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編號:第964/2018號 (刑事上訴案)
上訴人:A
日期:2018年12月13日

主要法律問題:
- 毒品類別
- 獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判

摘 要

1. 原審法院經分析相關鑑定報告,再結合第17/2009號法律附表每日用量參考表以及其注腳的解釋,認定每日參考量為0.05克的法律理解及適用正確,不需修改。

2. 本案中,經過三次審判聽證,原審法院仍然未能查明上訴人持有毒品中供自己吸食和提供與他人的份量,故此,應該根據疑點利益歸被告原則,判處上訴人觸犯一項第17/2009號法律第11條所規定及處罰的「較輕的生產和販賣罪」。

裁判書製作人

___________________________
譚曉華

合議庭裁判書


編號:第964/2018號 (刑事上訴案)
上訴人:A
日期:2018年12月13日


一、 案情敘述

   於2018年9月18日,第一嫌犯A在初級法院刑事法庭第CR5-17-0120-PCC號重審卷宗內,被裁定:
- 以直接正犯及既遂方式觸犯一項第17/2009號法律第8條第1款所規定及處罰的『不法販賣麻醉藥品及精神藥物罪』,被判處五年實際徒刑;
- 根據2017年11月3日合議庭裁判書,第一嫌犯已被裁定以直接正犯及既遂方式觸犯一項第17/2009號法律第14條所規定及處罰的『不法吸食麻醉藥品及精神藥物罪』,被判處兩個月徒刑;及
- 上述兩罪刑罰競合,合共被判處五年一個月實際徒刑之單一刑罰。
   
   嫌犯不服,向本院提起上訴,並提出了有關的上訴理由。1
   
   檢察院對上訴人的上訴作出了答覆,並提出以下理據(結論部分):
1. 相信沒有人會認為上訴人是一名可惡的毒梟,而是一名作案時年僅22 歲,犯了錯但仍然有未來的年輕人。
2. 這是第三次提出上訴,本檢察院充分尊重這項權利,但無論上訴多少 次,販毒的事實都不會改變,因為證據充分,這亦是為何原審法院判處販毒和吸毒罪成的原因。
3. 本次上訴的大部份理據,均與第二次的上訴理由重覆(見第605/2018號中投法院上訴案),本檢察院已作相關答覆,不再贅述,在此視為完全轉錄。
4. 至於新的上訴理據,本檢察院認為,只值得強調:涉案毒品份量是每用量參考的419.4倍,上訴人被拘捕前一天曾透過手提通訊與他人以“wi”,或“wiii”作為大麻英語“weed”的暗號作溝通,與其女朋友從香港回澳後直接攜同毒品乘坐的士返回住所被警員截獲,並從其內褲搜出涉案毒品,警員其後於其女朋友住所發現他人在等候。原審法院因此認為,上訴人運載及持有的毒品並非全數自用。
5. 面對上述證據,按照一般人的常理,相信說上訴人並非全數自用毒品的人,會佔大多數;因此,本檢察院看不到不可補正或明顯的矛盾和錯誤,更看不到原審法院有遺漏審查。
6. 必須強調的是,判處的刑罰,尤其販毒罪,只是刑幅的六分之一,實在看不到再作下調的理據。
7. 基於此,本檢察院認為,上訴理由不足,應予全部駁回。
8. 倘若尊敬的中級法院仍然認為存有《刑事訴訟法典》第400條第2款的瑕疵,本檢察院同意上訴人再次調查證據的申請,因其已指出了提再次調查的證據及針對的具體事實,而且能夠一次過消除上訴指控的所有瑕疵;同時,盡早接受審判及取得確定結果是上訴人的利益,若然進行第三次重審必然是與此相違背,而且需避免的。
   請尊敬的中級法院法官閣下作出公正裁決

案件卷宗移送本院後,駐本審級的檢察院代表作出檢閱及提交法律意見,認為上訴人提出的所有上訴理由均不成立,上訴應予以駁回及維持原判。

本院接受上訴人提起的上訴後,組成合議庭,對上訴進行審理,各助審法官檢閱了卷宗,並作出了評議及表決。
   
   
二、 事實方面

原審法院經庭審後確認與上訴人(第一嫌犯)有關事實。2

在庭上還證實:
根據刑事紀錄證明,第一嫌犯為初犯。
證實第一嫌犯個人及經濟狀況如下:
第一嫌犯聲稱具有十二年級的學歷,靠父母供養,無需供養任何人。

與第一嫌犯有關但未獲查明的事實。3


三、 法律方面

本上訴涉及下列問題:
- 毒品類別
- 獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判
- 在說明理由方面出現不可補救之矛盾
- 審查證據方面明顯有錯誤
- 量刑

1. 首先,上訴人認為,被扣押的毒品在經司法警察局刑事技術廳的檢驗後,僅證實當中含有受管制的“四氫大麻酚”淨重量為20.97克(見卷宗第608頁)。
然而,原審法院卻在缺乏合理解釋下便認定該物質屬於第17/2009號法律附表II-B當中所指的∆ - 9- 四氫大麻酚,同時亦認為馬上適用同法律每日用量參考表中序號第15的規定,即認定每日參考用量為0.05克,而5日用量則為0.25克,上訴人認為上述做法存在錯誤,因為在首份化驗報告(卷宗第169頁)中亦指出在相同毒品中亦含有“大麻酚”,並因此馬上認定此物質為同法律附表I-C中所指的大麻樹脂,同時屬於每日用量參考表序號第8點。而根據同參考表附註第(3)及第(4)之解釋,在大麻樹脂中即管存有∆ - 9- 四氫大麻酚成份,但只要該成份不超過平均濃度百分之十,仍以上述第8點中所指的0.5克來作為每日用量參考而非第15點所指的0.05克。因此,原審法院存在法律適用的瑕疵。

對於這個問題,我們同意助理檢察長在意見書中的見解:
“首先,從卷宗第167至173頁,及第606至611頁的檢驗報告中,刑事技術廳從來沒有指出在本卷宗內扣押的毒品屬於附表I-C所規定的大麻樹脂。從客觀科學及技術的角度來分析的話,任何人都不應在缺乏任何合理理由的情形下任意把不同性質的化學元素混為一談。事實上,大麻樹脂並不等同於大麻酚。
在本案根本沒有考慮每日用量參考表序號8(大麻樹脂)的可能。
另外,還需指出,根據卷宗第608頁之報告,在被扣押的毒品中四氫大麻酚的含量為20.97克,已經超出了平均濃度20%。換句話說,即管根據每日用量參考表序號8,配合其附註第(3)及第(4)的規定,本案中被扣押的毒品亦不可能適用序號8所要求的,平均濃度不高於10%的規定。
相反,必須注意在同列表序號第15中,四氫大麻酚是一種“獨立”受到法律規管及限制的化學成份,必須遵守相關規定。”

原審法院經分析相關鑑定報告,再結合第17/2009號法律附表每日用量參考表以及其注腳的解釋,認定每日參考量為0.05克的法律理解及適用正確,不需修改。

因此,上訴人提出的上述上訴理由並不成立。

2. 上訴人認為卷宗內不存在充份證據能指認上訴人曾實施符合第17/2009號法律第8條第1款所規定及處罰的販毒行為,尤其是針對作出販賣部分的毒品數量,甚至還指出部分能證明販毒行為的事實最後都沒有被法院採納。因此,原審判決患有《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項“獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判”的瑕疵。

根據《刑事訴訟法典》第400條第2款a)項規定,上訴亦得以獲證明之事實上之事宜不足以支持作出該裁判為依據,只要有關瑕疵係單純出自案卷所載的資料,或出自該等資料結合一般經驗法則者。

終審法院於2009年7月15日,在第18/2009號刑事上訴案判決中認定:“被認定的事實不足以支持裁判就是在案件標的範圍內查明事實時存在漏洞,以致在作為決定依據的被認定事實存在不足或不完整。”

   同樣理解可見於Germano Marques da Silva教授所著的“刑事訴訟課程III”[1]。

   根據本案卷宗資料顯示,原審法院在審判聽證中已對案件標的之全部事實事宜進行調查,除了認定控訴書內的事實,亦審查了上訴人所提出的辯解,並作出了相關事實的認定。因此,沒有存在查明事實的漏洞。

根據原審已證事實第3、4、7、8、9、11、14及15點顯示,上訴人持有含有20.97克“四氫大麻酚”的毒品目的為讓與他人以及供自己吸食。
雖然在事實判斷中原審法院認定“上訴人取得上述毒品亦有提供予他人,本院對其將有關上述毒品多於0.25克份量提供予他人並不存在疑問。”然而,上述事宜卻並未反映在已證事實中。

