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卷宗編號: 296/2020
日期: 2021年11月04日
關鍵詞: 違反禁止不利益變更原則、遺漏審理、事實依據

摘要:
- 沒有任何法律規定單一犯罪的量刑必然比連續犯的為低,而在沒有加重嫌犯原來的判刑下,不存在違反禁止不利益變更原則的事實。
- 只有當法院對當事人提出的某一問題沒有進行審理時,才構成判決因遺漏審理而無效。倘法院已就相關問題作出審理,僅是沒有就所主張問題的理由逐一作出回應,並不構成遺漏審理的判決無效。
- 說明理由不足和遺漏審理是兩個截然不同的概念,前者不導致任何裁判/判決無效,而後者則是法定無效裁判/判決瑕疵之一。
- 倘在已證事實中所列出的事實足以證明嫌犯的行為構成相關的犯罪要件,便不存在沒有詳細說明作為裁判理由之事實依據的裁判無效瑕疵。
裁判書製作人







刑事上訴裁判書

卷宗編號: 296/2020
上訴人: A(第一嫌犯)
B(第二嫌犯)
日期: 2021年11月04日
*
一、 概述
於2021年09月30日,本院裁決如下:
- 判處第二嫌犯B、第三嫌犯C及第四嫌犯D上訴理由不成立,維持原審判決。
- 判處第一嫌犯A上訴理由部分成立,廢止原審裁判關於判處其以連續犯方式觸犯第二項「濫用職權罪」的決定,改判處其因觸犯一項《刑法典》第347條所規定及處罰的「濫用職權罪」,科處1年6個月徒刑,數罪競合並罰,合共判處4年實際徒刑的單一刑罰。
- 維持其他原審決定。
*
第一嫌犯及第二嫌犯分別向本院提出裁判無效之爭議,有關內容如下:
第一嫌犯:
   “…
   A - DA NULIDADE POR FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO QUANTO AO ELEMENTO SUBJECTIVO DOS CRIMES DE ABUSO DE PODER (art. 571.º, n.º 1, al. b) CPC, ex vi art. 4.º CPP)
1. O ora Recorrente alegou, aquando da interposição do seu recurso para este Venerando Tribunal, a existência de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art. 400.º, n.º 2, al, a) do CPP), quanto ao elemento subjectivo dos crimes de abuso de poder em que foi condenado, nomeadamente da intenção específica exigida pelo artigo 347.º do CP.
2. Este Venerando Tribunal decidiu que não se verificou este vicio.
3. Fê-lo, porém, recorrendo apenas a uma fórmula consagrada, considerando que o Recorrente agiu de "forma livre, voluntária e consciente".
4. Ora, esta formulação geral não tem qualquer ligação com o caso concreto.
5. Não foi feita uma efectiva ponderação sobre a intenção específica que exige o artigo 347.º do CP (que surge mesmo como uma exigência subjectiva a concorrer com o dolo do tipo).
6. Pedia-se a este Venerando Tribunal uma efectiva apreciação das provas relativas ao elemento subjectivo destes crimes, e não uma mera confirmação com a fórmula consagrada do "agiu de forma livre, voluntária e consciente".
7. Com base em que provas é que foi considerada a existência do elemento subjectivo e a intenção específica que exige o artigo 347.º do CP? Com base em que factos?
8. Este Venerando Tribunal socorreu-se apenas dos factos relativos ao tipo objectivo dos crimes.
9. Mas repetir os factos relativos ao tipo objectivo não tem a virtualidade de fundamentar a existência do elemento subjectivo.
10. Isso é especialmente evidente no caso que aqui tratamos, uma vez que se deu expressamente como não provado que o ora Recorrente exigiu/deu instruções aos seus subordinados para que incluíssem a E na lista de fornecedores qualificados e que deu instruções para conclusão da esterilização de todos os galgos no prazo de 60 dias.
11. É certo que não se exigia a este Venerando Tribunal uma explicação exaustiva de fundamentos.
12. Mas era exigido que, pelo menos, fizesse mais do que socorrer-se da fórmula consagrada "agiu de forma livre, voluntária e consciente" para justificar porque é que entendeu que ficou preenchido o elemento subjectivo e a intenção específica dos crimes pelos quais o ora Recorrente foi condenado.
13. Este Venerando Tribunal não o fez por uma razão muito simples: esses factos não existem.
14. Não constam da acusação, não constam da decisão da 1.ª Instância, e nunca poderiam constar do Acórdão deste Venerando Tribunal de Segunda Instância.
