打印全文
Processo n.º 26/2003. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: A.
Recorrido: Secretário para a Segurança.
Assunto: Processo disciplinar. Nova acusação. Omissão de pronúncia no procedimento administrativo. Pena de demissão. Inviabilidade da manutenção da relação funcional. Princípio da proporcionalidade.
Data da Sessão: 15 de Outubro de 2003.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Sam Hou Fai e Chu Kin.

SUMÁRIO:
I – Se o instrutor do processo disciplinar se apercebe, inclusivamente pela defesa do arguido, que a acusação deduzida sofre de qualquer deficiência, nada impede que formule nova acusação contra o mesmo, sendo, no entanto, essencial que seja dada ao arguido oportunidade de se defender dessa nova acusação.
II - Não há omissão de pronúncia no procedimento administrativo se, tendo o arguido em processo disciplinar requerido a suspensão do processo até ser proferida decisão no processo-crime, a entidade decisora profere decisão final punitiva, implicitamente indeferindo a pretensão do arguido e resolvendo, assim, a questão suscitada.
   III – O preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.
   IV - O princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
   V - A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
O Relator
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, guarda da Polícia Marítima e Fiscal, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário para a Segurança, de 26 de Outubro de 2001, que o puniu com a pena disciplinar de demissão.
Por acórdão de 26 de Junho de 2003, do Tribunal de Segunda Instância, foi negado provimento ao recurso.
Inconformado, interpôs o mesmo A o presente recurso jurisdicional, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:
1.ª - Em face das circunstâncias fácticas apuradas no âmbito do processo disciplinar, consubstanciadas no longo tempo de serviço prestado pelo recorrente à Administração, ter sido louvado por mais de uma vez pelos seus superiores hierárquicos durante o desempenho das suas funções, e, ainda, a postura de confissão dos factos e uma atitude de colaboração assumida na fase de instrução do processo disciplinar, a entidade administrativa deveria ter optado pela aplicação de uma pena disciplinar de carácter correctivo e não expulsivo, assim se equilibrando a necessidade de correcção sancionatória ao agente infractor e aos objectivos a prosseguir pelo serviço público a que pertencia.
2.ª - Não o fazendo, o acórdão recorrido bem como o despacho sancionatório oportunamente impugnado desrespeitou o princípio da proporcionalidade consagrado na norma contida no n.º 2 do artigo 5.° do CPA, e as circunstâncias atenuativas consagradas na norma contida no artigo 200.°, n.os 1 e 2, alíneas b), e), e h) do EMFSM que assim foram violados.
3.ª - No âmbito do processo disciplinar que, necessariamente, antecedeu à prolacção do despacho sancionatório, não se mostram verificados quaisquer fundamentos enquadráveis aos requisitos consagrados no n.º 3 do artigo 281.° do EMFSM, razão pela qual a nova (ou segunda) acusação deduzida não colhe qualquer cobertura legal. Assim, o processo disciplinar e o despacho violaram esta norma legal, tendo tal sido atempadamente suscitada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 262.° do EMFSM. O acórdão ora recorrido ao negar provimento ao recurso interposto sobre aquele despacho, nesta parte, ao não colher esta leitura que se faz, violou estas mesmas normas legais.
4.ª - Mau grado ter sido atempadamente requerido pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 263.° do EMFSM, uma vez que o lícito de que resultou a acção disciplinar foi igualmente participado ao Ministério Público para o exercício da acção penal, que a decisão final do processo disciplinar fosse protelada para posteriormente, aguardando pela decisão judicial, o despacho impugnado ignorou e não pronunciou acerca do mérito ou demérito deste pedido formulado.
5.ª - Omitiu, assim, em pronunciar-se sobre algo relevante que lhe foi requerido por quem de Direito e na defesa dos seus interesses. Violou, desta forma, o despacho recorrido o princípio da decisão consagrado no artigo 11.º do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
6.ª - O acórdão recorrido ao não se identificar com este argumento, violou, em nosso entendimento, também, o princípio da decisão consagrado na norma contida no citado artigo 11.º do CPA.
A entidade recorrida contra-alegou, defendo a manutenção do acórdão recorrido.
A Ex.ma Procuradora-Adjunta emitiu o seguinte parecer:
Inconformando com o douto acórdão do Tribunal de Segunda Instância no sentido de negar provimento ao seu recurso interposto, vem A interpor recurso para o Tribunal de Ultima Instância.
