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編號:第511/2016號 (刑事上訴案)
上訴人:檢察院
日期:2018年1月11日

主要法律問題:獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判

摘 要
   
   法院在作出第二次決定時,向嫌犯實施一個部分為實際執行,部分為暫緩執行的禁止駕駛附加刑。就針對一般車輛而言,附加刑已經從第一次決定中的暫緩執行,改變性質到一個實際執行。而繼續獲得暫緩執行的,已從原來的沒有限制車輛,改變為僅與嫌犯工作有關的兩輛車輛。
   因此,從第二次判決轉為確定的一刻起,嫌犯已經被禁止駕駛與其工作無關的其他車輛。

而當嫌犯在禁止駕駛其他車輛期間內駕駛非法院所指定的車輛,其行為已違反了有關命令,觸犯了被判處的加重違令罪。

裁判書製作人

___________________________
譚曉華

合議庭裁判書



編號:第511/2016號 (刑事上訴案)
上訴人:檢察院
日期:2018年1月11日


一、 案情敘述
   
   於2016年5月17日, 嫌犯A在初級法院刑事法庭第CR4-16-0158-PCS號卷宗內被裁定以直接正犯及既遂方式觸犯一項《道路交通法》第92條第1款配合《刑法典》第312條第2款所規定及處罰的加重違令罪,被判處六十日罰金,每日罰金額澳門幣150元,總共為澳門幣9,000元,若不繳納罰金或不以勞動代替,則須服四十日徒刑;
   嫌犯被判處吊銷駕駛執照,但暫緩執行該吊銷駕駛執照的附加刑,為期兩年。

   檢察院不服,向本院提起上訴,並提出了以下的上訴理由(結論部分):
1. 雖然嫌犯在庭上作出完全及毫無保留的自認,被控訴之事實完全獲證實,本人在尊重其他司法官立場之前提下,認為本案嫌犯之行為並未構成上述犯罪。
2. 原審法院在認定有關罪名時未深入分析嫌犯被第CR1-13-0750-PCT號卷宗限制其於緩刑期內只能駕駛部分車輛之決定所屬的處罰性質。
3. 根據第CR1-13-0750-PCT號卷宗之資料,尤其是法官在廢止附加刑緩刑者須於判決後10日內向本法庭提交載有其於工作上須駕駛車輛之車輛名單的工作證明。
4. 接著,法官表示“此外,涉嫌違例者於緩刑期間內只可以駕駛該工作證明內所列明的車輛。”本人認為,這樣的表述是一種承接上文的表達,即除首個條件外還有另一條件。實際上法官對嫌犯定出了兩個緩刑條件:1、於判決後10日內向本法庭提交載有其於工作上須駕駛車輛之車輛名單的工作證明;2、於緩刑期間內只可以駕駛該工作證明內所列明的車輛。
5. 故此,本人認為嫌犯在緩刑期內只可駕駛指定車輛,是該卷宗為判決之附加刑所訂之緩刑條件,而非違令罪中所指的命令。
6. 再者,根據該判決,嫌犯只可駕駛該工作證明內所列明的車輛之義務是適用於整個緩刑期間(一年),而並非附加刑所訂之八個月,從性質上更突顯該義務是緩刑條件而非禁駕命令。
7. 有人認為,當嫌犯只能駕駛個別車輛,實質上是被禁止駕駛其他車輛,即屬“實際禁止駕駛”,即使有關禁止駕駛期間為緩刑期(一年),仍可以符合《道路交通法》第92條第1款規定的:“實際禁止駕駛期間”。
8. 本人對此不予認同。
9. 本人認為禁止駕駛(inibição de condução)作為一種附加刑,與其他刑罰一樣,只有在法律明文規定之情況下才予以適用,與嫌犯實質上不能駕駛部分車輛之概念不同。
10. 禁止駕駛既然作為一種刑罰(sanção),《道路交通法》第109條亦有規定其暫緩執行(suspensão da execução)之可能,也就是說,當該刑罰沒有被暫緩執行,或者被廢止緩刑,便屬“實際禁止駕駛”(inibição efectiva) 。
11. 《道路交通法》亦有規定禁止駕駛以外之實質不被允許駕駛情況,該法典第116條規定,酒精測試中呈陽性,又或拒絕或不能接受該項測試者,被限制在十二小時內不得駕駛。該條文對實質不被允許駕駛情況是以“限制駕駛”一詞作表述的(impedimento de conduzir)。
12. 因此,本人認為《道路交通法》第92條第1款所規定的“實際禁止駕駛”,是必須有禁止駕駛之附加刑為前提,而且該附加刑必須是實際執行,兩者同是該罪之犯罪構成元素。
13. 在附加刑被廢止之前,並不存在《道路交通法》第92條第1款規定之適用前提:“在實際禁止駕駛期間於公共道路上駕駛車輛”,因此,嫌犯之行為並不構成《道路交通法》第92條第1款結合《刑法典》第312條第2款規定及處罰之加重違令罪。
14. 即使認為該義務本身亦是一個命令,而根據《刑法典》312條第1款b)規定,即使沒有法律規定,假如當局或公務員作出相應告誡,亦得構成違令罪。
15. 可是,在第CR1-13-0750-PCT號卷宗,無論在判決及延長嫌犯緩刑的批示中,均沒有任何“違者犯違令罪”之相應“告誡”亦不可能以普通違令罪論處。
16. 綜上所述,嫌犯在本案中即使被證實“在有關期間內駕駛有關指定車輛以外的車輛”,由於附加刑尚未實際執行,其行為並不構成加重違令罪。
17. 被上訴之裁判違反《道路交通法》第92條第1款之規定,存在《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項所述的瑕疵─獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判,並開釋嫌犯的加重違令罪。
   綜上所述,敬請中級法院宣告本上訴理由成立,被訴裁判存在《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項所述的瑕疵─獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判,並開釋嫌犯的加重違令罪。
   請中級法院法官閣下作出公正裁決!