15. Ao decidir como decidiu, o Acórdão agora proferido deixou o ora Recorrente completamente no escuro quanto aos factos que serviram de base ao entendimento de que ficou preenchido o elemento subjectivo dos crimes de abuso de poder, nomeadamente a intenção específica exigida pelo artigo 347.º do CP.
16. Por tudo o exposto, impõe-se concluir que a decisão agora proferida, por este Venerando Tribunal, está ferida de nulidade, por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão (artigo 571.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal), nulidade essa que, desde já se invoca, para todos os efeitos legais.
   B - DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA (art. 571.º, n.º 1, al. d) CPC, ex vi art. 4.º CPP)
17. O ora Recorrente havia invocado, nas suas alegações de recurso, um vício de erro notório na apreciação da prova (cfr. art. 400.º, n.º 2, al. c) do CPP), por entender que a decisão recorrida se tinha baseado em factos que não ficaram provados em julgamento, a saber:
- que o ora Recorrente não tinha poderes suficientes, e que lhe era impossível, garantir que a adjudicação fosse feita à E (ou que esta fosse sequer incluída na lista de empresas convidadas), nem competência para sugerir a inclusão de certas empresas na lista de fornecedores (impossibilidade prática);
- que a F era a única opção para viável para proceder à esterilização dos galgos e que nem tinha havido outras empresas a apresentar propostas;
- que a alegada actuação do Recorrente tinha sido fora dos seus deveres funcionais (apesar de ser funcionário) e que, por isso, não se encontrava preenchido o conceito de "funcionário", necessário para condenação pelo crime de abuso de poder (p.p. art. 347.º do CP).
18. Este Venerando Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o referido vício mas, para o fazer, limitou-se a seguir uma fórmula consagrada em tantos milhares de outros acórdãos na RAEM, sem qualquer ligação efectiva ao caso concreto que aqui nos ocupa, e com base num mero elencar exaustivo dos depoimentos prestados em julgamento, que em nada respondem aos pontos de discordância concretamente levantados pelo Recorrente.
19. Ou seja, em bom rigor, o este Venerando Tribunal, apesar de ter incluído na decisão um capítulo sobre o erro notório invocado, e apesar de ter deixado lá escritas algumas considerações gerais, não apreciou especificamente as alegações do ora Recorrente, e isso equivale a uma omissão de pronúncia.
20. Este Venerando Tribunal de Segunda instância não se pronunciou sobre a impossibilidade prática que existia de o ora Recorrente "garantir" que a adjudicação fosse feita à E e de incluir empresas na lista de fornecedores.
21. Não se pronunciou sobre o facto de a F ser a única opção viável para proceder à esterilização dos galgos, sobre o facto de não ter havido outras empresas a apresentar propostas.
22. Não se pronunciou também sobre o facto de a alegada actuação do ora Recorrente ter sido fora dos seus deveres funcionais e que, por isso, não se encontrava preenchido o conceito de "funcionário".
23. É certo que não se exigia ao Tribunal uma fundamentação exaustiva sobre cada ponto das alegações de recurso.
24. Mas exigia-se, pelo menos, que se pronunciasse sobre cada um dos grandes argumentos vertidos naquelas alegações, e que motivaram o recurso para este Venerando Tribunal de Segunda Instância.
25. Salvo melhor opinião, parece-nos que discutir se, no caso concreto, existia ou não a alegada impossibilidade prática de "garantir" resultados favoráveis à E, se a F era ou não a única opção para viável para proceder à esterilização dos galgos e se a alegada conduta do ora Recorrente foi ou não praticada no âmbito da sua função, eram questões que tinham de ser concretamente analisadas por este Venerando Tribunal, e pediam mais do que a simples reprodução de considerações gerais repetidas em tantos outros acórdãos na RAEM.
26. A pronúncia sobre certos pontos pode ser sumária, mas deve estar minimamente ligada ao caso concreto, e deve permitir a todos os intervenientes - independentemente de concordarem com ela ou não - a percepção de qual foi o iter de raciocínio do julgador, qual a ligação desse raciocínio com o caso concreto e quais os motivos que o moveram a decidir como decidiu.
27. "[...] não bastaria - nunca bastaria - a seca enumeração dos factos provados e não provados nem «a mera indicação das provas em que se baseou a convicção do tribunal», sendo «necessário e a lei impunha que se fosse mais além, expondo os motivos ou razões da decisão de facto», o que nos conduzia a concluir que, inobservadas estas exigências específicas claramente expressas no n.º 2 do art. 355.º, se cometia uma «autêntica defraudação do contexto literal da norma e da teleologia que lhe subjaz no que concerne à exigência de motivação de matéria de facto»" - cfr. Marques Ferreira, citado por HENRIQUES, Manuel-Leal, Anotação e Comentário ao Código de Processo Penal de Macau, Vol. II, 2014, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, p. 792.
