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Processo n.º 456/2020 Data do acórdão: 2021-7-15
Assuntos:
– acidente de viação
– erro notório na apreciação da prova
– manobra de ultrapassagem
– repartição da culpa pela produção do acidente
S U M Á R I O
1. No caso, após examinados todos os elementos probatórios então examinados pelo tribunal recorrido e referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que a livre convicção desse tribunal sobre o tema probando do presente processo na parte com pertinência à decisão da questão da culpa pela produção do acidente de viação tenha sido formada com violação de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou de quaisquer regras da experiência da vida humana quotidiana, ou de quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, pelo que improcede o vício de erro notório na apreciação da prova esgrimido pelo lesado ora recorrente.
2. Embora haja que manter a decisão do tribunal recorrido de acordo com a qual o arguido não cumpriu a regra de condução do art.o 40.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), e o lesado não acatou a regra de condução prevista no art.o 21.o, n.o 2, da LTR, a culpa pela produção do acidente dos autos deve ser repartida, em função da factualidade descrita como provada no aresto recorrido, em 80% para o arguido e em 20% para o lesado ora recorrente, porque antes da manobra de ultrapassagem feita pelo arguido, o motociclo conduzido pelo lesado demandante já estava no lado frontal esquerdo do veículo conduzido pelo arguido, pelo que independentemente da conduta de condução do demandante, era de incumbir ao arguido, ao iniciar a manobra de ultrapassagem, prestar atenção permanente sobre a movimentação desse motociclo, ao que acresce a consideração de que do confronto das sanções pecuniárias da violação das duas regras de condução acima referidas, resulta nítido que a conduta de violação da regra do art.o 40.o, n.o 1, da LTR é mais severamente punida pelo Legislador do que a de violação da regra do art.o 21.o, n.o 2, da LTR.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 456/2020
(Autos de recurso penal)
Recorrente:
  – demandante civil A
  Recorrida:
  – demandada civil B, S.A.
  Não recorrente:
  – arguido C







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a decisão cível tomada no acórdão final proferido a fls. 393 a 403 do Processo Comum Colectivo n.o CR1-18-0124-PCC (com enxertado pedido cível de indemnização emergente de acidente de viação) do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, veio recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) o ofendido e demandante civil A, alegando, na sua essência, e rogando, na motivação apresentada a fls. 424 a 434v dos presentes autos correspondentes, o seguinte:
– o montante fixado no acórdão recorrido em MOP$400.000,00 para reparação dos seus danos não patrimoniais não corresponde ao juízo equitativo postulado nos art.os 489.o e 487.o do Código Civil (CC), devendo esse montante passar a ser fixado em montante não inferior a MOP$700.000,00, atenta a matéria de facto já provada;
– sobre a perda da capacidade de ganho por causa da sua Incapacidade Permamente Parcial (IPP) fixada pericialmente em 8%, a quantia indemnizatória dessa perda atribuída em MOP100.000,00 no acórdão recorrido deve passar a ser fixada em montante não inferior a MOP$150.544,20 (=MOP$19.221,68/30x2937x8%);
– quanto à questão da culpa pela produção do acidente, a decisão do Tribunal recorrido (segundo a qual o arguido apenas teve 30% da culpa pela ocorrência do acidente) padece do vício de erro notório na apreciação da prova, devendo a culpa passar a ser repartida em 90% para o arguido e apenas em 10% para o próprio lesado recorrente;
– por fim, há que passar a condenar a parte demandada em pagar (em 90%) as despesas futuras de operação cirúrgica (para efeitos de levantamento de pregos de fixação da fractura óssea), as respectivas despesas medicamentosas e as percas salariais por causa dessa operação, tudo a ser liquidado em sede de execução do julgado.
Ao recurso, respondeu a demandada B, S.A., a fls. 445 a 452 dos presentes autos, no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista dada a fl. 475, opinou que não tinha legitimidade para emitir parecer, por estar em causa matéria meramente civil.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte, com pertinência à solução do recurso sub judice:
1. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 393 a 403 dos autos, cuja fundamentação fáctica e probatória se dá por aqui integralmente reproduzida.
2. Nesse acórdão, o Tribunal recorrido considerou que o arguido violou a regra de condução prevista no art.o 40.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR) e que o lesado ora demandante civil não acatou a regra de condução do art.o 21.o, n.o 2, da LTR, e que o arguido e o demandante tiveram, respectivamente, 30% e 70% da culpa pela produção do acidente de viação dos autos.