   嫌犯對上訴作出了答覆,並提出下列理據:
1. 上訴標的
被判刑人觸犯《道路交通法》第92條第1款配合《刑法典》第312條第2款所規定及處罰的一項「加重違令罪」,被判處六十日罰金,每日罰金為澳門幣150元,合共澳門幣9,000元,若不繳納罰金或不以勞動代替,則須服四十日徒刑;同時判處吊銷嫌犯的駕駛執照,准予暫緩執行,為期兩年。
2. 答覆
1.被判刑人完全認同載於卷宗第65頁至第70頁檢察院尊敬的檢察官 閣下的見解、上訴理據及請求。
2.尊重不同的見解下,對原審法院的見解被判刑人持否定的意見。
3. 結論如下
I.被判刑人認同檢察院的上訴。
II.被判刑人否定原審法庭的決定及見解。
4. 請求
請求敬仰的中級法院法官閣下判定檢察院所提的上訴理由及請求成立。
請求作出公正!

案件卷宗移送本院後,駐本審級的檢察院代表作出檢閱及提交法律意見,認為檢察院提出的上訴理由不成立,應予以駁回。

本院接受上訴人提起的上訴後,組成合議庭,對上訴進行審理,各助審法官檢閱了卷宗,並作出了評議及表決。

   
   二、事實方面
   
原審法院經庭審後確認了以下的事實:
1. 澳門初級法院法官於2014年1月21日作出判決,嫌犯A的駕駛執照效力被中止,為期8個月,附加刑暫緩執行1年。
2. 然而,嫌犯在緩刑期間內再觸犯超速的輕微違反,故澳門初級法院法官於2015年5月12日作出批示,改判嫌犯A的駕駛執照被中止,為期8個月,暫緩執行2年(2014年2月24日至2016年2月24日)。期間,基於其職業關係,嫌犯被允許駕駛MI-XX-XX及MR-XX-XX之車輛。
3. 嫌犯當日出席了上述審訊,且清楚明白判決的內容,並表示放棄上訴。
4. 2016年2月13日晚上約9時10分,治安警察局警員在西望洋大馬路的主要官員保安控制室執行保安工作期間,發現嫌犯正駕駛編號ML-XX-XX的輕型汽車在該處逆駛,隨即通知駐守外圍執行安保工作的警員將嫌犯截停。上述ML-XX-XX的輕型汽車為嫌犯所有,嫌犯駕駛該汽車之目的是送外賣。
5. 嫌犯是在自由及清醒的狀態下,故意在實際禁止駕駛期間於公共道路上駕駛非指定車輛。
6. 嫌犯清楚知道其行為違法,會受相應之法律制裁。
另外證明以下事實:
7. 嫌犯現為外賣員及兼職地盤散工,每月收入約澳門幣22,000至23,000元。
8. 嫌犯未婚,需供養父母親。
9. 嫌犯學歷為中學二年級程度。
10. 嫌犯完全承認其被指控的事實。
11. 根據刑事紀錄證明,嫌犯為初犯。