28. Ao não se pronunciar sobre estes concretos pontos, o Acórdão proferido em 2.ª instância por este Venerando Tribunal, está inquinado de nulidade por falta de pronúncia, nos termos do artigo 571.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, nulidade essa que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais.
   C - DA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS (art. 399.º do CPP)
29. Na decisão proferida pela 1.ª instância, foi aplicada ao Recorrente uma pena de um ano e seis meses de prisão, pelo segundo crime de abuso de poder em que foi condenado na forma continuada.
30. Na sua fundamentação relativa à medida da pena, este Venerando Tribunal decidiu que "[...] atendendo à personalidade do Recorrente durante o recurso e o julgamento e o seu conhecimento da ilegalidade do acto, a pena de prisão deve ser um ano e nove meses, mas face ao princípio de proibição de reformatio in pejus previsto pelo n.º 1 do art. 399.º do Código de Processo Penal, mantém-se a medida de pena de um ano e seis meses da pena de prisão." - cfr. tradução livre; da nossa responsabilidade.
31. Esta consideração foi relativa ao segundo crime de abuso de poder pelo qual o ora Recorrente foi condenado.
32. Sucede que, por decisão deste Venerando Tribunal, esse crime de abuso de poder constava da decisão do Tribunal de 1.ª Instância como sendo um crime continuado mas, de acordo com a decisão deste Venerando Tribunal de Segunda Instância, "[...] conforme os factos provados, inexistem os cometimentos de crime por várias vezes correspondente ao tipo de crime, porque o Recorrente só aproveitou o seu poder por uma vez, para obter o benefício ilícito clínico para a F." - cfr. tradução livre, da nossa responsabilidade, realçado e sublinhado nossos.
33. Um crime continuado pressupõe uma continuação criminosa, uma reiteração, um aproveitamento maior dos benefícios decorrentes do crime.
34. Um crime continuado é, por isso, mais grave do que um crime único, sem reiteração, um episódio isolado.
35. Ora, se um crime simples é menos grave do que um crime continuado, a pena aplicada terá, necessariamente, de ser menor.
36. Este Venerando Tribunal de Segunda Instância mostrou uma preocupação louvável em não violar o princípio da proibição de reformatio in pejus mas, salvo o devido respeito, parece-nos que, mesmo assim, acabou por o violar.
37. É que, alterando-se uma condenação de crime continuado para crime simples, a pena aplicada teria de ser, necessariamente, em medida inferior àquela que tinha sido aplicada pela 1.ª instância.
38. O princípio da proibição de reformatio in pejus - como amplamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência - não se limita à mera proibição de aumento de uma pena.
39. Esta proibição é mais ampla do que isso, e vincula o julgador a rever em baixa a pena nos casos em que o crime seja considerada uma qualquer circunstância que desagrave a conduta tal como configurada pelo tribunal recorrido - o que é o caso.
40. Neste caso, passando-se de crime continuado para crime simples, a pena correspondente teria de ser revista em baixa face à pena que tinha sido aplicada pela 1.ª Instância.
41. A título de exemplo, desta interpretação mais ampla do princípio da proibição de reformatio in pejus, cite-se o Supremo Tribunal de Justiça Português, que decidiu o seguinte: "Na sequência de recurso interposto pelo arguido, sempre que o tribunal ad quem desagrave o ilícito criminal em que aquele foi condenado em 1.ª instância, deve, sob pena de reformatio in pejus reformular (in melius) as penas aplicadas, na medida exacta da implicação, na sua graduação, da(s) agravante(s) desaparecida(s)." - Ac. STJ de Portugal de 29.04.2003, Proc.º n.º 768/03-5.ª.
42. O mesmo se disse noutro aresto do mesmo STJ: "Na sequência de recurso interposto pelo arguido, sempre que a 2.ª instância desagrave o ilícito criminal em que aquele foi condenado em 1.ª instância, deve, sob pena de (indirecta) reformatio in pejus, reformular (in melius) as penas aplicadas na medida, pelo menos, da implicação, na sua graduação, da agravante desaparecida." - Ac. STJ de Portugal de 21.04.2005, Proc.º n.º 895/05-5.ª.
