas custas do processo, e fixar em MOP$400,00 os honorários devidos ao ilustre defensor oficioso;
[...]>>.
2. Inconformado com esse veredicto, veio o Digno Representante do Ministério Publico recorrer do mesmo para este Tribunal de Segunda Instancia (TSI), afirmando, em jeito de conclusão, o seguinte na parte final da sua motivação de recurso apresentada a fls. 41 a 44 dos autos:
<<[...]
1. O Tribunal “a quo” entendeu nula a ordem de expulsão em causa por não ter considerado, de acordo com o artigo 4.º n.º 3 da Lei n.º 2/90/M, os prazos de procedimento processual que devem ser considerados na fixação do prazo da interdição da entrada nesta Região.
2. Nestes termos, veio o tribunal “a quo” absolver a arguida (A) da prática de um crime de violação da ordem de expulsão que lhe era imputado.
3. Porém, no presente caso em apreço, resulta dos factos dados como provados que a arguida (A) cometeu um crime de violação da ordem de expulsão.
4. O artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio prevê: “O indivíduo expulso que violar a proibição de reentrada no Território prevista no n.º 2 do artigo 4.º é punido com pena de prisão até um ano”.
5. De acordo com o artigo 2.º do mesmo diploma legal, “os indivíduos em situação de clandestinidade devem ser expulsos do Território, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorram e das demais sanções previstas na lei”. Dispõe o artigo 4.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma legal: “A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino. Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto.”
6. A menção ou não do prazo na ordem de expulsão não constitui requisito que torna válida a ordem em causa.
7. Assim sendo, “podem entrar nesta Região Especial apenas os indivíduos que sejam titulares de documento de identificação válido”, expressão essa que pode ser considerada como um período condicional (ou termo); por outras palavras, podem entrar e sair livremente do território de Macau (ou melhor desta Região Especial) quando os agentes estejam munidos de documento de identificação válido.
8. Considerando que Macau faz parte do território da República Popular da China, após o retorno, Macau passou a ser uma Região Administrativa Especial da República Popular da China. Na sequência do reforço levado a cabo pelo Governo Central quanto aos desenvolvimentos económicos de Macau com as outras províncias e municipalidades, prevê-se que no próximo futuro as legislações que regulamentam a entrada nesta Região serão cada mais flexíveis, poderão os residentes das outras províncias e municipalidades do Interior da China entrar e sair desta Região livremente e sem qualquer restrição desde que possuírem documentos legais.
9. Pelo que, “podem entrar nesta Região Especial apenas os indivíduos que sejam titulares de documento de identificação válido” não viola o disposto no artigo 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/90/M.
10. Assim sendo, mesmo que não conste o prazo na ordem de expulsão, a arguida foi advertida expressamente de que pode entrar no território de Macau apenas com documento de identificação válido, a mesma permaneceu clandestinamente mais uma vez em Macau.
11. Atendendo às circunstâncias delituosas do presente caso em apreço e ao disposto no artigo 65.º do Código Penal, é de entender que deve condenar a arguida (A) pela prática de um crime de violação da ordem de expulsão p. e p. pelo artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio na pena de 3 meses de prisão.
12. Efectuado o cúmulo jurídico segundo a regra do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, devendo a arguida ser condenada na pena de 8 meses de prisão resultante do concurso deste crime com outro tipo de crime, ou seja, o crime de declaração falsa sobre a identidade.
13. Atendendo à personalidade da arguida, às condições da sua vida e às circunstâncias deste, crê-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que, no pressuposto do preenchimento dos requisitos formais e materiais da suspensão da execução da pena previstos pelo artigo 48.º do Código Penal, deve ser suspensa na execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 anos.
Pelo exposto, pede-se ao Tribunal de Segunda Instância que julgue procedente o presente recurso e condenando a arguida (A) na pena de 3 meses de prisão pela prática de um crime de violação da ordem de expulsão previsto pelo artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio.
Efectuado o cúmulo jurídico segundo a regra do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, devendo a arguida ser condenada na pena de 8 meses de prisão resultante do concurso deste crime com outro tipo de crime, ou seja, o crime de declaração falsa sobre a identidade, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.
[...]>>.
3. A propósito do recurso do Ministério Público, o ilustre defensor da arguida, na sua reposta a fls. 48 a 56 dos autos, dada nos termos do n.º 1 do art.º 403.º do Código de Processo Penal (CPP), opôs-se à tese do recorrente, e concluindo, em síntese, o seguinte.