Assaca ao douto Acórdão recorrido os vícios de:
- violação da norma contida no n.° 3 do art.° 281.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM);
- violação do princípio da decisão consagrado no art.° 11.° do Código de Procedimento Administrativo; e
- violação do princípio de proporcionalidade consagrado no art.° 5.º n.° 2 do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e da norma contida no art.° 200.º n.os 1 e 2, al.s b), e) e h) do EMFSM.
Vejamos.
O art.° 281.º do EMFSM prevê o seguinte:
"1. Finda a produção da prova oferecida pelo arguido, podem ainda ordenar-se, em despacho fundamentado, novas diligências que se tomem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade.
2. Se das diligências efectuadas resultarem factos novos, o processo deve ser facultado outra vez ao arguido, ainda que não exista matéria nova de acusação, a fim de o mesmo se pronunciar, querendo, sobre o valor probatório desses elementos.
3. Quando essas diligências revelem novos factos puníveis praticados pelo arguido ou circunstâncias diferentes da sua comissão ou que possa influir na respectiva qualificação e avaliação, deverá o instrutor deduzir novos artigos de acusação no prazo e nos termos previstos no n.° 2 do art.º 274.°, seguindo-se os demais termos do processo disciplina."
Como resulta do próprio texto legal, o que aqui está estabelecido é a obrigação para o instrutor do processo disciplinar de deduzir nova acusação quando as novas diligências complementares revelem novos factos praticados peto mesmo arguido que merecem punição disciplinar ou novas circunstâncias que tenham influência na qualificação e avaliação dos factos. E nada mais disso.
Não se pode concluir, partindo da mesma norma, que é impedido ao instrutor formular a segunda acusação, com vista ao aperfeiçoamento da peça acusatória, em outras situações verificadas em caso concreto, nomeadamente quando se apercebe da insuficiência, imprecisão ou irregularidade verificada na primeira acusação deduzida.
Tal como foi frisado no douto Acórdão ora recorrido, e também pelo Magistrado do MP no seu parecer dado no Tribunal de Segunda Instância, "é entendimento pacífico que não existe impedimento de ordem legal que no mesmo processo disciplinar, sobre os mesmos factos e em que o arguido é o mesmo, seja deduzida nova acusação, desde que dada ao acusado a oportunidade de ele se defender da mesma".
No caso sub judice, depois de ter deduzido acusação e elaborado o relatório final, foram os autos remetidos ao então Conselho Disciplinar da PMF, que é obrigatoriamente ouvido quando estejam em causa processos disciplinares em que se proponha a aplicação das penas de aposentação compulsiva e de demissão, a fim de apreciar e emitir parecer sobre a punição disciplinar proposta (arts. 315.º n.° 2 e 318.º n.° 1, al. e) e n.° 2 do EMFSM).
E o Conselho Disciplinar emitiu parecer no sentido de, tendo em conta a necessidade de garantir ao arguido o direito de defesa, dever aperfeiçoar a acusação já deduzida, na parte respeitante aos factos, por exemplo, quanto ao motivo de prática do crime, ao grau de intervenção e aos factos imputados, para o arguido poder conhecer melhor a acusação deduzida contra ele. (fls. 105 do Processo Administrativo Instrutor)
Sob tal proposta foi deduzida a nova acusação, a qual foi depois notificada ao ora recorrente que respondeu, garantindo assim o seu direito de defesa.
Exposta a situação concreta, é de crer que o procedimento adoptado pela Administração no processo disciplinar é perfeitamente admissível, não tendo violado a norma indicada pelo recorrente nem outras.
É verdade que, em sua defesa escrita apresentada, o recorrente requereu que a decisão final do processo disciplinar fosse protelada para momento posterior, aguardando pelo decisão judicial que venha a ser proferida.
Alega o recorrente que tal pedido foi completamente ignorado, pelo que foi violado o princípio da decisão.
Não podemos concordar com este entendimento.
Com a prossecução do procedimento disciplinar e a consequente aplicação da respectiva pena, é evidente que o pedido do recorrente foi indeferido, embora não de forma expressa.
E parece-nos muito correcta a actuação da Administração em prosseguir o processo, uma vez que, nos termos do art.° 263.º n.° 1 do EMFSM, "a acção disciplinar é exercida independentemente da criminal" (tem o mesmo sentido o art.° 287.º n.° 1 do ETAPM).
Não obstante a lei prever a possibilidade de a decisão final do processo disciplinar aguardar o resultado da acção criminal, certo é que, no caso em apreço, não houve necessidade de aguardar pela decisão judicial, dado que conseguiram apurar nos autos os factos imputados ao recorrente, até pela sua própria confissão.
Mostra-se assim irrelevante a alegação do recorrente.