43. Refira-se mais um exemplo: "Tem-se entendido que a proibição de reformatio in pejus não se limita à situação que é descrita no mero texto da lei, pois tem outras implicações, nomeadamente quando a pena se mantém apesar do crime ou da ilicitude terem sido desagravados ou atenuados no tribunal de recurso. [...] a manutenção da pena pelo tribunal superior representa, na prática, um agravamento do tratamento penal que lhe tinha sido aplicado na instância inferior, pois agora os pressupostos para a fixação daquela são diferentes e mais favoráveis ao arguido." - Ac. STJ de Portugal de 05.05.2011, Proc. n.º 157/05.AJELSB.L1.S1-5.ª. - realçado e sublinhado nossos.
44. Este Venerando Tribunal de Segunda Instância não só não desagravou a pena de um ano e seis meses, como disse expressamente que a pena devia ser maior (1 ano e 9 meses) e que só não a agravava precisamente em obediência a este princípio da proibição de reformatio in pejus.
45. Na prática, este Venerando Tribunal não só não diminuiu a pena (como estaria vinculado a fazer), como referiu expressamente que entendia que a pena devia ser maior, de modo a poder justificar a sua não redução.
46. Pondo de forma mais simples: aumentou a pena para não ser obrigado a diminuí-la.
47. Isto, Excelências (concordarão certamente), é uma violação clara do princípio da proibição de reformatio in pejus, ínsito no artigo 399.º do CPP.
48. É sempre uma tarefa ingrata, esta de arguir nulidades (por mais claras que sejam) perante o próprio Tribunal que proferiu a decisão, mas cremos que a importância de não deixar em Macau jurisprudência feita no sentido de interpretar o princípio da proibição de reformatio in pejus num sentido restrito - o que seria violentamente atentatório contra este princípio tão importante do Processo Penal - determinarão V. Exas. a reconhecer a nulidade da decisão, e a diminuir a pena aplicada ao ora Recorrente.
49. Diminuição esta, sublinhe-se, directamente resultante da decisão proferida por esse Venerando Tribunal em sede de recurso.
50. Por tudo o exposto, a decisão recorrida é também nula por violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, previsto no artigo 399.º do CPP, requerendo-se a V. Exas. que declarem a referida nulidade, e que seja alterada a medida da pena aplicada ao segundo crime de abuso de poder em que o ora Recorrente foi condenado.
   …”。
*
第二嫌犯:
   “…
1. Invocou o arguido, na sua motivação de recurso três questões, a saber:
* "contradição insanável da fundamentação";
* errada interpretação de direito; e
* a severidade da pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada.
2. De uma forma muito sintéctica o Tribunal analisou estas questões e1encadas e referiu basicamente o seguinte:
* quanto à invocada contradição, deu por reproduzida a decisão, quanto a esta mesma questão no acórdão, sobre o recurso do arguido A;
* quanto à errada interpretação do direito, aplicando - na óptica do arguido recorrente - erradamente o direito aos factos assentes; o acórdão em apreço entendeu que existe concurso real (e não aparente) entre os crimes de "abuso de poder" e "violação de segredo", mas entendeu também que, face ao disposto no art.º 399º do C.P.P., a decisão não poderia ser alterada em prejuízo do arguido; e finalmente,
* quanto à severidade da pena efectiva, foi entendido que a mesma se mostrava adequada, face sobretudo, à gravidade dos factos - que abalaram a credibilidade da Administração da R.A.E.M. - e à não confissão dos mesmos por parte do arguido.
Ora,
3. Com o devido respeito, entende o arguido recorrente que o acórdão em apreço, tal a forma sintéctica com que abordou as questões elencadas na motivação do recurso, não se pronunciou sobre parte das mesmas.
Na verdade,
4. Quanto à contradição insanável da fundamentação, o acórdão em apreço não se pronunciou sobre a manifesta contradição entre os factos provados; os factos não provados; e a fundamentação dos mesmos, com base em testemunhas cujos depoimentos o acórdão de 1ª Instância expressamente reproduziu.
É que, com o devido respeito, a motivação de recurso do arguido, A, quanto a esta questão, não coincide totalmente com aqueloutra do arguido ora requerente, pelo que a "analogia" feita pelo acórdão em apreço peca por defeito.
Perguntar-se-á:
Em que aspecto é que não há a contradição invocada?
É uma questão de tradução?
Se assim é - o arguido acaba por não entender - diga-se exactamente o que está errado naquilo que o arguido invocou.
E, se é uma questão da tradução, aponte-se exactamente a incorrecção.
Assim não aconteceu, pelo que o arguido acaba por não compreender, o que para o Tribunal alegadamente se afigura óbvio.