未獲證明的事實:尚沒有其餘載於控訴書的事實有待證實。
   
   
   三、法律方面
   
本上訴涉及下列問題:
- 獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判

1. 檢察院認為原審判決違反《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項“獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判”。

根據《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項規定,上訴亦得以獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判為依據,只要有關瑕疵係單純出自案卷所載的資料,或出自該等資料結合一般經驗法則者。
終審法院於2009年7月15日,在第18/2009號刑事上訴案判決中認定:“被認定的事實不足以支持裁判就是在案件標的範圍內查明事實時存在漏洞,以致在作為決定依據的被認定事實存在不足或不完整。”

   同樣理解可見於Germano Marques da Silva教授所著的“刑事訴訟課程III”[1]。

根據已證事實:
1. “澳門初級法院法官於2014年1月21日作出判決,嫌犯A的駕駛執照效力被中止,為期8個月,附加刑暫緩執行1年。
2. 然而,嫌犯在緩刑期間內再觸犯超速的輕微違反,故澳門初級法院法官於2015年5月12日作出批示,改判嫌犯A的駕駛執照被中止,為期8個月,暫緩執行2年(2014年2月24日至2016年2月24日)。期間,基於其職業關係,嫌犯被允許駕駛MI-XX-XX及MR-XX-XX之車輛。
3. 嫌犯當日出席了上述審訊,且清楚明白判決的內容,並表示放棄上訴。
4. 2016年2月13日晚上約9時10分,治安警察局警員在西望洋大馬路的主要官員保安控制室執行保安工作期間,發現嫌犯正駕駛編號ML-XX-XX的輕型汽車在該處逆駛,隨即通知駐守外圍執行安保工作的警員將嫌犯截停。上述ML-XX-XX的輕型汽車為嫌犯所有,嫌犯駕駛該汽車之目的是送外賣。”
   
   檢察院在上訴中所提出的,其實是一法律問題,就是嫌犯所違反的法院判決,是一個禁止駕駛的附加刑,還是一個緩刑的條件。
   
   於2014年1月21日,根據《道路交通法》第9條第2款之規定,嫌犯在CR1-13-0750-PCT卷宗中,除罰金刑外被判處一項附加刑,其內容為禁止駕駛8個月,但暫緩1年執行。
   於2015年5月12日,嫌犯在同一卷宗內再次被原審法院維持8個月的禁止駕駛的附加刑,但條件改為暫緩執行2年,並要求違例者需提交載有其於工作上須駕駛車輛之名單的工作證明。
   
   換句話,附加刑的暫緩執行時間之延長,只針對與嫌犯工作有關之車輛上,而對於其他車輛而言,暫緩執行已經被廢止。
   法院在作出第二次決定時,向嫌犯實施一個部分為實際執行,部分為暫緩執行的禁止駕駛附加刑。就針對一般車輛而言,附加刑已經從第一次決定中的暫緩執行,改變性質到一個實際執行。而繼續獲得暫緩執行的,已從原來的沒有限制車輛,改變為僅與嫌犯工作有關的兩輛車輛。
   因此,從第二次判決轉為確定的一刻起,嫌犯已經被禁止駕駛與其工作無關的其他車輛。

而當嫌犯在禁止駕駛其他車輛期間內駕駛非法院所指定的車輛,其行為已違反了有關命令,觸犯了被判處的加重違令罪。

故此,原審判決所依據的事實充足,不存在檢察院所提出《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項規定的獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判的瑕疵,裁判應予以維持。

   四、決定

綜上所述,合議庭裁定檢察院上訴理由不成立,維持原審判決。
判處嫌犯繳付3個計算單位之司法費,以及上訴的訴訟費用。
訂定嫌犯辯護人辯護費為澳門幣2,500圓。
著令通知。
              2018年1月11日
              
               ______________________________
              譚曉華 (裁判書製作人)
              
              
               ______________________________
              蔡武彬 (第一助審法官)
              
               ______________________________
              司徒民正 (第二助審法官)
              (segue declaração)
  Processo nº 511/2016
(Autos de recurso penal)


Declaração de voto
Vem interposto recurso da sentença do Mmo Juiz do T.J.B. que, dando como (integralmente) provados os factos da acusação pública deduzida, condenou o arguido nos exactos termos aí requeridos.