No que concerne à alegada violação do princípio da proporcionalidade, cremos que também não assiste razão ao recorrente.
O princípio da proporcionalidade consagrado no n.° 2 do art.° 5.º do CPA exige que "as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar".
De acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.
Como se sabe, há casos em que a Administração actua no âmbito de poderes discricionários (na modalidade de discricionaridade imprópria), como por exemplo, atribuição de uma classificação de serviço ao funcionário público, graduação da pena a aplicar em processo disciplinar.
Nestes casos, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controle jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
E como sustenta o Magistrado do MP no parecer dado no Tribunal de Segunda Instância, "a intervenção do juiz fica apenas reservada aos casos de erro grosseiro, ou seja, àquelas contingências em que se verifica uma notória injustiça ou uma desproporção manifesta entre a sanção inflingida e a falta cometida, dado não poderem ser legitimados, em nenhuma circunstância, comportamentos da Administração que se afastem dos princípios da justiça e da proporcionalidade que necessariamente devem presidir à sua actuação".
No caso sub judice e face aos factos apurados no processo disciplinar, a Administração aplicou ao recorrente a pena de demissão, pena esta que não se revela manifestamente desproporcional aos factos cometidos pelo recorrente, antes pelo contrário.
Nos termos do n.° 1 do art.° 238.º do EMFSM, "as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional", tendo o seu n.° 2 enumerado, a título exemplificativo, alguns casos em que as mesmas penas devem ser aplicadas.
E só pode haver lugar à aplicação da pena de aposentação compulsiva se o militarizado reunir, pelo menos, 15 anos de tempo de serviço (art.° 239.° n.° 2 do EMFSM).
No nosso caso concreto, sendo membro da (ex) PMF (actual Serviços de Alfândega) que tem como sua competência controlar o trânsito de mercadorias, o recorrente praticou os factos que violam gravemente os deveres funcionais e põem em causa "a ética e dignidade que prevalece a uma corporação cuja missão geral se traduz na garantia da fiscalização do cumprimento da legislação aduaneira relativa às operações do comércio externo", afectando gravemente não só a confiança que a população em geral deposita nesta corporação mas também a confiança da hierarquia na sua conduta profissional.
Por outro lado, parece-nos que a conduta do recorrente pode também enquadrar na previsão da al. n) do referido art.° 238.°.
Face ao circunstancialismo verificado nos autos, parece-nos que é impossível continuar a manter-se a relação funcional, situação em que se deve aplicar a pena de aposentação compulsiva ou de demissão.
Tendo em conta o interesse público e os fins visados pelos actos da Administração, é de crer que o sacrifício dos direitos e interesses do recorrente com a punição da pena de demissão não é nada desproporcional, e muito menos manifestamente.
Finalmente e em relação à imputação feita pelo recorrente sobre a violação do disposto no art.° 200.º n.os 1 e 2, al.s b), e) e h) do EMFSM, nota-se que, na tomada da decisão que aplicou a medida de demissão, a Administração não ignorou as circunstâncias atenuantes que militam a favor do recorrente, nomeadamente referidas nas alíneas b), h) e i) do n.° 2 do art.° 200.º do EMFSM (cfr. fls. 5 do Processo Administrativo Instrutor).
No entanto, mesmo levando em conta tais circunstâncias atenuantes, cremos que é de aplicar, como aplicou a Administração, ao recorrente a pena de demissão, que se mostra justa e adequada.
Pelo exposto, deve-se negar provimento ao presente recurso.

