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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 10/3/2022 ----------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng --------------------------------------------------------------------

Processo n.º 111/2022
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 200 a 208v do Processo Comum Colectivo n.° CR4-21-0210-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como co-autor material, na forma consumada, de um crime de burla em valor elevado, p. e p. pelos art.os 211.o, n.os 1 e 3, e 196.o, alínea a), do Código Penal, em um ano e seis meses de prisão, suspensa na execução por dois anos (para além de ser condenado civilmente, em sede de arbitramento oficioso de indemnização, com juros legais).
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando (no seu essencial) e rogando o seguinte, na sua motivação apresentada a fls. 222 a 227v dos presentes autos correspondentes:
– as provas dos autos não dão para se julgar como provados os factos descritos como provados sob os n.os 1, 3, 8, 13 e 14 no texto do acórdão recorrido, havendo, pois, por parte do Tribunal sentenciador, erro notório na apreciação da prova (com violação do princípio de in dubio pro reo), devendo ele próprio passar a ser absolvido do crime por que vinha condenado, por não ter sabido ele do carácter falso das notas de dinheiro em causa nos autos, nem ter agido em comparticipação criminal com outrem.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 230 a 233 dos autos, no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, emitiu, em sede de vista, a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 243 a 244v, pugnando pela manutenção do julgado.
Concluído o exame preliminar, cumpre rejeitar o recurso, nos termos permitidos pelos art.os 407.o, n.o 6, alínea b), e 410.o, n.o 1, do Código de Processo Penal (CPP), dada a manifesta improcedência do mesmo.
2. Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontrou proferido a fls. 200 a 208v, cujo teor integral (que inclui a respectiva fundamentação fáctica e probatória) se dá por aqui reproduzido.
3. De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao ente julgador do recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo:
O arguido recorrente assacou à decisão recorrida o vício do art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, defendendo que desconhecia do carácter falso do maço de 100 notas em numerário de dólares de Hong Kong (cada uma das quais com valor facial de mil dólares de Hong Kong) em causa nos autos, nem participou no plano delinquente de burla de outrem.
Pois bem, sobre a temática de apreciação das provas, é sempre útil relembrar os seguintes preciosos ensinamentos veiculados no MANUAL DE PROCESSO CIVIL (2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, páginas 470 a 472), de autoria de ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA:
– < […]
Há, todavia, algumas excepções ao princípio da livre apreciação da prova, que constituem como que justificados resíduos do sistema da prova legal.
[…]
Mas convém desde já conhecer os diferentes graus de convicção do julgador criados pelos meios de prova e precisar o seu alcance prático.
Quando qualquer meio de prova, não dotado de força probatória especial atribuída por lei, crie no espírito do julgador a convicção da existência de um facto, diz-se que foi feita prova bastante – ou que há prova suficiente – desse facto.
Se, porém, a esse meio de prova um outro sobrevier que crie no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto, a prova deste facto desapareceu, como que se desfez. Nesse sentido se afirma que a prova bastante cede perante simples contraprova, ou seja, em face do elemento probatório que, sem convencer o julgador do facto oposto (da inexistência do facto), cria no seu espírito a dúvida séria sobre a existência do facto.
Assim, se a parte onerada com a prova de um facto conseguir, através de testemunhas, de peritos ou de qualquer outro meio de prova, persuadir o julgador da existência do facto, ela preencheu o ónus que sobre si recaía. Porém, se a parte contrária (ou o próprio tribunal) trouxer ao processo qualquer outro elemento probatório de sinal oposto, que deixe o juiz na dúvida sobre a existência do facto, dir-se-á que ele fez contraprova; e mais se não exigirá para destruir a prova bastante realizada pelo onerado, para neutralizá-la […]>>.
No caso concreto dos autos, após vistos, em global e de modo crítico, todos os elementos probabórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que seja manifestamente desrazoável o resultado do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo, o qual nem sequer tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, pelo que é de respeitar o julgado desse Tribunal sentenciador. Aliás, esse Tribunal já explicou congruentemente, sobretudo no segundo parágrafo da fundamentação probatória do seu acórdão (cfr. o teor da página 11 desse texto decisório, a fl. 205 dos autos), por que é que não acreditou na versão fáctica do arguido.
Vê-se, nitidamente, que a matéria fáctica provada em primeira instância, com prova efectivamente bastante (nota-se que a negação de factos pela Defesa, por si só, não dá para contraprovar a prova bastante oferecida pela Parte Acusadora), suporta cabalmente a condenação do arguido como co-autor material de um crime de burla em valor elevado, por estarem preenchidos todos os elementos deste tipo-de-ilícito, quer objectiva quer subjectivamente.
De observar que como a intervenção do arguido para efeitos de entrega do maço de notas à parte ofendida foi essencial para fazer com que esta procedesse à transferência bancária, o papel do próprio arguido foi efectivamente o de co-autor de outrem na execução do plano delinquente de burla em causa.
Razões por que a decisão condenatória penal do arguido não pode ter enfermado do vício de erro notório na apreciação da prova, nem ter violado o princípio de in dubio pro reo.
Há, pois, que rejeitar o recurso, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 do art.º 410.º do CPP.
4. Dest’arte, decide-se em rejeitar o recurso, por ser manifestamente improcedente.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso), e mil e cinquentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Macau, 10 de Março de 2022.
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Chan Kuong Seng
(Relator)



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