Sendo recorrente o – próprio – Ministério Público, e assacando à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, e pedindo, a final, a “absolvição do arguido quanto ao crime pelo qual foi – acusado e – condenado”, afigura-se-nos pertinente ponderar se o presente recurso devia ser admitido.

E da reflexão que se nos foi possível efectuar, cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Vejamos.

Em sede dos Autos de Recurso Penal n.° 494/2014 do qual fomos relator, considerou-se que “o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo”; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 20.11.2014).

E embora a situação em questão nos presentes autos seja diversa da verificada no aludido Recurso n.° 494/2014, (ali, “contra o arguido”, e aqui, “pedindo a sua absolvição”), afigura-se-nos de manter o entendimento assumido, pois que válidas se nos apresentam as razões invocadas, (e que aqui se dão como totalmente reproduzidas).

Importa pois ter em conta que o “princípio da lealdade” e do “processo equitativo e justo” – no âmbito dos quais assumem relevância valores como a “dignidade humana”, e que tem inscrita a protecção do “princípio da confiança recíproca na actuação processual” – são princípios estruturantes do Direito e do Processo Penal, em sua conformidade devendo todos os intervenientes (sujeitos) processuais pautar a sua conduta.

Doutra forma, (e a não ser assim). teria que se admitir – livremente – o “venire contra factum proprium”, permitindo-se, consequentemente, que qualquer sujeito processual pudesse recorrer de decisões (mesmo) que tomadas a seu pedido.

Daí, (também), e em sede da matéria do “Recurso”, tratar o art. 391° do C.P.P.M. da “legitimidade” e “interesse em agir” nos termos que aí constam, pois que não obstante serem pressupostos (intimamente) conexos, não se confundem.

Não se desconhece que a questão do “interesse em agir do Ministério Público” foi tratada em douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 15.10.2008, Proc. n.° 35/2008, consignando-se, (em síntese), que “ao Ministério Público assistia (sempre) legitimidade e interesse em agir para recorrer de quaisquer decisões”.

Porém, e sem embargo do muito respeito devido, outra se nos apresenta que deva ser a solução; (sobre a questão, podem-se também ver, v.g., o Ac. de Fix. de Jurisprudência do S.T.J. de 27.10.1994 e de 16.12.2010, in D.R. 1ª Série, de 16.12.1994 e 27.01.2011, respectivamente, o estudo do Prof. Figueiredo Dias sob o título “O dever de obediência hierárquica e a posição do Ministério Público no Processo Penal”, in R.L.J., n.° 106, pág. 171 e segs., Cunha Rodrigues in “A posição institucional e as atribuições do Ministério Público e das polícias na investigação criminal” in B.M.J., n.° 337, pág. 15 e segs., e P. Pinto de Albuquerque in “Comentário ao C.P.P.”, pág. 1009 e segs.).

Com efeito, atento também o “princípio da igualdade de armas”, adequado não parece que se não permita ao arguido ou assistente o recurso de uma decisão lhes deferiu um pedido deduzido, (e que, por isso, lhes foi favorável), e, (contráriamente), que se admita ao Ministério Público que recorra de uma decisão que (simplesmente) acolheu, (no caso, na íntegra), uma sua anterior promoção.

Dir-se-à que os princípios da “lealdade”, do “processo justo” e da “igualdade de armas” não têm a virtude de apagar o Estatuto que ao Ministério Público cabe de “Defensor da legalidade, verdade e objectividade”, e que impõe que se faça uma distinção entre os sujeitos processuais no que toca ao seu posicionamento e poderes no âmbito do processo.

Como é óbvio, não se pretende discutir – nem sequer por em causa – o aludido Estatuto.

Todavia, cremos que importa não olvidar que os supra aludidos “princípios” integram a (própria) “legalidade do sistema”, e que o referido “Estatuto” não constitui uma “novidade” que se possa ou deva invocar (tão só) em determinado momento processual, não nos parecendo justificação bastante para se permitir uma alteração da posição antes tomada no (mesmo) processo ao ponto de se viabilizar o recurso de decisões a que se deu causa e/ou com as quais se concordou, sob pena de se fazer tábua rasa do preceituado no referido art. 391° (do C.P.P.M.), onde, no seu n.° 2, (e sem se excepcionar), se estatui que “Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”.

Sendo que no n.° 1 do aludido preceito se trata (apenas) da “legitimidade para recorrer”, e tendo-se dedicado este n.° 2 para o “interesse em agir”, será que se deve admitir que o aqui estatuído não se aplica ao Ministério Público?

Como é óbvio, é – certamente – uma opinião.

