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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:


1. A, também conhecido por A1; B, também conhecido por B1 e C, o primeiro, investigador e, os dois restantes, auxiliares de investigação da Polícia Judiciária, interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário-Adjunto para a Justiça, de 29.07.96 que, em processo disciplinar e por delegação de poderes do Governador de Macau, os puniu, respectivamente, o primeiro, com a pena de “300 (trezentos) dias de suspensão” e, os dois restantes, com a “pena de demissão”.
   Por acórdão de 3 de Novembro de 1999, do Tribunal Superior de Justiça, foi negado provimento ao recurso.
   É deste acórdão que vem interposto o presente recurso jurisdicional, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
«1ª. O Ac. Recorrido incorreu em erro de direito quanto aos pressupostos dos vícios que consubstanciam a nulidade insuprível do art. 298°., n°. 2, do ETAPM, ao não reconhecer que tais vícios e tal nulidade afectam o processo disciplinar e, consequentemente, o acto administrativo que lhe pôs termo;
2ª. Trata-se de nulidade observada na inquirição das testemunhas mencionadas no ponto 2. desta minuta, a qual pode ser arguida mesmo após a decisão final do processo;
3ª. A decisão jurisdicional recorrida incorreu em violação dos princípios do contraditório e das garantias de defesa, identicamente válidos no processo disciplinar;
4ª. Incorreu, ainda, em erro de direito ao não reconhecer que o prosseguimento do instrutor nessas funções após a sua transferência de serviço, sem autorização do Governador, constitui a preterição de formalidade que impõe a anulação do processo, desde a prolacção do despacho de fls. 131 ( cfr. Art. 326.°, n.° 2, do ETAPM), quer se considere que tal acto é nulo nos termos do art. 114°., n.° 1 e n.° 2, alínea b), do Código de Procedimento Administrativo (aplicável ao tempo), quer anulável nos termos do art. 116.° deste mesmo diploma.
A decisão jurisdicional recorrida violou as normas dos arts. 298.°, n.° 2, e 326.°, n.° 2, do ETAPM e os princípios do contraditório e das garantias de defesa, assim como as normas dos arts. 173.° e 231.° do C.P.Penal de 1929, subsidiariamente aplicável ao caso».
A entidade recorrida contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
  1ª - É ao instrutor do processo disciplinar que compete coordenar a inquirição das testemunhas, pelo que pode recordar às mesmas um facto verdadeiro tendente a obter um depoimento de acordo com a realidade.
  2ª - Cabe dentro dos objectivos do normativo do art° 231° do CPP de 1929 a transcrição, no auto de inquirição de testemunha, sobre o modo como as mesmas apareceram a prestar depoimento.
  3ª - É a entidade que detem competência para mandar instaurar o procedimento disciplinar, que tem competência para manter ou substituir o Instrutor, se este, no decurso do processo, mudar de serviço.
4ª - A decisão recorrida não violou, de forma alguma, as disposições dos arts. 298.° n.° 2 e 236.° n.° 2 do ETAPM, nem os princípios do contraditório e das garantias de defesa, bem como as normas dos arts. 173° CPP ( actual art.. 113° CPPM ) e 231.° CPP ).
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
   «Nos termos do art. 21.°, n.° 3 do E.T.A.F., o Plenário, funcionando como tribunal de revista apenas conhece, no presente recurso, da matéria de direito, estando-lhe vedado conhecer do erro na apreciação da prova e intervir na fixação dos factos materiais da causa, salvo as excepções previstas no n.° 2 do art. 722.° C.P.C., aplicável “ ex vi” do art. 102.° da L.P.T.A (cfr Ac do STA de 8/10/98, rec n.° 34.259 ), não se vendo que entendimento diferente se possa assumir com a criação do actual Tribunal de Última Instância.
   Serve o exposto para referir que se nos suscitam algumas dúvidas sobre se a apreciação acerca da regularidade da obtenção de depoimento das testemunhas apontadas pelos recorrentes constituirá, liminarmente, matéria de direito, quando se dá como comprovado no douto Acórdão em crise não terem sido utilizados (na actuação do Instrutor perante tais testemunhas) quaisquer métodos irregulares ou meios proibidos de prova.
   Mas, mesmo dando de barato tal qualificação, sempre se dirá não assistir, a tal nível, qualquer razão aos recorrentes, pois que do mero facto de o Instrutor, em processo sancionatório, recordar a uma testemunha um facto verdadeiro, no sentido de obter depoimento de acordo com a realidade, não se pode retirar que com essa actuação se tenha utilizado tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, para obter as declarações ou depoimentos, nos termos do art. 113.° do actual C.P.P.M.
   Por outro lado, a inclusão nos depoimentos das testemunhas da referência de haverem sido contactadas pelos arguidos, informando-as de que brevemente seriam contactadas para prestarem declarações sobre a matéria pela qual aqueles se encontravam acusados em nada atenta contra o previsto no art. 231.° do C.P.P. de 1929, antes se enquadrando nos seus objectivos, designadamente na obtenção da veracidade do depoimento.
   Cremos, pois, não ocorrerem tais irregularidades e, como é óbvio, muito menos que as mesmas constituam a nulidade insuprível prevista no art. 298.°, n.° 2 do E.T.A.P.M., como pretendem os recorrentes.
   Finalmente, quanto à pretensa violação do n.° 2 do art. 326.° do mesmo diploma legal, devido à permanência do mesmo Instrutor em tais funções, após a sua transferência de serviço, sem autorização do Governador de Macau, o Acórdão recorrido é, a tal propósito, claríssimo e plenamente convincente, no sentido da recusa de tal tese, pelo que nos dispensaremos de a esse respeito expender quaisquer outras considerações, a não ser a de que, na verdade, não ocorrem as assacadas nulidade ou anulabilidade dos art. 114.°, n.° 1 e n.° 2, al. b) e 116.°, ambas do C.P.A.
   Razão por que somos a pugnar pelo não provimento do presente recurso».