<<[...]
I. A ordem de expulsão referida na Lei n.º 2/90/M de 3 de Maio, alterada pelos Decreto-Lei n.º 39/92/M, Decreto-Lei n.º 11/96/M e Lei n.º 8/97/M, a entidade competente para emitir ordem de expulsão, para além de indicar o prazo para a sua execução e o seu local de destino, tem ainda a obrigação de mencionar o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território, período esse que aqui se refere é necessariamente o período concreto e preciso, expresso em unidades de medição temporal durante o qual vigora, antes pelo contrário, é incompatível com o espírito legislativo e violando o artigo 1.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto, que altera o artigo 4.º da Lei da Imigração Clandestina, dispõe o seu n.º 3 que na fixação dos prazos -- o prazo para a sua execução e o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território -- previstos no n.º 2 do mesmo artigo devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto;
II. Face a isto, ao prazo supracitado não se deve aplicar o período condicional (ou termo) de qualquer natureza, na ordem de expulsão constante de fls. 5 dos presentes autos, o indivíduo expulso (a respondente) ficou interditado de entrar na Região Administrativa Especial de Macau “até à obtenção dos documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território”, conteúdo este que é uma condição resolutiva, já que o legislador não permitiu à aplicação do período condicional (ou termo), não permitiu concerteza à aplicação da condição resolutiva de qualquer natureza;
III. Na medida em que não está conforme o artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 2/90/M de 3 de Maio alterada, o prazo em causa não pode ser considerado mencionado, sendo irregular a ordem de expulsão ora posta em causa, razão pela qual não podendo considerar que a respondente violou o crime da violação da ordem de expulsão referido no artigo 14.º, n.º 1, da mesma Lei (cfr. o ac. do T.S.I. no processo n.º 142/2002, fls. 15);
IV. A referida “ordem de proibição de reentrada” em nada se relaciona com a posterior obtenção ou não de documentos que permitam a entrada em Macau do indivíduo expulso. É, aliás, absolutamente independente da posse (ou obtenção) de tais documentos, o que equivale a dizer que, mesmo vindo posteriormente a possuí-los o indivíduo expulso, mantém-se a sua proibição de reentrada, cometendo-se na mesma o crime caso venha a reentrar dentro do “período” pelo qual foi interditado de reentrar;
V. Perante a falta de fixação, na referida ordem que lhe foi dada, do período durante o qual a respondente estava proibida de reentrar em Macau, não pode o Tribunal ficcionar o mesmo e considerar que a arguida o fez no seu decurso, impondo-se, assim, a sua absolvição da imputada prática de um crime de “violação à proibição de reentrada”;
VI. E como consequência natural de tudo acima ficou dito, a absolvição do imputado crime da violação à proibição de reentrada não tolera ou liberaliza o crime da imigração ilegal, sendo apenas fiel à respectiva disposição legal e à intenção legislativa, caso contrário, passamos a desempenhar as funções do legislador e perdendo as próprias funções do aplicador da lei;
VII. Nestes termos, sem margem para equívoco, está conforme o disposto nos artigo 14.º n.º 1 e artigo 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio a decisão da absolvição da respondente do crime da violação da ordem de expulsão, proferida pelo Tribunal “a quo” com fundamento na falta da menção na mesma ordem do prazo da sua execução e do prazo da interdição de reentrada da respondente; e
VIII. Assim sendo, o Tribunal “a quo”, na determinação da pena concreta, não violou o disposto no Código Penal, nomeadamente o artigo 71.º, n.º 1, porque não existe, in casu, o pressuposto de cúmulo jurídico de duas penas parcelares condenadas pela prática de dois crimes diferentes.
Pelo exposto, nos termos e fundamentos expostos, pede-se aos Mm.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância que julguem improcedente o recurso interposto pelo recorrente e mantendo, em consequência, a sentença recorrida, especialmente a decisão da absolvição da respondente do crime da violação da ordem de expulsão.
[...]>>.
4. Subido o recurso para este TSI, a Digna Procuradora-Adjunta junto desta Instância teve vista do processo nos termos do art.º 406.º do CPP, emitiu o seguinte douto Parecer constante de fls. 64 a 66 dos autos:
<<[...]
Inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base em que absolveu a arguida (A) do crime da violação da ordem de expulsão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.