Por outro lado,
5. No tocante à invocada errada interpretação do direito - ao condenar o arguido pelo crime de "abuso de poder" e não tipificar os factos assentes como uma "violação de segredo" - também aqui, com o devido respeito, o acórdão em apreço ficou muito aquém do que se invocou na motivação de recurso.
6. O arguido apontou que os factos dos art.º 31º, 32º e 37º tipificavam um crime de "violação de segredo" e não um crime de "abuso de poder".
O acórdão em apreço, sempre com o devido respeito, não toma posição sobre estes factos.
Pura e simplesmente, ignora-os.
E conclui, então, não discriminando os factos que, na óptica do Tribunal, tipificariam o crime de "abuso de poder" que o arguido poderia, isso sim, ser condenado pelos dois crimes porque, alegadamente, o "bem protegido" por ambos é diferente, o que por si só bastaria para a condenação pelos dois crimes; o que é impossível em virtude da proibição de "reformatio in pejus".
7. Mas referiu expressamente o arguido, na sua motivação, que os crimes de "abuso de poder" e de "violação de segredo" são crimes previstos na Capítulo V do Código Penal - "Crimes cometidos no exercício de funções públicas" - mas, não obstante incluídos em Secções diferentes deste Capítulo, há uma relação de "concurso aparente", por subsidiariedade entre ambos os crimes. Isto é, ambas normas prevêm o mesmo facto concreto - uma violação dos deveres do funcionário - mas enquanto o crime de "abuso de poder" é uma norma subsidiária, perante um abuso de funções genérico; o crime de "violação de segredo" pune exactamente a conduta de todo aquele que revela um segredo de que tomou conhecimento no exercício das suas funções.
Como refere Figueiredo Dias - "Comentário Conimbricense do Código Penal", em nota ao 388º (348º do Código Penal de Macau):
"Segredo tem uma tríplice dimensão: integram factos apenas conhecidos de um número restrito de pessoas, e cujo o titular pretende manter sob reserva, desde que haja interesse legítimo, razoável e justificado na reserva ..."
E, mais à frente:
".... segredo abrange não só informações mas também assuntos que de alguma forma dizem respeito à administração e esta pretende manter sob sigilo ..."
Afigura-se óbvio ao arguido recorrente que a conduta do 1º arguido, A tipifica aquele específico crime de "violação de segredo", cometido no exercício de funções públicas.
O A, perante os factos provados, actuou dolosamente, porquanto tinha "... não só conhecimento e vontade de violar o segredo como ainda conhecimento e vontade de que (estava) a violar um dever inerente ao exercício da sua actividade ..." - Figueiredo Dias (obra citada).
Mas também tinha o A a intenção de obter para si e para outra pessoa (a Agência Comercial E Limitada (E貿易有限公司)) um benefício patrimonial que foi alcançado, conquanto não devidamente discriminado.
8. Está assim delimitada a conduta do A no âmbito do crime de "violação de segredo", o que resulta não só dos factos provados supra referidos e transcritos, como também da matéria constante dos artigos 35º, 36º, 39º, 42º, 44º, 45º, 46º e 47º dos factos provados.
Na verdade, daqueles consta a violação do segredo "stricto sensu"; e, destes, o benefício patrimonial, consequência desta violação.
Concluindo,
9. Contudo, estamos, na presença de um crime semi-público, uma vez que, nos termos do nº 2 do art.º 348º do C.P. "o procedimento penal depende de queixa da entidade que superintender no respectivo serviço ou do ofendido."
E não consta que o I.A.C.M. tenha exercido o respectivo direito de queixa, no prazo e sob as condições para o efeito.
E não é pelo facto de, nos presentes autos, o exercício de queixa não ter sido formalizado por quem de direito - o que impõe necessariamente, nos termos do art.º 107º a extinção do direito de queixa e a consequente absolvição dos arguidos pelo crime de "violação de segredo", na forma continuada - que "subsidiariamente" se deve punir a conduta dos arguidos pelo crime de "abuso de poder".
Este, o "abuso de poder" (crime público) só vingaria se a conduta dos arguidos não fosse totalmente subsumida à da norma que prevê a "violação de segredo".
10. Mas o acórdão em apreço não se pronunciou sobre esta parte da motivação.
O que, também aqui, acarreta a respectiva nulidade.
Por último,
11. O acórdão recorrente - para referir que uma pena de 2 anos de prisão não é severa - omite, com o devido respeito, no entender do arguido, factos que recomendariam uma suspensão da execução da pena aplicada: (i) a situação familiar do arguido - casado e pai de três filhos menores que dele muito carecem - ; e (ii) o facto de uma acusação que imputava ao arguido inicialmente - daí a ameaça da credibilidade da Administração - 142 crimes de ''participação económica em negócio"; ter sido convolada em um crime de "abuso de poder", na forma continuada.