2. O Acórdão recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:
   A) Com base nas participações feitas pelo guarda de serviço da PSP, no Hospital Kiang Wu, de 02.09.95 e 30.09.95, ao Comissariado da PSP desta cidade, onde se denunciava o tratamento médico, naquela unidade hospitalar, de vários indivíduos que se diziam vítimas de agressões levadas a efeito por agentes da Directoria da PJ, foi ordenada a realização da A.S. n.º 23/95, por aquela Polícia Judiciária (fls. 3 a 16 do vol. I do PI).
   B) Elaborado o competente relatório, foi ordenado, por despacho do Senhor Director daquela Polícia de 20.10.95, a instauração de processo disciplinar aos ora recorrentes, agentes de investigação daquela autoridade policial (fls. 74 a 83 do vol. I do PI).
   C) Realizadas as competentes diligências instrutórias, foi deduzida, em 14.03.96, pelo respectivo Instrutor, contra os arguidos ora recorrentes, a Acusação de fls. 301 a 318 do vol. II do PI e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.
   D) Notificados os arguidos, ora recorrentes, da Acusação, foi por eles apresentada a sua defesa e, depois de realizadas as requeridas diligências instrutórias, foi elaborado, pelo Instrutor, o extenso relatório de fls. 525 a 569, do vol. II do PI, datado de 23.06.96, que aqui se dá por reproduzido, onde, após se fazer uma apreciação crítica da prova efectuada, deu-se como assente, a materialidade fáctica constante da parte III, a que se deu a subsunção jurídico-disciplinar constante da parte IV, e que passaremos a transcrever:
“III
MATÉRIA DE FACTO PROVADA NOS AUTOS:
1. Assim e atento à matéria constante dos presentes autos, e após a análise feita à mesma, após a audição da prova testemunhal apresentada pela defesa, consideram-se provados os seguintes factos, cometidos pelo arguido C:
1.1. No dia 29 de Setembro de 1995, cerca das 10H00, o arguido C deslocou-se ao Hotel, em Macau, acompanhado do seu colega D, também ele auxiliar de investigação criminal da Polícia Judiciária de Macau.
1.2. Em locais diferentes do referido Hotel, o Arguido C acompanhado do outro seu aludido colega, sem se terem devidamente identificado como investigadores da Polícia Judiciária, interceptaram diversos indivíduos ligados à actividade de “bate-fichas”, desferindo-1hes simultaneamente diversos murros e pontapés, a alguns deles e levando-os depois para a casa dos guardas do Casino, integrado no mesmo Hotel.
1.3. Tais indivíduos, então interceptados pelo arguido C e pelo seu aludido colega, encontram-se identificados como sendo E, F; G; H; I; J; K; e L.
1.4. Logo aquando da intercepção de tais indivíduos, o arguido C, estando acompanhado pelo mesmo seu colega, desferiu vários socos e pontapés ao interceptado H, nas escadas de emergência no interior do Hotel, atingindo-os em diversas partes do corpo, com o fim de o intimidar, o que 1hes provocou fortes dores, agressões essas que foram presenciadas pelos agredidos, entre si, e observadas pelos também interceptados I e G.
1.5. O mesmo arguido C, na companhia do mesmo seu aludido colega, desferiu várias palmadas com a mão aberta, em diversas partes do corpo, na altura da intercepção do I, com o intuito de o intimidar e cuja agressão foi igualmente presenciada pelos também interceptados G e H.
1.6. De seguida, o arguido C, e o seu mesmo colega, ainda no interior das instalações do Hotel, sem qualquer motivo justificativo para tal, retiraram da esfera de posse dos interceptados os seus telemóveis, os aparelhos de recados e os documentos de identificação, guardando-os todos juntos.
1.7. Depois e após os interceptados terem passado pela sala dos guardas do Casino, o arguido C e o seu colega, conduziram alguns dos interceptados para as instalações da 1ª Secção da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, numa viatura daquela Polícia.
1.8. Outros dos interceptados, segundo ordens dadas pelo arguido C e por aquele seu colega, dirigiram-se para a sede da Polícia Judiciária pelos seus próprios meios, tendo apanhado um táxi, para assim poderem recuperar os seus bens e os documentos que 1hes tinham sido retirados quando interceptados no interior das instalações do Hotel.
1.9. Após terem chegado todos às instalações da Polícia Judiciária de Macau, e de terem registado os seus nomes na portaria por não terem consigo quaisquer dos seus documentos de identificação, foram os interceptados conduzidos pelo arguido C para a 1ª Secção daquela Directoria, bem sabendo este arguido e o seu aludido colega, que não havia motivo legal para os levar a interrogatório de suspeitos, no âmbito de qualquer processo ali pendente, como aconteceu.
1.10. Toda esta acção, de intercepção desses mesmos indivíduos, no Hotel, já tinha sido previamente acordada, em reunião havida para o efeito, na véspera desse dia, pelo arguido C com outros funcionários da 1ª Secção.
1.11. Na realização dos interrogatórios, interveio o arguido C, bem como o seu colega D, e os arguidos B, aliás B1, e o A, aliás A1.
1.12. Naquela 1ª Secção e em diferentes gabinetes, onde foram introduzidos pelo arguido C e pelo seu já aludido colega, foram tais indivíduos sujeitos a interrogatório acerca das suas identidades pessoais e actividades, por eles e pelos restantes arguidos, sem 1hes ter sido previamente dado conhecimento da sua qualidade de suspeitos ou arguidos, em quaisquer autos e dos reais motivos da sua condução àquela Polícia, como era devido.
1.13. Nesse mesmo dia, compareceram, igualmente, naquelas instalações da 1ª Secção, dois outros indivíduos, o M e o N, para prestarem declarações no âmbito do processo n.º 1728/95, a cargo do arguido C.
1.14. Só aqueles dois indivíduos é que prestaram declarações em tais autos, perante o arguido C, os quais, não obstante se tratarem igualmente de “bate-fichas” do Casino, para ali não foram conduzidos e transportados da mesma forma que os restantes.
1.15. Contudo, os indivíduos, anteriormente interceptados no Hotel, não foram sujeitos a quaisquer diligências de instrução e bem assim de prova, efectuada pelo arguido C, no âmbito do aludido Proc. n.º 1728/95 a seu cargo, ou em qualquer outro, o qual serviu somente de encapotamento para a condução àquele local, de tais indivíduos, com fins diferentes dos que a investigação de tais autos se propunham.
1.16. O arguido C, juntamente com o seu então colega D, deslocou-se ao gabinete dos seus colegas e arguidos nos Autos B e A e os dois primeiros, na presença destes dois últimos, começaram a agredir o interceptado G de forma violenta, com socos e pontapés, atingindo-o, ainda violentamente, nas costas com a sua própria mala de mão (sao toi), que continha as suas fichas de jogo (v. ponto 3 do relatório de fls. 265).
1.17. O arguido C, juntamente com o seu então colega D, ameaçou ainda, com manifesto intuito de intimidação, de que voltariam a agredir de novo o interceptado G, no caso “de este voltar à sua actividade profissional de “bate fichas” no Casino” (v. ponto 3 do relatório de fls. 265).
1.18. Foram ainda todos os indivíduos que tinham sido conduzidos àquela 1ª Secção levados pelo arguido C, sem qualquer fundamento ou suporte legal, à resenha e à fotografia no A.R.I. e no G.I.P., excepto o K, por não ter regressado àquela 1ª Secção, na parte da tarde desse mesmo dia.
1.19. Para tanto, o arguido C preencheu a necessária requisição, que deveria apresentar na Divisão de Registos e Informações Policiais, com base no já aludido processo que lhe estava distribuído, com o n.º 1728/95, para 1hes serem abertas as respectivas fichas biográficas.
1.20. Contudo, do conjunto de todos os indivíduos conduzidos nessa data à D.R.I.P., para serem identificados, resenhados e fotografados no A.R.I. e no G.I.P., com abertura de fichas biográficas na qualidade de “suspeitos”, no âmbito do aludido processo, somente a dois deles é que o arguido C tomou declarações naqueles autos, como meros declarantes, o N e o M, os quais não tinham sido anteriormente interceptados no Hotel.
1.21. Assim, o arguido C, com base no processo n.º 1728/95, arquitectou uma forma de poder justificar a abertura de fichas biográficas policiais, com dados identificativos, assinatura, fórmula dactiloscópica, fotografia e resenha, a cidadãos que nada tinham a ver com os factos em averiguação naqueles autos, ou em quaisquer outros, atitude esta que é manifestamente abusiva face à lei vigente e aos princípios constitucionais portugueses.
1.22. O arguido C, dias mais tarde, ao tentar localizar o anteriormente interceptado K, para o mandar comparecer, de novo, na Polícia Judiciária, voltou a contactar com o M, a quem 1he disse, nomeadamente, “que eles os dois não podiam querer o bolo todo para eles”, ou “não podiam querer o casino todo para eles”, e que em chinês romanizado se trata de “tong fong ng hai nei tei van sai”...
1.23. O arguido C conluiou-se, portanto, com os demais arguidos nos autos, para poderem levar a efeito todas as diligências contra os interceptados no Hotel, a fim de poderem ficar na sua posse, com o controlo das informações que de momento 1hes interessavam acerca de tais indivíduos, que desenvolviam a sua actividade de “bate-fichas” no Casino, bem como as suas identidades e as suas fotos, actos estes necessários e mais que suficientes, dada a realidade sócio-policial do Território de Macau, para os mesmos se poderem insinuar e imporem-se perante tais indivíduos, com o intuito de virem a usufruir vantagens patrimoniais, em função da reacção que os mesmos tivessem à manifesta intimidação policial que 1hes foi feita, conforme resulta do artigo anterior e dos autos.
1.24. Tempos depois dos factos descritos, já em 18.10.1995, foi então ouvido em declarações no âmbito do Processo n.º 1728/95, pelo arguido C, o anteriormente interceptado K, sendo as perguntas e as questões levantadas em português pelo seu inspector, e feitas depois em chinês pelo arguido e transcritas em auto, pelo mesmo.
1.25. E foi, durante a prestação de tais declarações, que o arguido C, traduzindo de português para chinês, disse ao K que já sabiam da existência de queixas efectuadas na polícia, contra os funcionários da Policia Judiciária, que ali tinham conduzido, anteriormente, os “bate-fichas”, pelo que “tinham de ter muito cuidado, porque senão seriam eles os últimos a brincar”.
1.26. Como se verifica de tal tomada de declarações, em 18.10.95, ao K, prestadas naquela 1ª Secção da Polícia Judiciária de Macau, perante o arguido C e o seu inspector da 1ª Secção, o mesmo referiu a linhas 1 a 7, de tal auto, constante de fis. 46, do Proc. n.º 1728/95, agora constante do Apenso “A”, por certidão anexa ao presente processo disciplinar, que: “desempenha as suas actividades no Casino como “bate fichas” e por conta do grupo do “P” de nome O pertence à associação secreta “Q” (grande argola). E que o declarante depende de um membro desse “P”, de nome R, que é patrão do declarante..... ”
1.27. No entanto, não obstante se estar perante a confissão da prática de um crime, eventualmente integrador de um ilícito penal, previsto e punido pelo Decreto Lei n.º 1/78/M, de 4 de Fevereiro, que necessitava de investigação autónoma, para averiguação desses factos confessos, o arguido C, no relatório por si elaborado e subscrito nesses autos, em 17.11.95, constante de fls. 80 a 81, verso, dele não os faz constar, não promovendo assim a investigação autónoma, de tais eventuais ilícitos penais.
1.28. Tal diligência, coordenada todavia pelo próprio inspector da Secção, já depois de terem os arguidos tomado conhecimento da existência de, pelo menos, dois processos crime contra eles e de uma averiguação sumária, não teve outra finalidade útil, que não a de tentarem, formalmente, justificar as suas condutas perante os factos ocorridos em 29.09.1995.
2. Consideram-se igualmente provados os seguintes factos, cometidos pelo arguido B, aliás B1:
2.1. Quando os anteriormente interceptados chegaram às instalações da 1ª Secção, foram alguns deles introduzidos no gabinete do arguido B, que é repartido com o também arguido A, sendo-1hes então por eles passada revista pessoal e retirados alguns artigos pessoais.
2.2. O arguido B, bem como o seu colega A, não arrolaram os artigos pessoais retirados nessa altura da esfera de posse dos indivíduos que foram introduzidos no seu gabinete comum, começando no entanto logo por os agredir quando da revista feita aos mesmos .
2.3. O arguido B, foi quem começou por interrogar o interceptado E, F enquanto outro colega do arguido, que o interceptado não conseguiu identificar, lhe desferiu diversos murros no peito e nas costas, sem que este arguido tivesse tentado evitar o sucedido (v. ponto 4 do relatório de fls. 265).
2.4. Igualmente, o mesmo arguido B desferiu vários golpes, com os punhos cerrados, ao interceptado H, no interior do seu gabinete comum ao também arguido A, sendo tal facto presenciado por diversos outros indivíduos ali presentes, que a seguir se referem (v. ponto 1 do relatório de fls. 265).
2.5. As agressões cometidas pelo arguido B na pessoa do H, foram então presenciadas pelos outros também ali presentes e anteriormente interceptados, o E, F e o G.
2.6. Estas agressões, cometidas pelo arguido B, foram produzidas defronte do arguido A, enquanto este interrogou o aludido H e 1he desferiu simultaneamente alguns socos, pontapés e uma joelhada em diversas partes do corpo.
2.7 O arguido B, conjuntamente com o seu então colega D, e na presença do também arguido A, no gabinete de ambos, agrediram a soco o interceptado H, sendo tais agressões presenciadas pelo também interceptado G.
2.8. O arguido B, juntamente com o então seu colega D, desferiu vários golpes ao interceptado J, de forma inesperada, a pontapé e com socos nas costas, com intenção de o magoar (v. ponto 2 do relatório de fls. 265).
2.9. Seguidamente, o arguido B retirou também da posse do interceptado J, contra a sua vontade e com a intenção de, dele, se apropriar, um isqueiro “Saint Paul JPG”, no valor de H.K $2.000, cometendo por isso um crime de roubo.
2.10. Entretanto, na presença do arguido B, o interceptado G foi introduzido no seu gabinete, que é comum ao também arguido A e, na presença de ambos, foi violentamente agredido com socos e pontapés, pelos outros dois funcionários da Polícia Judiciária, que o tinham anteriormente interceptado no Hotel.
2.11. Na presença do arguido B, o seu colega e também arguido A ameaçou ainda e sem qualquer fundamento legal, de que o interceptado E, F “voltaria a ser agredido bem como os seus clientes, no caso de ser encontrado a trazer mais clientes para aquele casino”.
2.12. Igualmente o arguido B proferiu ameaças, com manifesto intuito de intimidação, o interceptado H, de que “o haveria de voltar a agredir de cada vez que o encontrasse no interior do Casino, bem como aos seus clientes”, o que motivou que este tivesse reduzido as suas deslocações àquele local.
2.13. O arguido B proferiu ainda ameaças concretas ao J, sem qualquer motivo justificativo nem suporte legal para isso, no sentido de este “não voltar à sua actividade de bate fichas no Casino, porque, doutra forma, o voltaria a agredir ali de novo, mesmo defronte dos seus clientes e também a eles mesmo”.
2.14. O mesmo arguido, sem qualquer razão justificativa, advertiu também o interceptado J para “não alterar os números de telemóveis e de aparelhos de recados nos três meses seguintes, devendo manter-se permanentemente contactável”.
2.15. O arguido B, ao devolver o telemóvel, anteriormente retirado pelo arguido C, ao interceptado G, não fez entrega da sua bateria original, na qual estava gravado o seu último nome, ou seja, “G”, entregando em sua substituição uma avariada e, portanto, sem qualquer utilidade.
2.16. Finalmente, já pelas 17H30, desse mesmo dia 29.09.95, o arguido B, no interior do seu próprio gabinete, introduziu e apresentou aos interceptados ali presentes, o seu superior hierárquico, o investigador principal S, como “S Sir”.
2.17. E, ainda, a mando do arguido B, tiveram os interceptados de prestar um submisso cumprimento, ao então apresentado “S Sir”, de quem receberam uma prelecção final, na continuidade dos discursos anteriormente proferidos, pelos restantes arguidos.
2.18. O arguido B, na presença dos demais arguidos e juntamente com o investigador S, o aludido “S Sir”, só durante a prestação deste discurso e das ameaças paralelamente proferidas por eles, é que disseram conjuntamente aos interceptados, à laia de justificação, que todos eles eram suspeitos do cometimento de um crime de ofensas corporais na pessoa de uma gerente do Casino, após o que foram mandados embora.
3. Consideram-se igualmente provados os seguintes factos, cometidos pelo arguido A. aliás A1:
3.1. Quando os anteriormente interceptados chegaram às instalações da 1ª Secção, foram alguns deles introduzidos no gabinete do arguido B, que é repartido com o também arguido A, sendo-1hes então por eles passada revista pessoal e retirados alguns artigos pessoais.
3.2. Na presença do arguido A e também do seu colega B, foi o interceptado G introduzido no gabinete de ambos e aí violentamente agredido fisicamente com socos e pontapés, utilizando ainda a própria mala de mão daquele que continha as suas fichas de jogo, pelos outros dois funcionários da Polícia Judiciária, que o tinham anteriormente interceptado no Hotel.
3.3. O arguido A, na presença do colega B, interrogou e agrediu também o interceptado H, desferindo-1he por sua vez, simultaneamente, alguns socos, pontapés e uma joelhada.
3.4. O arguido A, foi quem, igualmente, ordenou que o interceptado H fosse fazer fotos suas, à Foto, o que ele acatou, tendo-1has entregue depois, no seu próprio gabinete.
3.5. O arguido A, quando da devolução dos artigos anteriormente revistados ao interceptado H, não 1he fez entrega de um isqueiro da marca “Dupont”, no valor de H.K. $2.500, que este antes detinha, não tendo o mesmo então reclamado da sua falta, com receio de sofrer retaliações.
3.6. O arguido A, na presença do seu colega e arguido B, ameaçou ainda e sem qualquer fundamento legal, de que o interceptado E, F “voltaria a ser agredido bem como os seus clientes, no caso de ser encontrado a trazer mais clientes para aquele casino”.
3.7. Foi o arguido A que ordenou, sem qualquer fundamento legal para o efeito, ao interceptado G, que este fosse fazer fotos suas à Foto, tendo-1has ele depois entregue no seu gabinete.
3.8. O arguido A, na presença de outro colega não identificado, foi quem interrogou e mandou fazer fotos suas, ao interceptado I, à Foto, sem ter qualquer fundamento legal para isso, vindo este a depositá-las mais tarde em cima da sua secretária.
3.9. Foi o arguido A quem interrogou também o interceptado L, a quem ordenou, igualmente sem qualquer justificação, que fosse tirar fotos suas, à Foto, o qual depois de ali as ter ido fazer, 1has depositou em cima da sua secretária.