Na presente lide recursória, a questão em causa reside tão só na decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à parte do crime da violação da ordem de expulsão, não estando em causa a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal “a quo”, mas sim apenas a questão de direito.
Na decisão recorrida, o Tribunal “a quo” absolveu a arguida (A) da acusação da prática de um crime da violação da ordem de expulsão por entender nula a ordem de expulsão a fls. 5 dos autos por esta não ter determinado o prazo da interdição da entrada da Ré nesta Região de acordo com o artigo 4.º n.º 2 e 3 da Lei n.º 2/90/M.
Não podemos concordar com este entendimento.
Resulta dos factos dados como provados que a arguida foi expulsa do território de Macau e recambiada para o Interior da China em 23 de Maio de 2001, altura em que foi advertida de que caso regressasse a Macau sem documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território, cometeria o crime acima identificado. Porém, em 29 de Setembro de 2001, a arguida foi interceptada em Macau por agente policial sem se encontrar munida de nenhum documento legal que permitiu a sua entrada ou permanência no Território.
Entendemos que, sem margem para equívoco e com base nos factos acima mencionados, a Ré sabia perfeitamente as consequências legais resultantes da reentrada e permanência em Macau, entrou em Macau por meio ilegal e aqui permaneceu, violando a ordem de interdição da reentrada clandestina em Macau, bem como o disposto no artigo 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M.
Na ordem de expulsão a fls. 5 dos presentes autos, o Comandante do PSP ordenou, de acordo com a competência aí subdelegada, a expulsão para o Interior da China da Ré dos presentes autos, ficando interditada de entrar no Território “até à obtenção dos documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território.”
O artigo 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/90/M estipula que: “A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino.”
De facto, a ordem de expulsão em apreço no presente caso não mencionou um período determinado de interdição de reentrada da Ré na Região (p. ex. 3 anos, 5 anos, etc..), pelo que se afigura que não está preenchida a exigência da lei supracitada, porém o que não deve ser conclusão obtida após uma consideração detalhada de todas as situações do caso, do enquadramento histórico da produção legislativa, e da intenção legislativa.
Em primeiro lugar, apesar de não ter determinado explicitamente na ordem de expulsão em causa o prazo concreto da interdição da Ré da reentrada no território, resulta do conteúdo da mesma ordem que qualquer homem médio compreende perfeitamente que não é permitida a reentrada e permanência no território sem ter obtido antes os documentos legais emitidos pelas autoridades competentes, pelo que podemos afirmar que a autoridade competente através desta forma estabeleceu uma condição para determinar o prazo da interdição da entrada e permanência da Ré no Território, a duração do prazo em causa depende do tempo necessário para a obtenção dos documentos legais.
É perfeitamente compreensível que assim seja, já que atendendo às particularidades geográficas do território, a capacidade suportável da população e a necessidade de controlo fronteiriço da entrada ilegal em Macau dos cidadãos não residentes (até visando proteger o mercado laboral local), torna-se necessária a tomada de medidas no sentido de prevenir a entrada e permanência dos indivíduos sem munidos dos documentos legais, tratando-se de uma política a longo prazo e persistente, senão não produz o devido efeito.
Entendemos que isto não violou a disposição legal.
O legislador não nos oferece critério ou forma clara e precisa quanto à determinação do respectivo prazo.
Apesar de ter sido aditado o n.º 3 ao artigo 4.º da Lei n.º 2/90/M, alterada pela Lei n.º 8/97/M, onde se dispõe que: “Na fixação dos prazos previstos no número anterior devem ser considerados os prazos de procedimento processual, designadamente para os efeitos do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M, de 4 de Agosto”, porém, depois de ter ponderado sinteticamente o conteúdo do referido artigo 2.º, não se afigura que do qual pode extrair uma conclusão contrária à nossa sugestão.
O artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M preceitua apenas a aplicação de processo sumário. Como se sabe o processo sumário deve iniciar-se no máximo de 48 horas após a detenção, não podendo ultrapassar o limite do trigésimo dia posterior à detenção mesmo na situação excepcional (artigos 362.º e 367.º do Código de Processo Penal), tendo em consideração no processo sumário a comparência obrigatória do arguido na audiência e a exigência rigorosa do tempo do início do processo, o que nos parece que o critério de “considerados os prazos de procedimento processual” referido no artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 2/90/M se aplique apenas para determinar a situação da execução do prazo (i.e., a execução do prazo da ordem de expulsão) estipulada no n.º 2 do mesmo artigo e não podendo servir de critério para determinar o “prazo de interdição da entrada do indivíduo em causa em Macau”, mesmo que se use a expressão de “prazos” na versão portuguesa.