3. No mesmo acórdão, o Tribunal recorrido fixou os seguintes montantes indemnizatórios civis líquidos, no total de MOP$761.429,78 (sem entrar ainda, no seu apuramento, a repartição da culpa pelo acidente):
– MOP$35.255,62 (por despesas médicas e medicamentosas, já realizadas);
– MOP$226.174,16 (por percas salariais por causa do tratamento médico);
– MOP$400.000,00 (por danos não patrimoniais);
– MOP$100.000,00 (por perda da capacidade de ganho por causa da IPP de 8%).
4. No mesmo acórdão, o Tribunal recorrido condenou a demandada B, S.A., como seguradora do veículo automóvel conduzido pelo arguido aquando da ocorrência do acidente de viação dos autos, a pagar ao lesado demandante (ora recorrente) a quantia indemnizatória total, já líquida, de MOP$228.428,93 (= MOP$761.429,78 x 30%), como juros legais a contar da data do próprio acórdão até integral e efectivo pagamento, bem como pagar 30% de todas as vindouras despesas que o demandante iria ter por causa da operação cirúrgica para levantamento de pregos de fixação da fractura óssea, e das respectivas despesas medicamentosas, e das futuras percas salariais, tudo a ser liquidado em sede da execução do julgado.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas ao mesmo tempo nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Por uma questão de lógica, é de começar por abordar o vício de erro notório na apreciação da prova, imputado ao Tribunal recorrido pelo ofendido demandante civil recorrente, acerca dos factos com pertinência à aferição da culpa pela produção do acidente de viação.
Pois bem, sempre se diz que há erro notório na apreciação da prova, como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal, quando for patente que a decisão probatória do tribunal violou inclusivamente as leges artis (neste sentido, e de entre muitos outros, cfr. o douto Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, de 22 de Novembro de 2000, do Processo n.º 17/2000).
Na verdade, o princípio da livre apreciação da prova não significa que a entidade julgadora da prova possa fazer uma apreciação totalmente livre da prova. Pelo contrário, há que apreciar a prova sempre segundo as regras da experiência, e com observância das leges artis, ainda que (com incidência sobre o caso concreto em questão) não existam quaisquer normas legais a determinar previamente o valor das provas em consideração.
Ou seja, a livre apreciação da prova não equivale à apreciação arbitrária da prova, mas sim à apreciação prudente da prova (em todo o terreno não previamente ocupado por tais normas atinentes à prova legal) com respeito sempre das regras da experiência da vida humana e das leges artis vigentes neste campo de tarefas jurisdicionais.
E no concernente à temática da prova livre, é de relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso dos autos, após examinados todos os elementos probatórios então examinados pelo Tribunal recorrido e referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que a livre convicção desse Tribunal sobre o tema probando do presente processo na parte com pertinência à decisão da questão da culpa pela produção do acidente de viação tenha sido formada com violação de quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal das provas, ou de quaisquer regras da experiência da vida humana quotidiana, ou de quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, pelo que improcede o vício de erro notório na apreciação da prova esgrimido pelo lesado ora recorrente.
Entretanto, em face de toda a matéria de facto descrita como provada no acórdão recorrido, é mister alterar a decisão, aí feita, de repartição da culpa pelo acidente.
Com efeito, embora haja que manter a decisão do Tribunal recorrido de acordo com a qual o arguido não cumpriu a regra de condução do art.o 40.o, n.o 1, da LTR, e o lesado não acatou a regra de condução prevista no art.o 21.o, n.o 2, da LTR, a culpa pela produção do acidente dos autos deve ser repartida, em função da factualidade descrita como provada no aresto recorrido, em 80% para o arguido e em 20% para o lesado ora recorrente, porque antes da manobra de ultrapassagem feita pelo arguido e como tal descrita nos factos provados 4 e 5, o motociclo conduzido pelo demandante já estava, conforme o descrito no facto provado 2, no lado frontal esquerdo do veículo conduzido pelo arguido, pelo que independentemente da conduta de condução do demandante, era de incumbir ao arguido, ao iniciar a manobra de ultrapassagem, prestar atenção permanente sobre a movimentação desse motociclo, ao que acresce a consideração de que do confronto das sanções pecuniárias da violação das duas regras de condução acima referidas, resulta nítido que a conduta de violação da regra do art.o 40.o, n.o 1, da LTR é mais severamente punida pelo Legislador do que a de violação da regra do art.o 21.o, n.o 2, da LTR.