IV - Fixada a matéria de facto, importa subsumi-la às normas de Direito aplicável, passando a analisar-se nesta perspectiva quer a conduta dos arguidos, quer as circunstâncias em que as mesmas se desenrolaram.
Os funcionários da Polícia Judiciária em geral e os da carreira de investigação criminal, em particular, estão sujeitos aos deveres gerais aplicados para todos os trabalhadores da Administração Pública, previstos no respectivo Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, bem como aos deveres especiais consagrados no Capítulo III, Secção III, “regime disciplinar”, que compreende os Arts. 42.º a 46.º, inclusive, da Lei Orgânica da Polícia Judiciária de Macau, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro.
Para além disso, estão ainda os funcionários de investigação criminal sujeitos ao escrupuloso cumprimento das normas legais em vigor, nomeadamente, as directamente relacionadas com os direitos fundamentais dos cidadãos, consignados na Constituição da República Portuguesa com aplicabilidade directa pelo Código de Processo Penal.
Como preparação específica para o exercício das suas funções, é ministrado aos funcionários de investigação criminal da Polícia Judiciária um adequado curso de formação, aquando do seu ingresso na carreira de investigação criminal, de acordo com o fixado pela Portaria n.º 136/91/M, de 5 de Agosto.
E, como se vê de tal Portaria, nomeadamente nos seus artigos 18.º e 19.º, além dos adequados conhecimentos de Técnica e Táctica de Investigação Criminal, são ministrados ainda conhecimentos de Direito Penal, Direito Processual Penal e Deontologia Profissional, quer aquando do seu ingresso como investigadores de 2ª classe, quer como do seu ingresso como auxiliares de investigação criminal.
Estamos pois, perante funcionários com preparação técnica adequada ao exercício das suas funções, com responsabilidades acrescidas no respeitante ao cumprimento da legalidade e no respeito pelo “direitos fundamentais” constitucionalmente salvaguardados.
Ora, nos presentes autos ressaltam diversos ilícitos disciplinares graves, praticados pelos arguidos em manifesto desrespeito por tais normas e direitos fundamentais.
Para além das provadas agressões cometidas nos diversos intervenientes, bem como o não cumprimentos das mais elementares regras deontológicas a que estão sujeitos, serviram-se ainda os arguidos do pretexto da existência de um processo, com o n.º 1728/95, da 1ª Secção, a que todos pertenciam, para em conluio, poderem efectuar uma demonstração de força visando determinados posteriores benefícios ilegítimos e não na sequência de uma qualquer acção policial, com objectivos de apuramento de dados em função de uma investigação concreta, como pretenderam fazer crer.
Isto verifica-se por diversos factos apurados, de acordo com os artigos anteriormente expostos, relembrando-se nesta fase, alguns desses passos fundamentais:
l. A inadequada forma de actuação dentro das instalações do Hotel, sem tenha havido previamente uma regular identificação como agentes de autoridade.
2. Os actos de agressão logo aí cometidos e a apropriação dos artigos pessoais e documentos de identificação dos interceptados no aludido casino.
3. A forma inadequada e informal como os mesmos foram interrogados e revistados nas instalações da 1ª Secção da Polícia Judiciária de Macau, bem como os artigos a eles retirados e não devidamente arrolados.
4. As agressões cometidas nas pessoas dos interceptados naquelas instalações da 1ª Secção.
5. As ameaças contra eles proferidas, sem que aos mesmos 1hes tenha sido dado prévio conhecimento do motivo das perguntas que 1hes eram entretanto feitas, enquanto iam sendo agredidos.
6. O facto de, só ao fim da tarde, terem sido postos perante o chefe dos arguidos numa postura de submissão, ouvirem também dele uma prelecção final, com ameaças, sendo-1hes então dito que eram “suspeitos” do caso de agressões cometidas na pessoa de uma gerente do casino.
7. Todas estas diligências terem sido previamente combinados entre os arguidos e os seus chefes, no dia anterior, sabendo bem que não havia motivos legais para interceptarem tais indivíduos, da forma como o fizeram.
8. Factos que se atestam tão simplesmente, porquanto aos mesmos não foi dada oportunidade de prestarem declarações nos autos, nem tão pouco foram sujeitos a reconhecimento pessoal, que era necessário ter sido efectuado na altura através da vitima das agressões e ofendida no processo n.º 1728/95.
9. E não obstante não existirem quaisquer indícios da prática de qualquer ilícito penal, por parte de tais indivíduos, foram aos mesmos abertas fichas biográficas policiais como suspeitos da prática de um crime grave, quando se sabia bem não o terem eles praticado.
10. Contrariamente a isso, foram aqueles indivíduos ameaçados que deviam largar as suas ocupações no aludido casino, com frases do tipo “não devem voltar à actividade no casino, porque senão voltarão a ser agredidos, bem como os seus clientes” enquanto que aos seus chefes ou a quem se presumia que a eles fazia chegar o competente recado, foi dito por sua vez que os mesmos “não podiam querer o casino todo para eles” e, mais tarde, que “tinham de ter muito cuidado, porque senão seriam eles (os funcionários da Polícia) os últimos a brincar”.
Ora, pelo que atrás foi dito, quanto ao tratamento de “suspeitos” dado aos interceptados no Hotel, nomeadamente quanto à abertura de fichas biográficas, e dada a definição legal de suspeito, constante do Art. 252.º do Código de Processo Penal, que é a de “todo aquele a respeito de quem se procure na instrução averiguar dos fundamentos da suspeita de ter cometido uma infracção”, e, verificando-se que tais indivíduos interceptados, não foram sujeitos, de qualquer forma ou em quaisquer autos então pendentes, a quaisquer diligências de instrução, não podiam os mesmos ser legalmente considerados arguidos ou suspeitos, tornando-se, como tal, abusiva e ilegítima aquela acção levada a cabo na pessoa de tais indivíduos, interceptados no Hotel.
Por esse facto, o arguido C infringiu, clara e conscientemente, o disposto pelo Art. 17.º, alíneas o) e p), do Decreto Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro (Lei Orgânica da Polícia Judiciária de Macau), que salvaguarda a recolha de elementos identificativos para utilização policial, somente a arguidos ou suspeitos do cometimento de actos ilícitos, bem sabendo que, aos indivíduos interceptados em 29.09.95, no Hotel, não estavam, nem vieram a estar, imputadas quaisquer suspeitas do cometimento de ilícitos penais, em qualquer processo ali pendente.
Tanto este como os demais arguidos, com as atitudes comprovadas, gravemente atentatórias dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente os consignados nos Arts. 25.º e 26.º, n.os 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo as mesmas também, só por si, manifestamente ofensivas da instituição onde estão integrados, por revelarem menosprezo pela Lei e pela Constituição, que deveriam servir.
Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, sabendo perfeitamente bem que, como agentes de autoridade, tal conduta não 1hes era permitida e que a mesma revelava falta de dignidade para o exercício das suas funções.
1. Pelo exposto e tendo em atenção a matéria fáctica provada e pelos motivos e fundamentos legais acima descritos, consideramos ter o arguido C, cometido as seguintes infracções disciplinares:
O arguido C infringiu, como dolo, o disposto pelo art. 17.º, alíneas o) e p), do Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro (Lei Orgânica da Polícia Judiciária de Macau), que salvaguarda a recolha de elementos identificativos para utilização policial, somente a arguidos ou suspeitos do cometimento de actos ilícitos.
Todas as acções por ele perpetradas e desencadeadas a partir do processo que 1he estava distribuído, com o n.º 1728/95, são gravemente atentatórias dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente os consignados nos Arts. 25.º e 26.º, n.os 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, sendo as mesmas também, só por si, manifestamente ofensivas da instituição onde o arguido está integrado, por revelarem consciente desprezo pela Lei.
Com a conduta descrita, o arguido C, igualmente com dolo, cometeu, cumulativamente, várias infracções disciplinares, por ter violado os deveres gerais de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, previstas e punidas pelas disposições combinadas pelos Art. 279.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas a), b), d), e f), n.os 3, 4, 6 e 8, Art. 314.º n.º 2, alínea m), e n.º 4, alínea b) e pelo Art.. 315.º, n.os 1 e 2, alíneas a), b), c), i), n) e o), todos do E.T.A.P.M., aprovado pelo Decreto-Lei, n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
Para além das infracções descritas, os arguidos C violou ainda os deveres especiais, a que está vinculado por força da aplicação da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, nomeadamente os Arts. 44.º, n .º 1, alíneas b), e) e f) e o Art. 46.º, alínea a), do Decreto Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro.
Militam, contra o arguido C, as circunstâncias agravantes previstas pelo Art. 283.º, n.º 1, alíneas c) (premeditação), d) (o conluio com outros indivíduos) e h) (a acumulação de infracções), n.º 2 e n.º 5.
Não se verificaram quaisquer circunstâncias atenuantes.
Nestes termos e face ao articulado, incorre o arguido C na pena de demissão, prevista e punida pelos Art.os. 300.º, n.º 1, alínea e) e 305.º, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
2. Tendo em atenção a matéria fáctica provada e pelos motivos e fundamentos legais acima enunciados, consideramos ter o arguido B, aliás B1, cometido as seguintes infracções disciplinares:
Com as condutas apuradas, o arguido B, aliás B1, cometeu, a título doloso, cumulativamente, várias infracções disciplinares, pois que agindo em conluio com os restantes arguidos, violou os deveres gerais de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, previstas e punidas pelas disposições combinadas pelos Arts. 279.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas a), b), d), e f), n.os 3, 4, 6 e 8, Art. 314.º n.º 2, alínea m), e n.º 4, alínea b) e pelo Art. 315.º, n.os 1 e 2, alíneas a), i), n) e o), todos do E.T.A.P.M., aprovado pelo Decreto Lei, n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
Para além das infracções descritas, o arguido B, aliás B1, violou ainda os deveres especiais a que está vinculado por força da aplicação da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, nomeadamente os Arts.. 44.º, n .º 1, alíneas b), e f) e o Art. 46.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro.
Militam contra o arguido B, aliás B1, as circunstâncias agravantes previstas pelo Art. 283.º, n.º 1, alíneas c) (premeditação), d) (o conluio com outros indivíduos) e h) (a acumulação de infracções), n.º 2 e n.º 5.
Não se verificaram quaisquer circunstâncias atenuantes.
Nestes termos e face ao articulado, incorre o arguido B, aliás B1, na pena de demissão, prevista e punida pelos Arts. 300.º, n.º 1, alínea e) e 305.º, do Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
3. Tendo em atenção a matéria fáctica provada e pelos motivos e fundamentos legais acima enunciados, consideramos ter o arguido A, aliás A1, cometido as seguintes infracções disciplinares:
O arguido A, aliás A1, com a sua conduta, cometeu, com dolo, cumulativamente, várias infracções disciplinares, pois que violou os deveres gerais de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, previstas e punidas pelas disposições combinadas pelos Arts. 279.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas a), b), d), e f), n.os 3, 4, 6 e 8, Art. 314.º n.º 2, alínea m), e n.º 4, alínea b) e pelo Art. 315.º, n.os 1 e 2, alíneas a), i), e n), todos do E.T.A.P.M., aprovado pelo Decreto Lei, n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro.
Para além das infracções descritas, o arguido A, aliás A1, violou ainda os deveres especiais a que está vinculado, por força da aplicação da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, nomeadamente os Arts. 44.º, n .º 1, alíneas b), e f) e o art. 46.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro.
Militam contra os arguido A, aliás A1, as circunstâncias agravantes previstas pelo Art. 283.º, n.º 1, alíneas d) (o conluio com outros indivíduos) e h) (a acumulação de infracções), n.º 2 e n.º 5.
Beneficia das circunstâncias atenuantes previstas pelo art. 282.º, alíneas i) e j), atendendo ao constante do seu certificado de registo biográfico e disciplinar, nomeadamente por ser possuidor de um baixo grau de instrução, tendo no entanto já cerca de 20 anos de serviço prestado à Polícia Judiciária, com boa classificação de serviço desde 1992.
Nestes termos, face ao articulado e ao valor especial das circunstâncias atenuantes encontradas, de acordo com o Art. 316.º, n.º 2, incorre o arguido A, aliás A1, na pena de suspensão, prevista e punida pelos Arts.. 300.º, n.º 1, alínea c) e 303.º, n.º 1 e 2, alínea c), de 241 dias a 1 ano, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, a graduar em função do que superiormente se decidir, e a nosso ver por período não inferior a 270 dias”.
   E) – Por despacho da autoridade recorrida de 05.07.96, e nos termos do n.º 2 do art.º 338.º do ETAPM, aprovado pelo DL n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, foi solicitado parecer ao Senhor Director da PJ, superior hierárquico dos arguidos, o qual, emitindo-o em 08.07.96, concordou com a matéria fáctica dada como assente no relatório final do Instrutor e respectiva subsunção jurídica, bem como com as sanções disciplinares nele propostas (fls. 573 e 574 do vol. II do PI).
   F) – Em 29.07.96, a autoridade recorrida proferiu o seguinte:

“DESPACHO N.º 30-I/SAJ/96
1. Vistos o processo disciplinar instaurado contra A, aliás A1, investigador de 2ª classe, B, aliás B1, auxiliar de investigação criminal, e C, auxiliar de investigação criminal, todos da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, o relatório de fls. 525 a 569, e o parecer de fls. 574.
2. O referido relatório merece a nossa concordância quanto aos factos julgados provados constantes de fls. 550 a 560 e à respectiva qualificação jurídica, mostrando-se, assim, que:
a) o arguido A, aliás A1, violou os deveres gerais de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, previstos no n.º 1 e nas alíneas a), b), d), e f) do n.º 2 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto—Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, e ainda os deveres especiais previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 44.º e na alínea a) do artigo 46.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro, sendo aplicável à infracção, nos termos do n.º 1 e das alíneas a), i) e n) do n.º 2 do artigo 315.º daquele Estatuto, por as infracções inviabilizarem a manutenção da situação jurídico-funcional, a pena de aposentação compulsiva prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 300.º;
b) o arguido B, aliás B1, violou os deveres gerais de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, previstos no n.º 1 e nas alíneas a), b), d), e f) do n.º 2 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto—Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, e ainda os deveres especiais previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 44.º e na alínea a) do artigo 46.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro, sendo aplicável à infracção, nos termos do n.º 1 e das alíneas a), i), n) e o) do n.º 2 do artigo 315.º daquele Estatuto, por as infracções inviabilizarem a manutenção da situação jurídico-funcional, a pena de demissão prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 300.º;
c) o arguido C violou os deveres gerais de isenção, de zelo, de lealdade e de correcção, previstos no n.º 1 e nas alíneas a), b), d), e f) do n.º 2 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, os deveres especiais previstos nas alíneas b), e) e f) do n.º 1 do artigo 44.º e na alínea a) do artigo 46.º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 61/90/M, de 24 de Setembro, sendo aplicável à infracção, nos termos do n.º 1 e das alíneas a), b), c), i), n) e o) do n.º 2 do artigo 315.º daquele Estatuto, por as infracções inviabilizarem a manutenção da situação jurídico-funcional, a pena de demissão prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 300.º.
3. Mostra-se ainda que:
a) contra o arguido A, aliás A1, militam as agravantes previstas nas alíneas c), d) e h) do n.º 1 do artigo 283.º do E.T.A.P.M.. Beneficia no entanto das atenuantes previstas nas alíneas i) e j) do artigo 282.º do mesmo Estatuto. Atendendo ao disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 316.º do sempre citado Estatuto, é de aplicar a pena imediatamente anterior, que no caso é a de suspensão de 241 dias a 1 ano a que se refere a alínea c) do n.º 2 do artigo 303.º, como propõe o instrutor;
b) contra o arguido B, aliás B1, militam as agravantes previstas nas alíneas c), d) e h) do n.º 1 do artigo 283.º do E.T.A.P.M.. Não beneficia de atenuantes. Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 316.º do sempre citado Estatuto, é de aplicar a pena de demissão, como propõe o instrutor;
c) contra o arguido C militam as agravantes previstas nas alíneas c), d) e h) do n.º 1 do artigo 283.º do E.T.A.P.M.. Não beneficia de atenuantes. Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 316.º do sempre citado Estatuto, é de aplicar a pena de demissão, como propõe o instrutor.
4. Assim, no uso das competências delegadas pelo artigo 1.º da Portaria n.º 86/91/M, de 20 de Maio, e ao abrigo do disposto no artigo 338.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aplico:
a) Ao arguido A, aliás A1, investigador de 2ª classe da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, a pena de 300 (trezentos) dias de suspensão;
b) Ao arguido B, aliás B1, auxiliar de investigação criminal da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, a pena de demissão, e
c) Ao arguido C, auxiliar de investigação criminal da Directoria da Polícia Judiciária de Macau, a pena de demissão.
5. Nos termos do n.º 1 do artigo 107.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 35/94/M, de 18 de Julho, juntem-se cópias das fls. 550 a 560 do processo, de onde constam os factos considerados provados, e que se consideram parte integrante do presente despacho.
6. Notifique-se.
Macau, aos 29 de Julho de 1996
O Secretário-Adjunto para a Justiça
Ass.) A. Macedo de Almeida”.
   G) – Sendo este o despacho recorrido, notificado aos arguidos, ora recorrentes, em 06.08.96 (fls. 580 a 582 do vol. II do PI).