Por outras palavras, o prazo da execução da ordem de expulsão deve determina-se com base no julgamento em processo sumário (com vista à garantia da eficácia do artigo 2.º da Lei n.º 8/97/M), não vemos o eventual impacto dos referidos “prazos de procedimento processual” na determinação do prazo de interdição da entrada em Macau.
Em segundo lugar, partindo do enquadramento histórico da produção legislativa e da intenção legislativa da Lei n.º 2/90/M, com os quais está conforme a actuação da Administração Pública. É sabido que o trabalho preparatório e a publicação da Lei n.º 2/90/M foram realizados numa situação muito grave do fenómeno dos clandestinos em Macau (nomeadamente a entrada ilegal em Macau dos cidadãos vindos do interior da China), tendo como objectivo reprimir e combater a imigração ilegal. Na sequência do tempo passado, apesar de ter realizado grande quantidade de trabalhos por parte da Administração, continuando a ser severa e rigorosa a situação da imigração ilegal em Macau, causando grande influência na paz social e na vida da população de Macau, pelo que continua a Lei n.º 2/90/M a produzir o relevante efeito nesta área.
A previsão e punição consagradas no artigo 14.º da mesma Lei estão essencial e directamente relacionadas com os indivíduos já expulsos de Macau que violaram a ordem e reentraram no Território.
Em relação a indivíduos expulsos, pode-se pensar em duas situações quanto à sua reentrada em Macau: uma, depois de ser expulso e passado algum tempo, o indivíduo volta e permanece em Macau munindo de documentos validos; a outra, volta a reentrar ou permanecer clandestinamente, sem documentos legais que permitem à sua entrada e permanência em Macau.
Podemos fazer uma comparação entre dois métodos de combate à imigração ilegal para ver as eficácias aí produzidas: um, semelhante à ordem de expulsão referida neste caso concreto, o prazo de interdição da entrada é determinado através do estabelecimento de uma condição, o que quer dizer se considera a violação da ordem de expulsão o indivíduo que entra em Macau sem ter munido qualquer documento legalmente exigido, independentemente da duração entre as duas vezes da entrada em Macau. Outro método traduz-se na determinação de um prazo concreto e preciso para que o indivíduo expulso não possa reentrar em Macau dentro deste prazo mesmo munido documento legalmente exigido, sob pena da violação da respectiva legislação, o que conduz que não seja punido criminalmente quem entra ou permanece ilegalmente em Macau depois de expirado o referido prazo.
Como se sabe, na situação normal, não se determina muito longo o prazo da interdição da entrada em Macau (como a situação da colocação de alguém na lista de indesejáveis ou dos indivíduos inadmissíveis), pelo que, se se admite o segundo método, implicaria que o indivíduo expulso não iria ser punido criminalmente quando se encontra reentrado ou permanecido ilegalmente em Macau depois de decorrido um prazo não prolongado (e.g. 2 ou 3 anos), o que contribuiria para liberalizar ou até agravar a situação de imigração ilegal em Macau, na medida em que, quando os indivíduos expulsos souberem que não iriam assumir a responsabilidade penal quando a reentrada ilegal em Macau depois de decorrido o prazo indicado na ordem de expulsão, o que eles precisam de fazer é esperar por decorrer com paciência o referido prazo e depois deste prazo podendo fazer como quiser.
Ao contrário, é evidente que o primeiro método emite uma advertência severa aos indivíduos expulsos, o que faz eles compreenderem que a única condição da reentrada e permanência em Macau sem serem punidos criminalmente apenas munidos os documentos legais exigidos, sob pena de serem punidos nos termos da lei independentemente da duração entre as duas vezes da entrada em Macau.
Sem margem para equívoco, sob prisma de combate à imigração ilegal, este método produz um efeito maior, conseguindo prevenir com maior eficácia a entrada dos indivíduos sem documentos legalmente exigidos
Entendemos que a interpretação e execução da lei devem seguir o objectivo da produção máxima do efeito jurídico, razão pela qual na execução concreta da lei se devem adoptar as medidas que podem produzir o máximo efeito jurídico desde que não violem a respectiva disposição legal.