Contudo, não nos parece a mais adequada.

Com efeito, a se entender que o Ministério Público tem sempre “interesse em agir”, então, por que motivos se reconhece, (tanto quanto sabemos, pacíficamente), que o Ministério Público não intervenha no pedido de indemnização civil enxertado num processo penal?

Sem dúvida, são matérias distintas, já que distintos são os interesses subjacentes.

Mas será que aí já não se coloca a questão da “legalidade”, “verdade” e “objectividade”?

Enfim, e para não nos alongarmos, cremos porém que na matéria em questão se impõe também clarificar alguns aspectos.

Com efeito, somos de opinião que o Ministério Público apenas não tem interesse em agir para recorrer quando a decisão recorrida tiver sido “coincidente com a sua posição tomada nos autos”.

E, (exemplificando), é o caso dos autos, em que o Ministério Público, deduziu acusação, imputando ao arguido a prática de factos que qualificou como a sua autoria do crime de “desobediência (qualificada)”, e depois de em sentença se ter dado por (totalmente) provada a factualidade constante da acusação e, sem outra, se ter decidido condenar o arguido nos exactos termos requeridos, vem recorrer, por considerar que aquela mesma matéria (da acusação) é (agora) “insuficiente” para a (requerida e proferida decisão de) condenação.

Então, qual a razão da acusação que deduziu e do pedido de submissão do arguido a julgamento?

Diferente seria a situação se entretanto tivesse havido uma alteração legislativa, ou se a assacada “insuficiência” dissesse (eventualmente) respeito a “matéria” invocada em sede da contestação ou que tivesse sido objecto de discussão em audiência de julgamento e que fosse relevante para a decisão de direito, porventura, porque favorável ao arguido, (v.g.) por constituir uma “causa de atenuação (especial) da pena, de exclusão da ilicitude e/ou da culpa”, e em relação à qual se omitiu pronúncia na decisão recorrida.

Diferente seria também a situação em que se entenda que (devidamente) apurada não esteja a “situação socio-económica do arguido” para efeitos de (bem) se decidir da (espécie e medida da) pena que lhe foi/deve ser aplicada, ou em caso de se entender haver “erro notório na apreciação da prova” por se considerar (v.g.) que se deu relevo a uma “prova nula” ou por a prova produzida não justificar a decisão da matéria de facto proferida.

Aí, e como se nos mostra evidente, motivos não existiriam para se não admitir o recurso e se questionar o “interesse em agir”, (havendo pois que se apreciar a situação “caso a caso”).

Há pois que ter presente que o princípio do processo equitativo, na dimensão de “justo processo”, (“fair trial”; “due process”, cfr., art. 14° do P.I.D.C.P. e art. 40° da L.B.R.A.E.M.), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na “confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual”.

Os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz.

O processo equitativo, como “justo processo”, supõe que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa. Mas determina também, por correlação ou contraponto, que as autoridades que dirigem o processo, seja o Ministério Público, seja o juiz, não pratiquem actos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projecção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais actos.

A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual.

Com isto, não se pretende dizer que não se pode “mudar de opinião”, ou até mesmo, incorrer-se em “lapso” ou “erro”.

Como é óbvio, pode suceder.

Aliás, (sendo a possibilidade de se incorrer em “erro” da própria natureza humana – “errare humanum est”), o natural e normal é que tal aconteça.

Contudo, o que se não nos parece adequado é que se deva considerar tais “circunstâncias” como causas justificativas para se impugnar uma decisão judicial proferida e que se limitou a acolher a posição do sujeito que a impulsionou.

Em nossa opinião, (e sem prejuízo do muito respeito por outro entendimento), um “processo (judicial)” não deve – nem pode – ser o local para “experimentalismos”, e onde se possa “dar o dito por não dito”.

E sendo o Ministério Público um “Órgão judiciário hierarquizado” (cfr., art. 2° e 62°, n.° 1 da Lei n.° 9/1999: “Lei de Bases da Organização Judiciária”, e art. 8° da Lei n.° 10/1999, “Estatuto dos Magistrados”), não se apresenta aceitável que os seus Exmos Representantes não se considerem vinculados a “posições antes tomadas no âmbito de um (mesmo) processo”.

Macau, aos 11 de Janeiro de 2018
José Maria Dias Azedo
[1] “A contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do n.° 2 do art. 410.° a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada.” – Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, ed. VERBO, pág.340 a 341
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511/2016 p.11/19