3. As questões a decidir no presente recurso jurisdicional são as constantes das conclusões da alegação de recurso dos recorrentes, ou seja, apurar se o acórdão recorrido violou:
- O art. 298.º, n.º 2 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, doravante designado por ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21.12, o art. 173.º do Código de Processo Penal de 1929, o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos, ao não reconhecer que a inquirição das testemunhas T, U e V violou tais normas e princípios, na medida em que o instrutor do processo disciplinar as intimidou, ao recordar-lhes, no início da inquirição no processo disciplinar que, dois meses antes, interpelados pelo secretário do mesmo processo, para saber se tinham presenciado determinados factos no Hotel, terem afirmado que não se recordavam de qualquer pormenor ou incidente;
- O art. 298.º, n.º 2 do ETAPM e o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos, ao não reconhecer que a inquirição da testemunha D, violou tais princípios, na medida em que o instrutor do processo disciplinar a admoestou no sentido de que as declarações que prestasse, em função da verdade averiguada nos autos poderiam pesar na sua carreira profissional e que as suas respostas não estavam a ir ao encontro das averiguações já efectuadas;
- O art. 231.º do Código de Processo Penal de 1929 e o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos, ao não reconhecer que a pergunta formulada pelo instrutor às testemunhas W, X e Y (a que título é que ali haviam comparecido como testemunhas dos arguidos) violou tal norma e princípios;
- O art. 326.º, n.º 2, do ETAPM, ao não reconhecer que o prosseguimento do instrutor nessas funções após a sua transferência de serviço, sem autorização do Governador, violou tal norma.