Sem margem para dúvidas, de acordo com o artigo 39.º n.º 1 do Código Penal, não pode haver penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida. Como o que foi explanado pelo recorrente na sua resposta, trata-se da matéria de “sanção penal”. O que perante nós é uma situação da interdição da entrada em Macau, se for isto considerado como uma “punição”, também não se revestirá de qualquer natureza criminal. Não podemos dizer que se violará a disposição legal mesmo que o prazo determinado na ordem de expulsão passar a ser vitalício por causa de o expulso não conseguir obter os documentos legalmente exigidos durante um longo período de tempo ou até um período vitalício.
Por fim, não podemos acompanhar o entendimento do recorrente de que “a menção de um prazo determinado de interdição da reentrada em Macau na ordem de expulsão não significa que, passado tal prazo, o indivíduo já expulso pode em qualquer momento voltar ilegalmente a Macau ou permanecer extemporaneamente em Macau, sem correr risco de ser punido”, porque nesta situação o prazo de interdição se encontra expirado, o indivíduo já expulso não viola a ordem de interdição mesmo encontrado nesta R.A.E.M. em situação de clandestinidade, acrescendo ainda que a autoridade competente não emitiu outra ordem no sentido de fazer o órgão que executa a lei poder aplicar pena ao indivíduo em causa nos termos do artigo 312.º, n.º 1, al. b) do Código Penal. Pelo que o indivíduo em causa será expulso de Macau mais uma vez e não assumirá qualquer responsabilidade criminal.
Se a autoridade competente indica na ordem de expulsão um prazo concreto da interdição da entrada no território e emitiu outra ordem da interdição da reentrada clandestina no território até à obtenção dos documentos legais, se torna insignificativo o primeiro, na medida em que a punição ou não da reentrada ou permanência no território depende da obtenção ou não dos documentos legalmente exigidos, independentemente da expiração ou não do prazo concreto.
Pelo exposto, acompanhamos as teses e as razões apresentadas pelo recorrente na sua motivação de recurso, a ordem de expulsão ora posta em causa não violou o disposto no artigo 4.º n.º 2 da Lei n.º 2/90/M, na medida em que através da criação de uma forma condicional acabou de determinar o prazo da interdição da reentrada dos expulsos, o que satisfaz, no maior grau possível, a exigência social quanto à produção e publicação da lei supracitada – combate à imigração ilegal, e produzindo com eficácia o efeito da mesma lei.
Na determinação da pena concreta, acompanhamos a tese sustentada pelo recorrente.
Termos em que se deve julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Publico.”
5. Subsequentemente, foi pelo relator do presente processo feito o exame preliminar dos autos à luz do art.º 407.º, n.º 3, do CPP, em sede do qual se entendeu poder este TSI conhecer do mérito da causa.
6. Em seguida, foram postos pelos dois Mm.ºs Juízes-Adjuntos os seus vistos nos autos de acordo com o art.º 408.º, n.º 1, do CPP.
7. Depois, o tribunal colectivo realizou a audiência de julgamento nos termos dos art.ºs 411.º e 414.º do CPP, durante a qual, tanto o Ministério Público como a recorrida apresentaram alegações orais sobre o objecto do recurso (cfr. actas de audiência constantes dos autos).
8. Ora, de harmonia com o resultado obtido na apreciação e votação no seio do Tribunal Colectivo, cumpre, pois, decidir do recurso sub judice nos termos infra.
II. Fundamentação do Presente Acórdão
Tendo em consideração que o tribunal ad quem só vai resolver as questões concretamente postas pelo recorrente e delimitadas pelas conclusões da sua motivação de recurso (apud nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 3/5/2001 no Processo n.º 18/2001; de 7/12/2000 no Processo n.º 130/2000 e de 27/1/2000 no Processo n.º 1220), e considerando a doutrina do saudoso Professor José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, Lim., 1984, pág. 143, aplicável mesmo aos recursos penais, de que “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (cfr. neste sentido, nomeadamente os acórdãos deste TSI: de 24/10/2002 no Processo n.º 130/2002; de 25/7/2002 no Processo n.º 47/2002; de 30/5/2002 nos Processos n.ºs 84/2002 e 87/2002; de 17/5/2001 no Processo n.º 63/2001; de 7/12/2002 no Processo n.º 130/2000), sem prejuízo, obviamente, da possibilidade de o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer das razões invocadas nas conclusões da motivação de recurso, o objecto do presente recurso a conhecer é constituído pela questão de saber: de acordo com os factos dados como provados pelo tribunal “a quo”, se tinha a arguida (A) cometido o crime de “violação à ordem de expulsão”, p. e p. pelo art.º 14º, n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, (com a redacção introduzida pela Lei n.º 11/96/M). Claro que este tribunal vai proceder, nos termos do artigo 393º n.º 3 do Código de Processo Penal, à correspondente alteração da sentença a quo se for julgado procedente o recurso.