根據終審法院2014年7月30日第70/2014號裁判書:“當證明被告持有毒品是為了供自己吸食和為他人收藏,但又無法嚴格查明用來自己吸食和用來為他人收藏的相關數量,為了確定將販毒罪納入第17/2009號法律第8條第1款和第11條所規定的罪狀時,審判法院或者上訴法院應該根據其他已認定的事實──即持有毒品的全部數量──和經驗法則衡量,確定用來為他人收藏的毒品是否超過第17/2009號法律每日用量參考表內所載數量的五倍。如果能夠得出相關結論,被告的行為就應該根據具體案情納入上述法律第8條或第11條所規定的罪狀。
如果法院無法得出肯定結論,就應該根據疑點利益歸被告的原則判處被告觸犯第17/2009號法律第11條所指的罪行。如結論認為一審法院可以對用來自己吸食和用來為他人收藏的毒品數量進行調查而其沒有這樣做,則不妨礙上訴法院以獲認定事實事宜之不足為由命令將案件發回重審。”

本案中,經過三次審判聽證,原審法院仍然未能查明上訴人持有毒品中供自己吸食和提供與他人的份量,故此,應該根據疑點利益歸被告原則,判處上訴人觸犯一項第17/2009號法律第11條所規定及處罰的「較輕的生產和販賣罪」。

3. 本院裁決改判上訴人觸犯一項第17/2009號法律第11條所規定及處罰的「較輕的生產和販賣罪」,因此,需對上訴人的刑罰作出重新量刑及競合。
   
《刑法典》第40條及第65條規定量刑的標準。
犯罪的預防分為一般預防和特別預防二種:前者是指通過適用刑罰達到恢復和加强公眾的法律意識,保障其對因犯罪而被觸犯的法律規範的效力、對社會或個人安全所抱有的期望,並保護因犯罪行為的實施而受到侵害的公眾或個人利益的積極作用,同時遏止其他人犯罪;後者則指對犯罪行為和犯罪人的恐嚇和懲戒,且旨在通過對犯罪行為人科處刑罰,尤其是通過刑罰的執行,使其吸收教訓,銘記其犯罪行為為其個人所帶來的嚴重後果,從而達到遏止其再次犯罪,重新納入社會的目的。

上訴人所觸犯一項第17/2009號法律第11條第1款規定及處罰的「較輕的生產和販賣罪」,可被判處一年至五年徒刑。
  
  在本案中,警方在上訴人身上搜出的毒品中所檢出的“四氫大麻酚”含量為20.97克,即含“四氫大麻酚”的份量為法律每日參考用量的419.4倍,比該參考表內所載“四氫大麻酚”數量的五倍多出20.72克。
  
  對於上訴人有利的情節為上訴人為初犯,沒有其他刑事紀錄。
  
另外,在考慮保護法益及公眾期望的要求時需知道,販毒罪,特別是軟性毒品的不法販賣行為屬當今社會常見的犯罪類型,該類犯罪活動在本澳越來越活躍,行為人亦漸趨年青化,有關犯罪行為亦直接危害到公民,特別是年青一代的身體健康,由此更加突顯預防此類犯罪的迫切性。

因此,經分析有關事實及上述所有對上訴人有利及不利的情節,裁定上訴人觸犯一項第17/2009號法律第11條第1款規定及處罰的「較輕的生產和販賣罪」,判處四年徒刑,結合原審法院裁定上訴人觸犯一項第17/2009號法律第14條規定及處罰的「不法吸食麻醉藥品及精神藥物罪」,判處兩個月徒刑;兩罪競合,合共判處四年一個月徒刑。

上述裁決免除本院審理其餘上訴理由。
   四、決定

綜上所述,合議庭裁定上訴人A的上訴理由部分成立。
合議庭裁定改判上訴人觸犯一項第17/2009號法律第11條第1款規定及處罰的「較輕的生產和販賣罪」,判處四年徒刑,結合原審法院裁定上訴人觸犯一項第17/2009號法律第14條規定及處罰的「不法吸食麻醉藥品及精神藥物罪」,判處兩個月徒刑;兩罪競合,合共判處四年一個月徒刑。
判處上訴人繳付3個計算單位之司法費,以及三分之一上訴的訴訟費用。
著令通知。
              2018年12月13日
              
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              譚曉華 (裁判書製作人)
              