E disse mesmo o arguido que "a montanha pariu um rato", para motivar que, aquilo que inicialmente indiciava gravidade, se quedou por um crime cuja pena até poderá ser "só" de multa.
12. E é por isso que, entendeu o arguido, uma pena suspensa na sua execução se aplicaria, quase forçosamente, à conduta criminosa do arguido.
Mas esta questão foi silenciada pelo acórdão em apreço.
   …”。
*
檢察院作出意見書,有關內容分別載於卷宗第6272頁及第6273頁,在此視為完全轉錄。
*
各助審法官對卷宗作出了審閱。
*
二、 理由陳述
(I) 第一嫌犯的裁判無效爭議
1. 關於違反禁止不利益變更原則方面:
首先需指出的是,沒有任何法律規定單一犯罪的量刑必然比連續犯的為低,故第一嫌犯這一論點明顯是沒有法律依據。
再者,本院最終的決定並沒有加重了其量刑,有關量刑和原審法院所判處的相同,故不存在違反禁止不利益變更原則的事實。
基於此,裁定這部分的無效爭議不成立。
2. 關於遺漏審理方面:
只有當法院對當事人提出的某一問題沒有進行審理時,才構成判決因遺漏審理而無效。倘法院已就相關問題作出審理,僅是沒有就所主張問題的理由逐一作出回應,並不構成遺漏審理的判決無效。
就同一司法見解,可見終審法院於2014年11月19日在卷宗編號112/2014及中級法院於2021年06月22日在卷宗編號13/2021所作出之裁判。
在本個案中,第一嫌犯在上訴中提出了原審法院在審查證據方面有明顯的錯誤,而本院已就該問題作出了審查,認定該部分的上訴理由不成立。
基於此,這部分的裁判無效爭議並不成立。
3. 關於沒有詳細說明作為裁判理由之事實依據方面:
這部分的無效爭議同樣不成立,理由在於相關事實依據已載於已證事實中,尤其是以下已證事實:
3) 但實際上,「E公司」是由嫌犯A、嫌犯B及嫌犯C三人共同開設,實際的股份比例為每人各佔公司三分之一股份。然而,基於嫌犯A自2006年01月01日起便擔任原民政總署(現已更名為市政署)衛生監督部動物檢疫監管處處長一職,故其為掩飾其持股的狀況,在與嫌犯B及嫌犯C達成口頭協議後,一直由嫌犯B代其持股。
4) 嫌犯A在「E公司」所持之股份屬「暗股」,且嫌犯A向「E公司」注入資金時亦不會以自己名義作出轉帳或簽發支票,有關操作均透過嫌犯B作出。
16) 2015年08月10日及09月08日,嫌犯A與嫌犯B在XX的對話聊天中提及到,由於嫌犯C將會進入公職,故需更改嫌犯B及嫌犯C兩人於公司的股份分配,以及終止嫌犯C行政管理機關成員的身份。基於此,自2015年11月起,「E公司」的股份比例是嫌犯A及嫌犯C分別佔股33%,而嫌犯B則佔股34%。有關比例與現時「E公司」的商業登記完全相同,只是嫌犯A所佔的股份由嫌犯B代為持有而已(兩人相關的XX對話參見偵查卷宗附件二十第4冊第747頁及第759頁、扣押品C74)。
18) 其後,即使嫌犯C名義上已不再擔任「E公司」行政管理機關成員及進入公職,嫌犯C仍積極參與「E公司」的日常運作,除了經常與嫌犯A及嫌犯B商討向「民政總署」投標事宜外,更身體力行為「E公司」撰寫及遞交標書,外出協助「E公司」到市政狗房工作,以及到銀行以其個人帳戶向供應商辦理匯出貨款等(具體工作描述參見偵查卷宗第21冊第5117頁背頁第123點至第5118頁背頁第129點)。
19) 「E公司」在2012年07月至2015年01月期間沒有聘請過任何員工,而其後聘請過的兩名員工亦在一年內離職,故大部分時間均是由嫌犯A、嫌犯B及嫌犯C參與「E公司」的運作。而在「E公司」的分工上,嫌犯A負責統籌及作出決策,嫌犯B則主要負責「E公司」的會計工作,嫌犯C主要負責「E公司」的執行工作(三名嫌犯的具體分工描述參見偵查卷宗第21冊第5118頁背頁130點至第5120頁135點)。