   4. Preliminarmente, importa clarificar uma questão abordada tanto na alegação dos recorrentes, como no parecer final do Digno Magistrado do Ministério Público, que é a de saber qual o poder cognitivo deste Tribunal em relação à matéria de facto, em recursos jurisdicionais, correspondentes a 2.º grau de jurisdição.
   Como bem acentuaram os recorrentes, se tivesse sido o Plenário do Tribunal Superior de Justiça (TSJ) a julgar o presente recurso, o seu poder cognitivo era restrito à matéria de direito, estando-lhe interdito o conhecimento da matéria de facto. Isso resultava indiscutivelmente do disposto no n.º 3, do art. 21.º (na redacção original) e na alínea a), do art. 24.º, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27.4, do n.º 1, do art. 16.º da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau (LBOJM), aprovada pela Lei n.º 112/91, de 29.8 e do n.º 2, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 20/99, de 24.5.
   Por outro lado, no sistema judiciário instituído na Região Administrativa Especial de Macau, dispõe o art. 47.º da Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ), aprovada pela Lei n.º 9/1999, de 20 de Dezembro:
    «Artigo 47.º
    Poderes de cognição
   1. Excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso correspondente a segundo grau de jurisdição, conhece de matéria de facto e de direito.
   2. Excepto disposição em contrário das leis de processo, o Tribunal de Última Instância, quando julgue em recurso não correspondente a segundo grau de jurisdição, apenas conhece de matéria de direito».
   Mas o art. 152.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13.12, contém uma disposição especial para o contencioso administrativo, relativamente à referida norma do n.º 1, do art. 47.º da LBOJ:
«Artigo 152.º
(Recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância)
   O recurso dos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância apenas pode ter por fundamento a violação ou a errada aplicação de lei substantiva ou processual ou a nulidade da decisão impugnada».
   Daqui resulta que nos processos novos1, instaurados desde 20.12.99, nos recursos jurisdicionais de acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, nos processos do contencioso administrativo, o Tribunal de Última Instância (TUI) apenas conhece de matéria de direito.
   E relativamente aos processos pendentes?
   Aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 3, do art. 21.º (na redacção original) do ETAF, face ao disposto na alínea 4), do n.º 2, do art. 44.º, da LBOJ, na alínea a), do art. 24.º, do ETAF, no n.º 1, do art. 16.º, da LBOJM, no n.º 2, do art. 1.º, do Decreto-Lei n.º 20/99 e no n.º 3, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M.
   Quer dizer, mesmo nos processos pendentes, a regra de cognição para o TUI, nos recursos jurisdicionais em causa, é semelhante, tanto à que vigorava para o Plenário do TSJ, como a que vigora para o TUI, nos processos instaurados a partir de 20.12.99.
   Em conclusão, no presente recurso apenas se conhecerá da matéria de direito.
   
   5. A primeira questão de mérito a decidir é a de saber se o acórdão recorrido violou o disposto no art. 298.º, n.º 2 do ETAPM, no art. 173.º do Código de Processo Penal de 1929, o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos, ao não reconhecer que a inquirição das testemunhas T, U e V violou tais normas e princípios, na medida em que o instrutor do processo disciplinar as intimidou, na tese dos recorrentes, ao recordar-lhes, no início da inquirição no processo disciplinar que, dois meses antes, interpelados pelo secretário do mesmo processo, para saber se tinham presenciado determinados factos no Hotel, terem afirmado que não se recordavam de qualquer pormenor ou incidente.
   O Tribunal entende que pode conhecer desta questão (mas apenas no que toca à testemunha T, por motivos que se adiantarão de seguida), já que o acórdão recorrido, nesta matéria, considerou provado o constante de fls. 383 e verso do processo disciplinar (fls. 225v. do presente processo), pelo que o tribunal de recurso não está vinculado às conclusões a que chegou o tribunal recorrido.
   Apreciemos, pois, a questão.
   Na decisão recorrida deu-se como provado que, no depoimento da referida testemunha constante de fls. 383 e 383 verso do processo disciplinar, consta o seguinte passo com relevância para a matéria ora em apreço:
“Recorda-se de ter sido interpelado pelo Secretário nomeado nos autos há cerca de dois a três meses a esta parte, quando foi instado no sentido de informar se tinha conhecimento ou se tinha presenciado algumas diligências que tinham sido encetadas no final do mês de Setembro de 1995, nas instalações do Hotel, em Macau, pelo investigador C e o seu colega D, tendo informado na altura que não se recordava de qualquer pormenor ou incidente relacionado com tais factos”.
Não se vislumbra em que é que a abordagem informal de um dos encarregados da instrução do processo junto de determinada pessoa, no sentido de apurar se ela conhecia factos relevantes para o processo em causa, constitua qualquer ilegalidade. Não se tratou de ouvir os intervenientes processuais sem os sujeitar a actos formais no respectivo processo, como alegam os recorrentes a fls. 43. Tratou-se tão somente de aplicar o princípio da economia processual, não praticando actos inúteis no processo2.
É que a pessoa respondeu negativamente à pergunta informal e certamente por isso não foi inquirida formalmente.
O que já seria censurável era perguntar informalmente se determinada pessoa conhecia factos averiguandos e, sendo a resposta positiva, não a inquirir formalmente.
No que se refere à legalidade ou ilegalidade do depoimento da testemunha, e tendo como material de trabalho o excerto do auto de declarações atrás transcrito, não temos quaisquer dúvidas em subscrever o entendimento da decisão recorrida, quando nela se diz que «competindo ao Instrutor a disciplina da inquirição da testemunha, de modo a obter desta depoimento verdadeiro, a que legalmente está obrigada, não se vislumbra qualquer irregularidade no facto de o Instrutor lhe recordar um facto verdadeiro tendente a obter depoimento de acordo com a realidade».
Discorda-se do entendimento dos recorrentes, de que se tratou de intimidação da testemunha. Do texto mencionado nada aponta nesse sentido, que tenha havido qualquer coacção da testemunha, e o conhecimento do Tribunal não pode estender-se a outras matérias, como já ficou dito3.
   Os recorrentes suscitam a mesma questão no concernente aos depoimentos das testemunhas U e V, mas o Tribunal não pode conhecer da matéria em virtude de o acórdão recorrido não ter emitido pronúncia neste domínio4 e de os recorrentes não terem impugnado a omissão pelo mecanismo próprio, a arguição de nulidade, nos termos do art. 668.º, n.os 1, alínea d), primeira parte e 3, do Código de Processo Civil.
O mencionado conhecimento está vedado a este Tribunal porque, como é sabido, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, salvo matérias de conhecimento oficioso5, o que não é o caso6 7.
Em conclusão, o acórdão recorrido não violou o disposto no art. 298.º, n.º 2 do ETAPM, no art. 173.º do Código de Processo Penal de 1929, o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos.