              
              _________________________________
              蔡武彬 (第一助審法官)
              
              
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              陳廣勝 (第二助審法官)
1其葡文結論內容如下:
1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido nos presentes autos, que condenou o Arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, nº 1 da Lei nº 17/2009, na pena de 5 anos de prisão.
2. Decisão esta com a qual o Recorrente não pode conformar-se por entender que a mesma incorre no vício de erro de direito previsto no n.º 1 do 400.º do CPP (doravante CPP), vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a) do n.º 2 do 400.º do CPP, vício de contradição insanável da fundamentação previsto na alínea b) do n.º 2 do 400.º do CPP; vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do 400.º do CPP; e ainda violação do princípio do in dúbio pro reo.
3. No que respeita ao vício de erro de direito previsto no n.º 1 do 400.º do CPP é o mesmo invocado pelo Recorrente por se entender que o Tribunal o quo falhou na aplicação do critérios de referência de uso diário fixados no mapa da quantidade de referência de uso diário constantes na tabela anexa da Lei n.º 17/2009, os quais devem ter-se por regularmente verificados para efeitos da condenação na prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, da Lei nº 17/2009.
4. Mas antes de lá chegarmos, não se pode deixar de referir o percurso processual dos presentes autos que certamente auxiliará no justo enquadramento dos factos.
5. Uma vez que, no âmbito dos presentes autos foi o Recorrente inicialmente condenado por decisão proferida em 3 de Novembro de 2017 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei nº 17/2009, na pena de na pena de 7 anos e 11 meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.º da Lei n.º 17/2009, na pena de 2 meses de prisão, num cúmulo de 8 anos de prisão.
6. Inconformado com aquela decisão, o Arguido interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância invocando que tal decisão padecia de inúmeros vícios, designadamente, o vício de falta de fundamentação, previsto no artigo 360.º, n.º 1, alínea a), ex vi do artigo 355.º, n.º 2, ambos do CPP, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 400. º do CPP e o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n. º 2 do artigo 400. º do CPP.
7. Ao que, procedente que foi o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 400.º do CPP, por acórdão proferido em 1 de Março de 2018 pelo Tribunal de Segunda Instância foi decidido ser o processo reenviado para o Tribunal Judicial de Base, ao abrigo da disposição do artigo 418º do Código de Processo Penal,
8. Depois de realizada nova audiência de discussão e julgamento, consequentemente, foi proferida em 17 de Maio de 2018 uma nova decisão pelo Tribunal Judicial de Base que, absolveu o Recorrente da prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.º da Lei nº 17/2009 e condenou o Recorrente, por exclusão de partes, na prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8º da Lei nº 17/2009, na pena de 8 anos de prisão.
9. Decisão essa que, por com a mesma não se conformar, mais uma vez foi posta em crise e mais uma vez foi objecto de recurso interposto para o douto Tribunal de Segunda Instância.
10. Desta feita, invocando-se os seguintes fundamentos: vício de erro de direito previsto no n.º 1 do 400.º do CPP (doravante CPP); vício de contradição insanável da fundamentação previsto na alínea b) do n.º 2 do 400.º do CPP; vício de erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do 400.º do CPP; e ainda violação do princípio do in dúbio pro reo.
11. Ao que, mais uma vez o Tribunal de Segunda Instância por acórdão de 26 de Julho de 2018 decide a favor do Arguido e, declara a nulidade da decisão proferida em virtude da mesma ter violado o trânsito em julgado da decisão respeitante ao crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.º da lei nº 17/2009.
12. Termos em que voltam os autos ao T.J.B. (pela terceira vez) desta feita para que apenas fosse elaborada nova decisão, a qual é proferida no dia 18 de Setembro de 2018.
13. Contudo, salvo devido respeito, a decisão proferida, e de que ora se recorre, volta a ser proferida inquinada com vício de erro de direito. Erro este que se configura da seguinte forma: nos presentes autos foi dado como provado que: “No altura, os agentes da P.J. procederam uma busca ao corpo do 1º arguido, foram encontrados 22 paus de resino de “canábis”, embaladas par papel pelicula, com a peso bruto de 157,61 gramas, junto da cueca vestida pelo 1º arguido. (...) Após o exame, verifica-se que estes 22 paus de resina são feitas por Tetraidrocanabinol e Canabinol abrangida pela tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 142.445 gramas.”
14. Sendo que posteriormente, em exame complementar mais específico ao referido produto estupefaciente se concluiu que um dos componentes encontrados na resina de canábis apreendida, o Tetraidrocanabinol mais simplesmente referido como THC, tinha a quantidade de 20.97g com um grau de 14.72% de pureza (cfr. fls. 606 a 611 dos autos).
15. Ora, da conjugação destes dois exames periciais realizados ao produto estupefaciente apreendido, clara parece ser a conclusão de que: i) o produto estupefaciente encontrado na posse do arguido era resina de canábis e que ii) essa resina de canábis continha 20.97g de THC com um grau de pureza de 14.72% .
16. O que, por maioria de razão, teria, necessariamente, que levar o tribunal a quo à apreciação dessa factual idade apurada, tendo em consideração os valores indicativos no mapa de quantidades de referencia de uso diário constante do n.º 8 da tabela anexa à Lei 17/2009, quer para efeitos da prática do crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 14.º, quer para efeitos da prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, ambos da Lei nº 17/2009.
17. Pois é no n.º 8 do referido mapa que se encontram descritos os valores de 0,5 como referência de uso diário no respeitante ao produto estupefaciente “resina de canábis” que foi encontrado na posse do arguido.
18. Porém, salvo de vida respeito não foi esse o entendimento do Tribunal o qual, concluiu que: “( ...) Além disso, o agente policial analisou duas barras embaladas com sacos, cada barra com 11 paus, que se suspeitava ser resina de canábis embalada com pelicula aderente. Cada barra pesava 80,16g e 77,45g, respectivamente, num total de 157,619 (Vide fls. 35 do autos). A seguir, através de exame laboratorial levado a cabo pela Polícia Judiciária, provou-se que o quantitativo do tetraidrocanabinal dos 22 paus apreendidos referidos é de 14.72%, com peso líquido 20,979 (vide fls.606 a fls. 611 dos autos). De acordo com o mapa da quantidade de referência de uso diário da Lei n.º 17/2009, a quantidade de referência do uso diário do tetraidrocanabinol é de 0,05g, ou seja, a quantidade de tetraidrocanabinol existente no produto encontrado na posse do 1º arguido ultrapassa 419,4 vezes a quantidade de referência de uso diário ( ... )” - tradução livre e destacado nosso.
19. Como se pode constar, com o decidido o Tribunal a quo mais não faz do que aplicar os valores indicativos no mapa de quantidades de referencia de uso diário constante do n.º 15 da tabela anexa à lei 17/2009, os quais se referem ao Tetraidrocanabinol enquanto componente individual e puro (ref. 100%).
20. Quando na verdade, resulta do exame toxicológico efectuado pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária ao produto apreendido “resina de canábis” é constituído por dois componentes, com um peso líquido de 142,445g (fls. 169): o canabinol e o tetraidrocanabinol,
21. Ou seja, o componente tetraidrocanabinol encontrado na resina de canábis encontra-se descrito no n.º 8 da Tabela II-B anexa à lei n.º 17/2009, por força do disposto das notas 3-(3) e (4), ou seja, referente a uma concentração media de 10%.
22. Por sua vez, o composto de canabinol (pertencente à família dos canabinóides sintéticos) encontra-se elencado no n.º 18 da Tabela II-B anexa à lei n.º 17/2009, tendo sido introduzido pela Lei n.º 4/2014, a qual procedeu a uma alteração à Lei n.º 17/2009.
23. Ou seja, para efeitos da aplicabilidade dos artigos 8.º, n,º 1, 11.º e 14.º da lei n.º 17/2009 nos quais se prevêem, respectivamente, os crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, crime de tráfico de menor quantidade e crime de consumo, encontra-se em anexo à referida lei um mapa que estabelece a quantidade de referência de uso diário das plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV apensas à mesma lei.
24. Daí que, a condenação por um dos três crimes acima referidos tenha como ponto de partida a determinação da quantidade de referência de uso: diário, por 5 dias e superior a 5 dias.
25. O produto estupefaciente encontrado na posse do Recorrente revelou ser resina de canábis (composta por canabinol e por tetraidrocanabinol- Delta-9-THC), pelo que, de acordo com o disposto no n.º 8 do mapa supra mencionado, a quantidade de referência de uso diário da resina de canábis é 0,5g.
26. Isto porque, as notas que acompanham o n.º 8 da referida tabela - notas 3-(3) e 3-(4)- esclarecem que a quantidade indicada de 0,5g de resina de canábis se refere à dose média diária com base na variação do conteúdo médio do THC existente nos produtos da Canábis e a uma concentração média de 10% de Delta-9-THC (Tetraidrocanabinol).
27. Deste modo, foi realizado pelo Departamento de Ciências Forenses da Polícia Judiciária um novo exame toxicológico para determinar a quantidade concreta de Delta-9-THC (Tetraidrocanabinol) existente no produto apreendido (fls. 606 a fls. 611 dos autos), tendo resultado do referido exame que “( ...) o quantitativo do tetraidroconabinol dos 22 paus apreendidos referidos é de 14.72%, com peso tiquido 20,97g ( ... )”.
28. Contudo, pese embora o Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) se encontre identificado individualmente no mapa de referência de uso diário com a quantidade de 0,05g, o certo é que nos presentes autos o Tetraidrocanabinol que foi identificado, é um dos componentes detectados no produto apreendido qualificado com “canábis (resina)”,referenciado no n.Q 8 da tabela de quantidades de referência de uso diário anexa da lei n.º 17/2009 tendo em consideração uma concentração média de 10%, e não como “Tetraidrocanabinol (Delta-9- THC)”, componente único e individualizado nos termos em que se encontra referenciado no n.º 15 da tabela de quantidades de referência de uso diário anexa da lei n.º 17/2009 tendo em consideração uma concentração media de 100%.
29. Deste modo, a análise concreta da percentagem de Tetraidrocanabinol existente no produto apreendido releva apenas para efeitos do enquadramento que é feito nas notas 3-(3) e (4) da tabela de referência de uso diário anexa à lei n.º 17/2009, uma vez que o produto estupefaciente apreendido continua a ser resina de canábis, tal como está identificada no n.º 8 do mapa de referência de uso diário.