II – Os factos
Os factos considerados provados no acórdão recorrido são os seguintes (com subordinação a alíneas da nossa autoria, para facilitar a remissão que houver que fazer):
A) Na sequência do processo disciplinar n.° 17/2001 instaurado contra o arguido A, em 26/10/2001 o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança proferiu o seguinte despacho:
"Nos presentes actos ficou suficientemente provado que o arguido, guarda n.º XXXXX, A, da Polícia Marítima e Fiscal, cerca das 07H39 do dia 18 de Abril de 2001, conduziu sozinho a sua própria viatura de matrícula MG-XX-XX, e atravessou o Posto Fronteiriço das Portas do Cerco para se deslocar à zona popularmente conhecida por "terra de ninguém", e, daí de transportar ilegalmente para Macau de 168.5Kg de carne de porco sem prévia sujeição a inspecção sanitária, e sem licença de importação. Quando chegou ao [Endereço] para entregar os referidos produtos de contrabando a dois indivíduos que ali estavam a aguarda, que os comercializaram em Macau, foi juntamente com os referidos indivíduos, detidos pela Polícia Marítima. Vem, ainda provado que o arguido, desde, pelos menos o mês de Abril de ano de 2001, por várias vezes, e na companhia dos mesmos indivíduos, se dedicou à pratica de idêntico facto.
Com este comportamento, o arguido agiu de forma voluntária e consciente, - é a minha convicção, baseada nas declarações proferidas pelos seus comparticipantes, - de que ele certamente, recebera várias compensações pecuniárias, por actos idênticos, assim, pelo referido comportamento encontra-se também sob investigação em processo crime o qual corre seus termos no Tribunal da RAEM.
Tal conduta afronta a ética e a dignidade que prevalece a uma corporação cuja missão geral se traduz na garantia da fiscalização do cumprimento da legislação aduaneira relativa às operações do comércio externo, constituindo a negação absoluta dos pressupostos da vinculação funcional do arguido, pelo que é insustentável a sua manutenção ao serviços das FSM.
O arguido, agindo com culpa muito grave, violou as deveres inscritos nos artigos 5.º n.º 3 a), 6.º n.º 2 a), 7.º n.º 2 b), 8.º n.º 2 c) e 12.º n.º 2 f) e o), do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, aprovado pelo Dec. Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, contra quem militam as circunstâncias agravantes das alíneas d), j) e h) do n.º 2 do artigo 201.º e atenuada pelas circunstâncias das alíneas b), h) e i) do artigo 200.º do mesmo Estatuto.
Nestes termos, ouvidos, sucessivamente, o Conselho Disciplinar da corporação e o Conselho de Justiça e Disciplina das FSM, PUNO o arguido, de acordo com a competência que me advém das disposições conjugadas da alínea 5) do anexo IV a que se refere ao n.º 2 do artigo 4.º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, com a nova redacção dada pelo artigo 2.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2001, e n.º 1 da Ordem Executiva n.º 13/2000, com a pena de DEMISSÃO, com os fundamentos de facto e de direito já invocados e ainda com referência aos dispostos nos artigos 224.º, 238.º n.º 2 alíneas f), j) e n) e 240.º alínea c) do EMFSM."
B) Do registo individual do Recorrente A (PMF) consta, entre outros assentamentos, o seguinte:
Em 26/DEZ/89, apresentou-se no Comando da PMF vindo de C.I.C. (O.S. n.º 2 de 5/1/90).
1990 - Por despacho de 3/8/90, visado pelo Tribunal Administrativo em 22/8/90 o instruendo do 2.º Turno do Serviço de Segurança Territorial Normal de 1989 do Comando das F.S.M. - nomeado, em comissão de serviço, por urgente conveniência de serviço, a partir de 31/7/90, nos termos do artigo 4.º, nos 1 e 2, artigo 10.°, n.º 1, e artigo 29.°, n.os 1 e 6, do Decreto-Lei n.º 56/85/M, de 29 de Junho, sendo o n.º 6, com a nova redacção dada pelo artigo l.º do Decreto-Lei n.º 18/86/M de 22 de Fevereiro, conjugado com o artigo 13.°, n.º 2, daquele diploma, para exercer o cargo de guarda, do 1.° escalão, do quadro geral masculino da P.M.F. Tomou posse em 4/9/90. (O.S. n.º 55 de 7/9/90).
1992 - Por despacho de 1 de Julho de 1992, A, da Polícia Marítima e Fiscal, transitou do 1.° escalão para o 2.° escalão, a partir de 31 de Julho de 1992, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 43.° do Decreto-Lei n.º 56/85/M, de 29 de Junho. (O.S. n.º 54 de 24/7/92).
1992 - Por despacho de 7 de Julho de 1992 foi nomeado provisoriamente a partir de 31 de Julho de 1992, nos termos dos n.os 2 e 3 do artigo 29.° do Decreto-Lei n.º 56/85/M, de 29 de Junho. (O.S. n.º 55 de 31/7/92).
1993 - Por despachos de 31 de Julho de 1993 foi reconduzido no cargo que desempenha, por mais um ano, a partir de 31 de Julho de 1993, nos termos do n.º 3 do artigo 30.°.
1993 - Admitido ao concurso para guarda de 1.ª classe do quadro geral masculino, autorizado por despacho de S. Ex.ª O Governador, de 10AG93, aberto por publicação no B.O. n.º 33 de 18AG093, tendo ficado reprovado. (O.S. n.º 71 de 26/11/93) (B.O. n.º 47 de 24/11/93).
1993 - Por despacho de 15 de Novembro de 1993, do Exmo. Senhor S.A.S., foi nomeado definitivamente no seu cargo, a partir de 25/09/93, nos termos do n.º 5 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.º 50/93/M, de 20 de Setembro, conjugada com a redacção dada ao artigo 29.° do Decreto-Lei n.º 56/85/M, de 29 de Junho. (O.S. n.º 73 de 3/12/93).
1994 - Nos termos do n.° 1 do artigo 180.° do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21/Dez, o guarda n.º XXXXX A, adquire o 1.° primeiro prémio de antiguidade em 31/7/94 (O.S. n.º 47 de 8/7/94).
1994 - Por despacho de 26 de Julho de 1994 transita do 2.° escalão para o 3.° escalão, a partir de Julho de 1994, nos termos da alínea a) do n.º l do artigo 43.°, do Decreto-Lei n.º 56/85/M, de 29 de Junho, conjugado com a redacção que lhe foi introduzi da pelo artigo 2.° do Lei n.º 7/91/M, de 15 de Julho. (O.S. n.º 55 de 2/8/94).