   6. A segunda questão de fundo a decidir consistiria em apurar se foram violados o art. 298.º, n.º 2 do ETAPM e o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos, ao não reconhecer que a inquirição da testemunha D, violou tais princípios, na medida em que o instrutor do processo disciplinar a admoestou no sentido de que as declarações que prestasse, em função da verdade averiguada nos autos, poderiam pesar na sua carreira profissional e que as suas respostas não estavam a ir ao encontro das averiguações já efectuadas.
   Mas também quanto a este aspecto, o acórdão recorrido não emitiu pronúncia sobre a questão8.
   Daí que pelas mesmas razões apontadas no número anterior, a propósito do não conhecimento dos vícios imputados à inquirição das testemunhas U e V, também agora o Tribunal não possa conhecer da questão.
   
   7. Outra questão de mérito a decidir reside em saber se foram violados o art. 231.º do Código de Processo Penal de 1929 e o princípio do contraditório e o princípio da defesa ampla dos arguidos, ao não reconhecer que a pergunta formulada pelo instrutor às testemunhas W, X e Y (a que título é que ali haviam comparecido como testemunhas dos arguidos) violou tal norma e princípios.
   Alegam os recorrentes que a pergunta formulada a tais testemunhas, a fls. 391 a 392, 395 a 396 e 397 a 398 do processo disciplinar – como é que ali haviam comparecido como testemunhas dos arguidos? – viola o referido art. 231.º do Código de Processo Penal de 1929, pois não cabia no quadro das questões preliminares que devem colocar-se às testemunhas.
   Discorda-se frontalmente da tese dos recorrentes.
   Tentar averiguar a que título é que testemunhas aparecem com tal qualidade, é elemento importante para aquilatar da sua credibilidade, para saber se é testemunha presencial dos factos ou não, se é mera testemunha abonatória.
   Aliás, tal pergunta está relacionada com a razão de ciência da testemunha, pelo que não só pode, mas também deve ser feita se as circunstâncias o exigirem.
   Note-se que dispunha o art. 233.º do mesmo Código de Processo Penal de 1929, aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar em causa, que:
    «Artigo 233.º
    (Razão de ciência)
    Às testemunhas será perguntado o modo por que souberam o que depõem. Se disserem que o sabem de vista, serão perguntados em que tempo e lugar o viram, se estavam aí outras pessoas que também vissem e quais eram. Se disserem que o sabem de ouvido, serão perguntadas a quem o ouviram, em que tempo e lugar, e se estavam aí outras pessoas que o ouvissem também e quais eram, escrevendo-se todas as respostas que interessem à instrução.
   § único. O juiz não mandará escrever a resposta da testemunha que não dê razão alguma da ciência do que afirma».
   Pois bem, perguntar à testemunha, a razão por que ela aparece como tal, cabe perfeitamente dentro das perguntas referidas no mencionado art. 233.º, pelo que, ao proceder assim, o Instrutor não violou quaisquer normas ou princípios, antes cumpriu o que manda a lei.
   Improcede o referido vício de forma.
   
   8. A última questão a resolver consiste em saber se o acórdão recorrido violou o disposto no art. 326.º, n.º 2, do ETAPM ao não reconhecer que o prosseguimento do instrutor nessas funções após a sua transferência de serviço, sem autorização do Governador, violou tal norma.
   A matéria de facto subjacente é a seguinte:
   Por despacho de 20.10.95, o Director da Polícia Judiciária determinou a instauração de processo disciplinar contra os ora recorrentes, tendo nomeado instrutor o Subinspector da mesma Corporação, Sr. Z (fls. 83).
   Em 30.11.95, o Director da Polícia Judiciária exarou o seguinte despacho no processo disciplinar:
   «Considerando que o Instrutor tem acompanhado, a par e passo o desenrolar das investigações entendo dever ser ele a ultimá-las não obstando a isso o facto de haver sido colocado no ACCCIA, Instituição também ela vocacionada para a investigação e, por essa razão, determina-se que seja o Sr. Subinspector Viegas e o Secretário que o tem vindo a coadjuvar as pessoas que ultimarão os presentes autos» (fls. 131).
   Os ora recorrentes, então na qualidade de arguidos, foram notificados da acusação do processo disciplinar em 14 e 16 de Março de 1996, onde constava que o Instrutor era funcionário do ACCCIA (fls.321, 322, 336 e 327).
   Enquadramento jurídico:
   A entidade competente para instaurar o processo disciplinar e nomear o instrutor era o Director da Polícia Judiciária, por ser «a entidade responsável pelo serviço a que o infractor está afecto no momento da prática da infracção» (arts. 318.º, n.º 2 e 326.º, n.º 1 do ETAPM).
   O instrutor deve ser escolhido de entre os funcionários ou agentes com categoria superior à do arguido (n.º 1, do art. 326.º do ETAPM).
   Dispõe o n.º 2, do mesmo art. 326.º:
«O Governador pode, quando as circunstâncias do processo assim o exigirem, nomear para instrutor funcionário ou agente de serviço diverso daquele a que pertencer o arguido, ou indivíduo não vinculado à Administração».
   Tem, ainda, interesse conhecer o n.º 3, do mesmo artigo:
   «O instrutor pode ser substituído em qualquer fase do processo, ocorrendo impedimento prolongado ou outro motivo relevante, por despacho da entidade que o nomeou».
   Destas normas resulta claro o seguinte:
   - O instrutor deve ser nomeado, de entre funcionários do serviço a que pertence o arguido;
   - A nomeação do instrutor cabe à entidade responsável pelo serviço a que o infractor está afecto no momento da prática da infracção;
   - A nomeação para instrutor de funcionário de serviço diverso do do arguido ou de indivíduo não vinculado à Administração cabia ao Governador;
   - O instrutor pode ser substituído em qualquer fase do processo, ocorrendo impedimento prolongado ou outro motivo relevante, por despacho da entidade que o nomeou.
   A questão que se põe é a de saber se, deixando o instrutor de ser funcionário do serviço a que pertencia o arguido, para continuar a exercer as mesmas funções, seria necessário despacho do Governador ou bastaria despacho do responsável pelo serviço onde o arguido prestava serviço.
   O acórdão recorrido optou pela última hipótese, mas salvo o devido respeito, com argumentação não convincente.
   Diz o douto acórdão que a entidade responsável pelo serviço agiu «correctamente, face aos normativos legais atrás citados, porquanto a hipótese não era de enquadramento no n.º 2 do referido art. 326.º, visto que, não só a competência do Instrutor se fixou no momento da sua nomeação, como também só neste momento é que o Governador de Macau podia, se as circunstâncias do processo o exigissem, nomear Instrutor de serviço diverso dos arguidos ou indivíduo não vinculado à Administração.
   Todas as restantes situações, como era a da mudança de serviço do Instrutor, cabem na competência da entidade que ordenou a instauração do processo disciplinar».
   Será assim?
   Entende-se que não.
   Para obter a resposta à questão importa ponderar qual a ratio das normas que prescrevem que o instrutor deve ser nomeado de entre os funcionários do serviço do arguido, pelo responsável do serviço (1.º caso), e que para ser nomeado para instrutor funcionário ou agente de serviço diverso daquele a que pertencer o arguido (2.º caso), ou indivíduo não vinculado à Administração (3.º caso), já é necessário despacho do Governador.
   Ou seja, importa ponderar qual a ratio das normas que estabelecem a competência para proceder à nomeação de instrutor em processo disciplinar, num caso o responsável do serviço, nos outros o Governador.
   E não é difícil perscrutar a intenção da lei:
   - No primeiro caso, a competência pertence ao responsável do serviço porque ele tem poder de direcção sobre todos os funcionários do seu serviço e, por isso, pode nomear um deles instrutor de processo disciplinar;
   - No segundo caso (nomeação para instrutor de funcionário ou agente de serviço diverso daquele a que pertencer o arguido) a razão está em que o dirigente do serviço não tem competência para praticar o acto, para nomear funcionários de outros serviços, e por isso tem de intervir alguém com poder de direcção sobre os demais serviços, o Governador, actualmente, o Chefe do Executivo9;
   - No terceiro caso, (nomeação para instrutor de indivíduo não vinculado à Administração), a razão estará, fundamentalmente, na economia de meios. É que sendo nomeado como instrutor um funcionário, este apenas receberá como acréscimo pela função uma gratificação diária (n.º 6, do art. 326.º do ETAPM). Se tratar de não funcionário, a sua remuneração será, evidentemente, mais elevada. Daí que se exija despacho da mais alta entidade administrativa10.
   A partir do conhecimento da ratio das normas está facilitado o trabalho do intérprete.
   Se ao responsável pelo serviço falece, naturalmente, competência para fazer nomeações de funcionários de outros serviços, tal competência também lhe falta para manter como instrutor funcionário que saiu do seu serviço e passou a exercer funções noutro serviço.
   Pois a que título é que o responsável de um serviço pode afectar parcialmente o trabalho de funcionário de outro serviço?
   Identicamente, se era necessário despacho do Governador para a nomeação de pessoa não vinculada à Administração por se tratar de encargo acrescido para o erário público, esse despacho continua a ser necessário, se houver substituição do instrutor, no decurso do processo disciplinar, por pessoa não vinculada à Administração.
    Assim, não faz sentido defender que a competência do instrutor se fixou no momento da sua nomeação (ao abrigo de que norma?) e que só neste momento é que o Governador de Macau podia, se as circunstâncias do processo o exigissem, nomear instrutor de serviço diverso dos arguidos ou indivíduo não vinculado à Administração.
   A regra para a competência para a substituição do instrutor, referida no n.º 3, do art. 326.º do ETAPM, há-de obedecer à regra da competência para a nomeação inicial do instrutor.
   Ora, se a entidade competente para nomear como instrutor funcionário de serviço diverso do arguido ou indivíduo não vinculado à Administração era o Governador, por identidade de razão haveria de ser esta mesma entidade a competente para substituir o instrutor por funcionário de serviço diverso do arguido ou por indivíduo não vinculado à Administração e, também, por identidade de razão, era o Governador, a entidade competente para manter o instrutor em funções, quando este passasse a exercer funções em serviço diverso.
   É que o Director da Polícia Judiciária não tinha, nem tem, poder de direcção sobre o pessoal do ACCCIA11.
   Em conclusão, o acórdão recorrido fez errada interpretação da lei.
   