30. Donde que, salvo o devido respeito, o Tribunal o quo fez um raciocínio errado ao dividir as 20,97g de peso líquido de Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) pelas 0,05g de quantidade de referência de uso diário relativas ao Tetraidrocanabinol (Delta-9-THC) como componente individualizado, indicadas no n.º 15 do já referido mapa.
31. Até porque, tratando-se a resina de canábis de um produto estupefaciente composto, é humanamente impossível consumir-se o Tetraidrocanabinol de forma isolada. Daí que o cálculo nunca, em hipótese alguma, poderia ter sido aquele que foi realizado pelo Tribunal a quo.
32. Utilizando o raciocínio correcto, o Tribunal a quo NUNCA chegaria à conclusão que a quantidade de produto estupefaciente detido pelo Recorrente excedia a quantidade de referência de uso diário em 419,4 vezes!!
33. Donde que, também nunca chegaria à convicção de que o arguido cedia a terceiros 5 vezes mais do que a quantidade referida na tabela como referencia de uso diário. E consequentemente, a pena aplicada nunca poderia ser a de 5 anos de prisão.
34. De todo o modo, Cumpre ainda salientar que o Recorrente adquiriu a quantidade de resina de canábis que lhe foi apreendida, superior à quantidade normalmente adquirida pelo mesmo para seu consumo pessoal, por ter mais disponibilidade financeira por ter sido o seu aniversário.
35. Assim, por uma questão de comodidade, para evitar as constantes deslocações a Hong Kong, decidiu o Recorrente maximizar o seu tempo e, uma vez que tinha disponibilidade financeira para tal, adquirir uma quantidade superior ao normal, que lhe garantisse o consumo por mais algum tempo, evitando deslocar-se novamente a Hong Kong num curto período de tempo.
36. Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que a decisão recorrida se revela manifestamente presuntiva e violadora dos princípios basilares do processo penal, no qual se exige que as decisões proferidas por quaisquer Tribunais sejam fundamentadas e sustentadas em certezas resultantes da prova, produzida ou não produzida e bem assim ajustadas ao direito que lhe é aplicável.
37. O que, por não ser admissível em processo penal, deverá determinar a revogação da decisão recorrida, por se encontrar a mesma inquinada pelo vício de erro de direito na aplicação do critérios de referência de uso diário fixados no mapa da quantidade de referência de uso diário constantes na tabela anexa da Lei n.º 17/2009 os quais devem ter-se por verificados para efeitos da condenação na prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º, da Lei nº 17/2009.
38. Sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a decisão recorrida padece ainda de vício por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 400º do CPP.
39. Desta feita, porque na douta decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou que os factos da acusação dados como provados consubstanciam a prática pelo 1.º Arguido, ora Recorrente, do crime de tráfico p.p. pelo art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009, contudo, dos factos provados dados como praticados pelo ora Recorrente, nada resultou que pudesse sustentar a decisão que acabou por ser proferida pelo douto Tribunal.
40. À parte do erro na aplicação do direito que supro se deixou alegado, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo chegou à decisão recorrida por via de configuração de meras suposições no que diz respeito à maioria dos factos.
41. Na verdade, o Tribunal a quo, não só não tinha como condenar o arguido pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, p.p. pelo artigo 8.º da Lei nº 17/2009, Como também não tinha como quantificar qual a quantidade do produto estupefaciente seria destinada para consumo próprio do arguido e qual a quantidade seria destinada à alegada cedência a terceiros.
42. Salvo o devido respeito, a douta decisão recorrida, por se revelar de tal forma anómala, chega mesmo a ser violadora das mais basilares regras de experiência comum e princípios de direito processual penal aplicáveis, designadamente, violadora do Principio da Inocência e do Principio do In Dubio pro Reo.
43. De todo o modo, começaremos por elencar concretamente as razões que fundamentam a posição do 1.º Arguido, ora Recorrente, ao assacar à decisão recorrida o vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
44. Na decisão recorrida conclui o Tribunal o quo que: “(...) De acordo com o investigação do Policio Judiciário, o agente policial encontrou um prato branco que se suspeitava ter indícios da droga e vários papéis para cigarro (vide fls.37 nos autos). Após a perícia da Polícia Judiciária, confirmaram-se os indícios da presença de droga no referido prato contendo tetraidrocanabinol, cannabidiol e nicotina. (vide das fls.166 a fls.173 nos autos). Além disso, o agente policial analisou duas barras embaladas com fita adesiva, cada barra com 11 paus que se suspeitava ser resina de canábis embalada com película aderente. Cada barra com embalagem continha 80.16 gramas e 77.45 gramas respectivamente, sendo que o total é de 157.61 gramas. (vide fls 35 do autos). A seguir, através de exame laboratorial levado a cabo pela Polícia Judiciária, provou-se que o quantitativo do tetraidrocanabinol dos 22 paus apreendidos referidos era de 14.72% e com 20.97 gramas. (vide das fls.606 a fls.611 nos autos).
45. Mais conclui que: “De acordo com a Lei n.º 17/2009, o mapa da quantidade de referência de uso diário apresenta que a quantidade de referência do uso diário do tetraidracanabinol é de 0.05 gramas, ou seja, 0.25 é a quantidade do tetraidrocanabinol em cinco vezes a quantidade de 0,05 constante no mapa da quantidade de referência de uso diário; portanto, o arguido ofereceu em quantidade superior 0.25 do tetraidrocanabinol a terceiros, isto significa praticar o crime de tráfico, p.p, pelo n.º 1 do art.s 8º do DL 17/2009 (vide a sentença do Tribunal de Última Instância, n.º 70/2014, em 30 de Julho de 2014).
46. Rematando a sua douta decisão alegando que:No presente coso, o agente da polícia encontrou 20.97 gramas de tetraidrocanabinol na posse do 1º arguido, sendo que a quantidade encontrada de tetraidrocanabinol do 1º arguido ultrapassa 419.4 vezes a quantidade de referência de uso diário, e também é mais de 20.72 gramas nas 5 vezes da quantidade de tetraidrocanabinol do mapa de referência. Nos termos dos factos assen tes da sentença do Tribunal colectivo em 3 de Novembro de 2017, o 1º arguido adquiriu ou manteve tetraidrocanabinol para consumo próprio (vide a fl. 412 e verso nos autos). Tendo em conta a grande quantidade de drogas no posse do 1º arguido, combinado com o depoimento da testemunha, os objectos apreendidos e as provas documentais, entre outros, através do julgamento, não existem provas que justifiquem que o 1 º arguido tinha o hábito de consumir cannabis por 6 anos. De acordo com o acima mencionado, os factos e as regras da experiência comum, o presente Tribunal considero que o 1º arguido adquiriu o referida droga poro oferecer o outros pessoas, portanto, o presente Tribunal não tem o dúvida que o 1º arguido iria oferecer o restante dos 0.25 gramas o outros pessoas. (...)” - tradução livre e destacado nosso.
47. No caso sub judice, não existem outros factos, muito menos, factos suficientes, para que o Tribunal recorrido pudesse ter concluído pela prática por parte do Recorrente de um crime de tráfico p.p. pelo art. 8.º, n.º 1 da lei n.º 17/2009.
48. Não resultando dos autos qualquer meio de prova de onde se pudesse retirar que o Arguido proporcionava e cedia droga a terceiros,
49. Compulsada a prova produzida em audiência, melhor dizendo, a nenhuma prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pode constatar-se que não existem elementos para suportar quer factual quer legalmente a decisão de condenação ora recorrida relativamente ao crime de tráfico p.p pelo art. 8.º, n.º 1 da lei n.º 17/2009.
50. Nomeadamente, dos depoimentos prestados por todas as testemunhas em audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos, salvo o devido respeito, não tinha o douto Tribunal a quo como condenar o ora Recorrente pela prática do crime tráfico ilícito de estupefacientes porquanto não tinha o Tribunal quaisquer provas relacionadas com quaisquer uns dos elementos constitutivos do crime de tráfico.
51. Pois que, não resulta dos documentos juntos aos autos nem dos testemunhos prestados qualquer elemento que prove que o 1.º Arguido tinha intenção de fornecer a outrem parte do produto adquirido e que parte seria essa!
52. Aliás, nos autos foram dados como não provados a maioria dos factos que poderiam relevar para a imputação do crime de tráfico p.p. pelo art. 8º, n.º 1 da lei n.º 17/2009, designadamente, não se provou, de entre outras coisas, que: “A último parte é poro revender o terceiros. A quantidade de parte de droga para revender é sempre superior às 5 vezes de quantidade de uso diário deste tipo de droga.”
53. Dai que, considerando que a condenação pelo crime de tráfico p.p. pelo art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 tem como ponto de partida a determinação da quantidade de referência de uso diário e a consequente exclusão da aplicabilidade do disposto nos artigos 11º e 14º da Lei n.º 17/2009, e bem assim, considerando que o produto apreendido na posse do arguido se trata de um produto composto por mais de um componente de entre os quais se encontra o THC, como pode o Tribunal a quo referir que o Arguido iria consumir 0,25g de THC e que o restante das 20.72g de THC detectado nas 142.445g de resina de canábis seria para ceder a terceiros sem ter tido acesso a outros elementos?!
54. O Tribunal a quo não dispunha de outros elementos para, num raciocínio lógico e construtivo, enquadrar a conduta do 1.º Arguido no crime de tráfico p.p. pelo art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009 em virtude de destinar 0.25g de THC para seu consumo próprio e destinar o restante da quantidade do 20.72 g de THC contido em 142.445g de resina de canábis para a cedência a terceiros.
55. O Tribunal a quo não tinha como concluir na sua fundamentação de direito que: “ (... ) No presente caso, o agente da polícia encontrou 20.97 gramas de tetraidracanabinol no posse do 1º arguido, sendo que a quantidade encontrada de tetraidrocanabinol do1º arguido ultrapassa 419.4 vezes a quantidade de referência de uso diário, e também é mais de 20.72 gramas nas 5 vezes da quantidade de tetraidrocanabinol do mapa de referência. Nos termos dos factos assentes da sentença do Tribunal colectivo em 3 de Novembro de 2017, o 1º arguido adquiriu ou manteve tetraidrocanabinol para consumo próprio (vide a fl. 412 e verso nos autos). Tendo em conta a grande quantidade de drogas na posse do 1º arguido, combinado com o depoimento da testemunho, os objectos apreendidos e as provas documentais, entre outros, através do julgamento, não existem provas que justifiquem que o 1º arguido tinha o hábito de consumir cannabis por 6 anos. De acordo com o acima mencionado, os factos e as regras da experiência comum, o presente Tribunal considera que o 1º arguido adquiriu a referido droga para oferecer a outros pessoas, portanto, o presente Tribunal não tem a dúvida que o 1º arguido iria oferecer o restante dos 0.25 gramas a outras pessoas. ( …)” - tradução livre e destacado nosso.