1996 - Por despacho do Comandante da PMF de 08 de Agosto de 1996 transitou do 3.° para o 4.° escalão, a partir de 31 de Julho de 1996, nos termos do n.º 2 do artigo 109.° e do artigo 110.° do Estatuto dos Militarizados das FSM aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro. (O.S. n.º 62 de 09/08/96).
1997 - Nos termos do n.º l do artigo 180.° do ETAPM, aprovado pelo D.L. n.º 87/89/M, de 21/Dez, adquire o 2.° prémio de antiguidade, a partir de 31/07/1999 (O.S. n.º 24 de 23/06/99).
C) Do seu Registo Disciplinar respiga-se o seguinte:
"1992 – LOUVOR –
Apresentou-se na Divisão Mar em 29/Jun/91, o Guarda n.º XXXXX, A, a fim de cumprir o seu tirocínio de embarque.
Durante o tempo de cumprimento do seu tirocínio de embarque, evidenciou-se sempre pelo seu aprumo, grande dedicação, espírito de missão, competência e correcto cumprimento das determinações e ordens superiores, o que lhe permitiu obter bons resultados e ser considerado um óptimo colaborador pelos patrões com quem serviu, não obstante o curto tempo de serviço e experiência.
Agente disciplinado, de relacionamento fácil e agradável, conquistou de imediato a amizade, quer dos seus camaradas, quer dos seus superiores hierárquicos, o que muito contribuiu para o reforço da camaradagem e se convivência existente na Divisão Mar.
Chamado pelo Comando da Divisão, após o cumprimento do tirocínio de embarque, a desempenhar funções mais exigentes e dado o seu dinamismo, iniciativa, capacidade de trabalho e de gestão de material, para além do espírito de bem servir, o que aliado a uma disponibilidade total, mesmo com prejuízo frequente dos seus merecidos períodos de folga, contribuiu de maneira notória para a restruturação de Secção de Máquinas, L.A. e Botes, em aquisição de material e equipamento técnico e ainda na optimização das instalações da Divisão Mar, em trabalhos de grande qualidade no âmbito de serralharia e carpintaria, na recuperação de botes de Fiscalização, quer ainda na recuperação e alterações estruturais, sempre que necessárias, em botes apreendidos e agora ao serviço da Divisão Mar.
Pelo exposto é de elementar justiça reconhecer as qualidades morais, sociais e profissionais reveladas, a colaboração e serviços prestados à Divisão Mar, pelo que ao abrigo do artigo 18.º do Estatuto Disciplinar das Forças de Segurança de Macau, LOUVE o Guarda n.º XXXXX, A.
(Louvor concedido pelo Comandante da Div. Mar, em 23/Jun/92, tendo sido considerado pelo Comandante na PMF como dado por si) (O.S. n.º 50 de 10/7/92)."
"1997 – LOUVOR –
Encontra-se ao serviço da Divisão Mar, desde 01/Jun/91, o Guarda n.º XXXXX - A.
Após ter completado o seu tirocínio de embarque, este agente ofereceu-se para continuar na Divisão, tendo sido colocado na Secção de Apoio, na área da conservação e manutenção de botes de fibra.
Foi nesta área que a sua acção se tornou notória, tendo-se tornado especialista na recuperação, reconversão e adaptações nos botes de fibra, contribuindo decisivamente para as elevadas taxas de segurança e de operacionalidade destes meios navais da PMF.
A sua área de internação aumentou, com a reestruturação orgânica verificada, na execução de outros trabalhos na áreas de serralharia e carpintaria, sempre com total agrado do Comando.
Agente de grande profissionalismo, com elevados dotes de liderança, legal, possuidor permanentemente de um espírito de bem servir, disponibilizou-se para transmitir os seus conhecimentos profissionais na área da sua intervenção, a outros agentes, tendo-se tornado um excelente formador em trabalhos oficinais com fibra de vidro, de carpintaria e serralharia, sendo hoje bem visível a nova dinâmica existente, com todos os benefícios para o serviço daí inerentes.
Disciplinado e com um relacionamento humano, fácil e agradável, proporcionou a manutenção o reforço do bom ambiente de trabalho e o espírito de equipa e de missão actualmente existente na Divisão Mar, tendo-se tornado um excelente colaborador do Comando.
Assim, desejo manifestar o meu público reconhecimento pela actuação e colaboração prestada ao longo dos últimos 6 anos de serviço ao DPM - Divisão Mar, louvando, ao abrigo do Artigo 215.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, o Guarda n.º XXXXX - A.
(Louvor dado pelo Comandante do DPM em 26/05/97, tendo sido considerando pelo Comandante da PMF como dado por si) (O.S. 49 de 20.06.97)."
"1999 – LOUVOR –
Presta Serviço no Departamento de Policiamento Marítimo, Divisão Mar, desde 01/Jul/91 e há mais de 1 ano sob o meu comando, o Guarda n.º XXXXX – A.
A executar trabalhos oficinais da sua especialidade, nomeadamente em trabalhos de recuperação e transformação de botes em fibra e construção de estruturas de apoio, tem permanentemente demonstrado possuir um elevado brio profissional, efectuando as suas tarefas de uma forma metódica, com todos os benefícios dai inerentes para o serviço.
A sua permanente preocupação na optimização dos meios materiais em momentos de maior sobrecarga de serviço, contribuíram para o cumprimento dos objectivos previamente estabelecidos, com consequências muito positivas no cumprimento das missões do DPM/Divisão Mar.
Agente prestável, possuidor de um grande carácter, com a sua lealdade, humildade e espírito de bem servir, tem merecido por parte daqueles que com ele trabalham, os mais favoráveis comentários, contribuindo deste modo para o reforço do bom ambiente existente na Divisão Mar.
Pelas qualidades acima mencionadas, louvo o Guarda n.º XXXXX – A ao abrigo do Artigo 215.º, do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau. (Louvor dado pelo o Chefe do DPM, em 09/Fev/99) (O.S. n.º 7 de 25/02/99)."
"1990 –
Colocado na classe de comportamento exemplar nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 62.º do EDFSM."