Para resolver a questão em causa, temos em primeiro lugar estudar o devido teor consagrado no artigo 4.º, n.º 2 da mesma lei sobre a ordem de expulsão dos indivíduos em situação de clandestinidade.
O referido artigo 4.º n.º 2 estipula expressamente que: “A ordem de expulsão deve indicar o prazo para a sua execução, o período durante o qual o indivíduo fica interditado de reentrar no Território e o seu local de destino.”
Na presente lide recursória, o ponto de discussão de ambas as partes, quer acusadora quer defensora, reside exactamente na questão de que consta ou não na ordem de expulsão que lhe foi dada o período durante o qual ficava a arguida proibida de reentrar em Macau.
Eis o conteúdo da ordem de expulsão de (A) mencionada na sentença a quo:
“Ao abrigo do disposto no Art. 4.º n.º 1 da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, e nos termos do nº 2.1) do Despacho do Secretário para a Segurança nº 27/2000, de 3 de Maio, ordeno, de acordo com a competência aí subdelegada, a expulsão para o Interior da China da cidadã chinesa abaixo identificada, por ter sido encontrada em situação de clandestinidade, ficando interditada de entrar no Território até à obtenção dos documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência no Território. Em caso de violação, é punível com pena de prisão até 1 ano nos termos do disposto no art.º 14.º n.º 1 da Lei 2/90/M de 3 de Maio com a redacção dada pelo art.º 1 do Dec.-Lei n.º 11/96/M de 12 de Fevereiro.
Nome (A) Data de nascimento XX/XX/XXXX ,
Filha de XXX e de XXX
Sexo F Est. Civil Solteira Naturalidade XXX .
......”(cfr. o teor da ordem de expulsão constante a fls. 5 dos autos, e sic)
Como se sabe que a legiferação da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio (Imigração Clandestina), foi para combater e reprimir a imigração clandestina e diversos actos ilícitos daí oriundos e com ela conexos, e não para impedir actividades imigratórias legais. Para a sua comprovação basta ver os diversos crimes estabelecidos pela mesma disposição legal.
A exigência imposta pelo art.º 4.º, n.º 2, da mesma Lei sobre o conteúdo da ordem de expulsão daqueles que tenham entrado clandestinamente em Macau, destina-se essencialmente a garantir ao indivíduo a ser expulso a possibilidade de saber quando é que poderia ele reentrar em Macau de modo legal, e não visa proibir a entrada em Macau por parte de pessoas munidas de documentos de identificação ou de viagem exigidos pela Legislação de Macau para o efeito.
Por isso, caso as Autoridades Policiais de Macau adoptem, sob o ponto de vista de operações práticas na matéria, a expressão literal congénere a de “até à obtenção de documentos legalmente exigidos para a entrada ou permanência em Macau” para indicar o período durante o qual o indivíduo expulso fica interditado de reentrar em Macau, este método de trabalho não compromete a exigência prevista no n.º 2 do referido art.º 4.º da Lei n.º 2/90/M: E que isto não só não retira nem enfraquece o direito do indivíduo expulso a entrar legalmente em Macau no futuro, bem como, até pelo contrário, está materialmente conforme com o fim de se fazer dissuadir o indivíduo expulso da sua reentrada ilegal em Macau, pretendido pelo Legislador da mesma Lei de Imigração Clandestina.