56. Até porque, o agente da polícia não encontrou 20.97 gramas de tetraidrocanabinol na posse do 1º arguido! O agente encontrou sim 22 paus de resina de canábis que por sua vez de entre os seus vários componentes foi detectado 20.97 g de tetraidrocanabinol.
57. Donde que, ao assim concluir, salvo o devido respeito por opinião contrária, tal conclusão revela-se completamente ilógica, irrazoável e arbitrária, visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos.
58. A decisão recorrida chega mesmo a fazer uso na sua fundamentação de expedientes que à luz das regras processuais são completamente inadmissíveis.
59. Falamos pois do facto do Tribunal condenar o arguido pelo tráfico de quantidade concreta de uma substancia que não se encontra individualiza no produto apreendido.
60. O mesmo seria dizer que num bolo confeccionado com 200g de açúcar, ao comer uma fatia estar-se a consumir 20 g de açúcar assim a olho nú! Ou, porque se comeu uma fatia de bolo comeu-se 20 g de açúcar! Com todo o respeito, não faz sentido.
61. Tem sido jurisprudência maioritária aquela que tem vindo a ser proferida pelos nossos Tribunais superiores (nomeadamente nos Acórdãos do processos n.º 10/2002, 11/2002, 41/2002, 34/2004, 68/2014, 630/2016, entre outros) e na qual se estabelece que a quantificação da droga é essencial para a incriminação dos actos elencados no art. 82 da Lei n.º 17/2009, pois sem este elemento fáctico o Tribunal a quo não pode determinar o quantum para o consumo individual em cinco dias, o que leva à impossibilidade de fazer o enquadramento jurídico correcto, seja tráfico, seja trafico de menor gravidade, nem pode liquidamente efectuar a graduação do grau de ilicitude, nem a densidade da culpa, na medida de pena.
62. Mas obviamente tal quantificação não pode ser feita com base em critérios arbitrários, sob pena de não se ter por sanada uma lacuna no apuramento dessa matéria, o que continua a impedir a decisão de direito adequada.
63. Razões que, determinam que uma decisão destas seja inadmissível em processo penal, por se revelar manifestamente presuntiva e consequentemente violadora dos princípios basilares do processo penal, no qual se exige que as decisões proferidas por quaisquer Tribunais sejam fundamentadas e sustentadas em certezas resultantes da prova, produzida ou não produzida.
64. Temos pois que em caso de dúvida o Tribunal deve sempre favorecer o arguido por força da aplicação do princípio in dubio pro reo. Trata-se de uma imposição dirigida ao Juiz no sentido de este se pronunciar de forma mais favorável ao Réu quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a resolução da causa.
65. Donde que, de acordo com o princípio in dubio pro reo, a absolvição do 1.º Arguido pela pratica do crime de trafico p.p. pelo art. 8º da Lei n.º 17/2009, deveria, salvo o devido respeito, ter sido a solução adoptada pelo Tribunal a quo face à manifesta impossibilidade de quantificação da resina de canábis que o arguido destinava ao seu próprio consumo e à alegada cedência a terceiros. O que manifestamente, não aconteceu nos presentes autos!
66. E nem tão pouco se alegue que o facto de não se ter conseguido provar que o arguido era consumidor de resina de canábis, tem qualquer relevância para a quantificar que quantidade diária era consumida pelo arguido, porque tal facto não ficou relacionado com um qualquer facto que pudesse determinar a quantidade diária de consumo do arguido em função dos anos de consumo por parte do mesmo.
67. Termos em que pelos apontados fundamentos e não tendo assim sido decidido pelo Tribunal a quo, deverá a decisão recorrida ser revogada por se encontrar inquinada pelo vício de manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista no art. 400º, n.º 2, alínea a) do CPP e consequente violação do princípio do in dubio pro reo, devendo o Recorrente ser absolvido do crime de tráfico p.p. pelo art. 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
68. Ainda sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a decisão recorrida padece ainda de vício de contradição insanável da fundamentação previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 400.º do CPP.
69. De acordo com o recente Acórdão desse TSI, de 19.04.2018, Processo n.º 66/2018, o vício de contradição insanável da fundamentação apenas se verifica quando “(...) se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatório e a decisão ( ... )” (neste sentido também os recentes Acórdãos deste TSI, de 13.07.2017, Processo n.º 522/2017, de 28.09.2017, Processo n.º 787/2017e de 11.01.2018, Processo n.º 1146/2017) - destacado nosso.
70. Primeiramente, na douta decisão recorrida, o Tribunal a quo considera provado que “o 1º arguido comprava, transportava, guardava e detinha as drogas acima referidas, com intenção de as proporcionar e ceder a outrem”.
71. Este facto, por si só, seria susceptível de consubstanciar a prática pelo Recorrente de um crime de tráfico, fosse do tráfico p.p, pelo artigo 11.º da Lei n.º 17/2009, fosse do tráfico p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
72. No entanto, de seguida, o mesmo Tribunal a quo considera não provados a maioria dos factos que poderiam relevar para a referida imputação do crime de tráfico, designadamente, foi dado como não provado que: “(...) Com estes cigarros comprados, o 1º arguido tem 3 finalidades: uma parte dos cigarros de “cannabis” é para o própria consumo. Uma outra parte é para oferecer a amigos (tal como à 2ª e ao 3º arguido) também para consumi-lo. A última parte é para revender a terceiros. A quantidade de parte de droga para revender é sempre superior às 5 vezes de quantidade de uso diário deste tipo de droga. (...) Na altura, o 3º arguido estava em casa da 2ª arguida com a finalidade de esperar o 1º arguido a voltar de Hong Kong com os estupefacientes comprados e de o 1º arguido fornecer assim uma pequena parte de estupefacientes ao 3º arguido. Com estes estupefacientes em pequena quantidade que iriam ser fornecidos pelo 1º arguido ao 3º arguido. O 1.º arguido comprava as drogas acima referidas com intenção de servir as drogas acima referidas para o consumo dos 2.º e 3.º arguidos e as vender a outrem”.
73. Existe, pois, uma clara contradição entre os factos provados e os não provados que se retira pela simples leitura da decisão recorrida e que tem a virtualidade de constituir vício suficiente para inquinar a mesma.
74. Se o Tribunal a quo considerou provado que o Recorrente transportava, guardava e detinha o produto estupefaciente com a intenção de o proporcionar e ceder a terceiros, então como é que de seguida considerou não provados outros factos constantes da Acusação que determinavam essa cedência a terceiros?! Era ou não para proporcionar a terceiros o produto transportado pelo Arguido?
75. Como é possível ter-se dado como não provado que: “ “(... ) Com estes cigarros comprados, o 1º arguido tem 3 finalidades: uma parte dos cigarros de “cannabis” é para o próprio consumo. Uma outra parte é para oferecer a amigos (tal como à 2ª e ao 3º arguido) também para consumi-lo. A última parte é para revender a terceiros. A quantidade de parte de droga para revender é sempre superior às 5 vezes de quantidade de uso diário deste tipo de droga. E de seguida o Tribunal concluir que: (...) De acordo com a Lei n.º 17/2009, o mapa da quantidade de referência de uso diário apresenta que a quantidade de referência do uso diário do tetraidrocanabinol é de 0.05 gramas, ou seja, 0.25 é a quantidade do tetraidrocanabinol em cinco vezes a quantidade de 0,05 constante no mapa da quantidade de referência de uso diário; portanto, o arguido ofereceu em quantidade superior 0.25 do tetraidrocanabinol a terceiros, isto significa praticar o crime de tráfico, p.p, pelo n.º 1 do art.º 8º do DL 17/2009 (vide a sentença do Tribunal de Última Instância, n.º 70/2014, em 30 de Julho de 2014). De acordo com o acima mencionado, os factos e as regras da experiência comum, o presente Tribunal considera que o 1º arguido adquiriu a referido droga para oferecer a outras pessoas, portanto, o presente Tribunal não tem o dúvida que o 1º arguido iria oferecer o restante das 0.25 gramas a outras pessoas. (... )” - tradução livre.
76. Entende, pois, o Recorrente, salvo o devido respeito, que a decisão recorrida não se encontra clarificada no que diz respeito a estas questões fundamentais dada a contradição notória existente entre os factos elencados.
77. Mais concretamente, não compreende o Recorrente como pode o Tribunal a quo simultaneamente dar como provado que o mesmo tinha intenção de proporcionar a terceiros o produto adquirido quando tal cedência não resulta nem expressa nem implicitamente de quaisquer actos praticados pelo arguido.
78. Por maioria de razão, e salvo o devido respeito, não se dando como provado quaisquer actos de cedência por parte do 1.º Arguido, ora Recorrente, a terceiros, designadamente, que parte desse produto seria para fornecer ao 3.º Arguido, outra não poderia ser a decisão do douto Tribunal recorrido senão a que de a totalidade do produto apreendido se destinava ao próprio consumo do 1º Arguido!
79. Mais ainda, recorrendo ao caso no seu todo, não existem nos autos outros factos, muito menos factos suficientes, para que o Tribunal a quo pudesse ter concluído pela existência de qualquer acto de tráfico por parte do Recorrente, designadamente, não resulta dos autos qualquer meio de prova de onde se pudesse retirar que o 1.º Arguido proporcionava e cedia droga a terceiros, nem tão pouco que quantidades seriam essas.
80. Ademais, compulsada a prova produzida em audiência, melhor dizendo, a nenhuma prova produzida em audiência de discussão e julgamento, pode constatar-se que não existem elementos para suportar quer factual quer legalmente a decisão de condenação ora recorrida relativamente ao crime de tráfico p.p pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009,
81. Nomeadamente, do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento pelo inspector da Polícia Judiciária encarregue da investigação, bem como dos demais elementos probatórios juntos aos autos, salvo o devido respeito, não tinha o douto Tribunal o quo como condenar o Recorrente pela prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, porquanto não tinha o Tribunal quaisquer provas relacionadas com nenhum dos elementos constitutivos do crime de tráfico, pois que não resulta dos documentos juntos aos autos nem do testemunho do Inspector XXX qualquer elemento que prove que o 1.º Arguido tinha intenção de fornecer a outrem parte do produto adquirido!
82. Aliás, quando directamente questionado quer pelo Tribunal quer pela defesa do Recorrente sobre se ao longo da investigação se verificou algum acto que indiciasse o tráfico por parte do mesmo, o Senhor Inspector XXX foi peremptório em afirmar que NÃO!!!