O acto recorrido é o constante da alínea A).

III – O Direito

1. As questões a resolver
São três as questões a resolver.
A primeira respeita ao mérito da decisão disciplinar e consiste em saber se o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade e as circunstâncias atenuantes previstas no art. 200.º, n. os 1 e 2, alíneas b), e) e h) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, ao punir o recorrente com a pena de demissão.
A segunda questão é a de saber se foi violado o disposto no art. 281.º, n.º 3 do EMFSM, ao ser deduzida uma segunda acusação depois de o recorrente ter apresentado defesa contra a primeira acusação.
A terceira questão é a de saber se foi violado o art. 11.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ao não ter havido decisão expressa sobre o requerimento do então arguido no sentido de não ser proferida decisão final no processo disciplinar até ser decidida a acção penal intentada contra o mesmo arguido.

2. Dedução de 2.ª acusação em processo disciplinar
Começamos a nossa apreciação pelas questões atinentes a violações do procedimento, deixando para o fim a questão relativa ao mérito da decisão punitiva.
O recorrente considera que foi violado o disposto no art. 281.º, n.º 3 do EMFSM, ao ser deduzida uma segunda acusação depois de o recorrente ter apresentado defesa contra a primeira acusação, pois não foram realizadas novas diligências que revelassem factos novos puníveis ou circunstâncias diferentes da sua comissão ou que possam influir na respectiva qualificação e avaliação.
Vejamos, antes de mais, o que dispõe o art. 281.º:
“Artigo 281.º
(Diligências complementares de prova)
1. Finda a produção de prova oferecida pelo arguido, podem ainda ordenar-se, em despacho fundamentado, novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade.
2. Se das diligências efectuadas resultarem factos novos, o processo deve ser facultado outra vez ao arguido, ainda que não exista matéria nova de acusação, a fim de o mesmo se pronunciar, querendo, sobre o valor probatório desses elementos.”
3. Quando essas diligências revelem factos novos puníveis praticados pelo arguido ou circunstâncias diferentes na sua comissão ou que possam influir na respectiva qualificação e avaliação, deverá o instrutor deduzir novos artigos de acusação no prazo e nos termos previstos no n.º 2 do artigo 274.º, seguindo-se os demais termos do processo disciplinar”.
Na verdade, após ser deduzida acusação e depois de o arguido ter apresentado a sua defesa, não tiveram lugar quaisquer diligências e o instrutor deduziu uma segunda acusação, parcialmente diversa da anterior.
Também é exacto que o art. 281.º prevê a dedução de uma segunda acusação.
A questão fundamental é a de saber se só pode ser deduzida uma segunda acusação no condicionalismo previsto na referida norma ou se é possível, em geral, o instrutor dar sem efeito a primeira acusação e deduzir uma segunda acusação.
O art. 281.º do EMFSM apenas prevê a possibilidade de ser deduzida uma segunda acusação quando, finda a produção de prova oferecida pelo arguido, forem realizadas novas diligências que se tornem indispensáveis para o completo esclarecimento da verdade, que revelem novos factos ou circunstâncias diferentes da sua comissão ou que possam influir na respectiva qualificação e avaliação.
Em bom rigor, não se prevê a possibilidade de tais factos ou circunstâncias resultarem da produção de prova requerida pelo arguido.
Ora, seria absurdo permitir uma segunda acusação quando os factos ou circunstâncias resultarem das diligências ordenadas pelo instrutor após a produção de prova oferecida pelo arguido e já não permitir uma segunda acusação quando tal matéria resultasse da prova oferecida pelo arguido.
A ser assim, como parece que tem que se entender, então a conclusão a extrair será a de que a possibilidade de ser formulada uma segunda acusação não depende apenas do condicionalismo previsto no art. 281.º.
O que resulta da referida norma é que nas circunstâncias nela previstas, a lei entendeu ser indispensável a dedução de uma segunda acusação. Mas nada permite concluir que só possa ser formulada uma segunda acusação no condicionalismo nela previsto.
Suponha-se – e esse terá sido o motivo pelo qual foi formulada a segunda acusação nos autos – que, após a defesa do arguido, o instrutor concorda com ele que a acusação tem deficiências que podem conduzir à anulação posterior da mesma e de todo o processado posterior. E isso pode verificar-se por decisão da entidade competente para decidir ou por decisão judicial como, a cada passo, acontece. É manifesto que, por razões de economia processual, o instrutor deve poder sempre anular a primeira acusação e deduzir uma segunda acusação, desde que, após esta se sigam os trâmites normais após a acusação, designadamente, defesa do arguido, produção de prova oferecida por ele, etc., como, no caso, sucedeu.
O acto contenciosamente recorrido não violou, pois, a norma mencionada ou qualquer outra, ao ter admitido a dedução da segunda acusação.

3. Omissão de pronúncia no procedimento administrativo
Cabe, agora, apurar, se foi violado o art. 11.º do CPA, ao não ter havido decisão expressa sobre o requerimento do então arguido, no sentido de não ser proferida decisão final no processo disciplinar, até ser decidida a acção penal intentada contra o mesmo arguido.
Note-se que o recorrente não impugna a não suspensão do processo disciplinar até decisão do processo penal, mas apenas a não pronúncia expressa da entidade recorrida sobre o requerimento nesse sentido que oportunamente fez.
Efectivamente, na sua defesa, o arguido requereu que a decisão final do processo disciplinar aguardasse pela decisão judicial.
Mas a entidade recorrida entendeu não dever fazê-lo e proferiu a decisão punitiva, não aguardando pela decisão a tomar no processo penal.
Ora, nesta parte, também acompanhamos o acórdão recorrido, quando entende que a prossecução do procedimento disciplinar, sem a sua suspensão, é por si só indicativa da denegação do pedido formulado pelo ora recorrente. Efectivamente, o recorrente pretendia que não houvesse a decisão final do processo disciplinar até haver decisão judicial, supõe-se que transitada em julgado. Ora, a entidade recorrida ao proferir a decisão punitiva indeferiu tacitamente a pretensão do arguido, não no sentido que o art. 102.º do CPA dá ao indeferimento tácito (omissão de decisão no prazo de noventa dias), mas no sentido de ter sido tomada uma decisão de sentido contrário à pretendida pelo então arguido e incompatível com a mesma.
Este poderia sindicar, em tribunal, a não suspensão do processo disciplinar, o que não fez.
Não há qualquer violação do art. 11.º do CPA, não aplicável à situação, já que foi proferida decisão final no processo disciplinar.
A norma que poderia ter sido violado seria, antes, a do art. 100.º do CPA, não invocada pelo recorrente, de acordo com a qual “na decisão final expressa, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento que não hajam sido decididas em momento anterior”.
Mas entende-se que esta norma não foi violada já que a entidade decisora ao proferir decisão final punitiva, implicitamente indeferiu a pretensão do arguido, resolvendo, assim, a questão suscitada.
A ratio desta última norma é que todas as questões suscitadas durante o procedimento não fiquem sem decisão. Ora, isso sucedeu no caso dos autos com a punição do recorrente, que prejudicou a suspensão do processo disciplinar.
Improcede a questão suscitada.