Quanto ao montante indemnizatório dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado demandante, afigura-se mais equitativo, vista a factualidade provada em primeira instância (da qual se salientando o sofrimento do demandante nas duas intervenções cirúrgicas anteriores e o período de cerca de um ano de convalescença) e aos padrões do art.o 489.o, n.os 1 e 3, primeira parte, do CC, passar a fixá-lo em MOP$500.000,00 (antes da entrada da percentagem de repartição da culpa na sua fixação).
E no tocante à perda da capacidade de ganho por causa da IPP de 8%, há que passar a fixar a respectiva quantia indemnizatória em MOP$135.000,00 (antes da consideração da repartição da culpa), atendendo a que o lesado tinha 56 anos de idade à data do acidente de viação dos autos, com salário mensal médio de MOP$19.221,68, e sofreu 8% da IPP por causa desse acidente, e considerando também que as pessoas em geral podem trabalhar até 65 anos, e que o efeito da “bolada” (resultante do recebimento, numa só vez, da quantia indemnizatória em causa) deve ser neutralizado através da aplicação da “taxa de desconto” de cerca de 10%.
Em conclusão, procede parcialmente o recurso, passando a condenar a demandada seguradora a pagar ao lesado demandante:
– a quantia indemnizatória, já liquidada agora, de MOP$717.143,82 (a que acrescem juros legais a contar de hoje até efectivo e integral pagamento) (calculada de seguinte maneira: (MOP$35.255,62 (despesas médicas e medicamentosas já ocorridas) + MOP$226.174,16 (percas salariais já ocorridas) + MOP$500.000,00 (danos não patrimoniais) + MOP$135.000,00 (perda da capacidade de ganho)) x 80% = MOP$896.429,78 x 80% = MOP717.143,82);
– bem como pagar 80% de todas as vindouras despesas que o demandante irá ter por causa da operação cirúrgica para levantamento de pregos de fixação da fractura óssea, e pagar 80% das respectivas despesas medicamentosas, e pagar ainda 80% das futuras percas salariais do demandante, tudo a ser liquidado em sede da execução do julgado.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente procedente o recurso do demandante A, passando, por conseguinte, a condenar a demandada B, S.A., a pagar-lhe a quantia indemnizatória, já liquidada agora, de MOP$717.143,82 (setecentas e dezassete mil, cento e quarenta e três patacas e oitenta e dois avos) (a que acrescem juros legais a contar de hoje até efectivo e integral pagamento), bem como a pagar-lhe 80% do seguinte, a ser liquidado em sede da execução do julgado: todas as vindouras despesas que o demandante irá ter por causa da operação cirúrgica para levantamento de pregos de fixação da fractura óssea, as respectivas despesas medicamentosas, e as futuras percas salariais do demandante.
Custas do pedido cível pelo demandante e pela demandada seguradora em ambas as duas Instâncias na proporção dos respectivos decaimentos.
Macau, 15 de Julho de 2021.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Chao Im Peng
(Segunda Juíza-Adjunta)
(Com declaração de voto)

投票聲明
本人認爲應維持原審判決關於過錯分配的決定,理由如下:
根據已證事實一、二、三、四、五、五A、五B和五C,可見:
上訴人駕駛其重型電單車及嫌犯駕駛其輕型汽車在同一時間、同一馬路左車道、向同一方向行駛,上訴人在嫌犯的左前方。在駛至涉案交滙處時,兩車同時靠往右車道移動,均作轉綫操作。
嫌犯方面,在作轉線操作過程時,嫌犯將其所駕汽車加速駛至被害人的電單車的右側,準備超越被害人的電單車,然而,嫌犯在超車操作時,沒有使其所駕汽車與被害人的電單車保持足夠的安全距離。
上訴人方面,上訴人一直在嫌犯車輛的左前方行駛,其向右行駛至中線期間,並沒打右方指揮燈,沒有示意其他車輛其欲進行的下一步操作。而在上訴人向右行至中線前,嫌犯所駕駛之汽車已先進入右車道內,並繼續往前行駛於自己的路線超越上訴人的電單車,期間,被害人的電單車突然向右切線而撞到嫌犯所駕駛汽車的左後方乘客位車門位置。
嫌犯沒有留意與左車道靠近中綫行駛的其他車輛保持安全距離;上訴人沒有提前向其他車輛示意其下一步切線操作,且在切線進入右車道之前沒有確認右後方來車。因此,對比上訴人和嫌犯之駕駛行爲,故上訴人應負主要責任。

(Chao Im Peng)





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