83. Ao condenar o Recorrente pela prática do crime de tráfico p.p. pelo artigo 8º da Lei n.º 17/2009, ignorando por completo a existência de elementos contraditórios entre si, os quais impõem uma clarificação por afectarem a essência da questão a decidir, a decisão recorrida revela-se completamente ilógica, irrazoável e arbitrária, visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum, bem como das regras que impõem prova tarifada para determinados factos.
84. Não conseguindo o Tribunal a quo ultrapassar as contradições ora indicadas e não sendo capaz de repor a verdade dos factos inconciliáveis entre si.
85. De todo o exposto, estamos em crer que, salvo o devido respeito, é manifesta a contradição insanável entre os factos provados e não provados constantes na decisão recorrida respeitantes à existência de actos de tráfico por parte do Recorrente,
86. Termos em que, pelos apontados fundamentos e não tendo assim sido decidido pelo Tribunal a quo, deverá a decisão recorrida ser revogada por se encontrar inquinada pelo vício de contradição insanável da fundamentação previsto no artigo 400º, n.º 2, alínea b) do CPP, devendo o Recorrente ser absolvido do crime de tráfico p.p. pelo artigo 8.º, n.º 1 da Lei n.º 17/2009.
87. Novamente sem conceder, e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a decisão recorrida se encontra ainda inquinada no vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 400.º, n.º 2, alínea c) do CPP.
88. O Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro notório na apreciação da prova, o qual inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do artigo 114º do CPP e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido.
89. Porém, o princípio da livre convicção da prova não é absoluto e “Iivre convicção” não significa “convicção arbitrária”!
90. Tendo em conta a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, salvo o devido respeito, verifica-se na decisão recorrida a existência de um vício de raciocínio na apreciação da prova decorrente da simples leitura da decisão, para além da clara violação das regras da experiência.
91. Isto porque, conforme já referido, é do conhecimento geral que o julgador é obrigado, por determinação legal, a examinar e a valorar as provas segundo critérios pré-determinados, consubstanciados na experiência comum, na lógica e na racionalidade.
92. De acordo com o Acórdão do STJ, de 01.07.98, Processo n.º 548/98, “( ... ) as regras da experiência são juízos hipotéticos de conteúdo genérico assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, mas para lá dos quais têm validade ( ... )” .
93. São, por conseguinte, regras que resultam da observação dos comportamentos humanos, derivadas da “( ... ) sucessiva repetição de factos, acontecimentos e circunstâncias que conduzem a determinados efeitos que perduram de caso para caso ( ... )” - destacado nosso.
94. Tratando-se do produto apreendido nos autos da “resina de canábis”, produto este composto por vários componentes, do qual faz parte o THC (componente este quantificado nos autos com 20,72g), não estaria o Tribunal a quo habilitado a depois de proceder a um cálculo arbitrário chegar à conclusão que a quantidade que o Recorrente iria ceder era superior a 0.25g.
95. Pelo que, salvo o devido respeito, o raciocínio efectuado pelo Tribunal a quo ao considerar que “( ... ) De acordo com o acima mencionado, os factos e as regras da experiência comum, o presente Tribunal considera que o 1º arguido adquiriu a referida droga para oferecer a outras pessoas, portanto, o presente Tribunal não tem a dúvida que o 1º arguido iria oferecer o restante das 0.25 gramas a outras pessoas (...)” e que, portanto, a quantidade de produto estupefaciente por este detida seria para servir para propósitos de tráfico em quantidade superior a 0.25g de THC, representa uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova produzida, que não passa despercebida ao cidadão comum.
96. De acordo com os Acórdãos proferidos pelo STJ, de 01.04.98, no processo n.º 1547/97, e de 03.06.98, no Processo n.º 272/98, “( ... ) o erro notório na apreciação da prova existe quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrário ou notoriamente violodora das regras da experiência comum ( ... )”
97. Entendimento este que é partilhado pelos Tribunais da RAEM, conforme se pode verificar pelo Acórdão proferido pelo TUI em 29.09.2000, no Processo n.º 13/2000, e também o Acórdão proferido pelo TSI, de 03.05.2011, no Processo n.º 16/2001.
98. Acresce que, não resultam dos autos quaisquer actos que pudessem indiciar a prática de tráfico por parte do ora Recorrente, sendo que todos os indícios que poderiam configurar a prática de actos de tráfico pelo mesmo e que constavam da douta Acusação, foram dados como não provados.
99. Sendo ainda certo que do depoimento do inspector XXX resultou mesmo uma negação peremptória quando questionado sobre a existência de um qualquer acto de tráfico praticado pelo Recorrente.
100. Pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, ao dar como provado que “(...) o 1º arguido transportava, guardava e detinha as drogas acima referidas com intenção de as proporcionar e ceder a outrem (...)”, incorreu num erro manifesto.
101. Daqui se retira o vício de raciocínio existente na apreciação da prova produzida por parte do Tribunal a quo, decorrente da simples leitura da decisão, sem necessidade de qualquer esforço mental, e que, no nosso caso, resultou numa conclusão logicamente inaceitável por parte do Tribunal recorrido.
102. Efectivamente, e salvo o devido respeito, perante os factos dados como não provados, o testemunho do inspector XXX e os documentos juntos aos autos, outra não poderia ser a conclusão do Tribunal o quo de que o produto estupefaciente encontrado na posse do Recorrente se destinava exclusivamente ao seu próprio consumo!
103. Esta questão não podia ter sido ignorada pelo Tribunal a quo, sob pena de violação das mais basilares regras de experiência comum e princípios de direito processual penal aplicáveis, designadamente, o princípio da inocência e o princípio do in dúbio pro reo.
104. Este trata-se de uma imposição dirigida ao Juiz no sentido de este se pronunciar de forma mais favorável ao Arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a resolução da causa. E é isso que decorre da própria norma vertida no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2009.
105. Face à inexistência de provas que pudessem indiciar que a detenção da resina de canábis por parte do Recorrente não era para seu próprio consumo, o certo seria admitir que tais produtos se destinavam exclusivamente ao seu consumo, conforme o Acórdão de STJ, de 06.03.96, Processo n.º 48572, “( ... ) O princípio indúbio pro teu, à luz do princípio da investigação, apenas deve ser entendido no sentido de que não devem ser julgados provados os factos relevantes para a decisão que, apesar da prova recolhida, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do tribunal (... )”.
106. Donde que, dadas insuficiência e contradições existentes na decisão recorrida, de acordo com o princípio in dúbio pro reo, a absolvição do Recorrente pela prática do crime de tráfico p.p. pelo artigo 8º da Lei n.º 17/2009, sempre deveria, salvo o devido respeito, ter sido a solução adoptada pelo Tribunal a quo. O que manifestamente, não aconteceu nos presentes autos!
107. Na determinação da sentença, espera-se que a decisão não só convença o juiz no seu íntimo, mas também o arguido e toda a comunidade jurídica. Daí que a conclusão a que chegou o douto tribunal a quo revela-se completamente ilógica, irrazoável, arbitrária e visivelmente violadora do sentido da decisão e das regras da experiência.
108. E nem tão pouco seria uma alegada mensagem encontrada no telemóvel do Recorrente onde se refere um tal “wi”, e que consta de fls. 84 dos autos, que seria susceptível de sustentar um qualquer envolvimento do Recorrente na prática de actos de tráfico.
109. Pois, para além dessa conclusão não resultar da referida mensagem, não logrou o agente policial explicar de onde retirou a conclusão de que “wi” era um qualquer produto estupefaciente, quando nos dias que correm “wi” podia muito bem referir-se à conceituada marca de uma consola de jogos.
110. Termos em que, pelos apontados fundamentos e não tendo assim sido decidido pelo Tribunal a quo, deverá a decisão recorrida ser revogada por manifesto erro notório na apreciação da prova previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 400º do CPP.
111. Sem conceder, mais uma vez por mera cautela de patrocínio, caso seja outro o entendimento de V. Exas., sempre se dirá que, salvo o devido respeito, a pena de oito anos de prisão efectiva aplicada ao Recorrente é manifestamente excessiva, sendo que o douto Tribunal a quo, no momento em que aplicou ao Recorrente tal-p-ena, não tomou em consideração os princípios da proporcionalidade e da adequação discriminados nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e artigo 65º do Código Penal, doravante CP.
112. Porquanto a pena aplicada ao Recorrente representa um terço da moldura penal abstracta aplicável ao crime de tráfico ilícito de estupefacientes, a qual, de acordo com o disposto no artigo 8º, n.º1 da lei n.º 17/2009, se cifra em 15 a nos.
113. Com efeito, de acordo com a decisão recorrida, os fundamentos utilizados pelo Tribunal a quo para condenar o Recorrente na pena de 5 anos de prisão efectiva foram os seguintes: “( ... ) Tendo em conta o referido critério de determinação da pena, bem como as circunstâncias concretas do caso actual: o 1° arguido A é delinquente primário, o grau de cometimento do crime é médio, o dolo e a ilicitude são elevados. Além disso, depois de considerar os elementos da prevenção geral deste crime e o efeito perigoso do drago para o ser humano, entende o Tribunal que a conduta do 1.º arguido prejudicou gravemente a ordem e o segurança social de Macau, motivo pelo qual o presente Tribunal considera que é mais adequado condenar ao 1º arguido na pena de prisão efectiva de 5 anos pelo crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicos ( … )” - tradução livre.
114. Salvo o devido respeito, falha na decisão recorrida a ponderação pelo Tribunal a quo de todas as circunstâncias em que foram praticados os factos imputados ao Recorrente, designadamente as circunstâncias atenuantes que ao caso cabiam, tais como as circunstâncias pessoais do Recorrente, o grau de ilicitude e de dolo do factos alegadamente praticados e a existência de perigo para a ordem e segurança públicas da RAEM, conforme passaremos a demonstrar.
115. Mas antes de mais importa ter presente o princípio da culpa, consagrado no artigo 12.º do CP, e segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
116. Também os artigos 40.º, n.º 2 e 65º, n.º 1 do CP, em obediência ao princípio da adequação, sustentam que a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa, sendo que a medida da pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção criminal.
117. A determinação da medida de pena prevista no artigo 65.º do CP é a reflexão do princípio de que a pena não pode ultrapassar a culpa, conjugado com o espírito do artigo 40.º, n.º 2 do CP, ou seja, quando houver circunstâncias concretas que sejam mais favoráveis ao Recorrente, devem as mesmas ser atendidas, e só assim é que se pode reflectir e garantir os bens jurídicos do agente.