   9. Não obstante, há uma circunstância que impede a anulação do acto recorrido.
   Em processo disciplinar, rege a regra segundo a qual «dos despachos proferidos antes da decisão final, que não sejam de mero expediente, cabe recurso hierárquico, a interpor para o Governador, no prazo de 10 dias a contar do seu conhecimento…» (n.º 1, do art. 341.º do ETAPM).
   A não interposição do recurso hierárquico conduz à consolidação do acto na ordem jurídica, o que bem se compreende, pois de outra forma, não se dando possibilidade de serem revogadas as decisões interlocutórias, podia dar-se o caso de, mais tarde, no recurso contencioso se virem a suscitar questões relacionadas com decisões não finais – há muito ultrapassadas - e que poderiam provocar a anulação do despacho final.
   Quer dizer, para o recorrente poder discutir, no recurso contencioso, questões relacionadas com decisões interlocutórias, não finais, proferidas no processo disciplinar, tem necessariamente de, em momento anterior, as suscitar na via graciosa, interpondo recurso hierárquico.
   Aliás, também no direito processual disciplinar vigora um princípio semelhante ao da consolidação dos actos interlocutórios não impugnados, que é o da sanação de nulidades e irregularidades processuais, se não forem objecto de reclamação pelo arguido12 até decisão final. Na verdade, com excepção da nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, nos quais as infracções sejam suficientemente individualizadas e referidas aos preceitos legais infringidos, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade e da falta de audiência, na fase de defesa, das testemunhas indicadas pelo arguido (n.os 1 e 2 do art. 298.º do ETAPM), «as restantes nulidades consideram-se supridas se não forem reclamadas pelo arguido até decisão final» (n.º 3, do mesmo art. 298.º).
   Como se fez constar, atrás, o despacho de manutenção do Instrutor em funções é de 30.11.95 e os ora recorrentes, então na qualidade de arguidos, foram notificados da acusação do processo disciplinar em 14 e 16 de Março de 1996, onde se dizia que o Instrutor era funcionário do ACCCIA (fls.321, 322, 336 e 327). E nunca impugnaram tal despacho.
   Logo, tal despacho consolidou-se na ordem jurídica, pelo que o acto recorrido não pode ser anulado com este fundamento.
   Improcedem, portanto, todos os fundamentos do recurso.
   
   10. Face ao expendido, acordam em negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
   Custas pelos recorrentes, fixando a taxa de justiça em 7 UC e a procuradoria em 2 UC, por cada um.
   Macau, 16.2.2000
   Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai
                           Chu Kin
   Fui presente
   Vitor Manuel Carvalho Coelho
1 Cfr. os n.os 1, 2 e 3, do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 110/99/M.

2 Como impõe o art. 137.º do Código de Processo Civil anterior, então vigente, (e que será o doravante referido, salvo indicação em contrário) aplicável em processo disciplinar por via da dupla subsidiariedade do processo civil relativamente ao processo penal (art. 1.º, § único do Código de Processo Penal de 1929) e deste relativamente ao processo disciplinar, como constitui jurisprudência corrente e doutrina pacífica, com fundamento, entre outras, em disposições como a do n.º 4, do art. 292.º do ETAPM (LUÍS VASCONCELOS ABREU, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Coimbra, 1993, p. 79 e segs.).


3 Não deixando de realçar que os recorrentes não produziram quaisquer meios de prova da sua alegação.

4 Embora a questão fosse idêntica, nos aspectos factuais e jurídicos, à suscitada a propósito da testemunha Tou Kuok Fai.
5 ARMINDO RIBEIRO MENDES, Recursos em Processo Civil, 2ª ed., 1994, p. 175 e 176.
6 As nulidades insupríveis de processo disciplinar determinam anulabilidade do acto administrativo e não a sua nulidade.
7 Os actos praticados sob coacção a que se referia a alínea e), do n.º 2, do art. 114.º do Código do Procedimento Administrativo então vigente, aqui fulminados com a nulidade são, como é bem de ver, os actos da Administração e não os actos praticados por particular sob coacção da Administração.

8 Aliás, justificadamente, dado que os recorrentes não levaram às conclusões da sua alegação, no recurso contencioso, o mencionado vício de forma, o que se entende como desistência tácita do objecto inicial do recurso, por aplicação, ao recurso contencioso, da norma do n.º 3, do art. 684.º do Código de Processo Civil, referente ao recurso jurisdicional, por força do disposto no § único do art. 67.º do Regulamento do STA - LINO RIBEIRO, Manual Elementar de Direito Processual Administrativo de Macau, tomo I, p. 246.


9 N.º 2, do art. 4.º e Anexo IV, n.º 4, da Lei n.º 1/1999, de 20 de Dezembro.
10 Anote-se que está em causa conhecer a razão das normas atinentes ao órgão competente para a nomeação em causa e não na razão da norma relativa à escolha do instrutor, que ocorrerá «quando as circunstâncias do processo assim o exigirem» (n.º 2, do art. 326.º do ETAPM).
11 É certo que, provavelmente, no caso em apreço, poderá ter havido qualquer cooperação do dirigente do ACCCIA para a manutenção de um seu funcionário “ao serviço” da Polícia Judiciária. Mas tal circunstância não releva, evidentemente, na interpretação de normas jurídicas.
12 Semelhante ao que vigora em processo penal (art. 100.º do Código de Processo Penal de 1929 e art. 107.º do Código de Processo Penal de Macau).

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