30) 其後,在2012年08月至2019年01月,嫌犯A在142次動監處進行之採購程序中,其中約43次濫用其作有(為)處長具有的權力,介入其下屬將其持有暗股的「E公司」直接列入申請表備註欄之供應商名單,嫌犯A需要在有關的採購申請表中簽名確認。這樣,「E公司」參與當次採購便無需經「財產及採購處」的前述既定電腦抽籤程序。在上述過程中,嫌犯A從未披露其在「E公司」實際持有股份。
31) 嫌犯B及嫌犯C並不具備動物護理方面的獸醫專業知識,但基於嫌犯A能夠預先知悉採購程序中的多項資料及選標準則,故其為了讓「E公司」成功中標,在上述142次採購程序中,曾有約43次預先透過電郵或通訊軟件聊天群組等途徑,向嫌犯B及嫌犯C透露其因職務而知悉之採購判給內部機密資料,包括開標日期、其他供應商的資料、評分標準等。嫌犯A還曾將投標模版提供予嫌犯C。
32) 此外,嫌犯A還會親自或指示嫌犯B及嫌犯C採取適當的措施,包括預先了解有關財貨或勞務的供應商、市場價格、利潤、規格,甚至預先訂購相關貨物以縮短交貨期,使得「E公司」取得競爭優勢而“合理”地獲得動監處的判給。
33) 其後,嫌犯A更將交貨期加入採購程序的評分標準中,並曾在採購程序開展時安排「E公司」提早準備動監處擬採購之貨物,這樣,「E公司」便能更順利取得動監處之判給。
35) 「E公司」設立於2012年06月29日,作為一間新成立的公司,在嫌犯A的不法干預及協助下,「E公司」僅在2012年下半年便已獲得動監處11次的判給,成為該年度動監處判給次數第二多的公司。其後在2013年至2018年間,「E公司」更成為動監處所主導的採購判給程序中獲判次數最多的一間公司。(參見偵查卷宗第20冊第4859至4866頁之《E貿易有限公司獲前民政總署(市政署)採購判給的數據分析報告》)。
36) 在2012年06月至2019年02月期間,「E公司」合共獲得動監處149次的採購項目判給,涉及金額超過澳門幣1,131萬元。在這149次的判給當中,有142次是「E公司」透過上述「直接輸入」的方式來讓其獲得參與動監處採購程序的機會,繞過民政總署既定的電腦抽籤程序,涉及金額約為澳門幣1,059萬元。
39) 在2013年至2018年期間,民政總署均會在每年01月以支票或轉帳方式將判給款項存入「E公司」名下的F銀行(帳號:22XXXXX100)或中國銀行(舊帳號:14XXXXX532或新帳號:1814XXXXX5326)帳戶。在收到有關款項後,嫌犯A、嫌犯B及嫌犯C便會在每年01月下旬至02月進行「E公司」的年度分紅,每年數額由澳門幣15萬元至45萬元不等。
42) 在2013年至2019年期間,嫌犯A、嫌犯B及嫌犯C三人在「E公司」所得之現金分紅合共約為澳門幣1,740,000元。
46) 總括而言,至2019年06月為止,嫌犯A、嫌犯B及嫌犯C合共從「E公司」分享到澳門幣2,699,528.16元的利益。當中,嫌犯A獲得之利益為澳門幣1,248,588.59元、嫌犯B獲得之利益為澳門幣678,969.79元,嫌犯C獲得之利益為澳門幣771,969.79元(參見偵查卷宗第21冊第5226頁背頁之表格)。
47) 嫌犯A、嫌犯B及嫌犯C基於共同意願並達致協議,為了取得不正當利益而共同成立和經營「E貿易有限公司」,利用嫌犯A作為民政總署衛生監督部動物檢疫監管處處長而具有的職權,在2012年06月至2019年02月期間,合共142次對動物檢疫監管處的採購判給程序中,約43次作出干預,令「E貿易有限公司」更容易獲獲得判給,嫌犯A在此一過程序違反了其職務上的固有義務。
49) 嫌犯A礙於其公務員身份,便以其胞妹G當時的男朋友H的名義入股。換言之,H在該動物醫療診所持有的股份實際上屬於嫌犯A。
52) 然而,基於G與H在「I醫療中心」設立數個月後結婚,嫌犯A認為倘繼續由H代為持股會令其配偶G的名字亦顯示在商業登記上,從而引起他人注意,並令第三者聯想到此公司與嫌犯A有關係,於是嫌犯A決定改以嫌犯B的名義持有「I醫療中心」的股份 (即所謂「暗股」)。
68) 2018年07月31日下午約3時9分,嫌犯A透過XX聊天群組「XX」與J及嫌犯K討論「L」格力犬事件。當時,嫌犯A已有意向「M協會」推薦「I醫療中心」為格力犬做絕育手術,且其亦制訂了相關計劃。
69) 同日下午約3時15分,嫌犯A致電當時「M協會」的董事會成員N,並在電話中表示,民政總署的獸醫將於2018年07月31日離開狗場,要求N尋找私人獸醫進駐,並聲稱需在2個月內為場內犬隻完成絕育手術。此外,嫌犯A又指出派駐狗場的獸醫必須是本澳居民,並隨即在電話中強烈推薦「I醫療中心」及要求N向該醫療中心索取報價(參見載於偵查卷宗第16冊第4085頁至第4089頁的照片)。