118. Sucede que, no nosso caso e salvo o devido respeito, a medida da pena imposta pelo Tribunal a quo ao Recorrente indica que não foram relevadas todas as circunstâncias atenuantes existentes, as quais depõem a favor do Recorrente e resultam necessariamente numa redução da pena concretamente aplicável pelo Tribunal a quo.
119. O douto acórdão recorrido deveria ter tido em atenção e valorado para efeitos de atenuação especial da pena aplicada, para além do Recorrente ser primário, que o mesmo à data da prática dos factos tinha a tenra idade de 22 anos, e encontrava-se a terminar o ensino secundário, sendo sustentado pelos pais.
120. O acórdão recorrido deveria também ter tido em conta para efeitos de atenuação especial da pena aplicada que o Recorrente não se encontrava a ser investigado pela polícia quando foi detido, sendo que, e conforme já referido, a quantidade de droga que lhe foi apreendida deveu-se simplesmente ao facto ser sido o seu aniversário e assim ter disponibilidade financeira para adquirir uma quantidade de produto superior à que normalmente adquiria, evitando deste modo as sucessivas deslocações a Hong Kong.
121. Mais, sabe-se ainda que o produto apreendido na posse do Recorrente se trata de uma designada “droga leve”, que não tem os efeitos devastadores que têm, por exemplo, cocaína, a heroína, o MDMA, a ketamina, entre outros.
122. Com efeito, a investigação moderna tem reconhecido e comprovado os benefícios do uso da canábis, seja para o alívio de sintomas associados a doenças, seja para o tratamento das próprias patologias.
123. A canábis é uma das plantas mais estudadas no que respeita ao seu uso medicinal, com mais de 22 mil estudos e investigações publicadas no repositório oficial de investigação científica norte-americana PubMed Centrai, metade dos quais elaborados nos últimos anos na sequência da descoberta do sistema canabinóide endógeno, que abriu um novo campo de estudo na medicina.
124. Há muito tempo que os estudos científicos comprovam a eficácia da canábis para situações de tratamento da dor, diminuição de náuseas e vómitos associados à quimioterapia e estimulação do apetite no tratamento de doenças oncológicas.
125. Também no caso das doenças de Alzheimer e de Parkinson, nos casos de esclerose lateral amiotrófica, de glaucoma, de diabetes, de distúrbios alimentares, de insónias, de stress pós-traumático, entre muitos outros, os estudos científicos têm revelado que a utilização de canábis tem mostrado resultados promissores.
126. Na Europa, existem já váríos países que legalizaram e regulamentaram o uso medicinal da planta de canábis. São disso exemplo a Holanda, a Itália, a República Checa, a Dinamarca e a Alemanha. E fora da Europa, existe também um movimento de reconhecimento dos efeitos medicinais da canábis, inscrevendo-se esse reconhecimento na legislação de vários países. Nos Estados Unidos da América existem já 28 Estados onde o uso da canábis para fins medicinais foi legalizado, em muitos casos através de referendo popular.
127. Em Portugal, o Infarmed autorizou, em 2014, a primeira plantação de canábis com uma área de quase 9 hectares e uma previsão de colheita de 21 toneladas por ano, tendo como fim a exportação para posterior transformação e produção de medicamentos à base de canabinóides como o THC.
128. Já em 2017, foram autorizados pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Saúde e da Agricultura dois novos projectos para produção de canábis para fins medicinais.
129. Acresce que existem ainda estudos científicos que comprovam que o consumo de canábis não traz dependência física ao consumidor, ao contrário da cocaína, da heroína, o MDMA, a ketamina, entre outros.
130. Do acima exposto se pode retirar, que em muitos casos a utilização de canábis tem efeitos positivos para a saúde, sobretudo para efeitos analgésicos ou no alívio da dor no caso de doenças crónicas e que por isso o “efeito perigoso para o ser humano” que vem invocado na decisão como elemento de ponderação na escolha da pena, não é de todo em todo perigoso e, como tal deveria assim ter sido atendido pelo Tribunal.
131. Por outro lado, não se olvide também que o Recorrente, primário, já se encontra em prisão preventiva há mais de 2 anos! Tendo ainda o Recorrente conseguido concluir com sucesso, durante o período da prisão preventiva, o exame de Português que lhe faltava para concluir o 12º ano de escolaridade.
132. Ora, aplicando correctamente o quadro legal de circunstancialismo favorável ao Recorrente, salvo o devido respeito, NUNCA lhe poderia ser aplicada uma pena de prisão de 5 anos!
133. In casu, não resulta dos autos qualquer indício de que o Recorrente tinha intenção de ceder a terceiros o produto adquirido. Não foi encontrado em casa do Recorrente nenhum instrumento que indiciasse o tráfico, como por exemplo sacos de plástico, uma balança, entre outros, bem como ninguém o viu a vender ou lhe comprou, inclusivamente, o inspector da Polícia Judiciária encarregue da investigação afirmou em sede de julgamento que não havia qualquer indício de actos de tráfico relativamente ao Recorrente.
134. Pelo contrário, conjugada a prova produzida em audiência de discussão e julgamento com a prova documental constante dos autos, nomeadamente, conjugando o depoimento do inspector da Polícia Judiciária com os vestígios de tetraidrocanabinol e canabinol encontrados em casa do Recorrente e com o relatório social do mesmo, provou-se que o Recorrente era um consumidor regular de canábis!
135. Donde que, mais uma vez, e salvo o devido respeito, a pena de 5 anos de prisão aplicada ao Recorrente revela-se demasiado severa e manifestamente desproporcional, pelo que deverá o Venerando Tribunal de Segunda Instância, tendo em conta a todo o exposto, reduzir a pena aplicada ao Recorrente em regime de igualdade, proporcionalidade, adequação e justiça.
136. Consequentemente, tendo havido documentação das declarações prestadas oralmente perante o Tribunal a quo e encontrando-se a douta decisão recorrida eivada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, os quais vêm previstos nas alíneas a), b) e c) do artigo 400.º, n.º 2 do CPP, é admissível a renovação da prova nos termos previstos no artigo 415º do mesmo diploma legal, o que desde já se requer, porquanto tais vícios podem ser supridos, recorrendo à análise quer dos documentos constantes dos autos, a fls. 35 e 35v, fls. 37, 167 a 173 e fls. 606 a 611, quer do depoimento prestado pelo Investigador da Policia Judiciária XXX, devidamente registado na gravação da audiência e discussão de julgamento, nas partes que se deixaram transcritas nas presentes motivações de recurso.
137. Devem pois, tanto a apreciação dos documentos como o depoimento supra transcrito ser renovados perante esse Tribunal de Segunda Instância, por, objectivamente, se considerar que tanto a análise desses documentos como a audição da gravação do referido depoimento permitem eliminar os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e de erro notório na apreciação da prova imputados à decisão recorrida.
138. Renovação de prova essa, a qual ao abrigo do disposto no artigo 402º, n.º 3 do CPP, deverá incidir na análise dos documentos referidos na decisão e bem assim do depoimento prestado pelo Investigador da Policia Judiciária XXX.
139. Sendo certo que a renovação da prova ora requerida se justifica pela necessidade de comprovar a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova imputados à decisão recorrida, que conduziu à condenação do Recorrente pela prática na autoria material e de forma consumada de um crime de tráfico ilícito de produtos estupefacientes p.p. pelo artigo 8.º da Lei 17/2009.
Termos em que, contendo com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser:
a) ser declarado procedente o vício de erro de direito previsto no n.º 1 do art. 400.º do CPP (doravante CPP);
b) serem declarados procedentes os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, respectivamente, previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 400.º do CPP e,
consequentemente,
c) ser autorizada a requerida renovação da prova a qual deverá recair sobre: os documentos invocados na decisão recorrida, designadamente, a fls. 35 e 35v, fls. 37, 167 a 173 e fls. 606 a 611 e, sobre o depoimento prestado pelo Investigador da Policia Judiciária XXX, determinando-se a absolvição do arguido ora Recorrente da pratica do crime de tráfico ilícito de produtos estupefacientes p.p. pelo artigo 8º da Lei 17/2009 pelo qual vinha condenado, com todas as consequências legais daí resultantes.
Assim se fazendo a acostumada JUSTICA!
2其葡文內容如下:
1. O 1º arguido A costuma deslocar-se a Hong Kong, no mínimo, por 3 vezes em cada mês.
2. No dia 19 de Setembro de 2016, o 1º arguido e a 2º arguida foram juntos a Hong Kong.
3. Em Hong Kong, o 1º arguido adquiriu 22 paus de resina de “cannabis”.
4. No dia 20 de Setembro de 2016, pelas 00:40, o 1º arguido voltou para Macau de Hong Kong, trazendo com ele os referidos 22 paus de resina escondidos na cueca vestida, com o acompanhamento da 2ª arguida.
5. Assim, o 1º arguido e a 2ª arguida apanharam um táxi, no Porto Exterior, para irem à Estrada XXXX.
6. Quando os dois arguidos saíram da táxi perto do Edifício XXXX da Estrada XXXX foram interceptaram pelos agentes da Polícia Judiciária e levados à Divisão de Investigação e Combate ao Tráfico de Estupefacientes da P.J. para melhor investigação.
7. Na altura, os agentes da P.J. procederam uma busca ao corpo do 1º arguido, foram encontrados 22 paus de resina de “cannabis”, embaladas por papel película, com o peso bruto de 157,61 gramas, junto da cueca vestida pelo 1º arguido.
8. Após o exame, verifica-se que estes 22 paus de resina são feitas por Tetraidrocanabinol e Canabinol abrangida pela tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009, com peso líquido de 142.445 gramas.
9. 經鑑定證實,上點提及之四氫大麻酚的百分含量為14.72%,含量為20.97克。
10. Depois, os agentes da P.J. deslocaram-se à casa do 1º arguido, situada na Estrada XXXX, Edifício XXXX, 19º andar C, e procederam à busca junto desta e, encontraram os seguintes objectos:
- um pratinho com os remanescentes de substância de cor de castanha,
- alguns pacotes de papel de cigarrro com palavra “PARTY IN HOUSE”.
11. Após o exame, verifica-se que os remanescentes de substância de cor castanha encontrados no referido pratinho são de Tetraidrocanabinol abrangido pela tabela II-B anexa à Lei n.º 17/2009.
12. O 1º arguido foi constituido como arguido no dia 21 de Setembro de 2016.
13. O 1º arguido foi aplicado as medidas de coação no dia 22 de Setembro de 2016.
14. O 1º arguido transportava, guardava e detinha as drogas acima referidas, com intenção de as proporcionar e ceder a outrem.
15. O 1º arguido sabia bem que não se podia, sem autorização legal, aquirir ou deter as referidas drogas para consumo pessoal, ainda assim fizê-lo.
16. O 1º arguido agiu livre, voluntária e dolosamente.
17. O 1º arguido sabia bem que os seus actos foram legalmente proibidos e punidos.