O mais importante é que, a pessoa expulsa (arguida deste caso) não fica por aquela forma de indicação do período de interdição de reentrada, sem saber do período da proibição da sua reentrada em Macau, porquanto sempre que ela ainda não tenha conseguido obter documentos necessários à sua entrada legal em Macau, não pode vir a Macau de modo legal, por um lado, e, por outro, e ao invés, desde que ela venha a adquirir tal documento ou documentos legalmente exigidos, já poderá vir a qualquer tempo a Macau. Assim sendo, se ela não vier a conseguir entrar de modo legal a Macau devido à não obtenção ainda de documentos legais para este efeito, isto nunca será pecado da ordem de expulsão redigida nos termos literais materialmente acima referidos, mas sim resultará de um factor inerente à sua própria pessoa, porquanto mesmo sem a dita ordem de expulsão, qualquer indivíduo não possuidor de documentos legalmente exigidos por lei para poder entrar legalmente em Macau naturalmente não pode para aqui vir de modo legal. Termos em que, a partir deste ponto de vista, não podemos considerar que a arguida em causa ficava proibida de reentrar em Macau por tempo “vitalício” ou pelo menos durante um período indeterminado.
Assim, e em suma do acima explanado, é de concluir que o conteúdo da ordem de expulsão em causa nos presentes autos já satisfez materialmente a exigência em questão prevista no n.º 2 do art.º 4.º da supramencionada Lei n.º 2/90/M. Por isso, e em conjugação com outros factos já dados por assentes na sentença ora recorrida, este Tribunal ad quem realiza que a arguida (A) deve ser condenada como autor material, na forma consumada, de um “crime de violação de ordem de expulsão”, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio.
Ora, tendo em conta a moldura penal aplicável e ponderando todas as circunstancias já apuradas e escritas na sentença recorrida e pertinentes a determinação da pena concreta mormente sob a égide do art.º 65.º do Código Penal de Macau, é mister impor a arguida a pena de 3 (três) meses de prisão, a qual não pode ser substituída por multa dada a necessidade de prevenção do crime em causa (cfr. o art.º 44.º, n.º 1, do mesmo Código Penal).
Ademais, quanto a esta pena concreta, após cumulada com a pena de 7 meses de prisão a que o Tribunal “a quo” condenou a arguida pela prática do “crime da prestação de falsas declarações sobre a identidade”, o presente Tribunal entende que nos termos do artigo 71.º n.ºs 1 e 2 do mesmo Código convém condenar a arguida (A) na pena única de 8 meses de prisão e suspende-se a sua execução pelo período de 2 anos segundo o artigo 48.º n.º 1 do mesmo Código.
III. Decisão
Face ao expendido, acordam em conceder provimento ao recurso; e, em consequência, revogar a sentença recorrida então proferida em 24 de Junho de 2003 no processo comum singular n.º PCS-019-03-3 do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Base, na parte respeitante a absolvição da arguida (A) de um crime de violação de ordem de expulsão, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio; e condenar a mesma arguida (A), pela autoria material, na forma consumada, de um crime de violação de ordem de expulsão, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 2/90/M, de 3 de Maio, tal como vinha acusada pelo Ministério Publico, na pena de 3 (três) meses de prisão, pena de prisão essa é cumulada com outra pena de 7 (sete) meses de prisão condenada pelo Tribunal “a quo”, pela prática de um “crime de declaração falsa sobre a identidade” p. e p. pelo art.º 12.º, n.º 1, da mesma Lei, a arguida (A) fica condenada na pena única de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos.
Sem custas nesta Segunda Instancia. Fixam em MOP$1.200,00 (mil e duzentas patacas) os honorários devidos o mesmo Ex.mo Defensor Oficioso da arguida, a adiantar pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Ultima Instancia.
Chan Kuong Seng (Relator) – Lai Kin Hong –
José M. Dias Azedo (vencido, nos termos da declaração que segue)
表決聲明
本人基於以下的理由表決落敗:
本上訴案所須處理的核心問題是:嫌犯(A)的行為有否觸犯了(經第11/96/M號法律修改的)5月3日第2/90/M號法律第14條第1款所規定的違反禁止再入境命令罪?