70) 其後,嫌犯A立即致電嫌犯B以交待及說明如何處理「I醫療中心」將會承接格力犬絕育手術一事,並再次在XX聊天群組上與J及K商討有關事宜(參見偵查卷宗第20冊第4867至4883頁以及附件二十第1冊第124頁背頁至126頁)。
72) N按嫌犯A的推薦,向「I醫療中心」獸醫O查詢有關絕育手術的事宜。當時O已向N表示「I醫療中心」負責人已與民政總署達成共識,且其後N更收到嫌犯B表示可提供格力犬絕育所需藥物的XX短信。但「M協會」後來並無決定聘用「I醫療中心」替格力犬絕育。
73) 在未能成功向「M協會」推薦使用「I醫療中心」進行絕育手術的情況下,嫌犯A再次使用其監督的權力,協助「I醫療中心」的職員以「M協會」人員名義進入狗場工作。「L」最後同意嫌犯A推薦的「I醫療中心」為格力犬進行絕育手術。
74) 嫌犯A還指示下屬向「I醫療中心」借出屬於「民政總署」的設備,包括洗牙機、麻醉機、製氧幾及手術器械消毒機等,而麻醉藥、鎮靜劑等藥物也一併借出,「民政總署」獸醫P等人於是便將該等設備和藥物搬至「L」(具體操作過程參見偵查卷宗第21冊第5238頁背頁第400.1點至第5239頁背頁第400.8點)。事實上,在這次事件以前,民政總署從來沒有向私人性質的機構或公司外借為動物進行手術的器械或藥物。
75) 在嫌犯A的直接介入和斡旋下,「I醫療中心」的獸醫O等人進入「L」,使用「民政總署」借出的設備和藥物替部分格力犬進行了絕育手術,該等手術的費用已由「L」承諾支付予「I醫療中心」。
77) 嫌犯A身為「民政總署」轄下「動物檢疫監管處」處長(公務員),意圖為自己或第三人獲得不正當利益,或造成他人有所損失,濫用其職務上固有之權力,以及違反職務上固有之公正及無私等義務,促成其暗中持股的「I醫療中心」取得格力犬絕育之業務。
上述舉例列出的事實足以證明第一嫌犯的行為存有《刑法典》第347條所指“意圖為自己或第三人獲得不正當利益”的特定故意。
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(II) 第二嫌犯的裁判無效爭議
1. 關於遺漏審理方面:
如上所述,只有當法院對當事人提出的某一問題沒有進行審理時,才構成判決因遺漏審理而無效。倘法院已就相關問題作出審理,僅是沒有就所主張問題的理由逐一作出回應,並不構成遺漏審理的判決無效。
所有第二嫌犯在上訴中提出的問題,本院均作出了審理,而第二嫌犯在裁判無效異議中亦承認這點,只是認為所說明理由不足,等同於沒有作出審理。
需指出的是,說明理由不足和遺漏審理是兩個截然不同的概念,前者不導致任何裁判/判決無效,而後者則是法定無效裁判/判決瑕疵之一。
從第二嫌犯提出裁判無效爭議的聲請書內容可知其只是不同意相關裁判結果和所持的理由。
基於此,第二嫌犯的裁判無效爭議是明顯不成立的。
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三、 決定
綜上所述,合議庭裁定第一嫌犯及第二嫌犯的裁判無效爭議理由不成立,駁回有關爭議。
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判處第一嫌犯及第二嫌犯各繳付6個計算單位之司法費以及相關的訴訟費用。
著令通知。
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              2021年11月04日
              
              
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              何偉寧 (裁判書製作人)
              
              
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              蔡武彬 (第一助審法官)
              
              
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陳廣勝 (第二助審法官)
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