4. Principio da proporcionalidade
O ora recorrente considera que o acto recorrido, ao puni-lo com a pena de demissão, violou o princípio da proporcionalidade e as circunstâncias atenuantes previstas no art. 200.º, n. os 1 e 2, alíneas b), e) e h) do EMFSM.
De acordo com o n.º 1 do art. 238.º do EMFSM “as penas de aposentação compulsiva e de demissão são aplicáveis, em geral, por infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional”.
Nas várias alíneas do n.º 2 do mesmo artigo indicam-se, exemplificativamente, algumas condutas a que cabem as referidas penas expulsivas. Dispõe-se o seguinte nas alíneas invocadas no acto recorrido, como integrando as condutas do recorrente:
“2. As penas referidas no número anterior são aplicáveis ao militarizado que, nomeadamente:
...
f) Praticar de forma frustada, tentada ou consumada crime de furto, roubo, burla, abuso de confiança, peculato, concussão, extorsão, peita, suborno e corrupção, associação de malfeitores, consumo e tráfico de estupefacientes, falsificação de documentos e pertença a sociedade secreta;
...
j) Aceitar, directa ou indirectamente, dádiva, gratificação ou participação em lucros ou outras vantagens patrimoniais, em resultado do lugar que ocupa, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente;
...
n) Praticar, ainda que fora do exercício das suas funções, acto revelador de ser o autor incapaz ou indigno de exercer o cargo ou que implique a perda da confiança geral necessária ao exercício da função”.
Ora, indiscutivelmente, que as condutas do arguido integram as previsões das mencionadas alíneas.
Por outro lado, o art. 240.º do EMFSM prevê situações a que cabe necessariamente a pena de demissão, independentemente de a conduta do agente integrar ou não a cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional prevista no n.º 1 do art. 239.º ou as situações exemplificativamente previstas no n.º 2 deste mesmo art. 239.º.
É o que resulta do referido art. 240.º, onde se estatui:
“Artigo 240.º
(Demissão)
A pena de demissão é aplicada ao militarizado que:
a) Tiver praticado qualquer crime doloso punível com pena de prisão superior a três anos, com flagrante e grave abuso da função que exerce e com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Tiver praticado, ainda que fora do exercício das funções, crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos que revele ser o seu autor incapaz ou indigno da confiança necessária ao exercício da função;
c) Praticar ou tentar praticar qualquer acto previsto nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do artigo 238.º”.

Quer dizer, a entidade recorrida, para além de considerar que conduta do arguido é inviabilizadora da manutenção da relação funcional, integrou-a ainda na alínea c) do art. 240.º do EMFSM que é, por si só fundamento para a aplicação da pena de demissão.

5. Relativamente ao preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional tem-se entendido que ela constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados a que há que reconhecer uma ampla margem de decisão.
Como referimos no Acórdão de 3 de Maio de 2000, no Processo n.º 9/2000, 1a prognose é um raciocínio através do qual se avalia a capacidade para uma actividade futura, se imagina a evolução futura de um processo social ou se sopesa a perigosidade de uma situação futura.
ANA FERNANDA NEVES, 2 conclui que “O poder de acertamento da sanção é um poder discricionário da Administração, cujo controlo judicial do seu exercício já não é questionável, nem reduzido ao (inoperativo) desvio de poder e ao erro manifesto de apreciação, entendido que está hoje, aos seus limites intrínsecos, os princípios gerais da actividade administrativa, como os princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade”.
A propósito do princípio da proporcionalidade e da fiscalização que os tribunais podem fazer da actividade da Administração neste domínio, reflectimos o seguinte no já mencionado acórdão de 3 de Maio de 2000:3
“O CPA prevê o princípio da proporcionalidade no seu art. 5.º, n.º 2, estabelecendo que «as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar».
Não cabe aqui fazer a história da génese do princípio ou a sua fundamentação filosófica.
Como refere VITALINO CANAS4 o princípio da proporcionalidade só poderá aplicar-se na apreciação de comportamentos em que o autor goze de uma certa margem de escolha.
A doutrina tem dissecado o princípio em três subprincípios, da idoneidade, necessidade e proporcionalidade, em sentido estrito, ou de equilíbrio.
A avaliação da idoneidade de uma medida é meramente empírica, podendo sintetizar-se na seguinte pergunta: a medida em causa é capaz de conduzir ao objectivo que se visa?
Aceitando-se que uma medida é idónea, passa a verificar-se se é necessária.
O centro das preocupações desloca-se para a ideia de comparação. Enquanto na máxima da idoneidade se procurava a certificação de uma relação causal entre um acto de um certo tipo e um resultado que se pretende atingir, na máxima da necessidade a operação central é a comparação entre uma medida idónea e outras medidas também idóneas. O objectivo da comparação será a escolha da medida menos lesiva.
«A aferição da proporcionalidade, em sentido estrito, põe em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto restritivo ou limitativo, e os bens, interesses ou valores sacrificados por esse acto. Pretende-se saber, à luz de parâmetros materiais ou axiológicos, se o sacrifício é aceitável, tolerável. Para alguns, esta operação assemelha-se externamente à análise económica dos custos/benefícios de uma decisão. Se o custo (leia-se o sacrifício de certos bens, interesses ou valores) está numa proporção aceitável com o benefício (leia-se a satisfação de certos bens, interesses ou valores) então a medida é proporcional em sentido estrito»5 6.
O CPA determina no art. 6.º7 que«no exercício da sua actividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação».

13. Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
DAVID DUARTE8, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, «que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção9» (o sublinhado é nosso).
Nas mesmas águas navega MARIA DA GLÓRIA F. P. DIAS GARCIA10 defendendo que«em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem11» (o sublinhado é nosso).
O novo CPAC, no seu art. 21.º, n.º 1, alínea d), embora não aplicável à situação dos autos, 12 a respeito dos fundamentos do recurso contencioso refere-se ao «erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários»”.

6. O caso dos autos.
Aproximemo-nos do caso dos autos.
Como se disse, o ora recorrente considera que o acto recorrido, ao puni-lo com a pena de demissão, violou o princípio da proporcionalidade e as circunstâncias atenuantes previstas no art. 200.º, n. os 1 e 2, alíneas b), e) e h) do EMFSM.
Na perspectiva do recorrente, a entidade recorrida não terá avaliado correctamente quer o longo tempo de serviço prestado pelo recorrente à Administração Pública, quer o facto de ter sido louvado por mais do que uma vez pelos seus superiores hierárquicos, quer a confissão dos factos e a atitude de colaboração activa que assumiu durante a fase de instrução. Devia, assim, na sua opinião, ter sido punido com outra pena, não expulsiva.
Mas o recorrente não tem razão.
Os factos praticados pelo recorrente (contrabando de mercadorias) são justamente aqueles que justifica a existência da sua Corporação, a Polícia Marítima e Fiscal, entretanto extinta e cujas funções são, actualmente, asseguradas por outro organismo público.
Por outro lado, o acto recorrido considerou provado – o que o recorrente não impugnou no recurso contencioso – que o arguido recebeu compensações pecuniárias pelos seus actos, o que constitui a prática de crimes de corrupção passiva..
Os factos são, portanto, de extrema gravidade e foram praticados várias vezes, não se tratando de qualquer acto isolado.
Dada a gravidade da ilicitude e da culpa do arguido, só com a aplicação de uma pena expulsiva ficaria restaurada a confiança nos serviços públicos, fortemente abalada pelo seus actos.
Não foram, pois, violados o princípio da proporcionalidade, nem as circunstâncias atenuantes invocadas.

IV - Decisão
Face ao expendido, acordam em julgar improcedente o presente recurso jurisdicional.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC.
Macau, 15 de Outubro de 2003
Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) - Sam Hou Fai - Chu Kin
Fui presente:
Augusto Serafim de Basto do Vale e Vasconcelos
1 Acórdãos do Tribunal da Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 353, citando J. M. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, Livraria Almedina, 1987, p. 119.
2 ANA FERNANDA NEVES, O princípio da tipicidade no direito disciplinar da função pública, em Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 32, p. 27, em anotação ao acórdão de 19 de Março de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo.
3 Processo n.º 9/2000, Acórdãos do Tribunal da Última Instância da R.A.E.M., 2000, p. 346 e 349.
4 VITALINO CANAS, Princípio da Proporcionalidade, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol VI, Lisboa, 1994, p. 616, que se seguirá de perto na exposição subsequente.
5 VITALINO CANAS, ob. cit., p. 628.
6 Sobre o emprego no princípio da proporcionalidade da contabilização custos-benefícíos (ou vantagens) pelo Conselho de Estado francês, cfr. J. M. SÉRVULO CORREIA, ob. cit., p. 75, que enumera, a p. 114 e segs. da mesma obra, os elementos do princípio em termos semelhantes aos traçados acima.
7 Referia-se ao Código de 1994. No actual Código a norma consta do art. 7.º
8 DAVID DUARTE, ob. cit.(Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Livraria Almedina, Coimbra, 1996), p. 323.
9 O mesmo autor, ob. cit., p. 323, nota 205, a propósito da questão de saber qual a medida da desproporcionalidade que uma decisão deve ter para poder ser controlada pelo tribunal, cita uma decisão judicial britânica de 1945 (Associated Provincial Picture House Ltd. v. Wednesbury Corporation), que criou um standard aplicável à medida da intervenção judicial, estabelecendo que “if an authority`s decision was so unreasonable that no reasonable authority could ever have como to it, then the courts can interfere”.
10 Ob. cit.(Da Justiça Administrativa em Portugal, Sua Origem e Evolução, Lisboa, 1994), p. 642.
11 No mesmo sentido, M. ESTEVES DE OLIVEIRA, ob. cit (Direito Administrativo, vol. I, 1980, Livraria Almedina, Lisboa) p. 256 e 257 e J.C. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, p. 137.
12 Mas aplica-se ao presente processo.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------




1
Proc. n.º 26/2003