從被視為證實的事實事宜得知,2001年5月22日上述嫌犯由於在澳門特別行政區處於非法狀況而被驅逐,並被告知如果沒有合法證件進入或逗留本澳將會觸犯上述的法律及其刑罰。
之後,上述嫌犯又來到澳門,且因(於2001年9月29日)再次被發現沒有合法的證件而受上述罪名檢控和判處(此外還因觸犯同一法律第12條所規定的另一項虛假聲明罪)。
原審法官在其判決中決定免除嫌犯第2/90/M號法律第14條第1款所規定的上述罪行,但本人的同事在審議由檢察院提起的上訴時,認為嫌犯的行為符合上述罪行的全部罪狀要素,因此撤銷了被上訴的判決,並作出上述獲勝的裁判書和裁定本上訴理由成立。
根據本中級法院第87/2000號案的2000年7月13日裁判書(本人以第一助審法官的身分認同)以及第142/2002號案的2002年9月19日裁判書(由本人製作),我不同意我的同事在上述獲勝裁判書的理解,相反應對被上訴的判決予以確定。
本人曾在2002年9月19日的裁判中認為須要考慮第2/90/M號法律第4條第2款的規定,“驅逐令應載明執行期限、禁止有關人士再入境的期限及遣返地”,既然在“驅逐令”中沒有對該嫌犯規定上述期限,我們也就看不到該嫌犯如何觸犯違反驅逐令罪。
事實上,與上訴理由闡述中所肯定的內容相反,所說的“再入境之禁止”跟被驅逐者隨後取得與否有關獲允許進入澳門之文件無關,且完全地獨立於該等文件,這意味著即使被驅逐者持有該等文件,再入境之禁止仍然有效,只要被驅逐者於禁止其再入境的期限內再入境即觸犯有關犯罪。
我們相信,這項“結論”(或解釋)明顯地是源自立法會在法案辯論時進行的辯論(該法案獲通過之後便成為第2/90/M號法律)。
確實,當時對上述法案第4條所載事宜進行審議時,該立法機關尊敬的主席就提到:“本人想提請諸位議員先生注意,相關人士被禁止進入本地區的期限是對非法移民適用的唯一處罰。這就是說,處於非法狀態者應被驅逐,返回原地,而已有的唯一處罰是,即使持有有效的合法證件,也不得在該期限內進入澳門。"(參閱1990年4月30日全體會議摘錄,載於《單行刑事法律彙編 — 非法移民》,第214頁,立法會出版,2002年)。
因此,在作出此項“澄清”後,(在沒有任何其他發言或請求澄清之情況下),隨即把該條文交由大會表決,最後獲得“一致通過”(參閱上述著作第215頁)。
因此,甚至包括求諸該立法“準備工作”作為解釋性的補充說明之後,我們相信,得肯定的是第4條所指的被驅逐出境並禁止再入境的人士,即使在被驅逐之後取得能入境並在本澳逗留的適當證件,也被禁止入境及逗留,(除了應有的尊重外,不應像對嫌犯發出的“驅逐令”中不適當地載明的那樣,將獲得該等證件作為其再入境的條件)。
事實上,上述第2/90/M號法律第4條所指的“期限”,在法律效力而言,必然是一個“期間”,眾所週知這是任何的一段時段,在此時段內或從這時段起某一權利可以或應該被行使(參閱Carvalho Fernandes:《Teoria Geral do Direito Civil》,第2卷,第445頁)。
當然可以有沒有確定限期的期限,但我們認為不是這種情況,因為立法者已明確表明:“驅逐令應載明......禁止有關人士再入境的期限......”;(底線是我們加上的)。
由於本案的驅逐令中沒有載明禁止嫌犯再次進入澳門的期限,其隨後再次進入澳門(即使不持有效證件及後來2001年9月29日在警方的截查中被發現)仍不被視為觸犯“違反禁止再次入境命令罪”,因為該驅逐令沒有明確規定禁止其再入境期間並因這一遺漏而屬“不當情事”。
在有關驅逐令內遺漏訂明禁止嫌犯再入境的期限之情況下,法院既不能擬制該期限,也不能說有關嫌犯在該期限內違反了相關禁止。
再者,我們認為該解決辦法是最能符合隨第2/90/M號法律公佈擬達到的目的,因為,如果非法入境者被驅逐出境並被禁止再入境,但之後又可以透過持有取得的證件再入境,那麼就會使到擬達至杜絕非法移民的一般預防的意圖落空(預防其他的非法入境),因為如果持有證件就可以肯定被獲准入境(不管之前的驅逐令和禁止再入境的命令),不持有證件的企圖入境僅以“驅逐”相對應,那麼完全沒有必要禁止其再次入境。
基此,綜上所述,必須考慮的是法律的良好適用就是最穩妥地與主導該法律的基本刑事政策的各項選擇相符合,因此,對被上訴的決定給予確定。
澳門,2003年10月23日
José M. Dias Azedo(司徒民正)