3其葡文內容如下:
1. O 1º arguido A e a 2º arguida B são namorados.
2. O 3º arguido C é amigo dos 1º arguido e 2º arguida.
3. O 1º arguido tem o costume de consumir “cannabis” por seis anos.
4. A última vez em que o 1º arguido, a 2ª arguida e o 3ª arguido se encontraram na casa do 1º arguido, situada na Estrada XXXX, Edifício XXXX, 19º andar C, e consumiram droga, foi no mês de Setembro de 2016.
5. O 1º arguido desloca-se a Hong Kong para comprar 3 cigarros de “cannabis” junto de um homem desconhecido com o preço de HKD 350 por cada cigarro.
6. Com estes cigarros comprados, o 1º arguido tem as 3 finalidades : uma parte dos cigarros de “cannabis” é para o próprio consumo. Uma outra parte é para oferecer a amigos (tal como à 2ª arguida e ao 3º arguido) também para consumí-lo. A última parte é para revender a terceiros. A quantidade de parte de droga para revender é sempre superior às 5 vezes da quantidade de uso diário deste tipo de droga.
7. O 1º arguido é desempregado, vivendo com a venda de drogas.
8. Em Hong Kong, aproveitandando o momento em que a 2ª arguida não estava a lado, o 1º arguido encontrou sozinho o homem acima referido, e o preço de resina de “cannabis” foi HKD 4.400,00.
9. Na altura, o 3º arguido estava em casa da 2ª arguida com a finalidade de esperar o 1º arguido a voltar de Hong Kong com os estupefacientes comprados e de o 1º arguido fornecer assim uma pequena parte dos estupafecientes ao 3º arguido.
10. Com estes estupafecientes em pequena quantidade que iriam ser fornecidos pelo 1º arguido ao 3º arguido.
11. O 1º arguido comprava as drogas acima referidas, com intenção de servir as drogas acima referidas para o consumo dos 2ª e 3º arguidos¸ e as vender a outrem.

[1] “A contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do n.° 2 do art. 410.° a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada.” – Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, ed. VERBO, pág.340 a 341
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